A SIRENE
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REPASSES
Nota de falecimento 8 de junho
A manhã de 8 de junho trouxe, para a cidade de Barra Longa, uma triste e inesperada notícia. Antônio José Coelho Costa, conhecido como Antônio de Landinho, foi acometido por um mal súbito. Deixando este plano e indo morar com Deus, Antônio de Landinho, um dos melhores jogadores de futebol da região, sempre foi alegria dentro e fora de campo. Irmão Vicentino, estava à disposição para ajudar a quem precisasse, sem distinção. Agora, convocado por Deus, certamente será titular no time do Céu, com a mesma categoria com a qual atuou nos campos aqui da Terra. O Jornal A SIRENE se despede de Antônio sem tristeza, pois ele sempre foi alegria, mas com muita saudade e com o respeito que este amigo de todos mereceu, merece e sempre merecerá (por Sérgio Papagaio).
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AGRADECIMENTO
Vale é incluída na “lista suja” do trabalho escravo 6 de junho
Acordo garante inclusão de novos beneficiários de auxílio emergencial em Itatiaiuçu 24 de maio
No último dia 6, a Vale foi inserida na “lista suja” do trabalho escravo, um cadastro de empregadores que utilizam mão de obra análoga à escravidão. O flagrante ocorreu no início de 2015, na Mina do Pico, em Itabirito-MG. Na ocasião, 309 pessoas foram encontradas nessa situação. Os trabalhadores envolvidos eram motoristas que transportavam minério de ferro entre duas minas do município. De acordo com a fiscalização, as jornadas de trabalho eram exaustivas, as condições degradantes e havia indícios de fraude, ameaças e promessas enganosas. CONVITE!
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Agradecemos a todas e todos que apoiaram a campanha de financiamento coletivo do Jornal A SIRENE e fizeram esta edição acontecer, especialmente, Ana Clara Costa Amaral, Maria Eunice Souza, Estefania Momm, Cristina de Oliveira Maia, Gislene Aparecida dos Santos, Claudia Neubern, Ana Paula Silva de Assis, Natália, Isadora Pimenta, Bruno Milanez, Vitória Bas, Caíque Pinheiro, Wilson da Costa, Stephanie Nogueira Bollmann, Denize Nogueira, Virgínia Buarque, Eduardo, Jussara Jéssica Pereira, Geraldo Martins e Raquel Giffoni Pinto. Agradecemos também ao Deputado Estadual Leleco Pimentel, ao Deputado Federal Padre João, ao Mandato da Deputada Estadual Beatriz Cerqueira e a todas as pessoas que contribuem anonimamente com nossa luta. Para ajudar a manter o jornal, acesse: evoe.cc/jornalasirene.
EXPEDIENTE
O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), por meio do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Apoio Comunitário, Inclusão e Mobilização Sociais (CAO-Cimos), e o Ministério Público Federal (MPF) assinaram acordo com a ArcelorMittal Brasil para o pagamento do auxílio emergencial a novas famílias de Itatiaiuçu. O auxílio, previsto no Plano de Ação Emergencial da Barragem de Mineração (PAEBM) do complexo minerário Serra Azul, está destinado a núcleos familiares residentes nas comunidades de Pinheiros, Vieiras, Lagoa das Flores e Veloso em fevereiro de 2019. Estima-se que há cerca de 1,4 mil potenciais novos beneficiários pelo acordo, mas o número só será definido após o encerramento do período de solicitações.
ou aponte a câmera do seu celular para o código acima.
Junte-se a nós na REUNIÃO DE PAUTA DO JORNAL A SIRENE! Nosso jornal é feito por e para as pessoas atingidas, colaborando para manter vivas suas histórias e ideais. Sua participação contribui para a diversidade de vozes. A reunião ocorrerá em 28 DE JUNHO, ÀS 18H30.
Realização: Associação dos Atingidos pela Barragem de Fundão para Comunicação, Arte e Cultura | Captação de recursos: Elodia Lebourg, Maria Clara Ferreira, Sérgio Fábio do Carmo (Sérgio Papagaio) | Conselho Editorial: Ellen Barros (Instituto Guaicuy), Elodia Lebourg, Expedito Lucas da Silva (Caé), Silmara Filgueiras (Cáritas MG), Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Editor-chefe: Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Jornalista Responsável: Crislen Machado | Reportagem e Fotografia: Crislen Machado, Ellen Barros, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) e Silmara Filgueiras | Revisão: Elodia Lebourg | Diagramação: Silmara Filgueiras | Foto de capa: Nilo Biazzeto | Apoio administrativo: Pâmella Magalhães | Apoio institucional: Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF), Cáritas MG, Instituto Guaicuy | Fontes de recursos: Campanha de Financiamento Coletivo - Apoie o Jornal A SIRENE. ADUFOP - Associação dos Docentes da UFOP. Doações. Mandato da Deputada Estadual Beatriz Cerqueira. Pogust Goodhead.
Mariana - MG
OPINIÃO
Papo de Cumadres: Fake News
Por Sérgio Papagaio
As Comadres Consebida e Clemilda estão um tanto assustadas com tantas mentiras contadas em português e agora também em inglês.
Num sei se de vergonha, ou de acha u nome “mentira” cafona, abandonaram u português e passaram a mentir em inglês.
— Cumadre, minha fia de Deus, eu nunca tinha vistu tanta ganância misturada com istrangerismu, ni tudu que nois fala eles bota apilidu, mintira agora importada se chama fake news.
— Hum, intão num vi, eu tô é com medo da veldade virá crimi desta veis, pois a mintira já virô lei, e seguindu em inglês butaram na responsabilidade sóciá um nome difici de falá, um tar de “compliance” só pra complicá, e a mentira estrangeira é uma tela caixeira e, por sua vez, se fosse uma venda, seria a maior do Brasil, pois nunca vi tantu freguês pra mentira falada em inglês.
— Mentem sobre contaminação, mentem sobre reparação, falam que tá tudu limpu com u rejeitu debaixu du matu, com este cacuete, é como varrê u rejeitu pra debaixu dum verde tapete, iscondenu a velgonha que nunca tiveru, muenu nu engenhu da exploração, de ficá com u dinheiru e mandá para nois u bagaçu da mineração.
Sofrida Mãe Terra!
Em 5 de junho, comemora-se o Dia do Meio Ambiente, data instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU). Diante de tantos crimes ambientais, como os rompimentos das barragens de mineradoras em Mariana e Brumadinho, que destruiu ecossistemas inteiros, surge a pergunta: há mesmo algo a se comemorar? Para tentar respondê-la, o repórter popular Sérgio Papagaio traz uma reflexão: quando a gente mexe na vida da terra, a terra mexe na vida da gente.
Por Sérgio Papagaio
Eu sou uma mãe atingida, que sofre e chora nesta bacia.
Eu sou uma mãe atingida, de dor e amor pela vida.
Eu sou uma mãe atingida por uma maldita barragem que, em silêncio, fez meus filhos gritarem.
Eu sou uma mãe atingida por uma empresa pagã, que não acredita na fé nem em sua irmã.
Eu sou uma mãe atingida por mil promessas não cumpridas.
Eu sou uma mãe atingida, em pleno coração, por um mal em forma de fundação, sempre em renovação.
Eu sou uma mãe atingida por uma sirene que todo dia 10 me toca, às 10 horas, saudades de outrora.
Eu sou uma mãe atingida, sou mãe de José e Maria.
Eu sou uma mãe atingida por um mal que me asfixia.
Eu sou uma mãe atingida no ventre e na alma, que sofre os males desta impetrada guerra.
Eu sou uma mãe excluída na cor: sou preta, sou parda, sou indígena, sou miscigenada, sou branca, sou de todas as cores e etnias, e sofro a exclusão do plano de reparação.
Eu sou uma mãe atingida por barragens e barreiras, sou mãe bastarda de Minas e Gerais, das matas e mananciais, mãe do ouro e dos metais, mãe dos montes e vales, das várzeas e dos rios, das planícies e das serras, sofrendo ao ver meus filhos nesta injusta guerra.
Eu sou mãe de todas as mães, eu sou Gaia, a sofrida Mãe Terra.
“Tudo é impacto da mineração”
Itabira, cidade localizada no centro-sul de Minas Gerais, enfrenta diversos problemas socioambientais agravados pelo histórico de violações de direitos e conflitos causados pela mineração predatória.
Um dos principais problemas enfrentados pelas moradoras e pelos moradores é a má qualidade do saneamento básico. Durante uma Audiência Pública sobre a qualidade da água em Itabira, realizada em 6 de maio na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), foram apresentados relatórios do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) que evidenciam os alarmantes níveis de contaminação hídrica no município.
Paralelamente, Itabira enfrenta sérios desafios relacionados ao início das obras de descaracterização dos diques Minervino e Cordão Nova Vista, parte do complexo de barragens do Sistema Pontal. A realização dessas obras aumenta o risco de rompimento e demanda medidas de segurança, como a construção de um muro, que impacta diretamente a vida das moradoras e dos moradores dos bairros Bela Vista e Nova Vista.
Por Marly Aparecida Patrocínio Silva e Maria Aparecida Coelho de Souza Com o apoio de Crislen Machado
“Tem 40 anos que a gente mexe pra melhorar o esgoto aqui, junto com um monte de organização. Depois que começaram a mexer com essa obra, tá tendo muito mais problema com esgoto. Eles estão passando a máquina pra fazer sei lá o quê e o mau cheiro tá piorando. Outra coisa é bicho. Outro dia, minha filha chegou do trabalho, eram oito horas da noite e, perto da área do tanque, tinha uma cobra de todo tamanho. A gente saiu pra chamar o vizinho, ele ajudou, mas ele mudou de casa outro dia. Agora, se aparecer, não tem ninguém pra chamar. Depois da cobra, eu comecei a capinar ali na rua. Eu já cobrei a prefeitura, porque é obrigação dela, mas eles não limpam. Eu tô pagando gente pra capinar, 100 ou 150 reais. Mesmo assim, ainda aparece uma coisa ou outra, mas agora tá aparecendo bicho menor.
Eu moro no bairro há mais de 50 anos, sempre morei aqui no Bela Vista, em outra área, mas aí a Vale tirou a gente e indenizou. Lá era muito melhor, tinha muita água, muita planta, tinha muita nascente, mas hoje é da Vale. Quando eles foram asfaltar, saíam umas bicas de água clarinha, mas eles meteram pedra e drenaram tudo.
