A SIRENE
REPASSES
Justiça determina que Renova reconheça comunidades atingidas 24 de abril
A Justiça Federal determinou que a Renova reconheça comunidades localizadas em cinco municípios do Espírito Santo atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão. As áreas são de Nova Almeida e Conceição da Barra, comunidades que foram previamente consideradas atingidas pelo Comitê Interfederativo (CIF) em 2017.
Associação quilombola aciona
Comissão Interamericana
20 de abril
AAssociaçãoQuilombolaVilaSantaEfigênia e Adjacências alega que, além dos danos ambientais imediatos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, o desastre-crime provocou perturbações climáticas regionais e resultou em prejuízos econômicos e na fragilização de culturas e tradições das comunidades. O grupo solicitou audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos para denunciar racismo ambiental e violação de direitos humanos enfrentados pelas comunidades atingidas pelo desastre-crime. Em 2018, a Comissão visitou Mariana e constatou a falta de progresso nas investigações e na reparação das vítimas.
AGRADECIMENTO ESPECIAL
NOTA DE PESAR E SOLIDARIEDADE AOS
FAMILIARES E AMIGOS DE GILMAR GERALDO SOUZA
É com profundo pesar que a equipe da Cáritas MG| ATI Mariana manifesta sua solidariedade aos familiares e amigos de Gilmar Geraldo Souza, da comunidade de Paracatu de Baixo.
Confiantes na misericórdia de Deus, rezamos para que ele seja acolhido na morada eterna. Pedimos, também, que Deus conforte o coração dos que sofrem a dor da perda e lhes dê força neste momento.
Deus é o nosso refúgio e fortaleza, auxílio sempre presente na angústia (Salmos 46,1)
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OPINIÃO
Papo de Cumadres: Caminheiro
Por Sérgio PapagaioConcebida e Clemilda alertam para o índice de contaminação na bacia do Rio Doce.
Caminheiro que lá vai pelo rumu do alazão, decenu rio abaixu pelas beiras du Gualaxu, fincandu us pé nu barru, sujandu até as mão nesse rejeitu fididu vindu lá de fundão.
— Eu veju meu companhiru, seu jeitu de matutu pisandu neste barru xucru, com os pé sem proteção, eu precisu te contá que ocê pode se contaminá nu rejeiru que ta pisadu, pois tem um monte de istudu dizenu que ele tá contaminadu.
— Caminheiru, minha cumadre, que passa disavisadu, cumenu frutu nacidu nesse regeitu, sem sabê, pode até aduecê, pumode u tantu de metá pesadu, nesses frutu encontradu.
— Concebida, minha minina, eu achu que us homi devi de pô aqui umas praca pra espricá que tem coisa nesse rejeitu que pode até te matá.
— Pois eu já iscutei u cantrá, um homi dês falá u rejeitu é ineuti e se ele contaminô, foi us rio que nos criô, que u rejeitu sujô.
— Cumadre, minha fia, pra preseuvá nossa saúde devemus laugá nossu lugá e andá pra frente e nem pra trás oiá, devemus isquecê a terra que viu nois nascê, a casa onde nois foi crecê, us rio que nos deu de vivê e ajudô com matéria pra nossas casa levantá, com peixe pra nois cumê, com ouru pra nois vedê e arumá dinheiru pra pagá us caxeiru, us trém de nois cumê, visti, curá e drumi.
— Cumadre, eu num possu nem pensá de laugá nossa vida pra trás e vivê notru lugá, passandu a vivê de sardade e de sardade a vida peudê.
— Mas como de sardade nois pode morrê? Se é de sardade que há anos, nois tamu a vivê.
Dia das Mães
Por Sérgio PapagaioEu pergunto: qual é o Dia das Mães?
Qual não é o seu dia?
Mãe preta, Mãe branca, Mãe indígena, Mãe parda, Mãe mestiça, Mãe pura de muito amor, com alegria, tristeza e dor. Mãe atingida de Bento, Paracatu, Mãe sofrida de toda bacia.
Mãe de bicho, Mãe de peixe, Mãe de mato, todas sábias como as Mães de gente, sentem como Mães da gente, sentem como gente e gente filho de Mãe de gente. Não sabem como a natureza sente. Se soubesse, não cortava a terra, não matava o rio, não poluía o meio ambiente.
Não feria de morte, nem declarava guerra aos filhos de Mãe Terra.
Catador de minério, que deixa barragem estourar, me leva a pensar: será que é filho sem mãe? Mas não, são filhos da exploração, de uma triste mãe chamada mineração.
Se todos os filhos deste mundo tivessem a mesma sorte, não feria de morte, nem declarava guerra aos filhos de Mãe Terra.
