A Sirene - Ed. 70 (Fevereiro/2022)

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Fevereiro de 2022 Mariana - MG

APARASIRENE NÃO ESQUECER

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A SIRENE

PARA NÃO ESQUECER | Ano 7 - Edição nº 70 - Fevereiro de 2022 | Distribuição gratuita


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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER

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NOTA DE PESAR 13 de Janeiro

É com tristeza que nós, do jornal A SIRENE e membros das comunidades atingidas, lamentamos a morte de José Leite Costa, da comunidade quilombola de Degredo (ES), em 13 de janeiro. José Costa, como era conhecido, tinha 70 anos. Fundador da primeira associação de moradores e moradoras e da associação dos pescadores de Degredo, deixa um legado de atuação incansável em prol da comunidade. Infelizmente, é mais um atingido que parte sem ver concluída a reparação do crime do rompimento da barragem de Fundão. Em vida, foi exemplo de luta e superação. Na morte, deixa lembranças de um guerreiro que jamais será esquecido. Prestamos, respeitosamente, nossos sentimentos aos(às) familiares e amigos(as). Que Deus conforte o coração de cada um e dê forças para atravessar esse momento de luto e dor.

AGRADECIMENTO ESPECIAL

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Agradecemos a todos e todas que apoiaram a campanha de financiamento coletivo do Jornal A SIRENE e fizeram esta edição acontecer, especialmente Estefania Momm, Daniel Rondinelli, Camila Barbosa, Maria Cecília de Alvarenga, Antenora Maria Siqueira, Elke Beatriz Felix Pena, Bruno Milanez, Marcela Garcia Corrêa, Priscila Santos, Carina Sernaglia, Valéria Amorim do Carmo, Imaculada Galvão, Virgínia Buarque, Jussara Jéssica Pereira, Cláudio Coração, Geraldo Martins e Ana Elisa Novais. Para ajudar a manter o jornal, acesse: www.evoe.com/jornalasirene.

EXPEDIENTE Realização: Atingidos(as) pela Barragem de Fundão, Arquidiocese de Mariana, Ufop | Conselho Editorial: Expedito Lucas da Silva (Kaé), Genival Pascoal, Letícia Oliveira, Pe. Geraldo Martins, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Editores-chefe: Genival Pascoal e Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Jornalista Responsável: Karina Gomes Barbosa | Diagramação: Eduardo Salles Filho | Reportagem e Fotografia: André Luís Carvalho, Greisso Anderson, Joice Valverde, Karina Gomes Barbosa, Karine de Oliveira Costa, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Simone Maria da Silva, Wan Campos, Wigde Arcangelo | Estagiária: Karine de Oliveira Costa | Revisão: Elodia Lebourg | Agradecimentos: Eduardo Salles Filho e Juliana Afonso | Apoio: Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) | Foto de capa: Lucas de Godoy | Fonte de recurso: Campanha de Financiamento Coletivo - Apoie o Jornal A Sirene. Apoio da ADUFOP - Associação dos Docentes da UFOP.


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Papo de Cumadres: Opinião:

Gaia chora suas dores

Consebida e Clemilda estão entendendo que toda esta tragédia que se abateu sobre Minas Gerais e Bahia é Gaia chorando de dor. Por Sérgio Papagaio

– Cumadre Clemilda, minha fia, mais uma vez Gaia está a mostrá com estas catástrofe que num é naturá, pois tem mão dus home sempre neste mingá. – a cumadre quer mi falá que esta chuvaiada num é obra da natureza, e fala dum geitu mostranu tanta celteza. – dexa eu falá procê intendê, quandu us home colta as árvores de um grande lugá sem outras árvores plantá ele mexe na natureza fazendu ela se desequilibrá. – intonsse essas grande plantação que nós viu pro ladu de lá quadu nois foi viaja, que ês chama de monocultura, u trem é tão grande que as vista um consegue incheugá, é pra tratá du povo, mas faz a terra fome passá. – e essas mineradora que fura u chão pamode minerá, tira u suspiru de Gaia, fazendu a pobre chorá, constrói barragem gigante deixanu elas estorá, matanu u cerebru da terra, trapaianu ela pensa. Com issu Gaia indoidece e é nois, us que são sempre atingidus, que outra vez padece.

Foto: Sérgio Papagaio


A SIRENE:

há seis anos narrando histórias das pessoas atingidas

Em fevereiro de 2016, três meses após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, nascia a primeira edição do Jornal A SIRENE, veículo de comunicação que luta pelo direito de voz e escuta das pessoas atingidas. Neste mês, chegamos ao sexto ano de existência e resistência do jornal, conhecido como um instrumento que retrata a realidade das comunidades atingidas pelos rejeitos da mineração. Ao longo desse período, entramos na casa das pessoas para ouvir suas histórias, registrar denúncias e dar visibilidade para todos e todas que clamam por justiça e reparação digna. Conversamos com a população de diversas comunidades tradicionais ao longo da bacia do rio Doce: indígenas, quilombolas, pescadores(as), garimpeiros(as), entre outros sujeitos que tiveram seus rumos alterados pela lama. Dentre tantos assuntos abordados, narramos o descaso das empresas mineradoras, Samarco/Vale/BHP, com as famílias atingidas e as consequências do crime que segue se renovando a cada dia. Pautas latentes no dia a dia das comunidades foram trazidas a público e registradas nas páginas d’A SIRENE, como um documento histórico de memória. Os problemas de saúde física e mental desencadeados após o rompimento, o medo da contaminação da água, do solo e do ar dos territórios atingidos, o atraso na entrega dos reassentamentos, as violações de direitos e as

etapas do processo de reparação são algumas delas. As lembranças e a saudade da vida em comunidade antes do rompimento e o sonho de voltar para suas casas são assuntos que encontram espaço no jornal. Nesse percurso, outras comunidades também foram visitadas. É o caso de Brumadinho, outra consequência do modelo de mineração que levou ao crime de Mariana, e de outras cidades que vivem com o terror psicológico do risco iminente de um novo rompimento. Assim, chegamos ao total de 70 edições publicadas em seis anos de atuação. Edições que, como guardiãs, registram os afetos, as memórias e os testemunhos das pessoas que presenciaram o maior crime socioambiental do país. No entanto, chegar até aqui não foi tarefa simples. O jornal é constantemente atravessado por dificuldades, sobretudo devido à falta de recursos. Tivemos de nos adaptar às novas possibilidades para seguir atuando e, após as restrições impostas pela pandemia de COVID-19, infelizmente, paralisamos a distribuição dos jornais impressos, o que impacta diretamente no acesso das pessoas atingidas que recebiam mensalmente o conteúdo em suas casas. Contudo, o jornal segue com o propósito de caminhar ao lado das pessoas atingidas, resistindo junto delas aos desafios diários destes seis anos de luta.


