A Sirene - Ed. 99 (setembro/2024)

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A SIRENE

PARA NÃO ESQUECER | Ano 9 - Edição nº 99 - Setembro de 2024 | Distribuição gratuita

REPASSES

Renova e mineradoras são condenadas a pagar R$ 56 milhões por propaganda ilegal

6 de agosto

Renova, Vale, Samarco e BHP foram condenadas a pagar R$ 56 milhões por propaganda ilegal. A decisão, que resulta de uma ação civil dos Ministérios Públicos e defensorias, acusa a Renova de divulgar informações enganosas para minimizar o impacto do desastre-crime. Entre 2018 e 2021, a Renova gastou R$ 28,1 milhões em publicidade. Além de pagar a indenização, as empresas devem corrigir suas propagandas.

Forquilha V entra em situação de alerta 7 de agosto

No início do mês de agosto, foi anunciado que a barragem Forquilha V, da Vale, em Ouro Preto, entrou em alerta após vistoria da Agência Nacional de Mineração (ANM), que detectou fendas na estrutura. Em abril, a Forquilha III também apresentou problemas graves. Atualmente, 33 das 40 barragens da Vale em Minas Gerais não possuem laudo de estabilidade.

A expectativa de vida das pessoas atingidas reduziu em 2,39 anos

10 de agosto

O Projeto Rio Doce, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), revelou que após o rompimento da barragem de Fundão reduziu a expectativa de vida das pessoas atingidas em cerca de 2,39 anos. A pesquisa mostrou aumento de doenças, violência e gastos com saúde pública. O Instituto Guaicuy e o Comitê Técnico Científico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) também identificaram aumento da incidência de transtornos mentais e impactos na saúde em áreas atingidas. "Em alguns municípios, a perda pode significar 24,53 anos a menos de vida"

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AGRADECIMENTO ESPECIAL

Justiça dá decisão favorável às mulheres vítimas do crime da Samarco, Vale e BHP

15 de agosto

O juiz Vinicius Cobucci determinou a atualização e correção dos cadastros das mulheres atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão para garantir acesso ao Auxílio Financeiro Emergencial (AFE), ao Programa de Indenização Mediada (PIM) e ao sistema Novel. A decisão proíbe discriminação e exige que as mulheres possam acessar e alterar seus dados de forma autônoma. A medida é resultado de um processo movido por diversas instituições que destacam a recorrência da abordagem patriarcal da Renova.

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Realização: Associação dos Atingidos pela Barragem de Fundão para Comunicação, Arte e Cultura | Pesquisa para captação de recursos: Elodia Lebourg, Maria Clara Ferreira e Sérgio Fábio do Carmo (Sérgio Papagaio) | Conselho Editorial: Ellen Barros (Instituto Guaicuy), Elodia Lebourg, Expedito Lucas da Silva (Caé), Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Editor-chefe: Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Jornalista Responsável: Crislen Machado | Reportagem e Fotografia: Crislen Machado, Ellen Barros, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Patrícia Rosa | Revisão: Elodia Lebourg | Foto de capa: Nilo Biazzeto | Apoio administrativo: Pâmella Magalhães | Apoio institucional: Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF), Cáritas MG, Instituto Guaicuy | Fontes de recursos: Campanha de Financiamento Coletivo - Apoie o Jornal A SIRENE. ADUFOP - Associação dos Docentes da UFOP. Doações. Mandato da Deputada Estadual Beatriz Cerqueira.

OPINIÃO

Papo de Cumadres: Mula Sem Cabeça

No mês de agosto, Concebida e Clemilda estão comparando o rompimento da barragem com o Folclore, e a Renova como um personagem deste folclore.

— Clemilda, minha fia, oçê já reparô cumé que a reparação parece um folclore?

— Comu assim, cê ta querenu falá?

— ispia bem procê vê, eles inventa as coisas, diz que vai fazê, mai nu fundu é tudu mintira parece e lenda du Curupira, uns até acredita, mais nu fundu quem tem noção, sabe que é que nem sombração, veja u negocio du caltão, na cidade de Barra Longa, com quase 6.000 pessoas vivenu, que foi atingida em toda sua região, achu que nem 10% recebeu caltão e nem indenização.

— É cumade, oçê tem razão, a Samalcu e a Renova parece a mula sem cabeça, sortanu rejeitu pelas ventas, assustanu a população, mas na hora dá indenização é que o folclore tem maior acentuação, é tudu fantasia, mintira e enganação.

