A Sirene - Ed. 89 (Setembro/2023)

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A SIRENE

PARA NÃO ESQUECER | Ano 8 - Edição nº 89 - Setembro de 2023 | Distribuição gratuita

REPASSES

Estudantes voltam às aulas no reassentamento de Bento Rodrigues 10 de agosto

O segundo semestre letivo de 2023 assinala a tentativa da Renova de reiniciar as atividades escolares das crianças e dos adolescentes, com idades entre 4 e 14 anos, no reassentamento de Bento Rodrigues. Entretanto, diversas preocupações têm emergido, uma vez que a eficácia das medidas propostas em lidar com as questões emocionais, psicológicas e educacionais enfrentadas pelas alunas e pelos alunos permanece incerta. A Renova menciona, em seus comunicados, a realização de oficinas e projetos destinados à adaptação dos alunos, mas omite se tais intervenções são de caráter transitório ou se estão inseridas em um plano educacional mais abrangente, direcionado a respaldar a adaptação e a evolução dos estudantes nesse novo contexto. Assim, torna-se essencial avaliar meticulosamente a profundidade das estratégias adotadas para questionar se, de fato, correspondem às necessidades dos estudantes em uma conjuntura tão delicada.

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AGRADECIMENTO ESPECIAL

Inauguração do complexo de esporte e lazer em Ponte do Gama 19 de agosto

No subdistrito de Ponte do Gama, em Mariana-MG, foi inaugurado o Complexo de Esporte e Lazer da Comunidade, que inclui uma quadra poliesportiva, campo de futebol, arena de cavalgada, espaço de convivência e lanchonete. O projeto também englobou melhorias nos acessos ao Cruzeiro de Ponte do Gama, local utilizado para festividades religiosas, e no acesso a outras áreas. Essas ações visam compensar as comunidades atingidas pelo rompimento da barragem do Fundão e melhorar a qualidade de vida das moradoras e dos moradores. Contudo, considerando o histórico de entregas de obras de caráter público e privado, somente o tempo revelará a efetividade desses objetivos.

NEWSLETTER DO JORNAL A SIRENE

Todos os meses, o Jornal A SIRENE faz uma curadoria de informações relacionadas ao rompimento da barragem de Fundão e à mineração. Se quiser receber nossa newsletter mensal, A SIRENE INFORMA, inscreva-se: https://jornalasirene.substack.com/

Agradecemos a todos e todas que apoiaram a campanha de financiamento coletivo do Jornal A SIRENE e fizeram esta edição acontecer, especialmente, Ana Elisa Novais, Bruno Milanez, Camila, Cristina de Oliveira Maia, Daniel Rondinelli, Elke Beatriz Felix Pena, Geraldo Martins, Jussara Jéssica Pereira e Virgínia Buarque. Agradecemos também a todas as pessoas que contribuem anonimamente com nossa luta.

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EXPEDIENTE

Festa do Menino Jesus, em Paracatu de Baixo

16 e 17 de setembro

A tradicional Festa do Menino Jesus, realizada há anos em Paracatu de Baixo, aconteceu nos dias 16 e 17 de setembro. Essa celebração tem raízes profundas na comunidade e é transmitida de geração em geração. A Festa do Menino Jesus representa um momento de música, devoção e diversão que une as moradoras e os moradores da região. Destaca-se também a procissão da bandeira, que parte da casa de uma família devota e simboliza a devoção e a fé compartilhada em relação ao Menino Jesus.

Festa em homenagem à Nossa Senhora das Mercês 24 de setembro

A tradicional celebração em homenagem à Nossa Senhora das Mercês realizou-se no dia 24 de setembro. Esse evento, de grande significado para a comunidade de Bento Rodrigues, mais uma vez coloriu e iluminou as ruas do subdistrito. Esse foi o segundo ano de comemorações após os momentos mais graves da pandemia de COVID-19, o que tornou a celebração ainda mais especial. A comunidade enfrentou desafios significativos, mas a fé e a união prevaleceram. Esta celebração é um testemunho da determinação em preservar tradições e honrar Nossa Senhora das Mercês.