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Por Andréia Mendes Anunciação, Expedito Lucas da Silva (Caé), Luzia Queiroz, Marino D’Angelo, Marli Maria Gomes Silva e Mirella Lino Com o apoio de Joice Valverde, Karine Oliveira e Simone Silva

O Jornal A SIRENE é, para nós, atingidos, um instrumento muito importante para divulgação de informações confiáveis sobre o processo, porque não é todo mundo que consegue participar com frequência das audiências, das discussões com o promotor, em todos os espaços que envolvem a discussão desse processo. Ele também é composto por atingidos, é feito de atingidos para atingidos, com o apoio de jornalistas que trabalham no jornal. É um instrumento muito importante para fazer a veiculação dessas informações para o pessoal e também para contar um pouco do lado imaterial, do lado mais sensível dessa questão que, na maioria das vezes, é invisibilizado pelas grandes mídias. Sempre que vem chegando o “aniversário” do crime, o dia 5 de novembro, as grandes mídias vêm procurar a gente pra saber como que tá, mas muito focadas na questão da resolução no sentido de números - “o que foi feito, pra quantas pessoas foi feito, como é que vocês estão?” - e depois eles somem. A gente fica aqui o resto do ano no território, lutando contra as empresas, e essa face mais sensível, ela se perde, a gente não consegue mostrar. O Jornal A SIRENE abre muito espaço pra isso. Mirella Lino, moradora de Ponte do Gama A importância do Jornal A SIRENE para nós, atingidos, é de ser o instrumento que a gente tem para denunciar o descaso das empresas e dos órgãos públicos, a injustiça e o abandono em que a gente se encontra dentro desses seis anos. E poder informar, para a sociedade, a realidade verdadeira do que a gente tem vivido. Marino D’Angelo, morador de Paracatu de Cima O jornal relata, em tempo real, as questões polêmicas do momento, desperta nos leitores a importância de ficarem atentos a tudo para não ter complicações no processo e ver como é a atuação das empresas em todos os casos de rompimentos de barragem. Luzia Queiroz, moradora de Paracatu de Baixo

Foto: Francielle Oliveira - Cáritas

O jornal representa um instrumento de comunicação de confiança, que traz denúncias, história, realidade e fala na nossa linguagem. Então, o jeito de fazer as entrevistas é um jeito diferente, um jeito sensível com os atingidos, e narra aquilo que a gente quer. Então ele representa, para mim, tudo isso. O principal: um instrumento de comunicação de confiança que não se desvia do que a gente quer falar. Expedito Lucas da Silva (Caé), morador de Bento Rodrigues O jornal deve continuar existindo porque ele é a única forma de informação que o atingido tem hoje. O Jornal A SIRENE nos ajudou, muitas vezes, a fazer denúncias do que estava acontecendo no território, como na questão da saúde. A SIRENE representa os nossos olhos, porque ela vê coisas que a gente não vê, notícias que, às vezes, a gente não vê. A pessoa que tá longe tem a notícia do que tá acontecendo nos territórios, por isso, ele representa o olhar do atingido. Andréia Mendes Anunciação, moradora de Barra Longa

Foto: Juliana Carvalho


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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER

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Eu acho muito importante A SIRENE continuar, sim. Tem dois anos que a gente não vê o jornal impresso mais e eu sinto muito. Mas, enquanto tinha, antes da pandemia, cada história que vinha era uma história diferente, uma história marcante na nossa vida. Cada dia que chegava uma história diferente, o coração da gente pulava de alegria, de tristeza e de emoção ao mesmo tempo. Marli Maria Gomes Silva, moradora de Gesteira É impossível responder qual foi a matéria mais marcante para mim, tem muitas matérias marcantes, então não tem como. Dentro dos seis anos, tantas matérias, tantas denúncias e também histórias alegres e tristes das pessoas que contam. Expedito Lucas da Silva (Caé), morador de Bento Rodrigues Eu já cheguei a participar das reuniões de pauta, bem no início. Quando eu cheguei aqui em Mariana, eu ainda não tava entendendo muito do processo, eu era bem nova, mas, na primeira reunião de pauta que fui do jornal, eu sugeri que tivesse uma matéria sobre o “acórdão” que tinha sido celebrado entre as empresas e os governadores, e os atingidos mesmo não participaram. Se teve participação, foi muito pouca, a gente não se sentiu representados e também a gente não tava entendendo ainda como é que isso ia funcionar, o que tava acontecendo. Então nós vimos, no Jornal A SIRENE, um espaço bacana de abertura para poder explicar mais detalhadamente sobre essa questão do “acórdão”. Depois, conforme eu fui me enfiando mais nos processos, não consegui mais acompanhar as reuniões de pauta do jornal, mas esse momento me marcou bastante, foi a primeira experiência que tive como atingida e colaboradora do jornal. Mirella Lino, moradora de Ponte do Gama