Por Sérgio Papagaio
Ilustração: Crislen Machado

Manobras silenciosas

Em junho, a publicação de uma nova lei municipal desencadeou uma série de mudanças significativas na cidade de Mariana. A partir da alteração na legislação, a presidência do Conselho Municipal de Patrimônio e Cultura (COMPAT) foi transferida para Gustavo Henrique Oliveira Leite, o atual secretário de Cultura do município. Tal mudança chegou em um momento decisivo para o futuro de subdistritos como Bento Rodrigues e Camargos, visto que passam pelo COMPAT discussões a respeito do Projeto de Longo Prazo (PLP) da Samarco.

O projeto atende à proposta de ampliação das atividades de mineração no Complexo Germano. Para viabilizar a execução, há a proposta de construção de pilhas de rejeito estéril, além de estruturas como correias transportadoras e rejeitodutos. Caso o PLP seja efetivado, comunidades como Bento Rodrigues, Camargos, Santa Rita Durão e o Reassentamento Coletivo de Bento Rodrigues serão impactadas.

A legislação relacionada à segurança e ao controle das pilhas de estéril ainda é deficiente, o que torna a situação ainda mais preocupante. O processo de licenciamento do PLP está em análise no âmbito estadual e federal. A nível municipal, o Conselho Municipal de Meio Ambiente de Mariana (CODEMA) se manifestou favorável à instalação, enquanto o COMPAT ainda analisa e discute a viabilidade do projeto. Nesse processo, é fundamental que as vozes das pessoas atingidas e da comunidade em geral sejam ouvidas, dado o histórico de violações de direitos ocorridos a partir do avanço da mineração sobre os territórios. Com isso, há preocupações crescentes sobre a falta de transparência e a exclusão de vozes comunitárias nesse processo, além do receio das possíveis implicações danosas que a implementação desse projeto pode acarretar nas comunidades.

“Eu acho que as alterações feitas nas leis do COMPAT não são, de forma geral, positivas. Existem algumas iniciativas positivas, como a participação de universidades, mas, de modo geral, são negativas. Trazem algumas entidades que não têm relação com o patrimônio, e a principal alteração diz respeito a fixar a presidência do Conselho de Patrimônio sempre com o secretário de Cultura do município. Isso, em especial, é uma medida que considero bastante prejudicial ao bom desempenho do conselho, especialmente porque o conselho tem representado, nos últimos anos, a única forma de dar continuidade à política pública de proteção ao patrimônio na instabilidade da administração de Mariana.

A lei impacta fortemente no desempenho do conselho, tira o protagonismo da sociedade civil, colocando-o no poder público de uma maneira bastante autoritária, como que querendo, de fato, diminuir o poder do povo.

As mudanças acontecem em um momento bastante delicado, porque o conselho está analisando pedidos importantes, por exemplo, o de longo prazo da Samarco, especialmente relativos aos impactos do projeto sobre as comunidades de Camargos e Bento Rodrigues, atingidas pelo rompimento da barragem em 2015. São impactos muito relevantes, e existe um ponto cego que

merece atenção de todos: não há estudos sobre colapsos de pilhas de estéril. Se nós conhecemos, hoje, os impactos e as consequências dos rompimentos das barragens, não se sabe nada, pelo menos é o que a própria empresa alega, sobre um eventual colapso de pilha. Então, é mais uma vez colocar em risco essa população que já foi vulnerabilizada anteriormente.

As comunidades de Camargos e Bento Rodrigues são diretamente atingidas pelo Projeto de Longo Prazo da Samarco, inclusive com a colocação de pilhas próximas aos povoados e também instalações industriais, como correias transportadoras, inclusive sobre a Estrada Real, sítios arqueológicos, como o de Mirandinha, e os próprios povoados. Uma das pilhas ficaria a cerca de 1 km da igreja de Camargos, por exemplo. Isso traria muitos impactos, como caminhões, barulho 24 horas por dia, sete dias por semana, e isso tudo estava sendo analisado pelo conselho.

Os próximos passos são tentar resolver essas alterações que foram feitas com medidas judiciais, mas também com medidas políticas, porque acredito que os vereadores não foram adequadamente alertados sobre os riscos dessas alterações que foram propostas pelo município de Mariana, e a gente, então, fazer esse trabalho aí para explicar para a nossa vereança quais são os proble-

Por Ana Cristina de Sousa Maia
Com o apoio de Crislen Machado

mas enfrentados pelo conselho atualmente.