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Realização: Associação dos Atingidos pela Barragem de Fundão para Comunicação, Arte e Cultura | Apoio executivo: UFOP |Núcleo de Jornalismo Investigativo, distribuição e impacto: Alexandre Coelho, Amanda Almeida, Karina Gomes Barbosa (coordenadora), Karine Oliveira e Yasmin Paulino |Impressão: Curso de Jornalismo UFOP | Conselho Editorial: André Luís Carvalho, Ellen Barros, Elodia Lebourg, Expedito Lucas da Silva (Caé), Luanna Gerusa do Carmo Ferreira, Mariana Viana, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Editor-chefe: Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Jornalista Responsável: Crislen Machado | Diagramação: Silmara Filgueiras | Reportagem e Fotografia: André Luís Carvalho, Crislen Machado, Livia Salles, Marcella Torres, Pedro Henrique Hudson, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Tatiane Análio | Revisão: Elodia Lebourg | Agradecimento: Mateus Paiva Chagas Carneiro | Apoio administrativo: Carol Saraiva, Pâmella Magalhães | Apoio institucional: Cáritas Brasileira Regional MG, Programa de extensão Sujeitos de suas histórias (UFOP), Curso de Jornalismo da UFOP, PróReitoria de Extensão e Cultura da UFOP e Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF) | Foto de capa: André Luís Carvalho | Fontes de recursos: Campanha de Financiamento Coletivo - Apoie o Jornal A SIRENE. ADUFOP - Associação dos Docentes da UFOP. Doações.

Mariana - MG
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A

Papo de cumadres: Paracatu

Concebida e Clemilda estão de boca aberta, pois visitaram o velho Paracatu, e quase oito anos após o rompimento, aquele lugar ainda guarda em si muita energia transformada em grande sofrimento. Só de olhar pra escola é possível entender como foi conjugado a verbo sofrer.

— Cumadre menina de Deus, eu fui nu Paracatu pamode acompanhá uma turma de uma escola de São Paulo que, as ruínas lá foram visitá, onde eu vi mais tristeza nu geitu dês oiá. Foi quan-

du visitaram a escola de lá, pois é alunus e alunas vendu u lugar de istudá du geitu que tá. Eu já fui lá mais de 100 vez, mas quando a gente chega a dor parece a da primeira vez. É tanta tristeza junta, transformada em eneugia ruim, que faz a gente vorta nu tempo e se sentir nu meio do dilúvio e reviver este mal que arrasou u arraial.

— Ora, cumade minha fia, tô intendendu seu turmento, pois ocê nem se alembre que quandu ocê chegô em Paracatu, eu já me encontrava lá dentru. Eu vi suas lágrimas e mesmu se eu num te cunhecesse, só de vê elas correndo pela sua cara abaixu, já dava pra entender seu lamentu.

— Jesus Maria José, eu fiquei tão abobada com a situação que u araiá ainda está, que nem pra me alembrá que ocê também tava lá.

— Intonse, é issu que eu digu, pode passá u tempo que passá, que a situação de abandonu da renova e as mineradora em relação ao acontecidu só num é maior que a dor que todo dia nois tem sintidu, e nem maior que a cegueira da justiça, que ta venu tudu istu a nus martratá, mas teima em não enxelgar.

Mariana - MG A SIRENE 3 PARA NÃO ESQUECER Setembro de 2023 Opinião
Por Sérgio Papagaio em 25/08/2023 Foto: André Luís Carvalho

Ciclo de violência: quando a Justiça FALHA

Na manhã de sábado, 2 de setembro, Marino D’Angelo, morador atingido pelo rompimento da Barragem de Fundão, em Paracatu de Cima, passou por um episódio extremamente violento e injusto. Marino, que também integra a Comissão dos Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF), foi conduzido à Delegacia de Polícia Civil de Ouro Preto após um incidente que levanta sérias dúvidas sobre a possível criminalização das vítimas por parte das mineradoras Samarco, Vale e BHP e da Fundação Renova.