Trabalhadoras e trabalhadores se unem contra a mineração predatória
Organizados pela fé e pela luta em favor da ecologia integral e do cuidado com a Casa Comum, trabalhadoras e trabalhadores atingidos pela mineração predatória participaram da 32ª Romaria, realizada no dia 1º de maio pela Arquidiocese de Mariana. Com o tema “Terra e água, dom de Deus, direito humano, fonte de justiça e vida!”, o evento aconteceu em frente à Capela de Santo Amaro (século XVIII), em Botafogo. A localidade, situada em Ouro Preto, luta contra a expansão da mineração que ameaça destruir o meio ambiente e a comunidade secular ali presentes. A Romaria contou com a presença de centenas de pessoas e diversos movimentos e organizações sociais. O Instituto Guaicuy, Assessoria Técnica Independente de Antônio Pereira, comunidade atingida pelo risco de rompimento e obras de descomissionamento da Barragem Doutor, da Vale, também esteve presente nesse momento de união, ao lado de dezenas de moradoras e moradores da comunidade.
Por Padre Marcelo Moreira Santiago, Alessandra dos Santos Lopes, José Algercio Alves Corgosinho, Benito Silva Guimarães e Líria Barbosa Barros
Com o apoio de Gabriel Ferreira Nogueira e Ellen Barros, do Instituto Guaicuy
“Nós estamos reunidos na comunidade de Botafogo, geograficamente uma comunidade pequena, mas uma comunidade gigante, de muitas lutas, que vem agora enfrentando todo um processo acelerado de mineradoras que vão chegando querendo tomar essa área. A Arquidiocese realiza, a cada ano, a sua Romaria dos Trabalhadores e Trabalhadoras, essa é a 32ª.
Nós recordamos a terra e a água como dons de Deus, que são um direito humano, fonte de justiça e de vida. Entendendo, nessa Romaria, nosso compromisso em se somar às lutas da comunidade para que aqui a mineração não venha, não aconteça. E questionando também todo um processo de mineração predatória, que tira a força da nossa terra, que são os minerais, e também tira o sangue da nossa gente, do nosso povo.”
Padre Marcelo Moreira Santiago, Arquidiocese de Mariana
A SIRENE
“Estamos aqui na luta, nesse evento da Romaria, onde estamos lutando pela nossa dignidade, pelo povo de Antônio Pereira… É tão maravilhoso ver pessoas de outras localidades sendo participativas, é um prazer enorme ver pessoas de fora, de longe, mas também daqui mesmo. Ouvimos a palavra do Senhor e lutamos por nossos direitos, de termos dignidade.”
Alessandra dos Santos Lopes, moradora de Antônio Pereira
“Eu e minha esposa gostamos muito da Romaria, que foi muito bem organizada, teve carreata, comida muito boa, com fartura. O sentimento é de saber que o sofrimento do povo com a mineração é pra todo lado, no Brasil inteiro, mesma coisa em Carajás, a mesma coisa aqui também e, toda vez que tiver a Romaria, nós estamos lá, fortalecendo mais a luta!”
José Algercio Alves Corgosinho, morador de Antônio Pereira
“Essa é a 32ª Romaria do Dia do Trabalhador, foi aqui na Capela de Santo Amaro e teve gente de vários lugares, teve gente do Pereira, de Itabira, de Catas Altas, Congonhas, Cachoeira do Campo, Conselheiro Lafaiete, de várias cidades. Pra nós, agora é um sentimento de união, de força! A gente tava lutando contra essa mineração sozinhos, agora tem várias pessoas envolvidas na causa junto com a gente.”
Benito Silva Guimarães, morador de Botafogo
“A comunidade de Botafogo acolheu a 32ª Romaria da Arquidiocese de Mariana e foi um momento que teve várias representações de movimentos sociais. Recebemos centenas de pessoas e tivemos a oportunidade de falar com elas, e elas nos escutaram para entender o que está acontecendo hoje em Botafogo. A comunidade está sendo coagida por tantos processos minerários, são cinco processos minerários em fase de concessão de lavras. Toda hora chega uma mineradora tentando fazer a gente engolir o programa deles goela abaixo. Chegam como se já estivessem implementando, como se não tivéssemos escolhas.
Esse encontro aqui foi muito bom para a gente compreender como a união das pessoas é importante nesse tipo de luta. Trouxe esperança para o movimento ‘Mineração: no Botafogo não’, para entender que as pessoas estão junto com a gente, nos apoiando. Botafogo é um espaço de Mata Atlântica, tem tantos aquíferos que abastecem o Rio das Velhas, abastecem o Rio Doce, abastecem todo o município de Ouro Preto. Trazer essa conscientização e fazer entender que Botafogo é um lugar muito especial, muito importante para toda essa questão hídrica, ambiental e também para essa memória dessa comunidade que está aqui há mais de 300 anos.”
