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Força de vontade
O ex-menor infrator e atual embaixador da juventude da ONU, Jeconias Neto, acredita que a maior política pública para a ressocialização é o empenho pessoal
Beatriz Tedesco Camille Casarini Fernanda Xavier
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Fernanda Xavier
Em novembro de 2018, o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e das Medidas Socioeducativas do
Conselho Nacional de Justiça realizou um levantamento, indicando que no país havia 22 mil jovens menores infratores, em 461 unidades socioeducativas pelo Brasil.
Jeconias Neto Lopes já fez parte desse número. Aos 13 anos, ele se envolveu no mundo das drogas e dos crimes, mas hoje é embaixador da Juventude da Organização das Nações Unidas (ONU) e conta sobre essa trajetória de superação e recuperação.
Hoje aos 28, Jaconias se mudou para Brasília com seus pais aos 2 anos de idade. A mudança era para que conseguissem uma vida melhor, mas no fim das contas, acabaram na periferia da cidade. Uma região que não possuía energia elétrica e sistema de água.
Em seu artigo “Perdido e achado - Uma jornada de esperança”, no qual escreveu sobre sua história, o embaixador ressalta que o local em que morava não era o problema, mas, sim, a falta de oportunidades para crescer e conseguir levar uma vida normal. Independentemente desse ambiente, os pais de Jeconias o criaram de acordo com ensinamentos adventistas. Mas, com o passar dos anos e a chegada da adolescência, ele conta que as drogas e o crime que o rodeavam começaram a fazer parte da sua visão de mundo e “a bela educação cristã começou a desaparecer”.
Então com 13 anos, o menino deixou a igreja e entrou de cabeça no crime e nas drogas que, para ele, parecia oferecer àquela época uma vida muito poderosa.
O embaixador, ainda em seu artigo, aponta sobre a questão do crime e as pessoas menos favorecidas: “Nesse mundo em que as pessoas se sentem insignificantes, o crime acena para aqueles que estão em maior desvantagem e às margens da sociedade, oferecendo-lhes a chance de ‘se tornarem alguém’! E eu queria ser alguém”.
Ele conta que acabou entrando no mundo das drogas profundamente e o que no início acabava lhe dando bem-estar, no fim lhe trouxe muita agonia e ilusão, fazendo com que não se sentisse satisfeito e ficasse cada vez mais violento.
“Fui preso inúmeras vezes”, lembra ele. Contudo, por ser menor infrator, ficava nas casas socioeducativas, mas assim que era solto voltava para o mundo da criminalidade. Até que, aos 17 anos, foi preso pela última vez. Em um dos fins de semana que foi para casa, não conseguiu acompanhar a mãe até a igreja, pois ele não se sentia “digno”.
Até que um dia na casa de detenção receberam um grupo de adventistas que cantaram um hino que o fez sentir uma “paz interior” e relembrar seus momentos de cristão. Então, na semana seguinte em que foi para casa, acompanhou a mãe à igreja.
“Precisamos ter força de vontade e paciência. Devemos sempre tentar tirar coisas boas das piores situações. Esperar pelos outros e nos vitimizar pela vulnerabilidade não é a melhor saída.” - Jeconias Neto, embaixador da juventude da ONU
Assim, Jeconias conta que a igreja foi a forma como conseguiu sair do mundo do crime e se reencontrou.
Contudo, sua história de superação não acaba aí. No ano de 2016, concluiu o curso de Teologia e foi convidado para servir em uma igreja de Brasília. O intuito era que ele desenvolvesse o ministério adventista aos presidiários do local. E, então, quando iniciou os trabalhos, foi nomeado embaixador da Juventude pelas Nações Unidas, para representar todos os jovens do país.
Para Jeconias, o primeiro passo que a sociedade precisa dar é a empatia, visto que nao tem como discutir políticas públicas sem se colocar no lugar do outro, ‘’que é o endereço mais difícil nesse mundo’’. Ele ressalta que se colocar no lugar do outro, não significa concordar com tal realidade.
‘’Quando a sociedade debate política, não é para garantia de direitos e para o equilíbrio da vida humana e nem para a gente poder oferecer as oportunidades de maneira igualitária a todos. Geralmente, nós defendemos nosso prisma, nossa opinião. E as políticas públicas que são construídas não são efetivas. Quem constrói a política hoje é gente que desconhece toda vulnerabilidade social que existe.’’
O embaixador afirma que não acredita na impunidade, mas, sim, que as penas devem ser para a ressocialização e remissão da vida e não apenas de caráter punitivo e condenativo.
Jeconias acredita que por falta de investimento na área da socioeducação, o sistema não cumpre com o principal objetivo, a ressocialização. Para ele, essas unidades se assemelham às penitenciárias, que são ‘’cemitérios de sonhos’’ que empoderam o crime.