A garantia da preservação do patrimônio só é obtida por meio de um conselho democrático, com ampla participação, voz e voto da sociedade civil, com a presidência por eleição e com a representatividade dos membros do conselho, inclusive com relação a questões técnicas, por exemplo, a exclusão de entidades que não guardem relação com a defesa do patrimônio ou que sejam órgãos meramente executores, que não devem participar de deliberação, como é o caso da Guarda Municipal. Eu acho que a gente precisa trabalhar para garantir a independência do conselho e, assim, conseguir promover uma efetiva defesa do nosso patrimônio.”

Ana Cristina de Sousa Maia, expresidenta do COMPAT

Foto: Lucas de Godoy
Fotos: Ananda Martins

Abandono

Abandono: apenas uma palavra, mas que diz muito sobre a situação dos imóveis sob a responsabilidade de reforma, imputada à Renova, em decorrência de abalos promovidos pela movimentação de máquinas, caminhões e equipamentos da mineradora Samarco em Barra Longa que objetivaram remover o rejeito que ocupou toda a parte baixa da única cidade da bacia do Rio Doce que teve seu centro urbano tomado pelo rejeito proveniente do rompimento da barragem da Samarco, em Mariana.

Após o rompimento da barragem da Samarco, que despejou, no vale do Rio Gualaxo do Norte, mais de 50.000.000 metros cúbicos de rejeito, contaminando o Rio Carmo já no perímetro urbano de Barra Longa, o rejeito desceu, atingiu e contaminou toda a bacia do Rio Doce até desaguar no mar, quando também contaminou grande parte da costa marítima do Oceano Atlântico.

Antes de chegar ao Rio Doce, o rejeito deixou, em Barra Longa, assim como nas comunidades acima da cidade, um rastro de destruição e transformou essas localidades em um verdadeiro depósito de rejeitos. Propriedades rurais, quintais, estradas, igrejas, casas e parte do que podemos denominar como Alto Rio Doce sofreram a ação desse que tem sido classificado como o maior crime ambiental desta tão sofrida terra de Santa Cruz, hoje Brasil.

É importante salientar: se eu quiser criar um boi e não tiver pasto, sou obrigado a alugar um pasto para a criação do gado; se

eu quiser morar em uma casa, sou obrigado, por lei, a alugar essa casa; se eu quiser plantar em um terreno que não me pertence, sou obrigado a alugá-lo. Então por que as mineradoras Samarco, Vale e BHP, donas do rejeito que invadiu casas, propriedades rurais, quintais, praças, vias públicas e toda a parte ribeirinha da minha cidade de Barra Longa, não pagam o devido aluguel das áreas e dos imóveis ocupados pelo rejeito proveniente de sua barragem que rompeu?

Por que a Justiça se vale da Lei do Despejo para remover de um imóvel um inquilino que não cumpriu o que foi acordado no contrato de locação? Com base no seu artigo 5º, seja qual for o fundamento do término da locação, a ação do locador para reaver o imóvel é a de despejo. Por que essa lei não serve para despejar o rejeito que invadiu imóveis e propriedades de Barra Longa, assim como em outras localidades? Tomemos como exemplo de propriedades invadidas a Igreja do Gesteira, na zona rural de Barra Longa, e, como espaços ocupados pelo rejeito ou pelo descaso da Renova, a casa da família Lana, o Hotel Xavier, a Igreja Matriz São José de Barra Longa, assim como muitas outras que sofreram os abalos desse crime e ainda sofrem com um completo abandono, camufladas pelos tapumes construídos pela Renova, que separam as casas de seus verdadeiros donos e de toda a cidade. Não poderíamos usar, para definir essa situação, outra palavra que não fosse "abandono".

E o aluguel, quem vai pagar?