Líria Barbosa Barros, moradora de Botafogo
Apresentando o Observatório UFRJ-UERJ de Injustiça Ambiental
O Observatório UFRJ-UERJ de Injustiça Ambiental é fruto da parceria interinstitucional entre grupos de pesquisa de dois cursos de Geografia − um sediado na Universidade Federal do Rio de Janeiro; o outro na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Os grupos que o compõem são o Núcleo de Pesquisas em Geografia Ambiental e Ecologia Política (GAEP) e o Coletivo de Pesquisas sobre Territórios e Ambientes das Injustiças e dos Racismos Ambientais, coordenados, respectivamente, pelos professores Marcelo Lopes de Souza (UFRJ) e Thiago Roniere Rebouças Tavares (UERJ).
Existem muitos outros observatórios no meio acadêmico que se debruçam sobre diferentes temáticas. Em nosso caso, não só possuímos como escopo analisar fenômenos situados no âmbito da Ecologia Política e da Geografia Ambiental, como também buscamos ir além da mera “observação”: almejamos contribuir para mudar a realidade, por meio da denúncia fundamentada e da reflexão sobre alternativas, em cooperação com atores da sociedade.
Isso significa que, em consonância com o espírito crítico da Ecologia Política, pretendemos registrar e analisar, mas, em última análise, colaborar para apontar e combater processos e situações de injustiça ambiental, por meio de nossas atividades e produções. A indignação e o desejo de contribuir dessa maneira são os sentimentos principais que movem e deram origem ao Observatório.
Nossa inspiração, como informado, é a Ecologia Política. Como “campo” do conhecimento, ela possui um potencial que a distingue das outras disciplinas, sobretudo, por não poder se enquadrar em uma seara científica. Na verdade, ela não se encaixa nem mesmo em uma específica área do conhecimento, como poderiam ser as
Ciências Humanas e as Ciências da Natureza. Ao contrário, ela busca realizar pesquisas que concatenem essas áreas. Essa é sua força, é onde sua potência se manifesta para tratar de fenômenos da realidade que demandam explicações não fragmentadas, como tem sido com as pautas que envolvem as discussões ambientais. No mesmo caminho, a Geografia Ambiental desempenha um papel parecido, como abordagem que promove exames que relacionam o campo “físico” ao campo “humano” da Geografia.
Ainda mais, tanto a Ecologia Política como a Geografia Ambiental expressam seu vigor por realizarem um movimento pouco comum no mundo científico, que é descer do pedestal acadêmico para ouvir e considerar os conhecimentos populares. A isso, dá-se o nome de diálogo de saberes. Um diálogo sob os termos do ativismo e da crítica realizada por diferentes sujeitos a partir de sua sapiência, experiência, vivências em seus territórios, sobre os mais diferentes tipos de processos que afetam seus ambientes, como a exploração, transformação, degradação, apropriação e a ressignificação da natureza e seus bens.
Entre as diferentes ações desenvolvidas pelo Observatório, estão nossas pesquisas, a participação em atividades comunitárias, o auxílio na elaboração de relatórios, entre outras. Mais recentemente, lançamos nosso site, que funciona como um canal de divulgação pública, cujo objetivo é divulgar parte de nossos projetos.
Além de suas publicações próprias, assinadas coletivamente, nosso site recebe publicações de quem desejar contribuir com ele, como denúncias de ativistas em seus territórios. Também faz parte de nossa política republicar artigos e veicular notícias, entre outras atividades informativas pertinentes para as discussões que desejamos fomentar.
Caso deseje colaborar com algum texto ou notícia (ou por meio de outro tipo de iniciativa), leve em conta o nosso princípio essencial: análises e informações deverão estar amparadas em um olhar socialmente crítico e inconformista. A decisão final quanto a qualquer publicação cabe ao Comitê Editorial da plataforma. Para saber mais, basta entrar em contato com: observatorio.injusticaambiental@gmail.com.
Vítimas de Mariana que processam Vale e BHP na Inglaterra criticam oferta de acordo
Vale anunciou, no fim de abril, oferta de R$ 72 bilhões para encerrar a judicialização pelos danos causados com o rompimento da barragem de Fundão, em 2015
Vítimas do desastre-crime da Samarco, Vale e BHP se manifestaram contra a mais recente proposta de indenização apresentada no dia 29 de abril pelas mineradoras pelo rompimento da barragem de Fundão, em 2015. As pessoas atingidas que processam as empresas na Inglaterra alegam que o valor anunciado, de R$ 126 bilhões é, na verdade, R$ 72 bilhões em dinheiro novo e não cobre a reparação integral dos danos causados pela lama tóxica.
A oferta visa encerrar todas as obrigações legais e processos judiciais no Brasil relacionados ao rompimento da barragem da Samarco. O potencial acordo, que seria executado ao longo de 20 anos, está sendo discutido há quase três anos pelo Governo Federal, pelos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, por entidades de justiça e pelas mineradoras.