‘’O adolescente, ao invés de ver um lugar onde tem seus direitos garantidos e possa ter um plano de crescimento, acaba visualizando um local de mera sobrevivência. A criminalidade enxerga esses locais como escola do crime’’, afirma o embaixador. Se pudesse dar um conselho para os menores infratores, ele conta que falaria que é necessário olhar pelo viés do empoderamento e entender que a maior política pública que a sociedade possui nos dias de hoje infelizmente é a força de vontade. ‘’Precisamos ter força de vontade e paciência. Devemos sempre tentar tirar coisas boas das piores situações. Esperar pelos outros e nos vitimizar pela vulnerabilidade, não é a melhor saída.’’
A psicóloga Alessandra Lukenchukii diz que são vários fatores que levam um adolescente a cometer uma ou mais infrações. Porém, não se pode desconsiderar a questão social e socioeducacional, pois a maioria dos jovens que estão nesta condição são de classe baixa. “A família tem um papel importantíssimo na formação da criança e do adolescente. Deve acompanhar o desenvolvimento, estando alerta aos sinais de comportamentos inadequados ou até mesmo de possíveis evidências de desvio de conduta. Essa atenção é fundamental para que possam ajudar ou até mesmo procurar ajuda profissional.”
Segundo a psicóloga, se alguém observa que o filho maltrata animais, sente prazer em ferir o amigo, vendo que esses casos ocorrem com frequ-
Arquivo pessoal
ência e não se sente arrependido, isso pode ser indício de algum distúrbio ou transtorno de personalidade. “A família também precisa de ajuda para entender seu papel, pois quando o adolescente voltar ao convívio social, os familiares possam ampará-lo e ajudá-lo nessa integração.” Ela comenta que quando o menor infrator é detido em unidades específicas, a psicologia pode ajudar no contexto junto com a família, “trabalhando o resgate desse núcleo familiar, construindo vínculo, afeto e aproximação”.
Para Alessandra, as unidades que abrigam os menores precisam ter todas as condições para reabilitação,
ou seja, profissionais habilitados e especializados. “A finalidade deveria ser de resgate, conscientização e aprendizado de uma profissão, ser direcionado para que esses jovens possam ter possibilidades diferentes das que o levou para aquela situação.”
A psicóloga sugere que se for trabalhado os aspectos de conscientização, construção de pensamentos, comportamentos funcionais e reestruturação familiar, a possibilidade de voltar a cometer uma nova infração pode ser muito menor. “É importante entender que escolhas geram consequências, mas as pessoas podem se vitimizar ou aprender. Valorizar o aprendizado é sempre um caminho para não voltar a fazer escolhas erradas”.
Segundo o sociólogo Ricardo Denarde, a opinião que a sociedade tem em relação aos menores infratores é histórica, vem desde o século XIX. Para ele, a sociedade brasileira é predominantemente conservadora e elitista, de forma que o sistema jurídico, econômico e social fazem com que os desajustados das mais diversas áreas sejam fortemente discriminados, afetando os menores infratores.
“Os menores infratores, sem dúvida, possuem uma parcela de culpa, mas não a culpa total e a sociedade, em geral, atribui a culpa exclusivamente ao infrator.” O sociólogo destaca que a sociedade olha para o infrator como um problema, alguém que deva sozinho pagar por seus erros, corrigi-los, se organizar e se reerguer na vida.
Porém, Ricardo destaca que parte da culpa também é da sociedade, que negligencia esse problema. “Nós precisamos, enquanto nação, gerar condições para que o jovem entre para a criminalidade somente se quiser. Em nações desenvolvidas, ainda há jovens que vão para a criminalidade, mas aí pode-se afirmar que por escolha própria, porque eles possuem a oportunidade de seguir outro caminho.”
Muitos jovens brasileiros, segundo o sociólogo, não possuem muitas opções a não ser o caminho da criminalidade, então nesses casos não é possível afirmar que é uma escolha do indivíduo, pois a sociedade não ofereceu todas as possibilidades para ele seguir.
O sociólogo ainda ressalta que, para resolver o problema da marginalização de menores infratores, só existe uma solução: a educação. Uma educação de qualidade, acessível a toda a população daria condições do jovem adquirir as ferramentas necessárias para atuar ativamente na sociedade, pois quando essa educação não chega ao indivíduo, ele é privado de muitas oportunidades. Além disso, Ricardo afirma que seria importante haver dentro do ambiente de reclusão dos menores infratores maior instrução e ensino para que o jovem possa sair de lá com mais ferramentas para atuar de forma positiva na sociedade.