4 minute read

do Paraopeba

Por Laura de Las Casas, Instituto Guaicuy

Relativamente novas no Brasil, as Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) são uma vitória popular na luta pela equiparação nos processos de reparação de desastres com grandes impactos socioambientais. Em Minas Gerais, desde o começo de 2021, elas são direitos das pessoas atingidas, de acordo com a Política Estadual de Pessoas Atingidas por Barragens (PEAB).

Advertisement

Mesmo assim, a atuação dessas organizações ainda é marcada por uma série de inseguranças. A mais recente foi a notícia do dia 8 de março, que definiu o corte de 48% dos recursos destinados para as ATIs. Elas são hoje responsáveis pelo amparo técnico dos 26 municípios diretamente prejudicados pela Vale, no rompimento da barragem em Brumadinho. São elas a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), o Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (Nacab) e o Instituto Guaicuy. Com a readaptação do orçamento, as organizações teriam de reduzir drasticamente o número de profissionais e o atendimento às pessoas atingidas.

A decisão diz respeito ao orçamento calculado nos planos de trabalhos de um acordo firmado há pouco mais de dois anos entre o Poder Público e a mineradora, válido para o primeiro semestre de 2023. Vale lembrar que o acordo foi fechado em R$ 37,69 bilhões, quantia a ser investida na reparação socioambiental e socioeconômica dos danos coletivos e difusos das comunidades e dos danos causados ao estado de Minas Gerais. A contratação das assessorias técnicas entra nesse projeto, assim como a admissão de uma Coordenação Metodológica e Finalística e de uma auditoria para acompanharem os trabalhos das ATIs. No total, são R$ 700 milhões previstos para as estruturas de apoio no processo de reparação, ou seja, 1,86% do valor total destinado ao acordo.

Como justificativa para o corte, as Instituições de Justiça (IJs) alegaram que a redução foi realizada diante do limite desses R$ 700 milhões, mas não esclareceram quanto dessa quantia seria, de fato, destinada ao trabalho das ATIs para apoio à implementação do acordo. Por isso, as assessorias solicitaram às IJs, em ofício enviado no dia 16 de março, a definição do teto global disponível para os três anos de trabalho.

“Cada passo dado pelas assessorias é devidamente aprovado, tanto pelas pessoas atingidas quanto pelas Instituições de Justiça e auditorias, em busca de um trabalho transparente. Quando chega uma notícia de corte, é um solavanco que paralisa todos os processos, e deixa as comunidades com a possibilidade de mais um direito violado: o direito de participar da própria trajetória, de decisões que são sobre a vida delas, pois foram elas a terem realidades modificadas por um acontecimento grave como o rompimento de uma barragem de mineração”, diz Marcus Vinicius Polignano, diretor do Guaicuy. Ele também pontua a importância da transparência por parte do Poder Público sobre o dinheiro do acordo destinado aos trabalhos das assessorias técnicas. “Tanto as pessoas atingidas como a sociedade civil precisam saber e entender para onde está indo essa verba. Diz respeito à vida delas”, completa.

Kleber Castelar, de Novilha Brava, comunidade de Pompéu, foi uma das pessoas atingidas pela Vale que se manifestou com indignação sobre a possível paralisação dos trabalhos das ATIs. “Há quatro anos estamos dedicando tempo e força para conseguir reverter a situação de nossos territórios. As assessorias nos ajudam com análises ambientais, com acolhimento, com informações que muitas vezes não chegam pra gente de um jeito fácil, nos dando a chance de entender melhor o processo na Justiça, nossos direitos, nossas possibilidades. Por que vão tirar isso da gente?”

Dentre as atividades de uma ATI, estão o diagnóstico de danos socioambientais, econômicos e de saúde, o acolhimento psicossocial, o apoio jurídico para esclarecimento de dúvidas e informações do processo, a emissão de pareceres técnicos e legais para as IJs e o acompanhamento do processo de reparação integral. “Todos esses trabalhos têm como objetivo algo de extrema importância: a participação informada das pessoas atingidas”, explica Polignano.

A escolha de qual entidade irá executar o trabalho nas comunidades prejudicadas, com a colaboração de uma equipe multidisciplinar, é feita por meio de uma votação direta das pessoas atingidas. Depois, a organização eleita deve passar por uma série de procedimentos jurídicos e burocráticos, como a comprovação de experiência na área e de independência em relação às empresas causadoras do dano. Em seguida, é hora de estabelecer diálogos com as comunidades para a construção de um plano de trabalho capaz de atender às necessidades relativas aos danos vivenciados por elas.

Em um estado onde os desastres-crimes se tornam cada vez mais frequentes, tendo em vista casos como os rompimentos das barragens da Samarco, Vale e BHP, em Mariana e da Vale, em Brumadinho, as ATIs buscam diminuir o desequilíbrio de poder entre grandes empreendimentos predatórios e as milhares de pessoas que sofrem as consequências de suas ações. Essa desigualdade entre os envolvidos acontece tanto no acesso e no entendimento das informações técnicas e jurídicas, quanto na participação ativa no debate público, movimentações importantes para decidir o rumo da vida das milhares de pessoas atingidas em centenas de comunidades brasileiras.

Fórum com as pessoas atingidas

Para repassar a informação às pessoas atingidas de Curvelo, Pompéu e comunidades da Represa de Três Marias e do Rio São Francisco, comunidades onde o Guaicuy presta assessoria técnica, o instituto realizou uma reunião virtual no dia 16 de março. Durante o encontro, diversas perguntas surgiram: “quem vai nos informar?”, “estão querendo nos calar”, “alguém de nós tem condição de arcar com advogado para competir com a Vale?”.

Na tentativa de entender a situação e pensar as possibilidades, as assessorias técnicas estão se mobilizando em busca de respostas, por meio de ofícios encaminhados às IJs. O Guaicuy lançou um manifesto pelo direito à assessoria técnica que, em uma semana, chegou a mais de 4 mil assinaturas.

“É importante também que a sociedade civil se envolva nesse debate. Estamos em Minas Gerais, onde a mineração se faz presente das mais diversas formas. Precisamos, como cidadãos, impedir que esse modelo siga matando e que todo mundo que já sentiu na pele as consequências violentas dele tenha direito ao acesso à água, à saúde, ao rio, aos seus modos de vida. Não podemos perder isso de vista, porque isso é o básico”, finaliza Polignano.

This article is from: