A SIRENE
REPASSES
Seminário, promovido pela Vale, discute segurança de barragens sem a presença de pessoas atingidas
2 de julho
O Seminário Brasileiro de Segurança em Estruturas de Rejeitos, organizado pelo Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), teve como patrocinadoras as empresas Vale e Samarco, responsáveis por dois dos maiores crimes socioambientais do Brasil, em Brumadinho e Mariana, respectivamente. O evento não contou com a presença de pessoas atingidas entre os palestrantes, tampouco na plateia. Cabe ressaltar que o ingresso para não associados custou 2.200 reais. Entre palestrantes e convidados, o contraponto ao discurso polido coube ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e à Agência Nacional de Mineração (ANM), que aceitaram o convite para participar do evento, mesmo sem a presença das pessoas atingidas.
Samarco, Vale e BHP são alvos de ação que pede reparação às mulheres atingidas 21 de junho
A Samarco, Vale e BHP enfrentam uma Ação Civil Pública (ACP) que exige cerca de 3,6 milhões de reais para reparar danos morais coletivos às mulheres atingidas pelo desastre-crime ocorrido em 2015, a partir do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. A ação denuncia o tratamento desigual, a falta de inclusão feminina na tomada de decisões, a perpetuação de práticas patriarcais e a ausência de ações afirmativas. A ACP destaca a urgência do reconhecimento das vulnerabilidades de grupos marginalizados e da justiça de gênero.
ESCREVA PARA: JORNALASIRENE@GMAIL.COM
Acesse: www.jornalasirene.com.br @jornalasirene
www.facebook.com/JornalSirene
Para reproduzir qualquer conteúdo deste jornal, entre em contato e faça uma solicitação.
ATENÇÃO!
Não assine nada
AGRADECIMENTO ESPECIAL
NEWSLETTER DO JORNAL A SIRENE
Em caso de dúvidas sobre o conteúdo, conte com a ajuda de um advogado ou qualquer outro especialista. Se te pedirem para assinar qualquer documento, procure o Ministério Público ou a Comissão dos Atingidos. Agradecemos a todas e todos que apoiaram a campanha de financiamento coletivo do Jornal A SIRENE e fizeram esta edição acontecer, especialmente, Raquel Giffoni, Ana Clara Costa Amaral, Maria Eunice Souza, Estefania Momm, Gislene Aparecida dos Santos, Claudia Neubern, Ana Paula Silva de Assis, Natália, Vitoria Bas, Caíque Pinheiro, Wilson da Costa, Stephanie Nogueira Bollmann, Denize Nogueira, Virgínia Buarque, Jussara Jéssica Pereira, Geraldo Martins, Natanael de Alencar Santos, Maria Cecília Alvarenga, Antenora Maria da Mata Siqueira, Natalia Beneton Soares, Eduardo. Agradecemos também ao Mandato da Deputada Estadual Beatriz Cerqueira e a todas as pessoas que contribuem anonimamente com nossa luta. Para ajudar a manter o jornal, acesse: evoe.cc/jornalasirene.
ou aponte a câmera do seu celular para o código acima.
EXPEDIENTE
Todos os meses, o Jornal A SIRENE faz uma curadoria de informações relacionadas ao rompimento da barragem de Fundão e à mineração. Se quiser receber nossa newsletter mensal, A SIRENE INFORMA, inscreva-se: jornalasirene.substack.com
Realização: Associação dos Atingidos pela Barragem de Fundão para Comunicação, Arte e Cultura | Captação de recursos: Elodia Lebourg, Maria Clara Ferreira, Sérgio Fábio do Carmo (Sérgio Papagaio) | Conselho Editorial: Ellen Barros (Instituto Guaicuy), Elodia Lebourg, Expedito Lucas da Silva (Caé), Silmara Filgueiras (Cáritas MG), Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Editor-chefe: Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Jornalista Responsável: Crislen Machado | Reportagem e Fotografia: Crislen Machado, Ellen Barros, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) e Silmara Filgueiras | Revisão: Elodia Lebourg | Diagramação: Silmara Filgueiras | Foto de capa: Luiza Geoffroy | Apoio administrativo: Pâmella Magalhães | Apoio institucional: Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF), Cáritas MG, Instituto Guaicuy | Fontes de recursos: Campanha de Financiamento Coletivo - Apoie o Jornal A SIRENE. ADUFOP - Associação dos Docentes da UFOP. Doações. Mandato da Deputada Estadual Beatriz Cerqueira. Pogust Goodhead.