Prefeitos dos municípios que fazem parte daaçãocriticaramaoferta.Paraoprefeitode Baixo Guandu-ES, Lastênio Cardoso, a nova oferta é “extremamente baixa” e “desrespeitosa”. “É inaceitável que as mineradoras ainda se neguem a pagar indenizações justas. Os municípios sequer possuem o direito de conhecer os termos do que está sendo discutido. Baixo Guandu busca reparação integral por todos os danos sofridos desde a ruptura e seguimos confiantes de que a ação na justiça da Inglaterra vai fazer justiça aos milhares de afetados por esse desastre.”
O escritório global de advocacia Pogust Goodhead, que representa cerca de 700 mil
pessoas atingidas contra BHP e Vale na Inglaterra, explica que a oferta contempla somente as obrigações das empresas com as autoridades brasileiras, e não a reparação e compensação individual das vítimas. Além disso, esclarece que o montante de R$ 127 bilhões anunciado pela Vale engloba valores já pagos ao longo dos mais de oito anos. O julgamento de responsabilidade das mineradoras em Londres está marcado para outubro deste ano.
“Infelizmente, a oferta é enganosa de várias maneiras. Em primeiro lugar, não resolve os processos movidos por quase 700 mil vítimas em Londres. Em segundo lugar, a oferta visa sanar as obrigações das empresas com as autoridades brasileiras, e não a reparação e compensação que as vítimas merecem. Em terceiro lugar, embora o número anunciado seja de R$ 127 bilhões, apenas metade desse montante é dinheiro realmente novo a ser aplicado”, ressalta Tom Goodhead, diretor-executivo do escritório.
O advogado também reforça que as pessoas atingidas não foram ouvidas nas negociações no Brasil. “As vítimas foram excluí-
das desse processo e a oferta não atende às suas demandas por justiça. Depois de quase nove anos, as empresas deveriam agora assumir suas responsabilidades com as vítimas e com o governo brasileiro”, finaliza.
O morador de Governador Valadares-MG, Edertone José da Silva, comenta que, “ao longo desses mais de oito anos de espera, essa é só mais uma das manobras das companhias para tentar nos enganar, essa atitude deles não é novidade para nós. Infelizmente, nossa esperança não está mais no Brasil, e sim em Londres, no dia 7 de outubro”, disse Edertone em referência à data de início do julgamento de responsabilidade na corte inglesa.
O representante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Joceli Andreoli, destaca que as vítimas não foram devidamente incluídas nas discussões. “As empresas criminosas estão brincando com a inteligência do povo brasileiro. Essa está longe de ser uma proposta razoável de reparação e jamais será aceita pelos atingidos. Esperamos que as instituições e governos também não aprovem”, enfatiza.
Preto velho
Sérgio PapagaioMar revolto, uma embarcação surge na linha do horizonte, carregando pretos e pretas, ferramentas de trabalho na construção do novo continente.
No meio de tantos jovens, se destaca um corpo preto velho, reluzindo ao mar. Quem és tu, preto, homem velho, neste navio vindo de África a viajar? Tua idade avançada ao trabalho das Américas não servirá, viestes enganado ou foi um brinde mandado prá cá?
Do que lhe adianta chorar? Suas lágrimas de sangue, as águas do mar vão se misturar, atraindo ferozes tubarões a lhe espreitar. Não podes agora fraquejar, não deixe sua fragilidade na caixa preta da velhice aparentar, pois, no mar revolto, tubarões acostumados à carne preta estão a lhe esperar.
Segues firme com seus anos na cacunda, não permita que a morte lhe sucumba, há no mundo de lá um árduo trabalho a te esperar, trabalho doente, maior e mais doloroso do que aqueles dentes, mais feroz que o branco tubarão, bicho brabo e impiedoso chamado escravidão, que morde com a chibata, e aperta com sol e grilhões. O velho preto cansado, caminha de navio sobre o mar, com a esperança a se despedaçar.
O que te espera, velho viajante, é tão cruel e tenebroso e mais ainda assombroso do que o carnívoro rei das tuas terras, o leão, pois o bicho que te espera, chamado escravidão, foi domesticado pelo senhor da católica religião, transformado em lei pelas suas próprias mãos, quer te libertar de seus demônios te prendendo à senzala e usando Deus como grades desta prisão e seu filho Jesus Cristo como grilhão. Na América, só a morte é libertação, e a Lei Áurea só virá daqui a 350 anos de servidão, onde serão libertados para uma nova escravidão.
Carregas consigo as lembranças de uma terra esquecida, que de sua mente jamais sairão, até tuas crenças, preto velho, de ti vão tentar arrancar, clame a Oxalá, peça pra ele te atender, ordenando a Odê Caiodê caçar sua felicidade perdida em África e pode lhe trazer, enfim, liberdade, antes de a América avistar, veio a morte a lhe salvar, liberdade, um corpo velho e preto é jogado ao mar.