Antes não tinha empresa grande, era mais plantação, criação dormia tudo na rua, mas foi acabando. Cê vê a história de Drummond: é só reclamação, que Itabira ia ser só um retrato na parede e tá sendo.”
Maria Aparecida Coelho de Souza, moradora do bairro Bela Vista, em Itabira
“A Vale, às vezes, durante as obras, pode bloquear uma passagem de água de rede, e aí retorna para a casa dos moradores. São redes mal feitas também e isso, pra mim, é uma falta de educação desses órgãos públicos.
Pro morador, fazer obras de esgoto é muito caro, eu já olhei, porque precisei fazer outro banheiro na minha casa. Eu tive altos problemas em casa. O pessoal do SAAE [Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Itabira] teve que entrar na minha casa com uma mangueira de todo tamanho, quebraram um pedaço da minha casa, muita gente entrando e saindo. Quando eu entrei pra essa casa, essa rede estava feita, mas agora eu tô fazendo outra. O pessoal do Bela Vista e do Nova Vista sofre muito, sem contar o mau cheiro, os animais peçonhentos e a poluição da água.
Se for olhar o nível de contaminação, não é só nesse bairro aqui, é na cidade inteira. Tudo é impacto da mineração. Depois que a Vale começou a mexer nessa obra, aumentou o problema de esgoto, bicho peçonhento, mosquito, muito pernilongo. Esse processo dessa obra deveria ter uma análise minuciosa, uma conversa com os moradores, mas tá tudo sendo feito de qualquer jeito.”
Marly Aparecida Patrocínio Silva, moradora do bairro Bela Vista, em Itabira
“Um risco à nossa existência!”
No dia 6 de maio, um debate público realizado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais discutiu o processo de repactuação dos acordos para a reparação das comunidades e dos ecossistemas atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão. Durante o debate público, foi apresentada uma série de alternativas e possíveis soluções para a reparação socioambiental da bacia do Rio Doce. Ficou claro que a reparação é possível, mas depende da responsabilização das mineradoras. Entre as vozes levantadas naquele dia, uma chama a atenção pela dignidade e potência sintetizadas na pessoa do Cacique Danilo Borum-Kren. Líder de um povo corajoso, com tradição de caminhar mata adentro pela região da cabeceira do Rio das Velhas, do Rio Piracicaba e do Rio Doce, os Borum-Kren estão passando por um processo de retomada de sua identidade, sua cultura e seu território. Com fortes indícios de sua presença em Antônio Pereira, os Borum-Kren são um povo resistente, que sobrevive aos ataques da mineração predatória há séculos e que hoje luta por reconhecimento e reparação tanto dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, quanto pelo risco de rompimento e pelas obras de descaracterização da barragem Doutor, da Vale, em Antônio Pereira.
Por Cacique Danilo Borum-Kren
Com o apoio de Ellen Barros, Instituto Guaicuy
“Nosso povo, a gente ocupa esse território há muito tempo, mas, até então, a gente não tava sendo contado como atingido e, pra gente, isso é muito importante. Como povo, antes mesmo do rompimento da barragem de Fundão, nós já somos atingidos nesse território e reconhecer isso, pra gente, é muito importante!
A gente tem algumas famílias do nosso povo ali em Antônio Pereira. Como nosso povo ocupa todo esse território, têm algumas pessoas que estão ali permanentes e também outras pessoas que migram, mora um tempo ali, vai pra outro distrito, vai pra Mariana, pra Ouro Preto, mas fixo no Pereira tem sim algumas famílias que estão ali há muito tempo. Pra gente, isso afeta toda a nossa cosmovisão, que está ligada ao território. O rompimento da barragem de Fundão afeta diretamente os lagos e rios. Os rios, pra gente, é ser vivo. Pra gente, isso já é um grande impacto. Tem também o não acesso das pessoas à floresta, à montanha para que possa pegar um remédio, uma planta ou alguma coisa do tipo. Isso, pra gente, é uma violência muito grande, a nossa cultura e toda a nossa cosmovisão está ligada a esse território e, quando a gente passa a não ter acesso a isso, é um risco à nossa existência!”
A SIRENE
Leia a íntegra da fala do cacique Danilo Borum-Kren no debate público:
“A gente está aqui o dia inteiro. É cansativo, mas a gente está aqui é para isso, é para lutar e eu venho de um povo que a Vale e a Samarco, por muito tempo, nem falava que a gente existia. A gente vem do Alto Rio Doce e Alto Paraopeba. Eu venho da cidade, do município de Ouro Preto. A minha região é impactada pela mineração desde o final do século XVII e, pra gente, essa violência só tem continuado.
Aí chega agora e fala que o Alto Rio Doce, principalmente a cidade de Ouro Preto, não é atingida. Fala que o nosso povo não é atingido. No dia 27 de março de 2023, a Samarco, em uma audiência pública, falou que a gente não é atingido.
Nosso povo é atingido. Não só o povo Borum-Kren, mas todo o povo de Mariana e de Ouro Preto, a gente é atingido desde antes do rompimento da barragem de Fundão, porque a gente vive todo dia com o caminhão, com a cava, com a destruição da água. As nossas nascentes estão acabando e vem falar que a gente não é atingido. O peixe, ele não entende o que é limite de município não, peixe sobe o rio. Da mesma forma que o rio, ele não é só um curso d’água que corre, é um organismo vivo.