Foto: Julia Militão

A matéria do Jornal A SIRENE que mais me marcou é a que retrata o descaso da Fundação Renova com relação aos animais. É um crime que destruiu a vida das pessoas que vivem da terra. A Fundação Renova, sem critério e sem acordo, cortou a alimentação, causando a morte de muitos animais. Um transtorno muito grande na economia local, que já estava praticamente morta. No meu caso, perdi mais de 20 cavalos nessa “brincadeira”. Procurei os direitos dos animais, procurei ONGs, deputados, a Justiça e, até hoje, nada. Fica, a cada dia que passa, mais claro que quem governa e dita as regras deste crime são os criminosos. Marino D’Angelo, morador de Paracatu de Cima A matéria mais marcante foi quando meu pai, de 70 anos, deu na veneta de sair com o tio dele e um companheiro para ver se encontrava a nossa padroeira Nossa Senhora da Conceição, de madeira, que atravessou o rio com lama. Correndo o risco de pegar uma infecção na pele, atravessou com barro até no peito pra chegar na porta da igreja e tirar a santa. Ao chegar aqui, chamei minha prima, e eu, minha mãe e ela lavamos a santa na varanda da casa, felizes da vida que salvamos a nossa padroeira. Depois veio aquela história também, da dona Maria Geralda, aquela mulher guerreira. Quantas vezes ela passava por enchente, carregando seus trem pra cima, com seus filhos e netos. Todas as vezes, em época de chuva, ela fazia isso. Foi uma história muito emocionante. Os Papo de Cumadre também são muito bonitos.

Imagem de Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Gesteira Foto: Sérgio Papagaio

Marli Maria Gomes Silva, moradora de Gesteira A matéria que mais me marcou foi ver o “Céu de Paracatu”. Duvidavam do que eu falava e, quando vi a foto, parecia uma miragem, até o céu conspirou com tanta beleza. Tenho orgulho de mostrar o jornal e poder provar que o que falamos não é mentira e nem é editado para convencer quem lê com palavras técnicas. O jornal tem a nossa linguagem. Luzia Queiroz, moradora de Paracatu de Baixo

Foto: Larissa Pinto e Eduardo Moreira


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como direito à informação das pessoas atingidas Por Andréia Mendes Anunciação, Expedito Lucas da Silva (Caé), Luzia Queiroz, Marino D’Angelo, Marli Maria Gomes Silva e Mirella Lino Com o apoio de Joice Valverde e Karine Oliveira

Quantas vezes nos deparamos com os depoimentos de pessoas atingidas pelo rompimento da barragem nos grandes veículos de comunicação? Quantos jornais se dedicam à cobertura dos desdobramentos da tragédia de Mariana desde 2015? Quais acompanham o dia a dia das famílias que ocupam os territórios impactados pela mineração? Em outras palavras, quantos e quais jornais contribuem para dar visibilidade, ao longo de seis anos, à luta das comunidades afetadas pelo crime causado pelas empresas mineradoras? Em quais fontes as pessoas atingidas podem confiar e se informar a respeito dos seus direitos? Pensar essas questões nos permite enxergar os espaços de comunicação que, de fato, garantem o direito à informação e a visibilidade dos assuntos que envolvem as pessoas atingidas. Diferentemente da grande mídia que se volta para o crime apenas no dia 5 de novembro, A SIRENE acompanha o cotidiano das famílias. Nesse sentido, o jornal se consolida como um veículo de comunicação independente e popular, produzido por e para as pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, ao longo da bacia do rio Doce. Com uma linguagem diferenciada, que respeita e conserva a fala de seus entrevistados, o jornal cumpre sua função social: ser um canal de comunicação direta sobre as principais demandas do processo de reparação.

O Jornal A SIRENE é muito importante na resolução das demandas dos atingidos, porque ele comentava todos os assuntos que passavam. Todos. E continua sendo importante. Marli Maria Gomes Silva, moradora de Gesteira Ele é uma das demandas dos atingidos, porque o atingido quer continuar sendo bem informado.

mostrar o outro lado dessa história, que tem bastante peso, bastante impacto, que é difícil de ser reparada. Não é qualquer indenização que dá pra resolver isso, restabelecer esse modo de vida, essa coisa imaterial que foi perdida, e que é muito difícil de ser valorada, por exemplo, em uma audiência. Então, continuar mostrando essa face e levando informação para as pessoas que são parte desse processo é uma fórmula que a gente precisa manter para que as coisas caminhem para a resolução.

Andréia Mendes Anunciação, moradora de Barra Longa

Mirella Lino, moradora de Ponte do Gama

O jornal, para nós, atingidos, é como um documento, um manual que contém informações verídicas que vêm do próprio atingido na íntegra e com o linguajar próprio e único. Hoje é também uma fonte de pesquisa, tanto como jornal impresso, quanto como virtual. É a nossa identidade. Eu mesma já fiz apresentações e usei as fotos e o material rico, para que quem não esteve conosco entenda a verdadeira realidade.

O jornal deve continuar existindo, porque é um instrumento de confiança que traz a nossa realidade, que traz denúncia. Ele não é aquele jornal preso, ele é um jornal em que a gente se sente livre a dizer aquilo que a gente deseja dizer. A linguagem é do jeito que a gente fala, se a gente fala errado, é só um reajuste ali na palavra para entender, mas não para desviar, ficar repetindo a mesma coisa várias vezes para sair do jeito que o jornalista quer. N’A SIRENE não tem isso, chega numa abordagem tranquila, se as pessoas quiser falar, fala; se não quiser, dá um tempo. Então, eu acho isso muito importante, por isso que acho que ele deve continuar existindo, porque é um instrumento de comunicação e todos nós devemos ter o direito à comunicação. Ele é um instrumento de confiança.