Pela continuidade da Assessoria Técnica Independente em Mariana
Desde o final de 2016, o trabalho de Assessoria Técnica Independente (ATI) tem se consolidado como uma conquista da luta popular, elemento fundamental na disputa por uma reparação justa e integral. Em Mariana, o projeto da Cáritas MG | ATI Mariana foi proposto inicialmente para um período de quatro anos, com início em outubro de 2016 e previsão de término em setembro de 2020. O cenário de constante violação de direitos e reiterados atrasos no processo apontou para a necessidade de revisão das ações, ampliação da equipe e prorrogação do prazo de execução.
Ao longo dos anos, em todos os momentos em que a Cáritas MG se deparou com o encerramento de um plano de trabalho, necessidade de adequação ou o fim do orçamento disponibilizado, foram necessárias negociações e intervenções das Instituições de Justiça. Por consequência, estabeleceu-se, diversas vezes, o cenário da incerteza. Diante do contexto de grande instabilidade em 2023, provocado pelo fim do recurso financeiro, houve uma redução significativa de funcionários, necessidade de novas contratações e reorganizações internas.
Em fevereiro de 2024, foi apresentado o novo plano de trabalho para o período de 24 meses, a ser avaliado pelo Ministério Público, pela Samarco, Vale e BHP. No dia 19 de março, foi realizada uma audiência para que as empresas pudessem avaliar a proposta da ATI, seguida
de um novo acordo com as Instituições de Justiça. Como as partes não chegaram a um consenso, o juiz da Vara Federal ficou responsável por decidir sobre a continuidade dos assessoramentos.
No dia 22 de março, a decisão do Dr. Vinícius Cobucci, juiz federal, foi emitida, favorável à continuidade da ATI Mariana, até dezembro de 2024, e determinando a liberação mensal dos recursos para pagamento dos trabalhadores do projeto. O pagamento referente aos recursos humanos para o mês seguinte foi autorizado, mas o orçamento para custeio das atividades ficou pendente de uma justificativa por parte da ATI sobre sua
destinação e valores solicitados. Assim, a decisão aprovou o plano de trabalho parcialmente.
Em seguida, uma nova decisão judicial retorna com o processo para a Vara Estadual, o que faz com que seja necessária uma nova mobilização para garantia da ATI em Mariana. Nesse momento, a Cáritas MG está na fase final do edital para novas contratações com o intuito de que, em breve, seja possível retornar às atividades com a equipe completa, no entanto, ainda é necessário garantir a aprovação de recursos necessários para a continuidade da atuação no território.
Foto/montagem: Quel Satto
MineradoraVale S.A. colocou distrito de Santa Rita Durão em alto risco
Empresa escondeu da população por três anos que pillha de rejeito estava instável e poderia desmoronar
Você imagina viver sob o risco de ter sua casa, sua propriedade, sua ferramenta de trabalho serem destruídas pelos rejeitos da mineração sem que você tenha conhecimento desta possibilidade? Foi exatamente o que aconteceu em Santa Rita Durão, distrito de Mariana. Em 2020, a própria mineradora Vale S. A. fez um laudo, que atestou instabilidade da pilha de rejeito da Mina de Fábrica Nova, o que significa possibilidade de desmoramento. Apesar da gravidade da situação, a mineradora escondeu a informaçãodapopulaçãodeSantaRitaDurão,quesó ficou sabendo do risco em novembro de 2023 e pela imprensa. Essa omissão irresponsável, que colocou toda a comunidade de Santa Rita Durão em risco, precisa ser investigada e os responsáveis punidos.
A responsabilização da empresa faz parte da luta da comunidade, que contou com o nosso apoio por meio de duas iniciativas de nosso mandato: a realização de uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas e um pedido de providências ao Ministério Público Federal. As duas ações tiveram como objetivo não só contribuir para responsabilizar a Vale S.A. pela exposição da comunidade de Santa Rita Durão ao risco, mas também garantir que a omissão e o falseamento de informações não sejam permitidos e adotados como práticas rotineiras da Vale S.A. e de outras mineradoras.
Durante audiência pública, em 4 de dezembro de 2023, na Comissão de Administração Pública da Assembleia, moradores de Santa Rita Durão denunciaramquesóficaramsabendopelaimprensa do risco de desmoronamento da pilha de rejeitos da Mina de Fábrica Nova. O risco, segundo os moradores, já era conhecido pela mineradora Vale pelo menos desde 2020, quando foi produzido um laudo geotécnico contratado pela própria empresa. Esse laudo, no entanto, só se tornou público em 10
"Beatriz Cerqueira
de novembro de 2023, quando uma fiscalização da Agência Nacional de Mineração (ANM) exigiu a apresentação do documento.