OPINIÃO
Papo de Cumadres: o Desastre da Reparação
Por Sérgio Papagaio
Consebida e Clemilda estão confusas quanto à reparação.
— Cumadre Clemilda, às vezes eu fico confundida com a reparação das pessoas atingidas.
— Uê, u que ocê tá querenu me dizê?
— Cê prestenção, às vêz num é o dinheiru que vai fazê reparação, assim numa comparação quandu numa casa ês pagum um e outru não, esse dinheiru vem pra plantá disunião, ês tinha que pagá tudo quantu é atingidu sem fazê distinção.
— Nissu a cumadre tem razão, u dinheiru neste mundu du capitá, né tudo que ele pode comprá, se nois fô compará tem gente que a renova fez indenizá mas a aligria na sua cara num vortô a briá, pois tem coisa que o dinheiru compra, mas u lugar de nois morá a nossa forma de vida tradicioná, o riu de nois pescá só nois sabemu o quantu vai custá, e num tem dinheiru nu mundu que paga uma rizada bem dada.
— Eu prifiru rir com us bolsos vazius du que chorá com as gibeira cheia e dinheiru até nu imborná, oia só se num é de amolá, peudemu nossu cantinhu de morá, o riu de nois pescá, nossu geitu de a vida levá e nem as igreja de nois rezá ês tão querenu arrumá.
“Nesse espaço sagrado sai um corpo físico e eterniza sua aura”
Nos últimos tempos, o termo “terrorismo de barragem” tem se popularizado entre pesquisadoras, pesquisadores, jornalistas, trabalhadoras e trabalhadores de Assessorias Técnicas Independentes e comunidades que vivem inseridas em Zonas de Autossalvamento (ZAS) ou Zona de Segurança Secundária (ZSS). Cunhado após os desastres-crimes ocorridos em Mariana e Brumadinho, ele acende o alerta para a maneira como os responsáveis por estruturas de barragens lidam com os problemas relacionados.
Em Itabira, cidade onde nasceu a Vale, existem 22 barragens, das quais 13 são de responsabilidade da empresa. Muitas delas estão localizadas próximas a áreas densamente povoadas. Na cidade, mesmo que o termo “terrorismo de barragem” seja desconhecido, o terror causado por essas estruturas é sentido por todos.
Esse medo perturba o sono, o descanso e os momentos em família. Faz com que moradoras e moradores queiram sair, se proteger, vender suas casas, sejam obrigados a abrir mão de uma parte de suas vidas. Para a empresa, o medo pode ser pago, as moradoras e os moradores viram ofertantes, os danos não são compensados e a mineração avança sobre a cidade.
Para a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), as negociações em localidades atingidas devem ser feitas, preferencialmente, de forma coletiva. Na prática, isso não vem acontecendo com as moradoras e os moradores atingidos pelas obras de descaracterização e descomissionamento do Sistema Pontal.
Por João Batista Carlos Com o apoio de Crislen Machado
A pessoa chega num ponto que, por mais que ela goste do lugar, ela fica incomodada por causa da obra. Ela tá diante de uma situação desesperadora, porque morar na área de operação não é confortável pra ninguém. Eu tenho certeza que, se não fosse aquilo ali, ninguém ia querer sair de lá nunca. Lá era um paraíso, um sossego, mas aí apareceu aquele terror ali e acabou com nossas vidas. Aquilo ali demoliu nossos sonhos.
A gente constroi a casa com tanto carinho, aí vem a Vale e começa a obra dela. Aquilo perdeu a graça de viver. Você trabalha a vida toda, constroi sua casa, faz dela o seu lar. Você tem sua casa, mas tem uma ameaça ali: “uma hora eu te pego”. Eu estava na minha casa, mas aquele terror estava ali. Se aquele trem estourar de uma hora pra outra, só ia restar o suspiro da morte, porque correr não dava. A gente tem que evacuar a área, mesmo contra a vontade.
Se a Vale não fizesse aquilo ali, eu morava lá até a morte, mas não foi possível. Não é só sobre a casa, não é sobre dinheiro. Se chegasse um caminhão de dinheiro ali, e se não fosse aquela situação, eu não iria embora. Hoje em dia, eu saio na rua e penso que vou voltar pra lá. Eu tive amnésia duas vezes e fui pra lá.
