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Catadores de sonhos

Ao fundo cooperativa municipal que recebe materiais recicláveis de alguns carrinehiros da cidade.

Rita Vidal

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A rotina de catadores de lixo é agitada e pesada, mas o que os motiva na caminhada diária são os sonhos que buscam alcançar

Barbara Schiontek, Rita Vidal e Thiliane Leitoles

Há dois anos Ataíde Marafigo anda muitos quilômetros por dia. Com um companheiro, seu carrinho, o catador passa por inúmeras ruas coletando o lixo reciclável. Como ele há muitos outros, que além de garantirem o sustento, contribuem para o meio ambiente e mantém as cidades limpas.

De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), em 2018 o número de catadores informais de materiais reciclá-

veis era de 268 mil, com uma renda mensal de R$ 690. Os dados ainda mostram que 67% são negros e 72% são homens. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) ainda mostra que 90% do lixo que é reciclado no Brasil é feito por meio dos catadores.

Ataíde começou a explorar a área depois que a firma de pneus em que trabalhava fechou as portas. Ele tentou continuar com o negócio, vendendo e arrumando os pneus em casa, mas o ganho não era suficiente e ele se sentiu motivado a entrar na reciclagem.

Uma das vantagens que Ataíde conta é sobre poder fazer o horário que desejar, sem precisar dar satisfação a algum superior. Como ele mesmo conta: é mais “sossegadinho”.

Ele mora com a esposa em uma casa na comunidade Independência, tem três filhos já criados, que, segundo ele, são maravilhosos. Marafigo diz estar vivendo sua vida muito feliz. Ele costuma chamar de viagens quando sai pegar os materiais recicláveis e cada dia ele toma um percurso, podendo ser menor ou maior, mas o que o alegra é quando “faz uma viagem bonita”, ou seja, quando consegue coletar bons materiais. Ele fala sobre a concorrência de catadores e sempre procura ir para a outra direção, para fugir do grande volume de trabalhadores. Ataíde Marafigo está mais feliz hoje do que quando trabalhava na firma e assim como todas as pessoas ele tem um desejo: “Sonho em comprar uma camionetinha para trabalhar e não cansar muito, tenho problema nos pés.”

A assistente social Luciana de Avila comenta que é importante realizar um trabalho pedagógico nas associações, pois há toda uma estrutura dentro

desses espaços e que muitas vezes é deixada de lado, pois os catadores são uma população marginalizada. “Os projetos são importantes para estabelecerem o local dos catadores, marcarem o território. Eles são unidos, lutam pelos direitos e melhorias.”

Ela também comenta que são poucos os governos que dão a devida atenção aos catadores. De acordo com Luciana, a classe tem um carinho muito grande pelo Lula, pois ele foi o único presidente que os recebeu em Brasília.

A assistente social diz que é necessário que exista mais investimento na política ambiental, pois é muito falha. E, mais importante que isso, é preciso que se crie uma conscientização sobre os catadores, “pois eles também são gente”.

“Sonho em comprar uma camionetinha para trabalhar e não cansar muito.”

Ataíde Marafigo, carrinheiro e catador

CAMINHADA FEMININA

Cassiane Aparecida da Silva Jeremias, 41 anos, começou a trabalhar com reciclagem há quatro anos. Ela conta que sempre tem o auxílio para fazer a coleta de dois dos seus oito filhos.

Um pouco antes de começar a recolher os materiais recicláveis, ela

De olhar sereno, seu Ataíde diz estar feliz com a vida de carrinheiro.

conta que trabalhou como doméstica, em condomínio de limpeza e em uma fábrica de reciclagem até machucar o ombro e ficar impossibilitada de erguer os pesos que o seu cargo exigia.

Apesar disso, o trabalho nem sempre foi um fator presente na vida de Cas-

siane. Casou quando tinha 19 anos e desde esse período ela tinha a percepção de que deveria cuidar dos filhos, do marido e da casa, enquanto o seu par era responsável pelo sustento financeiro da família. No entanto, ela comenta ter mudado de opinião após a separação, que aconteceu quando ela estava grávida do seu filho que atualmente tem 3 anos, pois a partir desse momento a catadora criou todas as suas crianças sozinha e foi obrigada a encontrar um trabalho.

“Hoje eu sei que não preciso de marido para trabalhar, eu posso ser independente. Eu trabalho com os meus braços e minhas pernas, nunca mais dependi de um homem na minha vida’’, diz.

Cassiane conta que durante esse período conheceu várias pessoas que hoje a auxiliam com cestas básicas e com os materiais recicláveis, que já estão preparados para a hora que ela passa.