O rio conversa com o céu e conversa com a terra, quando o rio conversa com o céu, todo ano, ele vai jogar para fora, nas enchentes, tudo aquilo que foi jogado nele, aquele rejeito. E, quando ele conversa com a terra, é onde ele fala que está doente, é as plantações, as lavouras do pessoal, é criação, é animal. Quem é que come de uma lavoura perto de um rio contaminado e não vai ficar doente? A quantidade de pessoas doentes em todo esse curso, em toda essa extensão de terra, e isso não é falado. O adoecimento
mental das pessoas por pressão, a gente está falando de quase nove anos de uma luta que parece que engatinha.
São nove anos que as mesmas pessoas vêm nesses espaços falar a mesma coisa. São nove anos de pessoas que, dentro desse processo, se foram. Nem nós mesmos podemos imaginar se esse rio vai voltar a ficar limpo. Esse ecossistema de tempos imemoriais, que a gente nunca mais vai ver, isso o dinheiro não cobre.
A gente vem aqui falar, não é mendigar dinheiro não, que a gente trabalha, a gente conquista as nossas coisas. A gente está vindo aqui é para procurar uma vida digna, é viver decente, é viver com saúde, é poder manter o estilo de vida que os nossos antepassados sempre tiveram no território.
Vem gente falando nessa mesa, sabe, que eu faço isso para um grupinho tal, tal, tal. O Rio Doce é diverso, e são vários povos que ocupam toda essa bacia. E você falar de um povo só, e o resto da população que ocupa todo esse terreno, que ocupa todo esse curso d’água? Já que vocês pensam nisso como curso d’água, mas que a gente entende que é organismo vivo, será que cada grupo que está aqui realmente foi contemplado? Na escuta da população, o nosso povo não foi contemplado, não. Eu sou a liderança do meu povo, eu sou o cacique. Nem sequer vieram falar com a gente.
E, no dia seguinte, no dia 28 de março, na audiência pública, lá em Mariana, a Samarco falou: ‘não é que não têm indígenas, não. É que eles não foram atingidos, é porque eles estão acima da cava, em cima do rompimento da barragem’. Mas eu continuo falando, o peixe sobe o rio. A água, ela não olha limite não. E toda a nossa terra está
contaminada, as pessoas têm adoecido e nem nisso a gente é contado.
Eu trago uma proposta para essa mesa também, a fala de Simone [Silva, moradora atingida de Barra Longa] aqui foi muito bem colocada, ela falou várias coisas que eu queria falar, mas eu trago aqui uma proposta, como aconteceu na cidade Guajará Mirim, em Rondônia, pode reconhecer o rio como organismo vivo. Reconheça também os nossos rios, as nossas montanhas e as nossas florestas como organismo vivo, como organismo de direito. Consultem nós, povos tradicionais e povos que ocupam essas terras, sobre cava, pergunta pra gente se a gente quer cava, pergunta a gente quer mineração. A gente quer viver, a gente quer vida, e vida com decência.
Então a gente tá vindo aqui para reclamar o básico que é o direito de vida, de vida com dignidade. Consulte a gente, pergunte a gente, são muitos projetos bonitos, mas, em grande parte, muitos nem sequer vão contemplar grande parte das pessoas.
Onde que as pessoas que ocupam esse rio, depois do rompimento, foram tratadas como criminosos, faiscadores, pescadores, foram conduzidos à cadeia, gente do nosso povo que acessou o mato para pegar remédio de planta foi levada para a delegacia. E isso, a gente é considerado bandido? Esse tipo de violência que a gente quer continuar? Não é isso que a gente quer continuar não, a gente quer viver, e vida com dignidade. O dinheiro, que enfiem na goela de quem quer o dinheiro. A gente quer viver e quer viver com dignidade, mas a gente também não quer ser tratado como qualquer não. A gente quer reparação e dignidade! Hawé.”
Mineradoras e prefeitos travam batalha por direito à indenização no exterior pelo desastre-crime da Samarco, Vale e BHP
Advogados da mineradora BHP assinam ação do IBRAM para impedir municípios brasileiros de buscarem reparação por tragédias como a de Mariana em tribunais no exterior; movimentos sociais também reagiram.
O Consórcio Público de Defesa e Revitalização do Rio Doce (CORIDOCE), formado pelos prefeitos de cidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, de propriedade da Samarco, Vale e BHP, entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a ação do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), que tenta barrar a atuação de municípios brasileiros em litígios judiciais no exterior. O Instituto apresentou uma ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no dia 12 de junho, em que alega que tais ações violam princípios fundamentais da soberania nacional.
De acordo com o advogado e ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que representa o CORIDOCE na ação, o IBRAM tenta uma manobra para impedir que municípios brasileiros, especialmente aqueles atingidos por desastres-crimes como os de Mariana e Brumadinho, utilizem jurisdições estrangeiras para buscar reparação de danos.
Atualmente, a Vale e a BHP são rés em um processo na Inglaterra movido por cerca de 700 mil brasileiras e brasileiros, entre eles indígenas, quilombolas, municípios, igrejas e empresas. O julgamento de responsabilidade está marcado para começar em outubro deste ano. Vale e Samarco também respondem a uma ação na Holanda pelo mesmo crime.