A pessoa não tá ofertando a casa, só quer a reparação. A Vale tinha que remover as pessoas pra fazer a obra, não fazer assim. Se tivesse a opção de sair pra voltar, eu mesmo carregava minhas coisas nas costas. Eu não tive essa opção não. Se eu tivesse a opção de viver uma semana lá e morrer, eu morreria feliz. Eu escrevi isso: “nesse espaço sagrado sai um corpo físico e eterniza sua aura”, eu tô lá ainda. Eu tinha um quintalzinho cheio de coisa. Um dia, eu acordei cedo e cheguei no meu quintalzinho. Me deparei com o pé de manga cheio de canarinho cantando. Aí eu escrevi um poema chamado “Manhãs orquestradas”.
Manhãs orquestradas
O terno raio do Astro Rei rompe as densas nuvens das manhãs. Com o pincel fino entona reflexos nas folhagens orvalhadas, parece papo de teatro com suas luzes de ribalta.
A gélida brisa abalou a árvore, despendendo folhas — cantos diversos brindam os ouvidos.
Acontece no quintal um concerto natural, sem maestro, a perfeição entoada, não ensaiada, parece orquestra afinada. Diferentes tipos da passarada calibram a ópera apresentada, cada pássaro e folhagens multicores colorem o palco.
É um espetáculo monumental em manhãs orquestradas no quintal.
Isso aqui é uma pequena amostra do que ficou lá. Infelizmente, não tem jeito de voltar, jogaram minha casa no chão. No dia que demoliram, eu vi, sentei no chão e chorei. Jogaram terra no pomar, não tem nem grama mais. Eu falei com o gerente que gostaria de entrar pelo menos no espaço lá, mas não deixaram. A vizinhança lá também já negociou, todo mundo tá pra sair.
João Batista Carlos, morador bairro Bela Vista em Itabira
A fé que reconstitui
A fé que move, que une a comunidade, que reivindica espaços e que resiste, fé na justiça e na reparação, nas crianças e nas pessoas idosas, na perpetuação da tradição e na preservação da memória coletiva - essa é a fé reforçada na Festa de Santo Antônio, realizada em homenagem ao padroeiro local nos dias 15 e 16 de julho, primeiro fim de semana após o dia 13, dia de Santo Antônio, neste ano.
Após o rompimento da barragem de Fundão, a pandemia de COVID-19 e a perda de pessoas queridas e importantes para a comunidade, momentos como esse demonstram a força que permeia e entremeia a vida das moradoras e dos moradores de Paracatu de Baixo.
Por Crislen Machado e Luiza Geoffroy (UNESCO)
Assembleia dos garimpeiros tradicionais do Alto Rio Doce
Por Sérgio Papagaio
Aos 29 dias do mês de junho de 2024, realizou-se, em Mariana, no Instituto de Ciências Sociais Aplicadas (ICSA), a quarta assembleia geral dos garimpeiros tradicionais do Alto Rio Doce, sendo que a primeira do ano aconteceu em Barra Longa, no dia 10 de fevereiro.
A assembleia contou com garimpeiras e garimpeiros das cidades de Barra Longa, Acaiaca, Mariana e Antônio Pereira. A pauta incluiu informes sobre o andamento do processo dos garimpeiros junto à Câmara Técnica de Índios, Povos e Comunidades Tradicionais (CT IPCT) e sobre a construção do protocolo de consulta. O coordenador do grupo dos garimpeiros tradicionais, Sérgio Papagaio, abriu a assembleia com informes sobre um levantamento que a Renova vai efetuar nas cidades de Barra Longa, Acaiaca e Mariana, com o acompanhamento de membros da coordenação do grupo dos garimpeiros tradicionais para aplicação do Auxílio Financeiro Emergencial (AFE), que carinhosamente é chamado de “cartão obrigação”. Foi informado também sobre o mapeamento das famílias garimpeiras, que teve seu início agendado para o mês de agosto, mais um passo rumo à reparação.
Em seguida, a palavra foi passada para o professor Emmanuel Duarte Almada, antropólogo que tem nos auxiliado desde 2017 e é responsável, com Francisco Philipe e a CT IPCT, e com o acompanhamento de Hermínio Amaro do Nascimento e Sérgio Papagaio, coordenadores do grupo dos garimpeiros tradicionais, pela elabo-
ração da Nota Técnica que reconhece o grupo como comunidade tradicional, conforme a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O professor Emmanuel conduziu majestosamente o processo participativo, que contou com a colaboração das pessoas presentes no espaço da reunião. Esse foi mais um importante passo na construção do protocolo de consulta, ferramenta indispensável na luta dos povos tradicionais pelos seus direitos.
