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Samarco planeja futuro sem reparar danos do crime de 2015
No dia 28 de março foi realizada uma audiência pública no Colégio Providência de Mariana para discutir o Licenciamento do Projeto Longo Prazo (processo SLA n.º 3.858/2022) da Samarco. No dia 27 houve reunião similar em Ouro Preto. As duas foram transmitidas no canal do YouTube da Samarco.
Apenas na parte final da reunião, os(as) participantes inscritos(as) puderam expressar opiniões e dúvidas relacionadas aos pontos apresentados pela empresa. Pessoas atingidas presentes de Bento Rodrigues, Camargos e Antônio Pereira, além de trabalhadores(as) da mineração, demonstraram indignação com os planos de futuro da mineradora sem ter, ainda, reparado, ao lado da Vale e da BHP, os danos do crime de 2015. Enquanto isso, as empresas usam a Renova como escudo. Para piorar, a comunidade de Bento Rodrigues questiona a deposição de rejeitos, prevista no projeto para ocorrer no território de origem. Outro ponto de reclamação é que muitas perguntas não foram respondidas pela mineradora, como a questão da qualidade do ar. O não reconhecimento de grupos atingidos por parte da mineradora e da Renova também foi ressaltado pelas comunidades.
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A Samarco teve 45 minutos para expor o projeto. O objetivo da empresa seria promover uma mineração supostamente inclusiva, sustentável e mais segura, e voltar a trabalhar com 100% da capacidade estrutural da empresa até 2028. A consultoria externa independente da mineradora, Brandt, apresentou o Estudo de Impactos Ambientais (EIA) caso o projeto seja implantado. Isso porque, além das estruturas já existentes, mais oito estão à espera de serem licenciadas.
“O que eu consigo ver e perceber de tudo isso é que, embora eles disseram que aprenderam com o crime do dia 5, eles não aprenderam. A conversa, o papo, é a mesma coisa. Eles vêm com a mesma lábia de antes do crime, da mesma forma que agiam com a gente, que eles conversavam com a gente em todas as reuniões, eles estão agindo da mesma forma. Então, pra mim, tá mais claro que eles não aprenderam nada. E, simplesmente, não vão aprender porque não querem aprender, sabe?”
Mônica dos Santos, moradora de Bento Rodrigues “Infelizmente, a lama, ela vai perpetuar por muito tempo porque sequer tiraram o rejeito e agora vão levar mais rejeito lá pra nossa região. Desculpe os que discordam, mas Bento Rodrigues não era Bento Rodrigues. Bento Rodrigues é. Porque lá está a nossa memória, a nossa cultura e a nossa história.”
Mauro Marcos da Silva, morador de Bento Rodrigues
“Eu mudei do Pereira porque eu tenho uma filha de 16 anos. Eu sou pai sozinho, eu cuido da minha filha sozinho. Eu tirei minha filha de dentro de Antônio Pereira pra ela não ser estuprada pelos caras que ficavam na porta da minha casa, onde era minha oficina. Eu tirei minha oficina de lá, tive que trazer minha oficina pra Mariana.”
Adílio Sobreira, morador de Antônio Pereira
“Antônio Pereira, pra eles, é como se não fosse nada. A gente conta com o Ministério Público pra gente ter um retorno. Porque, até então, 45 anos de Samarco, 45 anos de promessa. É o que eu falei, falo e falo todos os dias da minha vida. Cê vai em Antônio Pereira, não tem nada de investimento da Samarco dentro de Antônio Pereira. Em Antônio Pereira, você não vê nada, só exploração. A riqueza deles sai de dentro de Antônio Pereira. Então, assim, que a gente venha ter uma resposta sobre essa reunião aí, né? Deus abençoe que esse projeto não venha a acontecer. Eu torço pra isso.”
Abril de 2023
“Da minha parte, não foi bem reclamação, né? Eu fiz um apelo a eles de daqui pra frente, porque, se a gente for pedir o que foi passado, fica até meio difícil, né? Eu não consegui entender muito bem as pessoas, essas pessoas que vão nessas audiências. Se a gente não pensar no coletivo, eu acho que as coisas não vão pra frente, né? Sobre nossas respostas, eu achei que não foi esclarecido, né? Nada que perguntou foi explicado, nem pela Brandt, nem pela Samarco.”
Silvania Aparecida de Souza Coelho, vice-presidente da Associação de Moradores de Camargos
“E por falar em Fundação Renova, no nosso entendimento e da maioria aqui presente, ela deveria ser varrida da face da Terra. As suas atividades devem ser transferidas diretamente pra Samarco.”
Sérgio Alvarenga de Moura, funcionário da Samarco e gestor do Sindicato Metabase de Mariana
Parte das ruínas de Bento Rodrigues, trajeto da Estrada Real, continuam encobertas pelo Dique S4, que deveria ter sido descontinuado pela Samarco. Ao contrário, a mineradora apaga parte da memória da comunidade
“A gente não sente uma força necessária do Ministério Público pra tá auxiliando a gente nisso. É a pior parte que a gente sente de uma audiência dessa. É saber que uma audiência pública, ela só é dada, de um modo enganatório, pra enganar o povo, sabe? Então, assim, as considerações finais nossas acabam sendo que, se tiver essa audiência que a gente pediu em Antônio Pereira, a gente vai se sentir confiante e mais confortável. Se não tiver, a gente simplesmente vai entender que o projeto já tá aprovado, independente de ter pago a dívida, independente de ter reconhecido Antônio Pereira ou não. A fala nossa, como sociedade, já não tá valendo mais nada.”
Adílio Sobreira, morador de Antônio Pereira
“Daqui uns anos, talvez nem anos, talvez até um espaço curto de tempo, a gente vai tá conversando sobre o mesmo assunto. Sobre famílias que tiveram que sair de suas propriedades da pior forma. E a gente vai tá discutindo reparação, a gente vai tá discutindo a não punição. Só vai renovando, né? Como é que a Fundação Renova foi constituída exatamente pra isso, pra ir renovando o crime a cada dia.”
Mônica dos Santos, atingida de Bento Rodrigues “Com relação ao aparelho da qualidade do ar, até já questionei com o pessoal da Samarco também. O que me assustou foi que ele disse que o aparelho estava instalado na Rua do Cruzeiro, número 200. Esse número é meu, é minha casa. Eu sou dona desse lote, né? Aí ele veio falar que foi em 2018. Realmente, eles colocaram um aparelho aqui em 2018, ficou cinco ou seis dias e tirou. Só que a gente não tá falando do ar de 2018, está falando do ar agora. O que será de nós com essa correia instalada?”
Silvania Aparecida de Souza Coelho, vice-presidente da Associação de Camargos