De acordo com os prefeitos, o IBRAM (instituição voltada para a defesa dos inte-
resses da indústria da mineração) não tem legitimidade para apresentar a ADPF.
O prefeito de São José do Goiabal-MG e presidente do CORIDOCE, José Roberto Gariff Guimarães, afirmou que a ação se trata de uma “medida desesperada, arquitetada pelas mineradoras para tentar impedir que a justiça seja realizada”.
“O que se vê é mais uma atitude das empresas em retardar ainda mais a justa reparação às pessoas atingidas. A atitude das mineradoras reflete suas ações nos últimos sete anos, ou seja, tentam, de todas as maneiras, se eximir do crime por elas cometido”, argumentou.
Ações
internacionais
Tom Goodhead, CEO e sócio-administrador do escritório Pogust Goodhead, disse que, com a ação, o IBRAM tenta prejudicar o direito das pessoas atingidas e dos municí-
pios de buscar justiça contra as mineradoras fora do Brasil. Além de representar 46 municípios de Minas Gerais e Espírito Santo na ação contra a BHP e a Vale na Inglaterra, o escritório litiga por outros sete municípios na ação contra Vale e Samarco na Holanda, e pelo município de Brumadinho em processo contra a TÜV Süd na Alemanha.
“Não é uma coincidência que as mineradoras que processamos no exterior sejam associadas ao IBRAM. O Pogust Goodhead está investigando esse movimento aparentemente orquestrado das empresas junto ao IBRAM e os aparentes ataques contra nossa ação e nossos clientes no Brasil recentemente, o que entendemos ser uma cortina de fumaça na tentativa de desviar a atenção do verdadeiro problema: o crime socioambiental cometido por esses grandes conglomerados em solo brasileiro”, ressaltou Goodhead.
Manifestação reúne pessoas atingidas na luta pelo direito à Assessoria Técnica Independente
Convocados e organizados pela Comissão dos Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF), moradoras e moradores das comunidades atingidas de Mariana, além de apoiadores da causa pela garantia da continuidade da Assessoria Técnica Independente (ATI) realizada pela Cáritas, se reuniram em frente ao Fórum de Mariana, na manhã do dia 5 de junho, para expressar, mais uma vez, sua indignação e preocupação com a possibilidade de encerramento das atividades no território.
A manifestação aconteceu enquanto representantes da CABF das comunidades de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Zona Rural estiveram reunidos com a juíza titular da 1ª Vara da Comarca de Mariana, Dr.ª Cirlaine Guimarães - que está assumindo temporariamente os processos da 2ª Vara -, e com representantes do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), da Defensoria Pública (DPMG) e da Cáritas Minas Gerais. Como pauta única, as pessoas atingidas puderam falar sobre os principais problemas que têm enfrentado individualmente e como comunidade ao longo de mais de oito anos após o rompimento da barragem e ainda mostraram que, apesar das primeiras casas terem sido entregues nos reassentamentos coletivos Novo Bento Rodrigues e Paracatu, existem outros danos que precisam ser resolvidos pela mineradoras Samarco, Vale e BHP, por meio da Fundação Renova.
Em nota pública sobre a continuidade da ATI, a CABF enfatizou que “há muito ainda a ser feito e a reparação ainda se encontra distante de ser finalizada”. Além disso, considerou que “o encerramento das atividades da ATI em Mariana representa mais uma violação de direitos das empresas-rés, que poderá agravar ainda mais a situação de vulnerabilidade de centenas de famílias hoje acompanhadas pela assessoria”.
Após a reunião, os membros da CABF presentes na reunião com a juíza se manifestaram e compartilharam, com as pessoas atingidas que ficaram do lado de fora do Fórum, o resumo do que foi conversado com a Dr.ª Cirlaine Guimarães. Mônica Santos, moradora de Bento Rodrigues, apontou para o sentimento de frustração vivido e compartilhado por outras pessoas: “parece que a gente não tem credibilidade, sabe?!”. Mirella Lino, moradora de Ponte do Gama, argumentou: “o atingido sozi-
nho, para lidar nessa luta que é bastante desigual com a Renova, é também uma violação”.
A situação é preocupante, pois não existe o indicativo formalizado pela Justiça de nenhuma garantia em relação à continuidade da ATI no território a partir de julho deste ano. No momento, as trabalhadoras e os trabalhadores do projeto têm enfrentado o cumprimento de mais um aviso prévio, o que impactou diretamente nos atendimentos realizados pela equipe técnica e, consequentemente, menos núcleos familiares estão sendo acompanhados nos espaços junto à Renova. Em último caso, até o dia 22 de junho, se não houver nenhuma manifestação judicial favorável ao repasse de verba e à aprovação do plano de trabalho, haverá o desligamento de todo o corpo profissional e a desmobilização do projeto como um todo.
Comunidade se mobiliza e denuncia fornecimento de água contaminada da Copasa
Ponto de captação de água mudou para local atingido por rejeitos
Barra Longa foi um dos municípios atingidos intensamente com o crime da Vale/Samarco/ BHP, que assassinou 20 pessoas, em 2015. Além das enormes perdas e a ausência de reparação justa, integral e com participação popular até hoje, a população de Barra Longa sofre agora com o fornecimento de água contaminada pela Copasa. Os moradores denunciaram que a Copasa mudou o ponto de captação e desde então, a água está chegando na torneira muito turva, com mau cheiro e presença de coliformes fecais.