Luiza Laura Lana, professora, parte do grupo de docentes responsáveis por trazer luz a tantas mentes de alunas e alunos na cidade atingida de Barra Longa, nos relata a seguinte situação dos imóveis atingidos e abandonados em sua cidade: "são seis imóveis atingidos, tombados e abandonados em Barra Longa: a casa de João Freitas, a casa de Antônio Mariano, a nossa casa dos Lanas, o Hotel Xavier, a Igreja Matriz São José de Barra Longa e a Fazenda das Corvinas. Eu tenho o decreto delas, aliás, lá na Secretaria de Cultura também tem. O livro está sujo de enchente, mas ele tem o decreto do tombamento desses imóveis. Então, o que aconteceu? Quando a Renova chegou, eles não gostam de pagar nada e deixaram a Fazenda das Corvinas de fora. E lá na fazenda tem dois tombamentos, não é só a fazenda que é tombada. Eles acabaram com ela usando seu terreiro de cimento como garagem para caminhões, máquinas, tratores e tudo mais. Acabaram com a fazenda. Tem também a ponte de pedra que é tombada. A ponte de pedra não é a ponte que eles refizeram, não. A ponte de pedra são aquelas pedras no entorno da ponte, aquelas pedras enormes, umas pedras pretas. Existem outras fazendas, como a Fazenda de Vivinho, dentre tantos outros imóveis inventariados ou não, que, até hoje, sofrem um completo abandono por parte da Renova, que foi criada para reparar o crime, mas que posterga sua reparação".

Por Laura Lana e Sérgio Papagaio

Pessoas atingidas por rompimento de Mariana discursam em seminário sobre Ação Inglesa em Brasília

Evento foi promovido pelo escritório inglês Pogust Goodhead, que representa cerca de 620 mil pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão na Corte de Londres.

Pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana-MG, discutiram sobre sua busca por compensações na justiça inglesa durante evento em Brasília, no dia 10 de setembro. O Seminário “Justiça sem fronteiras: a busca por reparação pelo desastre de Mariana” reuniu juristas, especialistas, autoridades e comunidades atingidas pelo desastre-crime. O evento foi promovido pelo escritório Pogust Goodhead, que representa cerca de 620 mil clientes, em uma ação contra a mineradora BHP em Londres, e foi transmitido pelo canal do Portal Jota, no YouTube.

O seminário foi dividido em três painéis, em que foram discutidos o direito das pessoas atingidas de buscar justiça fora do Brasil, os impactos sofridos pelas pessoas ao longo da Bacia do Rio Doce e as formas de financiamento que ajudaram a mover a ação nos tribunais de Londres.

As vozes das pessoas atingidas

Participaram do seminário Gelvana Aparecida Rodrigues, mãe de Thiago, menino de 7 anos vítima do rompimento no distrito de Bento Rodrigues, e a bióloga Wakrewá Krenak, líder feminina e moradora da comunidade Krenak, localizada às margens do Rio Doce, no município de Resplendor-MG.

Gelvana e Wakrewá uniram suas vozes para representar as milhares de vítimas do desastre-crime. Em seus discursos, as duas lembraram que as famílias atingidas ao longo da Bacia do Rio Doce não foram ouvidas durante as discussões em torno de um acordo de reparação entre as minera-

doras, Instituições de Justiça, a União e os estados de Minas Gerais e Espírito Santo.

No painel “Desastres ambientais e violação de direitos humanos: caminhos jurídicos para reparar o passado e moldar o futuro”, Gelvana contou que busca justiça não apenas para o filho, mas para as outras vítimas do rompimento. “Era só eu e meu filho. Eu trabalhava e vivia por ele, para hoje encontrar um pedaço de mim arrancado da forma brutal que foi”, relembra. Sobre a ação judicial que corre na Inglaterra, ela foi categórica sobre o que espera do resultado: “que seja feita a justiça lá”.

Esse é o mesmo sentimento de Wakrewá Krenak, que relatou os impactos do rompimento da barragem à comunidade indígena. “Antes de 2015, nosso povo vivia somente do rio. E a gente sempre disse que o rio é como pai e como mãe, era de lá que tirávamos nossos alimentos e água para consumo. Após o rompimento, nada disso pode ser feito por causa dos rejeitos de minérios”, disse. Sobre a expectativa para o início do julgamento em outubro, a líder afirmou que espera ser uma “reparação justa”.

Legitimidade

Tom Goodhead, diretor-executivo e sócio administrador do escritório inglês Pogust Goodhead, explicou que esta é a maior ação coletiva ambiental da história da justiça inglesa e que o caso será decidido de acordo com as leis brasileiras. O advogado acrescentou que tem sido uma longa batalha, mas que está otimista e confiante. “É um caso de pessoas ordinárias, de comunidades tradicionais, que estão lutando

contra a BHP, e estão levando esse caso aos tribunais de Londres”, defendeu.