O evento crítico teve início quando funcionários da Renova invadiram a sua propriedade para realizar obras sem a devida autorização. O imóvel detém significado especial para a família de Marino, pois foi o lar de Dona Eni, mãe de Maria, sua esposa, que faleceu há pouco mais de 30 dias. Dona Eni partiu sem jamais ter recebido a devida reparação pelos danos causados pelo crime da Samarco, Vale e BHP.

Afastados de sua comunidade de origem, dos modos de vida, da vizinhança, de amigas e amigos, restou à família o convívio forçado com funcionários da Renova. Segundo Marino, logo após o rompimento da barragem, com a desculpa de reconstruir a ponte que liga Paracatu de Cima a Águas Claras, prestadores de serviço da Samarco montaram um estacionamento e uma praça com equipamentos dentro da sua propriedade, sem comunicação prévia. Após muita cobrança, as empresas pagaram pelo uso do espaço. Entretanto, em 2020, o pagamento foi suspenso, mas o local continuou a ser usado.

Na semana anterior à condução de Marino à polícia, ele havia registrado boletim de ocorrência pela invasão de suas terras.

“No dia que fiz o boletim de ocorrência, o policial falou comigo que eles estavam errados, que isso é invasão de propriedade. No sábado eu fui lá pra ver se tinha alguém mexendo, quando cheguei, o pessoal estava trabalhando e tinha dois guardas municipais. Nisso eu fui falar pessoalmente com os funcionários da Renova, parei a obra, e aí eles começaram a me provocar, falando que eu sou marginal. Eu falei: ‘rapaz, eu estou dentro do que é meu’. E ele começou a jogar beijos pra mim, pra me provocar. Jogou um monte de beijo pra mim”, conta Marino.

Após isso, os funcionários da Renova conversaram com os guardas, que, em seguida, comunicaram a Marino que ele seria conduzido à delegacia. “Eu falei que não ia ser conduzido não, que estava defendendo o que é meu. Nisso eu caminhei pro meio da mata. Aí senti dois disparos, algo nas minhas costas. Não senti muito, foi como se um marimbondo tivesse me picado.” Marino foi atingido por dois tiros de taser, arma de choque que dispara um forte pulso elétrico. No Brasil, o uso do taser é recomendado a agentes de segurança pública em ocorrências que envolvam potenciais suicidas ou pessoas armadas com facas, logo, não havia absolutamente nada que justificasse esses disparos.

Próximo ao córrego, após ser atingido, Marino caiu na água. Quando conseguiu sair, foi conduzido à Policlínica de Mariana para exame de corpo de delito e remoção dos dardos. Logo depois foi encaminhado à delegacia. Nesse momento, para Marino, a dor psicológica foi maior que a física. “O que quero relatar é que é doloroso e vergonhoso uma pessoa que sempre fez o bem ser conduzida para fazer um exame de cor-

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Fotos: André Luís Carvalho Por Crislen Machado e André Carvalho Cerca construída sem autorização, dentro do terreno de Marino

po de delito. Eu estava todo sujo, molhado e descalço, dentro da Policlínica, enquanto todo mundo olhava, sem entender o que estava acontecendo, pensando que eu era um marginal. É uma situação muito constrangedora. Fico me perguntando como funciona a Justiça em nosso país, porque vemos criminosos legalizados criminalizando pessoas de bem, pessoas honestas.”