A denúncia foi feita, durante audiência pública, que foi requerida pelo nosso mandato a pedido da comunidade atingida de Barra Longa. A população já tinha recorrido à Copasa, às instituições de Justiça e à Prefeitura de Barra Longa para denunciar a situação e até o momento não tiveram nenhuma solução que assegurasse o fornecimento de água potável para a população, motivo pelo qual foi realizada a audiência, em 27 de maio, na Comissão de Administração Pública da Assembleia de Minas.
A piora da qualidade da água começou com a mudança do ponto de captação de água pela Copasa sem nenhum comunicado às autoridades municipais, desde janeiro de 2023. De acordo com as denúncias, baseadas em relatos e laudos técnicos, a água é turva, tem cheiro, mau gosto e com presença de coliformes, o que tem provocado o adoecimento de muitas pessoas. A população denuncia que o local onde atualmente é captada a água foi atingido pelos rejeitos de barragem, o que aponta para a contaminação por metais pesados, muito prejudiciais à saúde.
Além da contaminação e péssima qualidade da água, há denúncias de que a Copasa não tem autorização do poder público municipal para captar água neste local. Esta informação foi confirmada pela Prefeitura de Barra Longa e, até mesmo, pelo superintendente da Unidade de Negócios Leste da Copasa, Albino Júnior Campos, que informou que outorga do atual ponto de captação ainda “está sendo solicitada”.
“O prefeito se recusou a dar a autorização, até que tenhamos clareza do nível de contaminação por metais pesados”, afirmou Simone Maria da Silva, da Comissão de Atingidos de Barra Longa e da Câmara Técnica de Saúde que trata do rompimento da barragem de Fundão.
Até ocorrência policial foi registrada pela Prefeitura de Barra Longa contra essa situação absurda. A coordenadora da Secretaria de
"Desenvolvimento Econômico de Barra Longa, Jaqueline Martins, contou que a captação era em um ponto mais alto, com outorga, mas foi transferida em função do rompimento de uma estrutura. Ela disse ainda que a Prefeitura só ficou sabendo da transferência por meio de denúncias da população e fez então um boletim de ocorrência após visitar o local.
A aparência da água aponta para contaminação por metais pesados presentes nos rejeitos da mineração
Albino Júnior anunciou para julho a volta da captação ao ponto antigo, mais alto e sem impacto da barragem.
Moradores ainda reclamaram de contas muito altas da Copasa e em desacordo com o padrão de consumo das famílias. A empresa também foi acusada de não reconhecer o dano da água, o que tem impedido o recebimento da reparação uma vez que Fundação Renova exige estes laudos e declarações da Copasa.
Essa situação somente confirma que o sofrimento da população de Barra Longa vai se prolongando desde 2015, quando foi atingida pelo rompimento de barragem de Fundão, em Mariana. Ao final desta audiência, encaminhamos a realização de uma reunião institucional entre Copasa, Prefeitura e Comissão de Atingidos para que uma solução urgente seja encontrada no sentido de garantir o fornecimento de água potável até que o ponto de captação volte ao local original.
Se começou, tem que acabar
O Cruzeiro de Bento Rodrigues faz parte do projeto de restauração da Capela das Mercês, obra iniciada em 2024, após incansável luta da comunidade pela preservação de um dos bens da comunidade que sobreviveu à passagem da lama.
Por Maria das Graças Quintão Santos
Com o apoio de Silmara Filgueiras
“Eu lembro que, quando ficava muito tempo sem chover, eles falavam que era seca. Não chovia de jeito nenhum e as plantas também não iam pra lado nenhum. Aí, quando o tempo tava assim, eu lembro que juntava a gente - as crianças e os mais velhos -, pegava as latas, punha na cabeça e ia buscar água pra jogar no pé do Cruzeiro. A gente fazia uma procissão do rio até lá, cantando o ofício de Nossa Senhora. Ele é bem grande, é um livrinho inteiro! Ainda tinha uma coisa que as donas falavam: ‘ó, se começar a cantar, tem que ir até o fim!’. Isso é interessante, segundo o que falavam pra gente, era nesse momento da reza que Nossa Senhora ajoelhava e não podia deixar ela assim, sem a gente terminar a reza junto com ela. E se dava certo?! Passava os dias e chovia porque a gente sempre teve muita fé.”
Maria das Graças Quintão Santos, moradora de Bento Rodrigues
Ouça a oração completa através do QR Code abaixo:
[...] Vós, que habitais
Lá nas alturas
E tendes Vosso Trono
Sobre as nuvens puras [...]
[...] Ouve, Mãe de Deus
Minha oração
Toque em Vosso peito Os clamores meus [...]
Alarme falso, medo real
O acionamento inesperado das sirenes em Santo Antônio do Leite, distrito de Ouro Preto, causou pânico nas moradoras e nos moradores no dia 15 de maio. Na localidade, as pessoas convivem com incertezas e medos desde a implantação da barragem dos Alemães, de responsabilidade da empresa Gerdau. A situação se agravou com a instalação de sirenes, placas de rotas de fuga e pontos de encontro.