Luzia Queiroz, moradora de Paracatu de Baixo Para que as coisas se resolvam de fato, é necessário que se garanta o direito à participação dos atingidos, da parte que foi violada, e que, muitas vezes, nos espaços mais institucionais não tem tanto. E o jornal cumpre essa função de informar as pessoas, de

Expedito Lucas da Silva (Caé), morador de Bento Rodrigues

O Jornal A SIRENE deve continuar existindo para que a gente consiga manter o direito à informação que o jornal cumpre e também para a gente conseguir manter essa proposta de contar o que mais se perdeu, além dos imóveis que foram atingidos de lama, a face mais sensível. Pra gente que vive isso todo dia, durante esses seis anos, não conseguimos esquecer, é uma marca muito grande. Mas, para as outras pessoas, isso não aparece. Muito pelo contrário, o que aparece é que a gente tá muito bem de vida, o que não é verdade. Então o Jornal A SIRENE, mantendo essas duas funções pra gente, é de suma importância para que a gente consiga ter o mínimo de justiça nesse país. Mirella Lino, moradora de Ponte do Gama O Jornal A SIRENE, desde a sua criação, é um instrumento que retrata a realidade dos atingidos, trazendo, em suas matérias, a verdade e o perfil dos próprios atingidos. Para mim, durante esses seis anos, ele representa a nossa voz, para tentar gritar a falta de justiça que a gente sofre até hoje. A SIRENE deve continuar existindo, porque acabar com o jornal é calar a voz dos atingidos, cometendo mais uma injustiça. Marino D’Angelo, morador de Paracatu de Cima


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Brumadinho:

três anos de impunidade Comunidades atingidas e familiares das vítimas se reúnem para prestar homenagens e clamar por justiça Por Joice Valverde e Karine Oliveira Com o apoio de André Luís Carvalho

25 de janeiro, marco dos três anos do rompimento da barragem em Brumadinho. Nesse dia, as comunidades atingidas se reuniram para protestar contra o crime causado pela Vale e pela Tuv Sud no Córrego do Feijão. O evento foi marcado por uma programação de fé e protestos. Pela manhã, o arcebispo de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, celebrou uma missa em memória das vítimas, no Santuário Arquidiocesano Nossa Senhora do Rosário. Em um momento de grande emoção, o arcebispo pediu um minuto de silêncio pela manifestação dos familiares, que ergueram placas com o nome de cada um dos que perderam a vida no rompimento. Após a celebração, os presentes seguiram em caminhada até o letreiro da cidade, onde também prestaram homenagens. Pontualmente, às 12h28, horário em que ocorreu o rompimento da barragem, em 2019, foram lançados 1.096 balões brancos e pretos, representando os dias de luto e impunidade. Balões também foram soltos em memória às vítimas do crime. Das 272 vidas perdidas no rompimento da barragem 1 da Mina do Córrego do Feijão, seis balões não

subiram ao ar, simbolizando as vítimas que seguem desaparecidas. Os atos representam uma luta coletiva, sobretudo, das famílias e comunidades tradicionais que sofrem os impactos decorrentes da contaminação do rio Paraopeba, afluente do rio São Francisco, que banha o Estado de Minas Gerais. Na manifestação, os índios Pataxós Hã-hã-hãe reivindicaram seus direitos e exigiram a responsabilização das empresas mineradoras, que, há três anos, negam a reparação integral das pessoas atingidas e dos povos que tinham o rio Paraopeba como meio de subsistência. O marco do rompimento da barragem de Brumadinho teve grande adesão popular e a organização dos atos esteve de acordo com os protocolos para o controle da pandemia de COVID-19, com exigência de apresentação de comprovante de vacinação e distribuição de kits de proteção para todas as pessoas presentes. O Jornal A SIRENE se solidariza com as famílias atingidas de Brumadinho e de toda a bacia do rio Paraopeba. Seguimos juntos na luta por justiça e reparação! Fotos: Andre Luis Carvalho


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Comunidades atingidas e Brasil de Fato lançam edição especial sobre tragédia de Brumadinho Nos três anos do crime, comunidades atingidas sofrem com os estragos das chuvas e das enchentes que trouxeram à tona discussões sobre a toxicidade da lama. Por Nair de Fátima Santana Silva, Carolina de Moura, Larissa Costa Com o apoio de Wan Campos e Wigde Arcangelo

Foi lançada, no último dia 25, a primeira edição do caderno especial sobre as situações das famílias atingidas de Brumadinho. A data marca os três anos da tragédia que tirou a vida de 272 pessoas e contaminou fauna e flora em decorrência do rompimento da barragem em Córrego do Feijão. O caderno foi construído pelo Coletivo de Atingidos e Atingidas pelo Crime da Vale em Brumadinho, articulado pela Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (Renser), em parceria com o jornal Brasil de Fato (BdF). Com mais três edições previstas para serem lançadas, a publicação é uma forma pela qual as pessoas atingidas de Brumadinho buscam ter suas histórias contadas por suas próprias vozes.

Nesta edição, o destaque das matérias produzidas é sobre os três anos do rompimento e os estragos das chuvas e das enchentes que desabrigaram cerca de 700 famílias em Brumadinho e região no início de janeiro. A edição pode ser conferida na conta do ISSUU do Brasil de Fato: https://issuu.com/brasildefatomg. “O processo de fazer o jornal foi muito bom, tínhamos reuniões no Santuário Nossa Senhora do Rosário com o Coletivo dos Atingidos. Tendo esse jornal, criado por nós, atingidos, a gente sabe aquilo que vai ser falado. Ali é realmente o que a gente disse, sem ter medo de inventarem outras coisas para beneficiarem as mineradoras. Vai ser em prol dos atingidos. Então é muito importante para a gente esse jornal.” Nair de Fátima Santana Silva, moradora da Comunidade Quilombola de Marinhos, em Brumadinho

Caderno especial foi distribuído na III Romaria pela Ecologia Integral a Brumadinho, evento que marcou os três anos do crime-desastre. Foto: Hariane Alvez - Instituto Guaicuy

