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Insegurança nos reassentamentos coletivos
Por Lucas Marra, Maria Luísa Sousa e Rodrigo Passos, da Cáritas MG
Há uma linha contínua entre o rompimento da barragem de Fundão e a construção dos reassentamentos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo. Um risco que se revela, há mais de sete anos, como vulnerabilidade e assume características distintas daquilo que havia antes nas comunidades de origem. Novos atravessamentos diante do que é percebido no momento de execução das etapas conceituais das casas, os fatores de insegurança são evidenciados com o avançar das obras, na distribuição dos terrenos, na materialidade dos projetos e nas novas configurações das vias públicas. Nos reassentamentos, as diferenças podem ser outro nome para a palavra “perigo”.
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As comunidades de origem possuíam atributos particulares, mas se assemelhavam em diversos aspectos. No que concerne à sociabilidade, ambas possuíam vida comunitária e relações de vizinhança muito próximas, tradições salvaguardadas por gerações. Os territórios de Bento Rodrigues e de Paracatu de Baixo, hoje soterrados pela lama de rejeitos, possuem uma topografia plana, o que facilitava o contato entre os(as) moradores(as). No outro lado da história estão os reassentamentos, que possuem terrenos montanhosos, com seus grandes taludes entre as casas – obstáculos físicos e visuais para uma vida em comunidade.
Nas etapas de desenvolvimento dos projetos das habitações, muitas realizadas há aproximadamente quatro anos, a promessa foi de entregar um lugar semelhante ao de origem. Por isso, as diferenças são fundamentais para a compreensão do que se estabelece como risco. As ruas das áreas de origem eram menores, projetadas para o tráfego dos veículos locais. Não havia vias de separação e nem mesmo vias de servidão. Em desvantagem, a infraestrutura de passagens do reassentamento possui grandes dimensões e, claro, há muitas vias de separação e de servidão.
A sensação de insegurança é composta pela incompatibilidade entre o ambiente construído no entorno das casas, as relações de vizinhanças propostas pela nova realidade e o tipo de estrutura de divisa. O processo de desenvolvimento dos projetos no reassentamento é pouco transparente, o que prejudica a participação efetiva das pessoas atingidas. Ao realizarem a elaboração do projeto conceitual, o estabelecimento das estruturas de divisa não foi totalmente compreendido. Durante o período de elaboração, um número expressivo de pessoas atingidas optou por tipos de estrutura de divisa abertos, pouco robustos e baixos, como telas e cercas, similares às das casas do território de origem. As estruturas nos reassentamentos estão sendo confeccionadas com mourões de madeira ou concreto e tela de alambrado que, em alguns casos, possuem apenas 1,50m de altura. As famílias demonstram insatisfação diante da falta de segurança dentro de seus próprios imóveis.
Não houve explicações suficientes para o detalhamento necessário do tipo de implantação, do perímetro das divisas do lote, de vias do entorno e da topografia do terreno e suas imediações. Todos esses aspectos só puderam ser compreendidos nas visitas às obras, momento que acontece após a assinatura dos termos de aceite do projeto conceitual.
A equipe da Cáritas acompanha, quando solicitada, as visitas individuais e coletivas das pessoas atingidas nos reassentamentos: momentos nos quais são manifestados o desejo de alteração das estruturas de divisa por muitas famílias, tendo em vista que, na nova realidade, essas estruturas confrontam vias de servidão, públicas e ermas. A Fundação Renova tem sido negligente ao apresentar, sistematicamente, negativas para o tema e justificar a sua resposta pela suposta impossibilidade de realização de qualquer tipo de alteração no projeto conceitual, aquele que foi aprovado pelas famílias antes do início das obras. Convém ressaltar que o mesmo projeto é constantemente modificado pela fundação e suas terceirizadas, sob pretextos técnicos e de mercado, relacionados à disponibilidade de materiais. No dia 31 de janeiro de 2023, a Comissão dos Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF) enviou um ofício à Fundação Renova sobre o tema, que, ainda hoje, segue sem nenhum retorno. Diante do exposto, a Cáritas defende que é necessário considerar o território de origem e prover a manutenção das redes de proteção diante de qualquer risco para que as pessoas atingidas possam ter seus modos de vida retomados.