Por residente de Santo Antônio do Leite
Com o apoio de Crislen Machado
“Eu, pessoalmente, comecei a passar mal. Tive aceleração cardíaca, quis fugir para outro lugar, pois entendi que estamos em situação de risco. Então, funcionou, botaram o terror, mas é preciso contextualizar os problemas desde o início.
Quando eles chegaram, fizeram uma primeira reunião através de uma empresa terceirizada, convocando em nome da Gerdau para uma conversa com a comunidade, mas já estava acontecendo todo o transtorno de carretas. De um dia para o outro, o Leite [Santo Antônio do Leite] ficou tumultuado, se transformou de um jeito que ninguém sabia o que estava acontecendo, até aparecerem cartazes de convite para conversar com a Gerdau. Era um convite antes do Natal, um convite da Gerdau para oferecer ajuda para tratar problemas de drogas e alcoolismo em Santo Antônio do Leite.
Eles chegam, perturbam o lugar e querem brincar de Papai Noel, oferecendo conversas sobre o problema, mas eles nem conhecem a população. Os moradores compareceram, mas a própria Gerdau não apareceu, então, para mim, já começou errado.
Representantes da empresa terceirizada iniciaram uma conversa sobre a comunicação não violenta. Quando tive a oportunidade de falar, perguntei sobre a perturbação das carretas, casas rachando, perturbações físicas, psicológicas e da comunidade. As outras pessoas também se expressaram sobre isso. Depois de um tempo, uma grande equipe da Gerdau e representantes de órgãos públicos apareceram e aterrorizaram a população com os termos ‘zona de risco’, ‘evacuação’, ‘mancha’ etc.
Essa foi a última reunião que tivemos e foi combinado de ficarmos encontrando para conversar sobre diversos pontos que ficaram dispersos. A população aqui não vai deixar que façam qualquer coisa.”
Residente de Santo Antônio do Leite, distrito de Ouro Preto, que preferiu não se identificar
Socialização de jovens de Mariana atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão: chegada à juventude, ao Ensino Médio e os desafios na pandemia de COVID-19
é revisora do jornal A SIRENE desde 2017 e autora da tese Atravessando labirintos: processos de socialização de jovens atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana-MG
Chegar à juventude e ao Ensino Médio pode ser desafiador. Em minha pesquisa de doutorado em Educação, realizada na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), entrevistei 12 jovens de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Camargos para conhecer como estavam vivenciando essa fase da vida. Esses jovens são a primeira geração de crianças atingidas a chegarem à juventude. Há muitas perdas e incertezas, além de poucos padrões e referências a seguir. Neste segundo texto, escrevo sobre como suas realidades como pessoas atingidas afetavam ainda mais suas experiências juvenis e sobre os impactos negativos da pandemia de COVID-19 em sua escolarização e na manutenção dos seus laços de amizade.
Chegada à juventude e ao Ensino Médio
A partir do que me contaram, notei que, durante o Ensino Médio, alguns jovens começaram a ter mais dificuldades nas matérias, com certos colegas e com parte das professoras e dos professores, mas, de forma geral, seus desempenhos escolares se mantiveram bons. Vários deles passaram a se dedicar menos à escola, mas nenhum abandonou os estudos. A maioria conseguiu fazer amizades, como Anne*, que reconheceu que as novas amigas foram essenciais para que continuasse estudando: “se não fosse elas, eu não estava aqui [na escola] mais não”.
Suas experiências digitais também passaram por transformações. Todos tinham smartphones e acessavam mais a internet e as redes sociais. Interagiam com pessoas conhecidas e com outras que nunca haviam visto pessoalmente, prática comum a outros grupos juvenis. Mikasa*, por exemplo, fez amizades online e tinha vontade de conhecê-los pessoalmente: “acho que ia ser uma experiência muito legal e uma experiência nova, sabe? Conhecer novos lugares e conhecer a pessoa de perto, cara a cara, e
não por uma tela de celular”. Álex* passava tanto tempo online que brincou: “twitto até quando respiro”.
Os jovens com os quais conversei eram mais caseiros, tímidos e suas relações familiares continuavam exercendo uma forte referência em suas rotinas, o que é uma informação inesperada porque muitos estudos sobre juventudes mostram justamente o contrário. Além disso, parte das moças disse que ainda não tinha interesse em namorar, porque não se sentiam preparadas ou maduras. A esse respeito, Isla* comentou: “são planos para depois que eu terminar a faculdade”.
Esses jovens já pensavam no futuro. Todas as moças queriam dar continuidade aos estudos no Ensino Superior. Os dois rapazes, Paulinho* e Hulk*, não queriam fazer faculdade e pretendiam começar a trabalhar assim que concluíssem o Ensino Médio. Nenhum dos jovens que entrevistei demonstrou interesse em trabalhar na área da mineração, mas não há como desconsiderar que essa seja uma realidade possível para eles e muitos outros de Mariana, que
ainda é dependente economicamente da extração mineral. Nesse sentido, proponho refletirmos sobre quais as possibilidades reais de futuro, na região, para essas moças e esses rapazes não precisarem se vincular à mineração.