“A Renser mobiliza, desde o rompimento da barragem, em 2019, um Coletivo de Atingidos e Atingidas pelo Crime da Vale. Reúnem-se lideranças de várias comunidades de Brumadinho e região. É um grupo muito importante para nós, pois é onde há um espaço de acolhimento, de escuta, construção coletiva... Ano passado, no marco da II Romaria pela Ecologia Integral a Brumadinho, foi construído o pacto dos atingidos da Vale, que é um documento muito bonito e forte. Nele, assumimos um pacto de luta, esperança e trabalho por justiça. Esse ano veio a ideia do caderno especial do jornal Brasil de Fato. Ela nasceu justamente dessa inquietação de não sermos ouvidos, a nossa voz nunca recebe sua devida atenção. Por isso, resolvemos fazer um jornal nosso, próprio do coletivo, com a voz das comunidades. Nele, a gente conta a história de como ela acontece. A ideia nasceu dessas reuniões com o coletivo, que, primeiro, identificou como um problema a falta de escuta, a dificuldade de levar as suas demandas, por isso, um jornal com a nossa cara, com a nossa voz. O jornal é muito importante para nós, porque

tem esse pertencimento, ele foi construído nas reuniões do coletivo, nos últimos meses de 2021. O levantamento de pautas, reunião de pautas, levantamento das fontes, tudo foi feito a partir desse movimento coletivo. Ele tem importância porque traz a nossa voz. A nossa voz como realmente é, sem edições e os ajustes que, muitas vezes, a grande mídia faz, acabando por distorcer ou diminuindo o que a gente tem para dizer.” Carolina de Moura, assessora de comunicação da Renser e moradora da comunidade da Jangada, em Brumadinho “Desde 2013, nós, do Brasil de Fato Minas Gerais (BdF), temos como iniciativa a construção de edições especiais com os movimentos populares. Isso já faz parte da nossa tradição. O especial de Brumadinho faz parte dessa característica intrínseca. Nós fazemos produção de conteúdo de comunicação com os movimentos populares e as organizações sociais para trabalhadoras e trabalhadores e, no caso específico de Brumadinho, fizemos para atingidas e atingidos da bacia do rio Paraopeba e do lago de Três Marias. A ideia da colaboração das pessoas atingidas vem muito da necessidade delas fazerem parte da construção do texto. A Renser nos propôs que os atingidos tornem-se sujeitos ativos nesse processo de comunicação. O processo de construção do caderno especial iniciou no segundo semestre do ano passado, fizemos três atividades com o Coletivo de Atingidos e a Renser durante esse momento. Em Brumadinho, reunimos essas pessoas, fizemos oficinas de comunicação popular, conversamos sobre a linha editorial do BdF e uma reunião de pauta. Logo após esses encontros e atividades, definimos os principais temas, as pautas e as fontes que entrevistaríamos. Tudo isso foi construído sempre em diálogo com as famílias atingidas, escutando e entendendo o que era de interesse delas.” Larissa Costa, editora geral do Brasil de Fato


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Chuva, mineração e tragédia em Barra Longa Por Greisso Anderson Com o apoio de Sérgio Papagaio e Karina Gomes Barbosa

As fortes chuvas que assolaram os estados da Bahia e de Minas Gerais no início de 2022 levaram terror à população mineira e às pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão. Em Nova Lima, mais uma barragem da mineração, na mina Pau Branco, da Vallourec, ameaçou se romper e despejou lama na BR-040 quando seu dique transbordou. Em Pará de Minas, a barragem da Usina do Carioca também quase se rompeu. Em Congonhas, o povo vive com medo da barragem Casa de Pedra, da Vale, que teve a estrutura abalada. E foi assim também em toda a bacia do rio Doce: mais uma vez, as tempestades deixaram as pessoas atingidas pela barragem da Samarco e de suas controladoras, Vale e BHP, em situação de calamidade. Barra Longa, logo abaixo de Mariana, a única cidade da bacia atingida no centro e em toda sua parte baixa pela lama da barragem da Samarco, se viu, novamente, atingida não só pelas chuvas e por suas consequências, mas também pelo rejeito oriundo do rompimento da barragem, que ainda está depositado às margens e nos leitos dos rios Carmo e Gualaxo do Norte, e que foi carreado pelas fortes chuvas para o centro do município. “As chuvas em Barra Longa provocaram danos incalculáveis. As fortes chuvas que caíram na cidade no findar de 2021 e no início de 2022 trouxeram danos incalculáveis aos moradores e ao poder público municipal. Na área urbana, o rio Carmo registrou uma das maiores cheias de sua história, inundando a parte baixa da cidade, onde o comércio e os moradores foram afetados ativamente. Ainda na área urbana, houve deslizamento de encostas e dezenas de famílias em área de risco tiveram que ser realocadas pela Defesa Civil municipal. Na área rural, os prejuízos continuaram a todo vapor. Todas as comunidades rurais tiveram seus acessos para a sede do município obstruídos, o que acarretou também em dificuldades no escoamento da produção leiteira, carro-chefe da economia do município. Além das estradas, cerca de 26 pontes foram levadas, dificultando ainda mais todo o processo de reconstrução. Com a estiagem dos últimos dias de janeiro, a prefeitura trabalha na liberação dos acessos e ainda contabiliza os prejuízos em Barra Longa.” Greisso Anderson, morador de Barra Longa

Fotos: Sérgio Papagaio


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O abandono da casa de Deus: outro capítulo do crime da Samarco Por Sérgio Papagaio

Tristeza e revolta, sentimentos que traduzem este doloroso capítulo da história do rompimento da barragem da Samarco e de suas controladoras, Vale e BHP. Em um dia de janeiro, tive a infelicidade de testemunhar algo que traduz, com exatidão, o tratamento ao qual a Renova submete as pessoas atingidas. Em frente à Igreja do Gesteira, pude entender qual é o nosso valor na visão das mineradoras. O descaso que levou a igreja à ruína mostra que as mineradoras, representadas pela sua fiel escudeira, a Fundação Renova, não têm o menor respeito pelas pessoas atingidas. Muitos e muitas ainda estão fora de suas casas, sem previsão de voltar, pois suas moradias foram total ou parcialmente destruídas e, até agora, não foram reparadas. Quando olho para o estado da igreja, pergunto: será que Deus também está desabrigado? Pois tanto no Gesteira como em Barra Longa a casa do Pai está fechada. No Gesteira, o abandono das obras e o descaso da Renova levou a torre da igreja a ruir. Em Barra Longa, o tráfego de máquinas, caminhões e equipamentos da Samarco e das empresas contratadas pela Renova para fazer a reparação, nas proximidades da Igreja Matriz, do patrono São José, abalou suas estruturas, o que causou danos comprometedores à edificação. A construção de 1774 tem obras de artistas, como José Pereira de Arouca e do entalhador Francisco Vieira Servas, e é uma das mais antigas de Minas Gerais. Eles não perdoam nem a casa do Pai e fazem de Deus também um atingido por essa barragem, que rompe todos os dias sobre nossas cabeças, sobre nossa paz, sobre nossos sonhos. Que Deus tenha piedade desse povo!