José Eduardo Cardozo, ex-Advogado-Geral da União e Ministro da Justiça, também defendeu o direito das pessoas atingidas de procurarem por indenizações no exterior. “As empresas querem o mundo sem fronteiras para explorar, para oprimir, mas querem fronteiras para não pagar os danos que efetivamente causam aos pobres”, afirmou. Cardozo ainda disse que espera que o julgamento que vai começar em outubro possa trazer justiça para as pessoas atingidas. “O dano é irreparável, mas eu acho que, neste momento, uma indenização justa, devida, ouvindo as vítimas, é de fundamental importância para que os direitos humanos sejam respeitados”, explica.

A ação movida no Reino Unido representa cerca de 620 mil pessoas atingidas pelo rompimento da barragem – o que inclui indígenas, quilombolas, empresas, autarquias, municípios e igrejas – e a indenização demandada é de cerca de R$ 230 bilhões. O início do julgamento de responsabilidade da BHP (sócia da Vale e uma das donas da mineradora Samarco) está marcado para o dia 21 de outubro deste ano, com duração prevista de 14 semanas.

“Nós somos uma comissão forte!”

Diante de cerca de 500 pessoas, a Comissão de Pessoas Atingidas de Antônio Pereira mostrou sua potência, que tem origem na luta coletiva por justiça, na união e na fé de que a reparação vai se concretizar. Isso foi possível porque, no dia 30 de julho, o Instituto Guaicuy (ATI Antônio Pereira), junto à Comissão, conseguiu trazer representantes do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça para Apoio Comunitário (CAO-Cimos) para ouvir e dialogar presencialmente sobre os problemas enfrentados com o risco de rompimento e as obras de descaracterização da Barragem Doutor, da Vale, no distrito. O encontro foi um marco importante para apresentar a Comissão de Atingidos revitalizada que, agora, conta com mais de 50 participantes. O medo do rompimento da barragem, os danos à saúde, à renda e aos modos de vida foram os principais pontos abordados pela comunidade. Além disso, a defesa do direito ao assessoramento técnico independente de qualidade e a valorização do trabalho do Instituto Guaicuy foram marcantes em diversas falas das pessoas atingidas. As crianças também deixaram seu recado, por meio da ciranda, cuja temática foi “Nós também temos o direito de sonhar por um Pereira melhor”, e trouxeram arte e frases como: “meu sonho é que a barragem não estoure” (Kalleb Teixeira) e “meu sonho é acabar com a poeira, meu sonho é acabar com o racismo” (Ana Vitória).

Por Ivone Pereira Zacarias, José Antônio Gonçalves Ferreira, promotor Thiago Correia Afonso, Rosemeire Aparecida de Paula (Rose), Patrícia Mazon, Paulo Amorim

Com o apoio de Ellen Barros, Mariana Viana e Hariane Alves

“Eu sou da Comissão, senhores promotores, nós somos uma Comissão forte! Estaremos representando o direito da nossa comunidade e de todos. Somos uma Comissão forte, não vamos desistir de lutar pelo nosso direito.”

Ivone Pereira Zacarias, representante do Núcleo 2 (Ribeirinhos e Tabuleiros) na Comissão de Pessoas Atingidas de Antônio Pereira

“Eu era vizinho da maioria dos removidos pela barragem da Vale. A Vale tirou nossos vizinhos, nossos amigos! Também acho que a Guaicuy tem que continuar enfrentando esse desafio com a gente, porque, sem ela, não teríamos as informações que

temos hoje, queremos ter ela aqui para dar continuidade às nossas demandas diante da juíza e dos promotores, porque é a Guaicuy e nós aqui unidos, que precisamos somar para ajudar a resolver esse assunto. A Vale não pensa em nós. Nós é que temos que pensar em nós mesmos e fazer a luta, para que ela venha a ser com êxito. Tem que reconhecer todo mundo como atingido, como os garimpeiros e os povos e comunidades tradicionais da nossa comunidade. Eu falo pelo coletivo, porque nós temos danos coletivos, então temos que lutar por todos, porque a Vale atingiu toda a comunidade de Antônio Pereira.”