No sábado, a deputada Beatriz Cerqueira, em post para redes sociais, destacou o seguinte sobre a situação: “o estado de Minas Gerais deveria proteger o Marino, vítima do crime da Vale, Samarco e BHP, com o rompimento da barragem de Fundão em 2015. Ele teve seu modo de vida destruído e até hoje não teve reparação. Mas Marino foi tratado como criminoso e não como vítima, diante de um conflito com a Renova, ao ser agredido, detido e conduzido até a delegacia. A situação é inaceitável, de total abuso da Renova e do Estado. O Estado que deveria proteger as vítimas do crime das mineradoras não cumpre seu papel e se torna também violador de direitos. Minha solidariedade ao Marino”.

No dia 21 de setembro, Marino e sua família solicitaram oficialmente serem incluídos no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH) para garantir sua segurança. Segundo Lucas Kannoa, advogado do PPDDH-MG, o processo segue um protocolo rigoroso. Assim, já foi realizado um pré-atendimento e o caso será encaminhado à equipe para uma avaliação multidisciplinar. É possível que ocorra mais um atendimento na residência da família antes da formulação de um parecer de inclusão ou não inclusão.

“Atuamos há 13 anos com defensores ligados à resistência contra a mineração, principalmente ecologistas, e, depois do crime das barragens, com as pessoas atingidas. É um padrão de ameaças, que mostra um conflito planejado estrategicamente pelas empresas para ganhar tempo, impunidade e reduzir, no processo de reparação, seus custos de produção, sempre com um descaso pelos valores íntimos das vítimas”, pontua Lucas.

As condições que justificam a inclusão no programa são determinadas por lei, embora cada caso seja avaliado individualmente devido à natureza delicada dos temas envolvidos. Em resumo, para ser elegível, a pessoa deve ser defensora de direitos humanos, ambientalista ou comunicadora e, devido às suas atividades e militância, enfrentar ameaças à sua vida ou ser cerceada em sua capacidade de atuar em prol dessas causas.

Propriedade violada

Ao violar a propriedade privada de Marino e sua família, a Renova não apenas desrespeitou direitos constitucionais, mas também infringiu uma série de direitos individuais daqueles que vivenciam diariamente as consequências do crime ocorrido em 2015.

A Constituição Brasileira resguarda o direito à propriedade como uma cláusula pétrea, ou seja, um artigo que não pode ser alterado. Embora a propriedade particular possa ser relativizada em casos de necessidade ou interesse público, é essencial que, nesses casos, seja instituída uma servidão ou ocorra uma desapropriação da área com garantia de indenização prévia ao proprietário.

No entanto, no caso de Marino e de sua família, seu direito de propriedade foi flagrantemente violado, uma vez que intervenções não autorizadas foram realizadas dentro dos limites de seu terreno. Como diversas outras situações, a Renova e seus representantes não apresentaram qualquer decisão judicial que legitimasse essas ações. Além disso, não foram fornecidas evidências de licenciamento ambiental que assegurassem ao proprietário que as obras não causariam danos futuros.

O episódio, que resultou na condução de Marino à delegacia como autor de um crime, também levanta sérias preocupações sobre a possível criminalização de quem luta incansavelmente por justiça. Durante o confronto, Marino sofreu escoriações e foi atingido por tiros de taser, o que amplia as inquietações sobre a segurança das pessoas envolvidas na demanda pelos direitos das comunidades atingidas pelo desastre-crime socioambiental.

Marino e sua família, assim como outras famílias e comunidades ao longo da Bacia do Rio Doce, têm buscado reparação há quase oito anos, enfrentando desafios contínuos e injustiças em sua jornada. Esse incidente de violência e violação dos direitos individuais, infelizmente, não está isolado, já que casos semelhantes parecem estar se tornando mais comuns ao longo da bacia. A situação urgente destaca a necessidade de proteger as comunidades atingidas e todas e todos os envolvidos na incansável defesa dos direitos humanos e do direito de se manifestar

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Encontro Frei Rodrigo e PPDDH com pessoas atingidas Provas da invasão deixadas no terreno Desde 23.11.2015, a casa onde Marino e sua família moram apresenta vazamentos e goteiras em diversos cômodos; o telhado que quase desabou, entre outros

diante dos crimes causados por empresas mineradoras em todo o Brasil.