Saída da Vale da ação inglesa de Mariana não prejudica atingidos
Mineradoras Vale e BHP firmaram acordo para retirar empresa brasileira da ação de Londres; Vale terá de pagar 50% dos danos em caso de vitória das pessoas atingidas
As mineradoras Vale e BHP, acionistas da Samarco, anunciaram, no dia 12 de julho, um acordo sobre as responsabilidades pelo pagamento de indenizações nas ações que correm em tribunais da Europa. Ficou decidido que a Vale não vai mais responder perante o tribunal inglês pelo rompimento da barragem de Fundão, em 2015, e cabe apenas à BHP realizar a defesa. Entretanto, nada muda para os autores da ação.
As mineradoras definiram que cada uma pagará 50% das indenizações fixadas caso a BHP seja responsabilizada. Ficou decidido ainda que a BHP responderá por 50% dos danos se a Vale for responsabilizada na Holanda, onde a BHP não está sendo processada.
De acordo com o escritório Pogust Goodhead – que representa cerca de 720 mil pessoas, empresas, igrejas e municípios atingidos que processam as mineradoras na Inglaterra e na Holanda –, os clientes das ações internacionais não serão prejudicados por essa decisão.
O processo de Londres foi aberto em 2018 apenas contra a BHP porque ela era uma empresa com sede na Inglaterra e na Austrália à época do desastre-crime. Já em 2022, a BHP decidiu chamar a Vale ao processo para discutirem a divisão das responsabilidades. Após anos de batalhas e disputas internas, as mineradoras entraram em um acordo tanto na Inglaterra quanto na Holanda, onde uma outra ação foi aberta em 2024 contra a Vale S.A. e a subsidiária holandesa da Samarco (Samarco Iron Ore Europe BV).
Na prática, o acordo poupa a Vale de passar pelo desgaste de ter seus diretores sendo interrogados e seus processos analisados durante um longo julgamento na corte inglesa – uma exposição que pode trazer grandes prejuízos à reputação da empresa. No entanto, nada impede que os diretores da BHP passem pelos questionamentos.
Para Tom Goodhead, CEO e sócio-administrador do Pogust Goodhead, o acordo entre Vale e BHP mostra que as mineradoras estão mais dispostas a desperdiçar enorme quantidade de dinheiro e tempo brigando entre si do que trabalhando para efetivamente compensar as vítimas pelas suas perdas.
“Ao invés de BHP e Vale gastarem milhões de libras lavando a própria roupa suja em cortes internacionais, as mineradoras deveriam fazer a coisa certa e negociar com as vítimas do maior desastre ambiental da história do Brasil. Em breve, a BHP terá que responder pelas suas ações em julgamento que começa em outubro na Corte Superior de Londres e estamos confiantes de que será responsabilizada”, disse o advogado.
O início do julgamento de responsabilidade da BHP na justiça inglesa segue marcado para o dia 7 de outubro de 2024. A previsão é que o julgamento dure 14 semanas.
Cáritas MG acompanha representantes da zona rural de Mariana na plenária
Com o histórico marcado pela invisibilização e negligência por parte da Renova, desde maio de 2024, pessoas atingidas da zona rural têm buscado visibilidade durante reuniões na Câmara Municipal de Mariana, assessoradas pela Cáritas MG | ATI Mariana. Por solicitação da Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF), o espaço para apresentação de pendências nas comunidades de Camargos, Bicas, Ponte do Gama, Paracatu de Cima, Borba, Pedras, Campinas e das famílias que ainda residem em Paracatu de Baixo foi conquistado. A atividade coletiva é mediada pelo Poder Legislativo e dela também fazem parte representantes da Renova e das secretarias municipais. Recentemente, diversos assuntos sobre o processo de reparação integral foram discutidos nas cinco reuniões realizadas
em junho e julho, como a falta de retomada produtiva-econômica, as péssimas condições de estradas e vias, a dificuldade de acesso à saúde e à educação, e a necessidade de manutenção do patrimônio. Aqui, cabe destacar que, para a Cáritas MG | ATI Mariana, instituição alinhada com o entendimento dos princípios internacionais de Direitos Humanos, as medidas de reparação integral vão além da reconstrução das casas que foram submersas pela lama, e ainda são necessárias muitas ações de compensação.