Desafios da pandemia de COVID-19
“Será que dessa vez nós vamos morrer?”, foi a pergunta que Anna Laura* se fez logo no início da pandemia de COVID-19. A partir do trabalho de campo, constatei que os jovens entrevistados compreenderam a gravidade da crise, mas, inicialmente, se alegraram diante da suspensão das aulas presenciais. Ao mesmo tempo, criticaram o ensino remoto emergencial e a maioria não prestava atenção às aulas. Também deixaram de conversar com os colegas de escola, mas alguns interagiam em jogos ou acompanhando os perfis dos demais em redes sociais digitais. Permaneciam mais tempo online, em interações com pessoas conhecidas e outras cujas relações se davam somente nesse âmbito. Observei, ainda, que a pandemia agravou a condição mental, já fragilizada, de todos os jovens entrevistados. Com o retorno das aulas presenciais, a partir do final de 2021, sentiram alívio e desespero. Os conflitos em sala de aula se acentuaram, como Maria Júlia* explicou a respeito do comportamento de alguns colegas: “acho que não viveram aquela fase de criança e estavam tendo a fase de criança agora, que já estavam velhos, quando começaram a ir pra escola de novo”. Muitos, como Teresa* e Hulk*, se desmobilizaram em relação aos estudos: o rapaz, que iniciou o Ensino Médio durante a pandemia, continuou desmotivado; mas Teresa* conseguiu melhorar sua relação com a escola depois de ingressar no Ensino Médio. A pandemia de COVID-19 trouxe, para esses jovens, prejuízos sociais, escolares e psicológicos, em um processo caracterizado por insegurança, estranhamento diante do outro, baixa autoestima e desvinculação com os estudos. Na próxima edição d’A SIRENE, trarei informações a respeito de como esses 12 jovens enfrentaram preconceitos e lidaram com o sofrimento. Também concluirei a apresentação dos resultados de minha tese, com uma reflexão sobre a necessidade de manter os jovens identificados com suas comunidades de origem e com as lutas por justiça, pela reparação integral e pela garantia de seus direitos, sucessivamente violados desde 2015. Até lá!
* Nomes fictícios.
Na próxima edição, vou trazer algumas reflexões a respeito de como os jovens atingidos que participaram da pesquisa chegaram a essa nova fase de suas vidas, como foi o ingresso no Ensino Médio, o que mudou em suas rotinas e jeitos de ser, e como pensavam em seus futuros. Também compartilharei alguns dos desafios enfrentados por eles durante a pandemia de COVID-19. Até lá!
Para conversar com a autora: ehlebourg@gmail.com
Agradeço à Universidade Federal de Ouro Preto, pela concessão da bolsa de estudos; à Prof.ª Dr.ª Rosa Maria da Exaltação Coutrim, orientadora da pesquisa; e à Maria Clara Caldas Soares Ferreira, revisora deste texto.
EDITORIAL
No início do mês de maio, assessorias técnicas, moradoras e moradores de comunidades atingidas ao longo da bacia do Rio Doce participaram de um debate público sobre “Os impactos e a revitalização da bacia do Rio Doce”, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Na coluna da Cáritas, publicada nesta edição, estão reunidos relatos de pessoas atingidas, detalhes do debate e as deliberações. O Cacique Danilo Borum-Kren também participou do evento e, na ocasião, nos concedeu uma entrevista enriquecedora. Ele destacou a luta pelo reconhecimento do povo Borum-Kren como comunidade atingida pelo rompimento da barragem de Fundão, fundamental para a garantia de direitos e a reparação adequada.
Isso demonstra que a ocupação de espaços como a ALMG e o entendimento de que esse é, também, um local de luta coletiva ajuda a transformar demandas em ações concretas e possibilita a construção de articulações políticas. Além disso, ter acesso ao arcabouço legal a respeito do que é ser uma pessoa atingida e quais os seus direitos no processo de reparação fortalece as comunidades que, unidas, reivindicam a garantia desses direitos.
De acordo com a Política Estadual dos Atingidos por Barragens (PEAB), as pessoas atingidas são aquelas “prejudicadas pelos impactos socioeconômicos decorrentes da construção, instalação, operação, ampliação, manutenção ou desativação de barragens”. Em um estado como Minas Gerais, uma diversidade imensa de pessoas e comunidades sofrem perdas e danos em razão dos grandes empreendimentos minerários e suas barragens, como pode ser visto ao longo das páginas desta edição do jornal, que também trouxe relatos de pessoas atingidas de Itabira. Nessa cidade, o processo de descaracterização do Sistema Pontal culmina em violações de direitos, além do medo de viver a menos de 50 metros de uma imensa e perigosa barragem a montante, com mais de 209 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério.
No mesmo sentido, moradoras e moradores de Santo Antônio do Leite, distrito de Ouro Preto, convivem com as incertezas e dificuldades impostas pelas ações da Gerdau, empresa responsável pela barragem dos Alemães. No início do mês de maio, as sirenes tocaram sem aviso, situação que criou pânico na localidade.
Nas edições do Jornal A SIRENE, histórias de lutas e conquistas retratam o cenário enfrentado por comunidades espalhadas pelo estado de Minas Gerais. Ter consciência das violações de direitos transforma a relação que se estabelece com a indignação e promove a construção de um futuro mais seguro, sustentável e justo!