Fotos: Sérgio Papagaio


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Escola também é casa Em 5 de novembro de 2015, o rompimento da barragem de Fundão provocou um deslocamento forçado das comunidades de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo para a sede de Mariana. Essa separação desarticulou muitos laços comunitários e cotidianos. A escola se tornou um dos únicos espaços seguros de acolhimento e encontro das pessoas atingidas, sobretudo das crianças e dos adolescentes. Ainda assim, essa escola que frequentam, hoje, é muito diferente dos lugares familiares em que estudavam. Em vez de ir e voltar do colégio a pé, agora precisam de ônibus da Fundação Renova. A sensação de liberdade na caminhada de casa à escola foi trocada por preocupações com segurança. Meninos e meninas da Educação Infantil até o Ensino Fundamental II, desde o crime da Samarco e suas controladoras, Vale e BHP, foram arrancados de lugares que conheciam, em alguns casos, desde muito pequenos. É ainda nesse contexto que, em fevereiro, estudantes das escolas municipais de Bento Rodrigues (EMBR) e de Paracatu de Baixo (EMPB) devem voltar às aulas presenciais para mais um ano letivo. Eles têm vivido seguidos processos de desterritorialização: primeiro, com mudanças nos locais das escolas até se fixarem, provisoriamente, em prédios específicos no centro de Mariana, quando ainda sofreram episódios de preconceito e exclusão fora dos muros escolares. Depois, com a chegada da pandemia de COVID-19, foram novamente privados dos espaços de aprendizagem. No período de distanciamento e isolamento social, muitos e muitas tiveram dificuldades de aprendizado sem o contato próximo de professores e professoras ou enfrentaram problemas de acesso a aulas remotas, que demandavam dispositivos tecnológicos e internet. Diante de tantos desafios, as escolas abrem suas portas para receber crianças e adolescentes atingidas e atingidos, provando a importância do afeto nesses espaços.

Por Eliene dos Santos, Sonia Sartori e Luciana Drumond Com o apoio de Karina Gomes Barbosa e André Luís Carvalho

A E. M. Bento Rodrigues sempre foi uma referência para a comunidade. Apesar de todos os desafios, a comunidade de Bento Rodrigues continua “resistente e unida” através da escola. Sempre trabalharemos em prol das necessidades dos nossos alunos. Eliene dos Santos, diretora da Escola Municipal de Bento Rodrigues e moradora de Bento A escola de Paracatu, antes do rompimento, além de ser o local de formação dos estudantes, era também o centro de referência da comunidade, um local onde todos poderiam solicitar ajuda, era um espaço de integração com a comunidade e com as famílias. Hoje, a escola de Paracatu continua de portas abertas para receber a comunidade e as famílias, porém é notório que a escola perdeu um pouco a característica de ser o ponto de encontro, celebração e referência. Não há como saber se, de fato, ocorrerá o reassentamento ou quando este ocorrerá, porém a esperança é que aconteça em breve e que a escola seja, além de um referencial no processo educativo, um espaço de acolhimento, trocas de saberes, um local para reconstruir a identidade e as memórias da comunidade, que seja um local de integração com as famílias e a comunidade, onde todos e todas se sintam aceitos, respeitados e felizes. Luciana Drumond, professora da Escola Municipal de Paracatu de Baixo

O papel da escola, com os alunos e com a comunidade escolar, ao longo desses anos, está sendo – mas foi mais – desafiador. Quando você trabalha com pessoas, você trabalha com sentimento, com perdas. No início, em 2017, quando assumi a direção da escola, a perda deles, de uma identidade, do cotidiano, estava bem recente ainda. Moravam em um distrito, muitos nasceram em Paracatu, construíram família lá e, de repente, em questão de minutos, não tinham mais essa identidade. Então, como diretora, percebi essa carência afetiva. Eles se sentiam, na época, muito indesejados aqui em Mariana e a gente tentou, de todas as formas, mostrar pra essas crianças e pra esses jovens, pra comunidade, que eles eram pertencentes à Mariana. Eles foram se aceitando mais, já não se importavam com a população julgando que eles estavam aqui como se não pertencessem a Mariana. Sonia Sartori, diretora da Escola Municipal de Paracatu de Baixo As marcas deixadas pelo rompimento da barragem foram percebidas em níveis físicos, emocionais e psicológicos. E tudo isso afetou bastante os processos de aprendizagem dos alunos. Foi um desafio muito grande colocar os alunos, que passaram por tantas mudanças de forma abrupta, em uma sala para aprender disciplinas, enquanto suas cabeças ainda não tinham processado as perdas e as mudanças. Eu não me sinto confortável de


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citar exemplos específicos, porque acredito que possa ser algum gatilho a algum aluno leitor, porém a mudança comportamental nos primeiros anos foi muito perceptível, alguns estavam mais agressivos, outros em um processo de buscar isolamento. Não consigo enumerar de forma objetiva os traumas, porém não acredito que essas marcas serão esquecidas por aqueles que a vivenciaram. Sobre a pandemia, ainda é cedo pra dizer sobre as marcas, porque tive pouco contato com os alunos presencialmente, porém observo que eles estão mais dispersos, com dificuldades de foco e atenção. Luciana Drumond, professora da Escola Municipal de Paracatu de Baixo Ficamos quase dois anos sem ter contato com os alunos, com a comunidade escolar. Essa questão dos aparelhos tecnológicos, que a gente teve que reinventar para poder levar um pouco de educação e de ensino para esses alunos, foi um pouco complicada. Está sendo ainda. Não é fácil estar perto e não poder ter o contato que a gente tinha. Então, as duas questões que a comunidade de Paracatu enfrentou – com a perda de identidade do espa-