A realidade da zona rural é bastante diversa e, ainda hoje, é possível ver casos em que as pessoas sequer são reconhecidas como atingidas e permanecem excluídas dos programas de reparação. A realidade vivida pelas moradoras e pelos moradores requer atenção, como comprovado nas vi-
sitas realizadas pelos membros do grupo de trabalho em propriedades rurais que aderiram ao Plano de Adequação Socioeconômica e Ambiental (PASEA) e em trechos das vias. Diante disso, a Cáritas MG | ATI Mariana mantém seu compromisso com as comunidades atingidas e está presente em todas as reuniões, conforme solicitação da CABF. Sempre fornecemos embasamento técnico e rememoramos acordos e direitos estabelecidos ao longo de todo o processo de reparação, para auxiliar na construção de reivindicações e de soluções para os danos vivenciados pelas comunidades. Para quem tiver interesse, as atividades coletivas na Câmara de Mariana são transmitidas ao vivo e permanecem gravadas em seu canal do YouTube.
Minas está mais vulnerável a eventos climáticos extremos
Falta de política de fiscalização ambiental e o grande número de barragens com risco de rompimento são as causas da vulnerabilidade
Minas Gerais precisa, de forma urgente, reduzir os grandes riscos que corre em função de dois fataores: a falta de investimentos em prevenção aos eventos climáticos extremos e a ausência de politica ambiental mais rigorosa e capaz de proteger a população e o meio ambiente. Este foi o quadro apresentado durante mais de seis horas de audiência pública, requerida pelo nosso mandato e realizada na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa, no dia 16 de maio.
Minas Gerais está muito vulnerável à ocorrência de eventos extremos porque não houve e não há no Estado ações de proteção ambiental e, ao mesmo tempo, a atividade minerária atua nos territórios sem os devidos controle, monitoramento e fiscalização por parte do Governo do Estado.
Segundo dados da Agência Nacional de Mineração (ANM), o Estado possui cerca de 350 barragens, sendo 38 construídas à montante, método mais perigoso como os casos das barragens que romperam em Mariana e Brumadinho. Ainda de acordo com a ANM, Minas Gerais possui 58 municípios com barragens cadastradas. A maior concentração delas está na Região Metropolitana de BH (49,7%), especialmente Itabirito, Brumadinho, Nova Lima, Itatiaiuçu, Ouro Preto, Itabira e Mariana.
Deste total de mais de 300 barragens, 37 são consideradas pela ANM de risco alto Essa situação perigosa é agravada com a real possibilidade de haver eventos climáticos extremos, como chuvas e secas muito intensas. Aliás, isto já está está ocorrendo em Minas Gerais. Das 10 cidades mais quentes em 2023, cinco estão em Minas Gerais, entre elas Araçuaí, São Romão, Cássia e Unaí. Em todas elas foram registradas temperaturas acima de 40º graus, e em Araçuai e São Romão, os termômetros marcaram 44º.
Este risco ampliado foi confirmado em nossa audiência pública. “São mais de 300 barragens em Minas. Nós não aguentaríamos as chuvas do Rio Grande do Sul. Uma barragem de rejeitos é coisa séria. Falta uma legislação preparada para isso. Estamos entregando um prato cheio para a tragédia”, afirmou Júlio César Dutra Grillo, vice-presidente do Fórum Permanente São Francisco, ex-Superintendente
"Em Minas Gerais, o crime ambiental compensa. Se a barragem rompe, o governo depois fatura com a compensação. Ou então negocia um termo de ajustamento de conduta, o TAC, para ver quanto a empresa está disposta a pagar. Mas já está provado que isso não funciona, aqui e no Rio Grande do Sul.”
Beatriz Cerqueira
Regional do Ibama e um dos convidados da audiência. Ele destacou que as consequências do excesso de chuvas em Minas Gerais seriam ainda mais desastrosas do que ocorreu no Rio Grande do Sul, em função da vulnerabilidade do Estado, que é o que possui o maior número de barragens do Brasil.
Além desta situação muito complicada, durante a audiência também foi denunciada a flexibilização da legislação ambiental, que ocorre desde 2019 para facilitar a ação de empreendimentos de alto impacto ambiental. A negligência no funcionamento de órgãos ambientais de fiscalização e no trabalho de prevenção a desastres ambientais agravam o quadro. Por isso, é fundamental a aplicação de todos os dispositivos que constam da Política Estadual de Segurança de Barragens, instituída pela Lei 23.291, de 2019, mais conhecida
como Lei Mar de Lama Nunca Mais. Outro convidado da audiência, procurador Angelo Giardini de Oliveira, do Ministério Público Federal, reforçou a importância da caução ambiental, cujos recursos permitem ações preventivas, recuperação de áreas já exploradas e ações mais rápidas em caso de desastres ambientais, ainda mais em situação em que estão envolvidas barragens.
