4 minute read
“Ninguém precisa de mais um papel assinado, o que a gente quer ver são casas prontas”
“Quando falaram aqui que tem 41 casas prontas, falaram uma grande mentira. Aqui não tem 41 casas prontas, porque toda casa de Paracatu está sendo mexida ainda, principalmente a minha. Eu queria que a Renova usasse o projeto conceitual nosso, porque eles têm esse projeto, mas passam outro para as contratadas. Nós não estamos pedindo nada que não seja nosso direito não, a gente tá pedindo o que foi aprovado no projeto e levado à prefeitura. Essa é a única coisa que estamos pedindo há sete anos, quase oito.
Ocorreu, às 15h do último dia 24 de março, no reassentamento de Paracatu de Baixo, uma cerimônia para assinatura do termo de compromisso para entrega das obras de reassentamento do subdistrito, entre a Prefeitura de Mariana e a Renova. A ação contou com a participação de muitos veículos de imprensa, autoridades locais, funcionários terceirizados e quase nenhuma pessoa atingida pelo rompimento da barragem de Fundão. Os poucos moradores e as poucas moradoras presentes, mesmo após a apresentação, não entenderam a real necessidade da mobilização. Outras pessoas atingidas aproveitaram a oportunidade para questionar sobre a entrega das casas, sobre a geração de empregos e cobrar o cumprimento dos acordos pré-estabelecidos e dos novos.
Advertisement
Não pensem que, assinando este termo de compromisso aqui, vai acabar nossa luta, não vai acabar não. Agora temos que ficar mais fortes ainda para este termo de compromisso não ficar só no papel. Depois que entregar esse reassentamento aqui, queira Deus que tudo que foi falado aqui seja cumprido. Eu, como representante da comunidade, preciso falar que aqui não vai ter serviço. Deem uma oportunidade para as pessoas da comunidade, tem desde enfermeira à faxineira oferecendo um trabalho digno. Dê oportunidade às pessoas daqui, não precisa trazer gente de fora. Esse cartão que a Renova paga pra gente nos tirou muita coisa. Hoje, pra gente conseguir um emprego em Mariana, é muito difícil, porque recebe esse cartão da Renova. A gente não devia tá aqui implorando nada. Se tivesse nos deixado nas nossas casas de pau a pique, estaríamos mais felizes. Qualquer um aqui, se sonhasse em passar pelo que passamos no dia 5 de novembro de 2015, não trocaria a vida que tinha por essa.”
“Eles não foram na nossa casa avisar, só chamaram por mensagem. Essa reunião eu escutei, mas tá confuso. Tá faltando muita coisa ainda nas casas. Não entendi direito o que falaram, só sei que falta muita coisa ainda. Minha casa, graças a Deus, está quase pronta, só que precisa mexer no terreno, porque as medidas não estão batendo com o que eu perdi lá. Meu terreno lá é muito maior do que o que arrumaram pra mim aqui, mas eu vou arrumar um advogado pra resolver isso com a Renova.”
Zé Pascoal, morador de Paracatu de Baixo
“O que é esse termo de compromisso? Não sei. Chegou um convite pelo WhatsApp sobre essa reunião, e apenas isso. Não sei o que significa, tenho vontade de saber e, se eu tivesse a coragem de perguntar, eu perguntava, porque falaram e eu não entendi muita coisa. Eu acho que essa reunião é só pra aparecer, não muda nada. Mais de sete anos de luta não se resumem a isso. Olha o tanto de imprensa que tem pra mostrar, mas, na prática, não muda. Ninguém precisa de mais um papel assinado, o que a gente quer ver são casas prontas, as pessoas voltando para suas casas. Numa sexta-feira, três da tarde, é complicado contar com a presença dos moradores de Paracatu, o povo trabalha, mas isso é só pra aparecer, fazer média, mídia. Para o reassentamento, não muda nada, o que muda são os trabalhadores lá fora trabalhando, as casas sendo construídas, apesar de que muita casa nem foi iniciada.”
Cíntia Silva, moradora de Paracatu de Baixo
“Eu acho que esse termo de compromisso tem que ser colocado em prática, que não fique engavetado. A gente só pede que tenha respeito com nossa comunidade, que tudo que foi falado ali agora seja verdade.
Os modos de vida, para serem recuperados, vai ser com muita luta, muito trabalho. A realidade aqui é bem diferente da realidade do Paracatu de origem. Aqui a gente vai ter que aprender igual criança aprende.
Não adianta você ter uma casa de 200 metros quadrados, quando a de 100, que você construiu, te faz mais feliz. A adaptação aqui não vai ser fácil, mas vamos ter que adaptar porque o único lugar que a gente tem é aqui. Até hoje, a Renova não se manifestou sobre geração de empregos. Aqui vai ter bens públicos, espaços que vão ser ocupados por profissionais, não custa aproveitar a mão de obra local, de dentro de Paracatu, pra comunidade aqui não ficar a mercê, sem serviço. Tem muita gente qualificada aqui.”
Romeu Geraldo de Oliveira, morador de Paracatu de Baixo
“Nós tivemos duas reuniões para eles tentarem explicar pra gente qual era o efeito prático desse evento. Houve muita explicação teórica, disseram que era algo mais simbólico. Deu a entender, nessas reuniões, que seria uma coisa mais sobre divulgação dos resultados, aquela coisa simbólica para critério de marketing da empresa. A dúvida nossa era se estava entregando à comunidade sem concluir as obras, qual era o prazo legal e se contaria a partir de hoje, mas, segundo eles, isso só seria simbólico. Pediram pra nós repassarmos isso para a comunidade, pedir pra sair numa sexta-feira à tarde, largar serviço para participar de uma coisa que não é real, que não vai mudar nada amanhã. Eu não vou voltar pra minha casa a partir disso. Esse foi um evento para aplaudir discurso e autoridades. O único efeito prático de resultado que vai ter desse evento são as publicações nos jornais grandes. Se a comunidade não entende, ela não abraça. Por isso que teve essa dificuldade de presença da comunidade nesse evento, porque não era um evento para comunidade, era um evento para as autoridades. Isso aqui só serviu pra fornecer material para o marketing, nesse sentido, eu acho que eles alcançaram os objetivos.”
Canais de drenagem novos mostram fragilidade e representam risco às construções próximas. Para Anderson, sua casa, classificada pela Renova como "parcialmente pronta" e ainda não entregue, já está em área de risco, pois não há explicação da organização para a imensa trinca
Fotos: André Carvalho