Fotos: Projeto de Extensão Sujeitos de suas histórias

ço de origem, em que vivia; e não ter como ir à escola, que era o único lugar, o único espaço em que a maioria se encontrava – foram complicadas. Aos poucos, a gente conseguiu retornar presencial 100%, no final de 2021, bem na defensiva, seguindo mais regras, com mais cuidado com a saúde emocional e física. A gente viu que os alunos estavam na expectativa de se encontrar, eles puderam ter esse contato novamente. A gente espera que consiga sair desses desafios, que todos nós estamos enfrentando, de forma tranquila, com a saúde mental e emocional restabelecida. Sonia Sartori, diretora da Escola Municipal de Paracatu de Baixo

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A pandemia trouxe consequências imensuráveis. É mais uma bagagem agregada a tantas outras, não é mesmo? Mas, graças a Deus, estamos alcançando excelentes resultados. O rompimento da barragem nos ensinou a viver um dia de cada vez. E a pandemia está nos trazendo grandes lições que levaremos para a vida toda. As relações humanas são importantes e, fazendo um paralelo entre esses dois acontecimentos, temos a certeza do quanto a escola é importante. As relações humanas são importantes. Eliene dos Santos, diretora da Escola Municipal de Bento Rodrigues e moradora de Bento


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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER

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CARTA ABERTA EM APOIO AO JORNAL A SIRENE: precisamos do nosso jornal vivo e forte! Mariana, 24 de janeiro de 2022

Desde fevereiro de 2016, as comunidades atingidas pela barragem de Fundão possuem um importante instrumento de comunicação: o Jornal A SIRENE. Nascido de demandas das próprias pessoas atingidas, em parceria com a Arquidiocese e a UFOP, entre outras organizações, o jornal tem, desde o início, o propósito de garantir informações de qualidade e de confiança para todas as pessoas atingidas. Nele é contada a história desse povo de luta que, desde novembro de 2015, enfrenta as consequências do crime das mineradoras Samarco, Vale e BHP em suas vidas. São histórias de resistência cotidiana, sobre o que mudou nas vidas das famílias atingidas em decorrência do maior crime-desastre socioambiental do Brasil. Nesses seis anos de existência, o Jornal A SIRENE tem trazido, em cada edição, memórias sobre os modos de vida de antes do rompimento da barragem e abordado as perdas, os danos e a dor das pessoas atingidas, mas sem trazer desesperança. Para nós, esse é um dos vários diferenciais do Jornal A SIRENE, um veículo de comunicação popular que atua dentro do propósito de lutar e esperançar, para não permitir que essas histórias caiam no esquecimento. O Jornal A SIRENE é, para nós, um contraponto estratégico ao poder comunicacional das mineradoras e da mídia comercial. Enquanto eles se interessam muito mais em tratar as pessoas atingidas como meras personagens ilustrativas de mensagens pré-fabricadas, com foco jurídico e números deturpados da reparação, o Jornal A SIRENE, por sua vez, aborda a dimensão sensível da realidade imposta às milhares de pessoas atingidas na bacia do rio Doce. O Jornal A SIRENE narra essas histórias sem desconsiderar os danos imateriais sofridos por essas comunidades, aquilo que é intangível e ao mesmo tempo essencial, mas que não é de interesse para as empresas e para a mídia comercial. O jornal A SIRENE tem profundo respeito pela fala das pessoas atingidas, isso é perceptível nos textos que trazem depoimentos e mantêm o jeito de dizer próprio dessas pessoas. Isso tudo só é possível porque a equipe do Jornal A SIRENE é composta por jornalistas e por pessoas atingidas, que, juntos, fazem dele essa experiência única de comunicação popular. A equipe tem uma

abordagem diferenciada com todos(as) os(as) colaboradores(as) atingidos(as), em apoio a uma escrita de si que respeita o tempo da pessoa que fala e que constrói, com ela, a narrativa que vai ser apresentada nas páginas de cada edição. O Jornal A SIRENE respeita a diversidade cultural e religiosa das comunidades atingidas, abarca a complexidade, a resistência e as denúncias necessárias, mas também apresenta a beleza, a força e a riqueza que há nesses territórios. Tudo isso pode ser percebido nos textos, mas também nas imagens potentes que compõem cada edição. Desde o início, nós sempre estivemos juntos com o Jornal A SIRENE, empenhados na garantia do direito à informação e à comunicação para a população atingida. A equipe do jornal e os integrantes desta Comissão caminham lado a lado para não deixar o crime impune, para que toda essa dor e tantas histórias únicas não sejam esquecidas. Em outubro de 2020, o recurso que garantia a sustentabilidade financeira do jornal, um dinheiro fruto de doações às pessoas atingidas e gerido pela Arquidiocese de Mariana, chegou ao fim. Desde então, o Jornal A SIRENE tem buscado novas fontes de financiamento para se manter vivo, mas essa insegurança financeira gera uma série de incertezas sobre a sua continuidade. Sem os recursos necessários, o jornal não tem conseguido pagar a equipe de forma apropriada, que está cada vez mais reduzida, e a versão impressa está suspensa. Diante desse cenário, declaramos abertamente nosso apoio ao Jornal A SIRENE, o jornal dos atingidos, feito com os atingidos e para os atingidos. O risco dessa experiência rica e fundamental para todas as pessoas atingidas terminar por falta de recursos é motivo de grande preocupação para esta Comissão, bem como de todas as comunidades atingidas na bacia do rio Doce. Nesse sentido, fazemos um apelo: não deixem o Jornal A SIRENE morrer. Precisamos do nosso jornal vivo e forte! Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão de Mariana (CABF)


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Conquista inédita, processo de cadastramento conduzido pela Cáritas em Mariana chega ao fim Por Laís Jabace, Ellen Barros e Wandeir Campos