Um dos coordenadores nacionais do MAB, Joceli Andrioli, avaliou que Minas realmente não está preparada para desastres ambientais e sofre com o desmonte das políticas de fiscalização e prevenção. Ele destacou que existe uma outra alternativa: “Precisamos discutir novos modos de produção, que podem gerar mais emprego, tecnologia e proteger o meio ambiente. É possível outra racionalidade produtiva”.
Quanto vale o que não tem preço?
Em todo o estado de Minas Gerais, a mineração predatória cria verdadeiras zonas da morte em volta de suas barragens de rejeito, essas áreas são chamadas de Zona de Autossalvamento (ZAS). A população de Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto-MG, atingida pelo risco de rompimento e obras de descaracterização da Barragem Doutor, da Vale, vive esse terror. Diante dessa realidade, na noite do dia 3 de julho, o Instituto Guaicuy lançou o primeiro documentário brasileiro a abordar a situação das pessoas que foram removidas de uma ZAS e também daquelas que vivem vizinhas à essa área aterrorizante. O filme Quanto vale o que não tem preço? está disponível no YouTube, assista no canal: @InstitutoGuaicuy.
Por Carlos Rogério de Carvalho, Paulo César, Alessandra Lopes, Ana Carla Cota, Bernardo Campomizzi, Catarina Cota, Daniel Neri, Jéssica Bueno, Juliana Nery, Lúcia Alves, Luiz Lopes, Maria Aparecida Rosa de Amorim (Cida Rosa), Ronald Guerra e Zélia Prado
Com o apoio de Roger Conrado e Ellen Barros
“É importante esse filme, porque é uma arma que temos a nosso favor, é uma luta que nós estamos travando e vamos lutar até o fim. Que seja ouvida a nossa voz, que é uma voz do povo… O que eu tenho a dizer é isso: que a nossa voz seja ouvida pelas autoridades que podem transformar esse cenário para melhor, para todos. É pra ontem! Vejam o filme o mais rápido possível que vocês vão ver lá a força do povo.”
Carlos Rogério de Carvalho, morador de Antônio Pereira e fonte entrevistada no documentário
“Nesse filme, aprendi muito hoje. As palavras da menina [Catarina], isso chega no coração da gente, que aquilo que aconteceu com eles lá na Vila [Residencial Antônio Pereira], aconteceu com nós aqui também… A vida que a gente tinha, uma vida de liberdade acabou. Acabou. Dessa região nossa aqui saem milhões e mais milhões. A arrecadação que vem pra cá é muito pouca. Essa região nossa aqui era pra ser um brinco de tão bem arrumada.”
Paulo César, morador de Antônio Pereira
Confira alguns depoimentos das pessoas que participaram do documentário:-
“Eu tinha uma vida aqui, a gente tinha uma vida. E a Vale chegou e acabou com tudo.”
Luiz Lopes, morador de Antônio Pereira
Mariana - MG
“A nossa mudança primeiro começou com o coma e, quando o caminhão para na sua porta pra colocar as suas coisas dentro, é o velório.”
Maria Aparecida Rosa de Amorim (Cida Rosa), moradora removida de Antônio Pereira
“O sentimento que se tem hoje é o sentimento de impotência, você é impotente.”
Juliana Nery, moradora removida de Antônio Pereira
“Eu falo: ‘eu não fui removida, eu fui arrancada da minha casa’, pelo jeito que eles fizeram comigo.”
Zélia Prado, moradora removida de Antônio Pereira
“Minha vida foi 34 anos morando aqui. E acabou… A gente está encurralado dentro do Pereira. Encurralado.”
Lúcia Alves, moradora de Antônio Pereira
“Olha cenário de guerra dos países pra você ver como é que é, mais ou menos igual isso aí. É o que nós estamos vivendo no dia a dia.”
Carlos Rogério de Carvalho, morador de Antônio Pereira
“Essas medidas são de acordo com o interesse que está por trás da ZAS, que está por trás disso, que a gente chama de lama invisível.”
Daniel Neri, professor de Física do IFMG Campus Ouro Preto
“O mínimo que a gente quer é ter dignidade para reconstruir a nossa vida.”