Ela relata que já passou por diversas dificuldades como deixar o vício das drogas, se sentir uma mãe ruim e lidar com a rejeição de um filho. Mas o que a faz continuar carregando o carrinho pelas ruas da Região Metropolitana de Curitiba (RMC) são os seus filhos e o amor que ela sente por eles. É para a garantia de um futuro melhor para as crianças que a mãe continua batalhando. “Primeiro Deus, depois meus filhos e minha mãezinha. Eu quero uma vida boa para eles. O meu papel de mãe eu vou fazer.”

No entanto a catadora também carrega os seus próprios anseios: “Meu sonho é comprar uma chácara, porque eu quero um lugar sossegado para mim e para os meus filhos”.

“Se eu tivesse um pouquinho do DNA dela eu tava no céu. Ela mata um leão por dia, muito guerreira e muito caprichosa.” É com essa saudosa frase que a Rosenilda Chassot descreve a grande amiga Maria José Pereira, 50 anos.

Maria faz a coleta dos recicláveis há oito anos e conta com o suporte da amiga Rosenilda há pelo menos seis. A ideia de começar a puxar um carrinho pelas ruas veio devido ao fato de seu genro já trabalhar com a reciclagem, o que pareceu um bom ponto de partida na época.

Ela trabalhava em um restaurante e percebeu que com a reciclagem poderia faturar mais, garantindo melhor qualidade de vida para toda a família, preocupação número um de Maria.

A catadora acha a reciclagem interessante pelo fato de ser independente, não ter ninguém para repassar ordens e, além disso, é algo divertido, como define a catadora, pois vai passando pelas ruas, conversando com um, com outro, fazendo bastante amizades.

Maria conta que algumas vezes já sentiu olhares maldosos e julgadores, mas que nunca deixou que isso a abalasse, pois sempre teve espaços em que se sentia confortável e bem recebida pela população.

“Meu sonho é comprar uma chácara porque eu quero um lugar sossegado para mim e para os meus filhos.”

Cassiane Aparecida, 41 anos, catadora

“O meu sonho é comprar uma casa e deixar os meus filhos amparados.”

Maria José, 50 anos, catadora

Para ela, coletar o lixo tem uma grande relevância, que abrange um espaço social. O recado que Maria deixa é o de que os catadores ajudam a limpar o lugar onde vivemos, as ruas. Ela ainda reforça que se os moradores deixassem os materiais separados seria ainda mais fácil.

Mesmo com sua pequena estatura, motivo de risada para Rosenilda que diz que Maria ainda precisa crescer, a catadora aspira por novas conquistas: “O meu sonho é comprar uma casa e deixar os meus filhos amparados. Moramos atualmente pagando aluguel.”

O PAPEL DA PREFEITURA

A gerente de Educação Ambiental da Prefeitura de Curitiba, Leila Maria Zem, conta que na Capital existem as cooperativas, que são associações nas quais vários catadores trabalham juntos. As cooperativas recebem os materiais dos caminhões de

Rita Vidal

Aproximadamente 15 funcionários da cooperativa Catamare já trabalharam como catadores de materiais recicláveis nas ruas.

reciclagem de Curitiba e também de outras empresas.

O projeto iniciou em 2007 e hoje existem 40 associações, com 1.200 catadores de material reciclável.

Ela explica que não há um número certo de integrantes nas cooperativas, podendo existir variação de 10 a 55 pessoas, por exemplo. Além disso, todas elas passam por regulamentações e fiscalizações.

Embora não exista um levantamento concreto, o Movimento Nacional de Catadores estima que em Curitiba existem 10 mil catadores.

O coordenador administrativo da cooperativa Catamare, Edimar Camargo, conta que no local trabalham 30 pessoas: 17 mulheres e 13 homens. Eles separam o lixo e armazenam em sacos, que são comprados por outras empresas, para que essas vendam para a indústria, completando o ciclo do lixo.

Ele conta que quando abriram conseguiam entregar quatro caçambas por dia, no entanto, no presente só entregam uma por dia. Camargo liga a diminuição com os catadores autônomos que, de acordo com ele, chegam antes dos caminhões da coleta nos locais e pegam boa parte do material reciclável.

O coordenador também explica que os catadores das associações recebem pelo dia, ou seja, se em um dia chegou bastante material é provável que será gerada uma boa renda, mas se o material é pouco ou de difícil proveito, o valor recebido será mais baixo. Os materiais mais rentáveis são: papelão, papel e latinhas.

Leia mais

Confira “Sonhos de Papel”, documentário que conta a história de outras pessoas que também trabalham com a reciclagem.

portalcomunicare.com.br

Rita Vidal A cooperativa Catamare compra materiais recicláveis de instituições privadas e de catadores autônomos.

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