O cadastramento das pessoas atingidas, conduzido pela Cáritas MG, encerra suas atividades em março de 2022. Cerca de 1.500 núcleos familiares e entidades participaram das etapas do cadastro, o que totalizou mais de 5 mil pessoas atingidas cadastradas no município de Mariana-MG. Uma conquista inédita, alcançada a partir da luta coletiva das pessoas atingidas, o cadastro inovou ao adotar metodologias participativas e sensíveis de levantamento das perdas e dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão. Atualmente, a Fundação Renova é a responsável por realizar novos cadastros solicitados por pessoas atingidas. Na definição chancelada no Termo de Transação estabelecido entre o MPMG e as empresas rés (Samarco, Vale e BHP), em audiência do dia 15 de julho de 2021, consta: as partes acordam que, para as pessoas que solicitarem o cadastramento na Comarca a partir de janeiro de 2020, o cadastro será realizado pela Fundação Renova, conforme metodologia estabelecida na audiência de 18/07/2017 realizada nos autos da ACP I, ressalvando-se aqueles em andamento, referentes às solicitações realizadas em 2019, cuja responsabilidade será da Cáritas. Para uma reparação justa, um cadastro nosso! A reformulação do cadastro (2017) e a definição pela Cáritas MG, entidade de confiança das pessoas atingidas, para o levantamento de perdas e danos em Mariana-MG representa uma conquista sem precedentes no Brasil. Regido por metodologia construída e executada com e para as vítimas do maior crimedesastre socioambiental do país, o cadastro foi conduzido, desde fevereiro de 2018, respeitando o tempo e as condições emocionais das pessoas atingidas. Para participar do cadastro, as pessoas atingidas precisaram redistribuir o tempo entre trabalho, família, atividades pessoais e uma série de reuniões convocadas também pelas empresas rés, por meio da Fundação Renova. Não bastasse todo o sofrimento imposto pelo rompimento da barragem e seus desdobramentos, lembrar e descrever o momento do crime-desastre, as perdas e os sentimentos é, novamente, reviver as dores e as violências sofridas. A Cáritas MG entende que esses processos devem ser tratados com o máximo de delicadeza e respeito. Estruturado em quatro etapas, com abordagens e métodos distintos, o cadastro conduzido pela Cáritas MG abarcou, da

Material de campo para realização de vistoria Foto: Isabela Ladeira - Cáritas MG melhor forma possível, os danos e as perdas da população atingida em Mariana-MG. Também garantiu a organização por núcleos familiares de forma que as pessoas atingidas se agruparam conforme o próprio sentimento de pertencimento familiar. Outra conquista alcançada por meio do cadastro foi o direito à autodeclaração, uma vez que todos aqueles que se reconhecem como atingidos(as) têm resguardado o direito de participar do cadastramento. Ressalta-se que os danos acumulados individualmente manifestam, de forma comunitária, a perda das relações humanas e com a natureza, dos modos de vida, dos acessos, de segurança, da saúde física e mental, da paisagem e dos recursos naturais, além das perdas no âmbito econômico, histórico e cultural. Finalmente, lutar pela reparação justa e integral é o que as famílias das comunidades atingidas de Mariana-MG têm feito desde o dia 5 de novembro de 2015. Mais de seis anos após o crime-desastre, porém, centenas de famílias ainda precisam lidar com diversas perdas causadas pelo rompimento da barragem de Fundão, além do desencadeamento e da perpetuação dos danos agravados pela morosidade do processo reparatório. Com o passar do tempo, os efeitos negativos do crime ficam cada vez mais evidentes nas vidas das pessoas, o que faz com que um número maior de pessoas se reconheçam como atingidas e comecem a lutar por seus direitos, o que também passa pelo devido levantamento de danos e perdas. A Cáritas MG entende que, para um crime-desastre socioambiental continuado, o cadastro também deveria ser continuado. Se você se reconhece como pessoa atingida e não participou do cadastro conduzido pela Cáritas, o seu direito de dizer sobre as perdas e os danos que sofreu e de ser reparado(a) por eles não se perdeu. Exija o cadastro e a reparação na Fundação Renova. Contato: 0800 031 2303. Endereço: Rua Bom Jesus, 196, centro de Mariana.


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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER

EDITORIAL Quando o Jornal A SIRENE circulou nas mãos das pessoas atingidas pela primeira vez, em fevereiro de 2016, buscava garantir um espaço para a voz, as memórias, as lutas, as demandas e as identidades de quem perdeu tudo por conta da ganância da mineração predatória da Samarco/Vale/BHP, em 5 de novembro de 2015, quando a barragem de Fundão rompeu. Quando aquela primeira edição foi produzida, talvez não fosse possível imaginar que, seis anos depois, ainda não haveria ninguém reassentado; que ninguém tivesse sido declarado culpado pelo crime; que as pessoas atingidas ainda estariam lutando por direitos básicos de reconhecimento, respeito e dignidade; que a mineradora e sua fundação buscariam atrapalhar, e não resolver, a reparação. Quando uma sirene simbólica tocou, tardia e resiliente, marcando aquela primeira edição, era impossível prever que, três anos depois, um outro rompimento de barragem iria matar 272 pessoas e destruir a bacia do Paraopeba, no crime da Vale na mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho. Hoje, ao lançarmos a edição 70 do Jornal A SIRENE, convivemos há anos com o terrorismo minerário em diversos territórios de Minas Gerais, que provoca diásporas e apavora comunidades inteiras, sob a ameaça das barragens que podem se romper a qualquer minuto, como quase se romperam em janeiro. Culpar as chuvas pela calamidade deste início de ano é uma arma de quem não quer que apontemos o dedo para a verdadeira culpada: a mineração gananciosa, que só se preocupa com o lucro e avança graças à conivência do poder público. Mas A SIRENE está aqui para continuar a falar o que é preciso. Para lembrar. Para garantir o direito à memória das pessoas atingidas. Para não esquecer o que aconteceu em 5 de novembro de 2015, o que continua acontecendo e o que, como aprendemos, ainda vai acontecer. A SIRENE sempre lutou para garantir às pessoas atingidas o direito à comunicação. Uma vez conquistado, esse direito precisa ser mantido, consolidado, defendido. Não tem sido fácil. Praticar jornalismo independente e popular, contra a maré da imprensa comercial e contra a mão pesada da mineração, requer o apoio das pessoas, especialmente dos que acreditam que voz, atuação e colaboração são vitais em todas as lutas. É disso que precisamos para continuar existindo.

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