Ana Carla Cota, moradora removida de Antônio Pereira
“As pessoas que continuam no território, elas continuam com diversos danos e são reiteradamente violadas pelo empreendimento, pela Vale, no caso.”
Jéssica Bueno, analista de direitos do Instituto Guaicuy
“Conquistar minha estabilidade de novo. Esse é o meu sonho, tanto para mim, quanto para os meus filhos.”
Alessandra Lopes, moradora de Antônio Pereira
“Somente a população pode lutar para que os direitos sejam garantidos e que nós tenhamos uma qualidade de vida melhor aqui na nossa região.”
Bernardo Campomizzi, advogado e ambientalista
“Esse é o papel do Instituto Guaicuy, de ampliar a discussão, fazer com que a comunidade se fortaleça para encarar melhor esse processo.”
Ronald Guerra, vice-presidente do Instituto Guaicuy e coordenador da ATI Antônio Pereira
“Eu falava sempre para minha mãe e para minha vó que eu queria comprar a Vale para que ela não fizesse mal pra mais ninguém… E eu queria que isso acabasse, porque a Vale, ela faz muito mal para os outros.”
Catarina Cota, 11 anos, moradora removida de Antônio Pereira
Socialização de jovens de Mariana atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão: como enfrentaram preconceitos, lidaram com sofrimento e as conclusões da pesquisa
Neste terceiro texto, finalizo a apresentação dos resultados de minha pesquisa de doutorado em Educação, realizada na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), cujo objetivo foi compreender como jovens atingidos de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Camargos experimentavam essa fase da vida. A seguir, trago informações sobre como os 12 jovens com quem conversei estavam enfrentando preconceitos e lidando com sofrimento mental. Também apresento os principais resultados da pesquisa e algumas reflexões importantes com a intenção de sensibilizar nosso olhar sobre os desafios que esses jovens têm enfrentado e sobre a necessidade de fortalecer seus vínculos comunitários e suas relações com as lutas por justiça e reparação integral.
O problema do sofrimento mental e do preconceito para as juventudes atingidas
é revisora do jornal A SIRENE desde 2017 e autora da tese Atravessando labirintos: processos de socialização de jovens atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana-MG
A destruição dos territórios pelo rompimento da barragem de Fundão resultou, para todas as pessoas atingidas sobreviventes, em uma fase de “adaptação na marra”, conforme definido Jade* em sua entrevista. Na pesquisa que desenvolvi, o adoecimento físico e mental foi recorrente nas respostas e, além dos desafios da chegada à juventude, todos lidaram com lutos, estresse, traumas, depressão e crises de ansiedade. Isla* disse que teve um “trauma de barragem” e Álex* vivia em estado de alerta: “olhava na janela e, se tudo tivesse vazio, eu entrava em pânico, achava que tinha acontecido alguma coisa”. Diante de barulhos altos, Anna Laura* se preocupava: “pronto, estourou uma barragem”.
Alguns desses jovens tiveram insônia, medo de ficar sozinhos, perda de peso, entre outros sintomas. Eles entendiam que tinham de buscar estratégias para lidar com esse quadro de estresse individual e coletivo. Muitos buscaram apoio em suas famílias, nas comunidades escolares e foram acolhidos por psiquiatras, psicólogas e psicólogos, como Maria Júlia*, Álex* e Paulinho*.
Assim como aconteceu com a população adulta atingida, a maioria dos jovens com quem conversei passou a enfrentar situações persistentes de hostilidade na sede de Mariana-MG, que ainda eram relatadas em 2022 e 2023, quando foram realizadas as entrevistas. Esses jovens e suas famílias sofreram preconceitos, foram rotulados como “da lama”, “pé de lama” e “marilama”. Gabriela* lamentou: “quem correu da barragem sabe como é o sofrimento, e os outros faziam piadinha, então mexia com todo mundo”. Ainda em 2015 e 2016, Rafaela* se preparava emocionalmente para ir à escola, onde ela e os colegas eram estigmatizados por parte dos estudantes que ocupavam originalmente o espaço: “as coisas que estão dizendo não são verdade, eu vou ter que escutar de qualquer jeito, mas eu vim aqui pra estudar”.
Eles tinham medo de enfrentarem novas violências, o que resultou na criação de medidas de autopreservação, que podem explicar o fato de que vários não contavam que eram pessoas atingidas, como Jade*, Paulinho*, Anne*, Isla*, Álex* e Maria Júlia*. “Muitas vezes, a gente fica até meio com medo de falar que é do Bento”: essa foi a reação de Teresa* depois de ouvir comentários negativos sobre a população atingida. Esse foi um dado inesperado e que confirma a percepção de que as juventudes atingidas necessitam ser incorporadas às lutas pela reparação, em um exercício de reconexão com os territórios de origem e suas comunidades.