Na audiência, solicitada por nós pelo Requerimento RQC 5519/2023, debatemos intensamente a responsabilidade do Poder Público na adoção de medidas de segurança da população e fiscalização das estruturas de propriedade da mineradora Vale S.A. A arqueóloga e historiadora
Alenice Motta Baêta fez uma importante contribuição. Ela afirmou que Santa Rita Durão não é o único distrito de Mariana que está ameaçado pelaspilhasderejeitoestéril.“AValeestáconstruindo uma pilha seca a 400 metros do centro histórico de Camargos”, afirmou ela, referindo-se a outro distrito deMariana.Ahistoriadoraavaliaquehá“umprojeto claro das mineradoras de sacrifício dos territórios de Bento Rodrigues, Camargos e Santa Rita Durão”. Em 10 de novembro, quando o documento apontandooriscoveioapúblico,aAgênciaNacional de Mineração (ANM), interditou as atividades na Mina de Fábrica Nova e determinou a atualização do Plano de Ações Emergenciais para Barragens de Mineração (PAEBM).
Nossomandatoencaminhouumarepresentação ao Ministério Público Federal (MPF) com pedido de providências. O procurador Ângelo Giardini, nos apresentou em 15 de abril deste ano o resultado do trabalho. O procurador oficiou as empresas que atestaram a estabilidade e depois a instabilidade das pilhas de rejeito. O MPF ainda vai ouvir a comunidade sobre a reparação dos danos em razão do período em que a comunidade e o meio ambiente estiveram em risco. Agora em maio, o MPF irá ao território para iniciar o processo de criação do comitê de atingidos.
A instabilidade persiste, apesar da Vale alegar que reduziu o armazenamento de uma barragem que fica abaixo das pilhas, construiu diques para que, em caso de desmoronamento, a estrutura seja capaz de fazer a contenção e impedir que os resíduos se espalhem.
A população de Santa Rita Durão, cerca de duas mil pessoas, continua insegura e não tem certeza de que a medida adotada pela Vale S.A. vai ser capaz de impedirnovoscrimes.Osofrimentodacomunidade, que já foi atingida pelas consequências do crime da Vale/Samarco /BHP de Mariana, só aumenta.
Distante 35 km do centro de Mariana, o distrito Santa Rita Durão possui um rico patrimônio cultural, seu núcleo histórico foi tombado pelo governo estadual em 1996. Faz parte do “Caminho dos Diamantes”, da Estrada Real, e tem como atrativos históricos a Matriz de Nossa Senhora de Nazaré, a Capela de Nossa Senhora do Rosário, a Casa com Rótulas e Cruzes e parte preservada do casario colonial. A localidade foi batizada em homenagem ao frei Santa Rita Durão, que ali nasceu em 1720. Ele foi o autor de 'Caramuru', um dos poemas épicos nacionais, com o qual foi reconhecido como um dos pioneiros da literatura brasileira.
A insegurança pública nos municípios atingidos
Em 2019, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) conduziu um estudo intitulado “Impactos sobre Segurança Pública a partir de Dados Secundários”, que revelou indícios preliminares que associam o rompimento da barragem de Fundão ao aumento nos níveis de criminalidade nas cidades atingidas, devido a três possíveis elos relevantes: a queda de renda, o aumento do desemprego e a migração.
O estudo investigou a variação no número de homicídios após o desastre-crime e o contexto mais amplo de mudança na criminalidade e na capacidade das autoridades de manter a segurança das populações atingidas. Em suma, a análise sugere que o rompimento da barragem pode ter impactado não apenas no aumento do total de homicídios, mas também no índice geral de criminalidade nas regiões atingidas.
Por Joelma Fernandes e Selma Lima
“A gente sempre viveu da pesca, da extração da areia do Rio Doce e da plantação. A gente fez a tradição de pai pra filha, de avós para os netos. Desde pequenininha, a gente fazia covas e plantava mudinhas e as sementes. Minha intenção era continuar assim, meus filhos todos trabalhavam aqui comigo, minhas netas iam atrás de mim com a sacola cheia de sementes, mas hoje acabou.
A recuperação do Rio Doce a gente não vê. Acaba que a gente não tem esperança, eles não recuperam as nascentes e nem o rio. Meus filhos, hoje, trabalham na cidade. Antes, eles trabalhavam comigo. Minhas meninas, meus sobrinhos. Minha sorte é que meus filhos conseguiram um trabalho digno, mas eu perdi um sobrinho pro cri-
me. Antes não tinha esse negócio. Ele trabalhava com a gente na colheita de frutas aqui. Depois do rompimento, ele foi pra cidade, se envolveu com um tráfico de drogas. E acabou que mataram ele, fez três anos agora em janeiro.”