Frei Rodrigo Peret, membro da Comissão Pastoral da Terra de Minas Gerais, pontua que este é um processo de inversão que transforma a vítima em criminoso e despreza a reparação. Ainda segundo ele, “esse crime continuado era possível dentro de uma arquitetura da impunidade, onde todo o processo deu poder à instituição criminosa para dizer sim ou não aos processos de reparação, em vez da penalização através da criminalização das pessoas responsáveis pelo que foi perpetrado, uma vez que todos sabiam que as investigações apontaram que eles tinham total conhecimento da possibilidade desse rompimento. O processo em que uma empresa criminosa se senta com a vítima e a submete a um chamado acordo é extremamente injusto. A Vale é reincidente nesse crime, ela tem conquistado, a partir desse crime e de Brumadinho, uma expansão de áreas, na medida em que outras barragens estão sob ameaça da possibilidade de rompimento, ela conquista territórios. Estamos diante de um processo extremamente injusto e, agora, de uma companhia que parte para a agressão das próprias vítimas. Isso mostra que a reparação é fictícia e que a empresa continua a cometer crimes”.

A varanda da casa negada pela Renova foi uma surpresa dos proprietários para Arthur, Maria, Marino e Alice

Família a espera: moradia negada

Após uma série de visitas registradas em atas, que envolveram a presença de funcionários da equipe de moradias da Renova, assessores da Cáritas, Marino, outros familiares e o atual proprietário do sítio que escolheram para morar, direito assegurado pelas políticas de reparação, surgiu um problema nas negociações.

Segundo as atas dessas reuniões, um dos motivos para o interesse da família no imóvel era a estrutura adequada para os moradores e seus animais, já que a moradia atingida está comprometida com problemas estruturais graves. Ficou estabelecido que o atual proprietário do sítio se comprometeria a realizar reformas no local devido aos problemas identificados.

Após a elaboração de um orçamento para as reformas, o proprietário manifestou interesse em alugar o imóvel. As obras, inicialmente voltadas para questões estruturais, acabaram sendo expandidas para atender às demandas de Maria, esposa de Marino, que solicitou reparos específicos. Ela, com a Renova e a Cáritas, acompanhou de perto o andamento das obras.

Após a conclusão das reformas, a família estava ansiosa para se mudar, mas se deparou com um novo obstáculo. A Renova alegou que o tamanho da propriedade era consideravelmente maior do que a moradia atual da família, que possui 30 hectares. A área alvo para aluguel tinha 50 hectares, mas registros feitos nas atas revelam que 35% desse terreno é de reserva florestal, o que torna a área útil praticamente equivalente à da residência atual da família. Mesmo assim, a Renova desistiu da locação.

Devido a essa diferença na interpretação dos tamanhos das propriedades, a família de Marino se encontra em uma situação difícil e continuam vivendo violações de direitos em um sítio que não oferece mais condições adequadas de vida para a família e seus animais.

São recorrentes os problemas causados devido à falta de espaço e de trato em quantidade e qualidade para os animais. A Justiça determinou que o cuidado com as criações deveria ser subsidiado pela Renova, mas, na prática, isso não acontece. Em julho do ano passado, Marino quebrou uma das pernas ao tentar resgatar uma égua que estava presa em um atoleiro após sair para pastar em uma área mais distante. Apesar dos esforços, a égua não sobreviveu. Mais de um ano depois, os animais continuam sofrendo os impactos do descaso da Renova. A família D’ ngelo já perdeu as contas das perdas sofridas.

A situação permanece sem resolução e a espera é angustiante. A resolução da mudança de moradia evitaria incontáveis problemas, atenderia às necessidades urgentes e proporcionaria bem-estar a essa família, que, como tantas outras, acumula traumas causados pela mineração predatória, mas a Fundação Renova parece ainda não ter compreendido isso.