Algumas conclusões da pesquisa
A partir da pesquisa de doutorado em Educação que desenvolvi na UFOP, entre 2020 e 2024, verifiquei que os laços de amizade que os jovens entrevistados mantinham nos territórios de origem foram fragilizados após o desastre. Com o ingresso no Ensino Médio e a chegada à juventude, eles formaram novos vínculos, acessaram mais as redes sociais digitais, começaram a projetar seus futuros e suas famílias continuaram sendo uma base importante. A pandemia de COVID-19 aumentou as interações digitais e agravou a condição mental desses jovens. Relatos de enfrentamento de preconceito e de sofrimento mental apareceram nas 12 entrevistas. Havia, para alguns, euforia e excitação diante de algumas novidades, mas todos revelaram sentir forte angústia, desespero e medo.
Os jovens atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão estão enfrentando experiências desafiadoras na chegada à essa fase da vida, um período geralmente crítico. É preciso subverter a lógica de que as juventudes são rebeldes, inconsequentes e problemáticas, e sensibilizar suas famílias, comunidades, escolas, sociedade, universidades e o poder público para o entendimento de que esses jovens estão, há anos, expostos a condições de sofrimento importantes e que podem impactar suas dinâmicas sociais no presente e no futuro. As lutas por justiça e reparação integral envolvem o cuidado das juventudes atingidas, o que, por sua vez, pode assegurar que Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, Camargos e outros territórios atingidos e explorados pela mineração predatória continuem resistindo.
* Nomes fictícios.
Na próxima edição, vou trazer algumas reflexões a respeito de como os jovens atingidos que participaram da pesquisa chegaram a essa nova fase de suas vidas, como foi o ingresso no Ensino Médio, o que mudou em suas rotinas e jeitos de ser, e como pensavam em seus futuros. Também compartilharei alguns dos desafios enfrentados por eles durante a pandemia de COVID-19. Até lá!
Para conversar com a autora: ehlebourg@gmail.com
Agradeço à Universidade Federal de Ouro Preto, pela concessão da bolsa de estudos; à Prof.ª Dr.ª Rosa Maria da Exaltação Coutrim, orientadora da pesquisa; e à Maria Clara Caldas Soares Ferreira, revisora deste texto.
EDITORIAL
Durante mais de oito anos do Jornal A SIRENE, incontáveis foram as histórias contadas por pessoas que viveram os horrores dos rompimentos de barragem, seja em Mariana, Brumadinho ou em outras cidades atingidas quilômetros à frente. Para nós, o imperativo é não esquecer, somar a essa luta e vencê-la, mesmo que demore. Vencer as dificuldades impostas pelos desastres-crimes ou pelo risco existente em tantos outros territórios é exercício diário!
Nessa luta, muitos são os aliados, entre eles, as Assessorias Técnicas Independentes, conquistadas a partir de reivindicação coletiva e contínua. No início deste mês, o Instituto Guaicuy lançou, em Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto atingido pela “lama invisível” da barragem de Doutor, o documentário Quanto vale o que não tem preço?. O registro mostra a força da comunidade e evidencia a urgência de ouvirmos essas vozes. Os depoimentos das moradoras e dos moradores demonstram a perda da liberdade e a destruição de sonhos causadas pelas barragens. Em Itabira, há um processo de reparação em construção baseado na Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB) e na Política Estadual dos Atingidos por Barragens (PEAB). Na cidade, também existem os problemas relacionados à “lama invisível” e ao risco associado às obras em barragens que foram construídas perto de áreas densamente povoadas. A proximidade da população a estruturas de barragens coloca as moradoras e os moradores em uma situação de desespero e vulnerabilidade. O medo leva as pessoas a saírem de seus lares, mas, diante da dificuldade imposta pelo medo, urge a necessidade de reivindicar, coletivamente, os direitos.
Por todo o estado de Minas Gerais, a exploração de recursos naturais tem causado, ao longo dos séculos, danos ambientais e humanos. A busca desenfreada pelo lucro transforma toda forma de vida em mercadoria e cabe a nós reivindicar o direito à participação informada e realizar o controle social, sempre que necessário.
A vida e a dignidade são inegociáveis, partimos desse princípio. Essa luta é prioridade para todos nós!