Joelma Fernandes, moradora de Ilha Brava
“Eu sou mãe de 10 filhos, sete mulheres e três homens. A gente nasceu, cresceu e viveu aqui, mesmo com a dificuldade. A gente tá pertinho de cidades grandes, ricas, indústria, mas, do lado de cá, quase ninguém tem uma renda muito boa não. O rio passa pela cidade e não tem muito pra onde crescer, tem enchente, tem gente que vivia de pesca e perdeu tudo. Durante
muitos anos, eu trabalhei nos botes, levando as pessoas de uma margem pra outra pra resolver as coisas. Depois que a barragem rompeu, teve bote meu que encalhou. Hoje em dia, trabalhar com isso não vale a pena não. Por isso, a maioria dos meus filhos foi embora. Tem gente em Ipatinga, Fabriciano e até nos Estados Unidos. Meu filho mais novo tava querendo ir, já tinha organizado quase tudo com a namorada dele e o meu neto. Venderam as coisinhas deles tudo, a moto, os móveis, mas, aí no dia que ele ia pagar o pessoal, dois rapazes entraram na casa dele e levaram tudo. O prejuízo foi grande, mas, graças a Deus, não aconteceu coisa pior.”
Selma Lima, moradora de Ipaba
Socialização de jovens de Mariana atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão: apresentação de pesquisa e reflexão sobre os primeiros desafios após o desastre
é revisora do jornal A SIRENE desde 2017 e autora da tese Atravessando labirintos: processos de socialização de jovens atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana-MG
Tenho colaborado com as lutas das comunidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão desde 2015 e em diversas frentes: como coordenadora de um projeto de escuta e acolhimento das professoras e dos professores da Escola Municipal Bento Rodrigues (2016), como militante do coletivo Um Minuto de Sirene (2017-2018), e como revisora e conselheira do jornal A SIRENE (desde 2017).
Nesses espaços, comecei a me indagar sobre os desafios que as crianças atingidas enfrentariam quando chegassem à juventude, já que continuavam sentindo os efeitos da perda dos territórios e não havia garantia de reparação integral e justa também para elas. Como experimentariam essa fase da vida? Como o trauma
provocado pelo desastre afetaria esses jovens? Conseguiriam manter seus vínculos com as comunidades?
Diante desses questionamentos, decidi pesquisar o assunto, apresentei um projeto de tese à Universidade Federal de Ouro Preto e fui aprovada no doutorado em Educação em 2020. O objetivo de minha pesquisa foi compreender como foram afetados os processos de socialização de jovens atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão que cursavam o Ensino Fundamental I em 2015 e que, no momento das entrevistas, estavam matriculados no Ensino Médio.
Nos últimos quatro anos, estudei bastante sobre temas que envolvem juventudes e desastres e, para a pesquisa, entrevistei 12 jovens atingidos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Camargos. Eles tinham entre 14 e 17 anos, e cursavam do 1º ao 3º ano do Ensino Médio em escolas de Mariana e Ouro Preto.
Em nossas conversas, perguntei sobre como foi a infância deles nos subdistritos, como eram as amizades, as escolas e suas rotinas. Também quis saber se tinham conseguido permanecer próximos das amigas e
dos amigos logo após o desastre, quando se mudaram para a sede de Mariana. Fiz perguntas sobre a chegada ao Ensino Médio e à juventude, como o que faziam para se divertir, como eram as novas amizades, a rotina e os projetos de futuro. Uma vez que eles também sofreram com os impactos da pandemia de COVID-19, perguntei sobre os estudos e como mantiveram contato com as amigas e os amigos naquele período. No último trecho de nossa conversa, me contaram como enfrentaram o preconceito e como estavam lidando com o sofrimento provocado pelo desastre.
Esta é mais uma forma que encontrei de apresentar às comunidades atingidas os principais resultados da pesquisa e convidar para um diálogo sobre/com essas juventudes. Então, nesta e nas próximas duas edições d’A SIRENE, minha intenção é explicar o que aprendi com o estudo, a partir das entrevistas, e propor algumas reflexões sobre como manter esses jovens sensíveis às lutas pela reparação integral e por justiça. Para começar, apresento parte do que os participantes contaram a respeito de como suas infâncias foram afetadas pelo desastre.
Conforme expliquei, entrevistei 12 jovens de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Camargos. Parte dessas conversas foi destinada à compreensão de como o desastre e a perda dos territórios afetaram suas infâncias. Em sua entrevista, Rafaela*, que tinha nove anos quando o rompimento da barragem de Fundão destruiu sua comunidade, resumiu a transição para a sede de Mariana da seguinte forma: “no geral, foi um processo muito difícil, porque, pra nós, que já morávamos lá, não tinha muito isso de vir pra Mariana direto, a gente teve que se adaptar a várias coisas novas, várias adversidades, outras pessoas. Até falta de respeito a gente passou”.
Além disso, eles me contaram que diversos vínculos com as amigas e os amigos dos territórios atingidos foram fragilizados após o desastre, porque deixaram de se ver com frequência, não brincavam mais juntos e estavam vivendo um momento muito estressante e traumático. Geralmente, só encontravam os antigos colegas dos subdistritos nas escolas e também tiveram dificuldades para fazer novas amizades na sede de Mariana, conforme mencionado por Teresa*: “ninguém conversa com ninguém. Isso é uma diferença que impacta todo mundo”.