José Antônio Gonçalves Ferreira, representante do Núcleo 3 (Baixada,

Mariana - MG

Projetadas e Loteamento Dom Luciano) na Comissão de Pessoas Atingidas de Antônio Pereira

“Hoje a gente vê uma Comissão fortalecida, revigorada. Isso, para quem trabalha diretamente nesta ação, que é o meu caso, dá uma tranquilidade maior. Poder ver que a comunidade hoje é representada e a comunidade chancela uma Comissão que, de fato, a representa, conforme mostra no mapinha, através dos territórios… Hoje me dá a certeza de que o território está bem representado pela Comissão, que está cada vez mais fortalecida. Isso chancela a nossa posição de atuar junto à Comissão diante das questões que são trazidas para a gente. Seja para nos orientar diretamente ou com o poder público, para levar as demandas que já vão ser tratadas, seja pelo GEPSA [Grupo de Estudos e Pesquisas Socioambientais], seja pela ATI, então todo esse fortalecimento ajuda o Ministério Público a ter tranquilidade para tratar das questões que vocês trazem para a gente, através dessa Comissão.”

Thiago Correia Afonso, promotor da 4ª Promotoria de Justiça (Direitos Humanos) do Ministério Público de Minas Gerais

“Esse processo não tem sido fácil porque, dentro do meio em que se encontra o processo, a gente nota o tanto que a Vale tem recorrido para não garantir e não dar a comunidade o que é direito dela. Mas é o que a gente tá na luta! Não tem sido fácil, é uma luta árdua mesmo, mas nós não vamos desistir.”

Rosemeire Aparecida de Paula (Rose), representante do Núcleo 1 (Pedreira, Igreja Queimada, Centro Histórico e Lapa) na Comissão de Pessoas Atingidas de Antônio Pereira

“Eu gostaria que fosse feita uma mineração com responsabilidade para que tenhamos o que nós tínhamos há muitos anos, paz. Nós não temos mais paz, tranquilidade. Nós não temos mais identidade, sossego, saúde mental… Não conseguimos mais viver, deitar, dormir. Nós fomos arrancados da nossa vida, do nosso sossego, do nosso canto. Os nossos sonhos, as nossas esperanças. Eu só queria que a Vale fizesse uma mineração com respeito, realmente com responsabilidade e arcar com os danos que ela causou. Ela deveria arcar com os prejuízos, assumisse a responsabilidade pelos danos que ela causou. A vida precisa seguir. E isso não é vida que a gente está vivendo!”

Patrícia Mazon, representante do Núcleo 4 (Vila Residencial Antônio Pereira) na Comissão de Pessoas Atingidas de Antônio Pereira

“Sou do grupo de pessoas removidas, pessoas que estão adoecidas, perderam a referência de amizade, de casa… Nós temos que lutar! A Comissão, ela tem espaço para todo mundo. Desde 2018, essa Comissão vem ativa, quem participou da primeira reunião da Comissão de Atingidos sabe do que eu estou falando. Foi instituída a Comissão e, para quem quiser participar, ela é aberta a todo momento. É porque nós todos somos atingidos.”

Paulo Amorim, representante do Núcleo 5 (pessoas removidas da ZAS) na Comissão de Pessoas Atingidas de Antônio Pereira

Fotos: Gabriel Nogueira

O Projeto Longo Prazo da Samarco e a insensatez dos impactos socioambientais

Em Audiência Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), no dia 19 de agosto, foram debatidos os possíveis impactos socioambientais do Projeto Longo Prazo da mineradora Samarco. Para as pessoas atingidas de Mariana, o rompimento da barragem de Fundão ainda é motivo de luta diária pela compensação dos danos. Agora, com a perspectiva de novos empreendimentos minerários na região, têm se intensificado as ameaças aos patrimônios materiais ainda existentes na origem, aos edifícios recentemente construídos no processo de reparação, aos patrimônios imateriais e, sobretudo, ao futuro das comunidades já atingidas.

Na ocasião, representante dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Ambiental (CODEMA) e de Patrimônio Cultural (COMPAT) de Mariana, argumentou que está evidente que falta clareza por parte da empresa e do poder público municipal sobre os reais motivos para colocar em prática o projeto, sobre a escolha do local e sobre o descumprimento do princípio da não-repetição. Dessa forma, o receio de que seja validada a máxima de que “o crime compensa”, pontuada pela integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), ganha corpo à medida

que também se observa a falta de transparência e da não inclusão das comunidades no processo de elaboração do projeto e de tomada de decisão.