Ao contrário do que imaginei, os jovens que entrevistei revelaram que era comum acontecerem brigas, afastamentos e confli-
tos, o que aumentou o sofrimento que estavam enfrentando. Jade*, por exemplo, falou que se sentia excluída, porque “sempre era a que sobrava” e se afastou das amigas de infância. Rafaela* refletiu: “olhando por um lado, eu acho que as pessoas que eram minhas amigas no Bento mudaram. A personalidade delas mudou um pouco, a gente se distanciou bastante”.
Quando contaram sobre essas rupturas, alguns disseram que se sentiram magoados e decepcionados, outros responderam que não se importaram. Gabriela* revelou que não sentia falta das amigas e dos amigos, porque achava que eram “falsos”. Muitas pesquisas sobre populações atingidas por barragens e outros desastres já haviam mostrado que tende a ocorrer uma fragilização dos vínculos comunitários devido à perda de espaços sociais comuns, no entanto, relatos de crises e conflitos entre as crianças e os jovens ainda não foram estudados de forma aprofundada.
Mesmo que seja uma consequência “comum” da experiência de quem perde seu território, quando crianças, adolescentes e jovens quebram seus vínculos de forma tão turbulenta e definitiva, isso se reflete no que restou das configurações comunitárias, o que representa mais um efeito negativo do desastre, porque muitos podem perder a capacidade de se sentirem identificados
com os territórios de origem e de lutar pela garantia de seus direitos individuais e coletivos. Agora que essas crianças chegaram à juventude talvez seja importante assumir o desafio de aproximá-las ainda mais das discussões e das lutas das comunidades atingidas.
Na próxima edição, vou trazer algumas reflexões a respeito de como os jovens atingidos que participaram da pesquisa chegaram a essa nova fase de suas vidas, como foi o ingresso no Ensino Médio, o que mudou em suas rotinas e jeitos de ser, e como pensavam em seus futuros. Também compartilharei alguns dos desafios enfrentados por eles durante a pandemia de COVID-19. Até lá!
Para conversar com a autora: ehlebourg@gmail.com
Agradeço à Universidade Federal de Ouro Preto, pela concessão da bolsa de estudos; à Prof.ª Dr.ª Rosa Maria da Exaltação Coutrim, orientadora da pesquisa; e à Maria Clara Caldas Soares Ferreira, revisora deste texto.
EDITORIAL
O processo de repactuação que envolve Samarco, Vale e e BHP, além de diversas esferas do Governo Federal e dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, foi iniciado com a prerrogativa de estabelecer um acordo que contemplasse pagamentos de auxílios, realização de obras e estudos, entre outras medidas para a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão. No último dia 29, a Vale anunciou a proposta de pagamento de 127 bilhões de reais. Deste montante, apenas 72 bilhões seriam de novos recursos.
Conforme apontado pelo escritório Pogust Goodhead nesta edição, a proposta da empresa deveria ser executada em 20 anos. Com isso, obrigações legais e processos judiciais iniciados no Brasil seriam encerrados. A proposta, construída em segredo de justiça e sem participação popular, demonstra a covardia das mineradoras que desejam fugir das responsabilidades pelos danos causados pelo desastre-crime.
Além da apresentação de uma proposta de acordo vergonhosa, as inúmeras tentativas das empresas de desmobilizar grupos, fragilizar vínculos comunitários e precarizar as Assessorias Técnicas Independentes perpassam os diversos entraves jurídicos e financeiros impostos pelas rés.
Apesar disso, a fé, a esperança e a luta das comunidades atingidas pela garantia de direitos demonstram que não há motivos para tolerar estagnação ou retrocesso. A exemplo disso, a comunidade de Botafogo, em Ouro Preto, que luta contra a expansão da mineração predatória em seu território, acolheu um evento em frente à bicentenária Capela Santo Amaro, com o tema “Terra e água, dom de Deus, direito humano, fonte de justiça e vida!”, no último dia 1º de maio.
A 32ª Romaria dos Trabalhadores e Trabalhadoras, organizada pela Arquidiocese de Mariana, promoveu fé e reflexão quanto à preservação ambiental. Pelo menos cinco processos minerários estão em fase de concessão de lavras em Botafogo e, diante do risco iminente de devastação, a população busca aliados e fortalece a campanha “Mineração: no Botafogo não!”
Por vezes, assumir o papel de comunidade, pessoa, trabalhadora, trabalhador, órgão público ou veículo de comunicação que resiste à expansão da mineração predatória pode ser desafiador. Por isso, todas as conquistas também precisam ser celebradas. A proposta de acordo que reduziria as responsabilidades das mineradoras foi rejeitada pela União e pelo estado do Espírito Santo, sob o argumento de que as condições são inadmissíveis e não trazem avanços em relação ao que havia sido discutido e acordado até então. Dessa forma, a negociação ganha novos capítulos e o povo segue organizado em luta por justiça e reparação.