Apesar do aval favorável por parte da Prefeitura de Mariana, pessoas ligadas à luta pelos territórios livres de mineração recorrem a alternativas. Nesse contexto, a Cáritas MG | ATI Mariana vê com extrema preocupação esse cenário que está se formando, uma vez que a reparação integral das pessoas atingidas pela barragem de rejeitos de Fundão, de propriedade da Samarco, sequer foi concluída e, mais uma vez, as pessoas e os territórios se vêem sob a ameaça de novos danos que necessariamente ocorrem a partir do modelo de mineração predatório que tem sido historicamente implementado na região.

“Realmente precisamos de mais minério?”

As pessoas atingidas reivindicam não terem acesso a informações sobre a utilização e destinação dos recursos retirados da região para abastecer o mercado. Com isso, levou-se em consideração a ganância pela exploração dos recursos naturais, no entanto, sem alternativas para diversificação econômica nos municípios e estados brasileiros que têm como principal atividade econômica a mineração. De acordo com Mauro Marcos, representante da Comissão dos Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF), de Bento Rodrigues, existem outras formas de fomentar a economia na região além das mineradoras. “A gente sabe que eles sabem que existe outra alternativa”, pontua.

Foto: Maria Luisa Sousa

Reuniões e mapeamento garantem direitos e reconhecimento

Nos dias 12 e 13 de setembro, o grupo dos Garimpeiros Tradicionais do Alto Rio Doce realizou duas reuniões importantes para avançar no processo de reconhecimento e indenização das famílias garimpeiras. As reuniões ocorreram em Barra Longa, no dia 12, e em Acaiaca, no dia 13, com a participação dos Garimpeiros Tradicionais de Barra Longa, Acaiaca e Mariana. Além dos membros tradicionais da Câmara Técnica Indígena e Povos e Comunidades Tradicionais (CT-IPCT), também estiveram presentes representantes da Defensoria Pública da União (DPU), da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais (SEDESE), da Fundação Renova e da empresa contratada para o mapeamento das famílias garimpeiras.

Foi deliberada a realização de outra reunião para propor datas para os trabalhos que serão realizados nas comunidades onde vivem as pessoas a serem mapeadas. No dia 24 de setembro, a empresa HeP confirmou que os documentos com as datas e os locais serão entregues no dia 27, em Barra Longa (para Sérgio Papagaio) e em Acaiaca (para Hermínio Amaro do Nascimento). Os dois fazem parte do grupo dos coordenadores dos tradicionais e ficaram com a missão de repassar a todos os componentes as informações contidas nesses documentos.

É importante ressaltar que o que está acontecendo é fruto de muita luta e, portanto, uma vitória de todos que sempre acreditaram que seria possível e que os direitos das pessoas garimpeiras seriam reconhecidos.

Por Sérgio Papagaio
Foto: Sérgio Papagaio

EDITORIAL

O passar dos anos não alivia a preocupação quanto ao avanço da mineração em Minas Gerais. A sistematização dos erros evidencia o caráter criminoso de um modelo falido, que prioriza a exploração desenfreada das riquezas naturais em detrimento da segurança e dos direitos das pessoas e da natureza. Um exemplo disso é o Projeto Longo Prazo (PLP) da Samarco.

O PLP, que tem como objetivo retomar as atividades da mineradora, traz à tona um conjunto alarmante de questões. Nesta edição, na Coluna da Cáritas, foi destacada uma audiência pública promovida pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Nela, moradoras e moradores de Mariana puderam expressar seus receios em torno dos impactos potenciais do projeto. Falta transparência das mineradoras e do poder público municipal nas discussões e análises do PLP. As tentativas de exclusão da comunidade e a falta de um plano estruturado de segurança violam o conceito de não-repetição dos desastres-crimes ocorridos em Mariana e Brumadinho.

O controle social aparece como um balizador, pois contribui com uma governança mais participativa e inclusiva. Durante a audiência pública, Mauro Silva, morador atingido, fez o questionamento: “realmente precisamos de mais minério?”. Se a resposta para essa pergunta for “sim”, fica o convite para a reflexão sobre o custo real desse processo e a urgente necessidade de viabilizar alternativas mais sustentáveis. Se o mercado exige o produto, a comunidade grita pela priorização da segurança, dignidade e qualidade de vida.

Nesse contexto desafiador, o engajamento comunitário demonstra que há resistência e luta por justiça social. Embora existam dificuldades significativas, a organização, problematização e os questionamentos colocados diante da tentativa de avanço da mineração predatória evidenciam que há espaço para a construção de um futuro que priorize a manutenção da vida das pessoas e do meio ambiente.

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