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PARA NÃO
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Fotos: André Luís Carvalho Arthur já tinha encontrado seu canto de estudos A pia na janela, um pedido antigo de Maria. Nada disso se concretizou Ração insuficiente, terreno acidentado e brejos matam os animais na moradia atual

Negligência da Renova com a fé

A Renova tem falhado em cumprir seu dever de levar e buscar os fiéis de Bento Rodrigues a celebrações religiosas no reassentamento coletivo. Somam-se relatos de pessoas que foram deixadas para trás em pontos de ônibus de Mariana. Numa comunidade em que a fé é tão latente, a sensação de descaso ao viver essa situação gera tristeza e revolta. A comunidade unida é forte e reconhece que, com a criação de situações que causam distanciamento em momentos importantes, pode haver fragilização dos seus laços.

“Desde que viemos para Mariana, celebramos uma vez por mês. Há mais de um ano, estamos celebrando em Bento Rodrigues Novo. Providenciaram um transporte para nos levar à celebração no quarto domingo de cada mês, mas esse transporte, em vez de cumprir seu propósito, falha em levar os fiéis para alimentar a fé com seu povo. Quantas vezes ficamos esperando e nada acontece? Teve o dia de acolhida dos catequistas na comunidade, todos estavam lá, esperando o povo chegar, mas o transporte não apareceu. Sete crianças que iriam se apresentar também não puderam participar, isso causou tristeza tanto para eles quanto para os outros que já estavam na comunidade. O dia, que deveria ser de felicidade para todos, acabou se transformando em lamentação e tristeza para nós, da comunidade. Nós nos apoiamos na comunidade, e a empresa foi covarde ao não cumprir com suas responsabilidades nessa questão.”

Rosilene Gonçalves da Silva, moradora de Bento Rodrigues

“Já ouvi várias reclamações dos fiéis, membros da comunidade do Bento, insatisfeitos e frustrados, quando ficam pelo caminho, impedidos de participarem pela falta do transporte. Vejo a necessidade de se melhorar o processo dado, evitando transtornos assim. É muito triste a pes -

soa ter se organizado para participar e, na hora, se ver impedida por causa da falta de transporte, algo já acordado entre a comunidade e a Renova.

A falta, mesmo que eventual, traz transtornos. A última vez, na festa da catequese paroquial, tínhamos crianças que haviam preparado apresentações. Fico pensando na decepção delas, algo evitável, além dos transtornos que vivenciam nesse novo contexto de vida, em suas muitas consequências, pós-rompimento da barragem.

Impasses e situações de conflito existem para serem superados. Acredito no diálogo entre as partes, na boa vontade em resolver logo, em sanar essa situação. Os atores nesse processo, como a comissão das atingidas e dos atingidos do Bento, a Assessoria Técnica da Cáritas, a própria igreja, podem ajudar, mediando conversações. Sempre podemos fazer melhor e o desejo é um só: o bem espiritual e social dos membros da comunidade do Bento.”

Padre Marcelo Moreira Santiago, reitor do Santuário e pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus

“No mês passado, decidi utilizar o transporte da Renova para ir a uma celebração e fiquei esperando. Meu padrinho já foi deixado para trás duas vezes. Ele estava no ponto, mas o ônibus não passou. Em outra ocasião, o ônibus passou tarde e ele teve que esperar uma hora no ponto, chegando atrasado. Meu tio, que tem 86 anos, está passando por isso também.

No dia em que fiquei para trás, havia crianças e idosos, e estava chovendo muito e muito frio. Uma das crianças que estava lá iria se apresentar pela primeira vez na igreja, mas não pôde ir porque o ônibus não passou. Houve também um retiro de catequese em Bandeirantes. Eu fui no meu carro, mas, assim que cheguei, fiquei sabendo que não tinham enviado o ônibus para buscar as pessoas. Elas tiveram que vir de ônibus.”

Marly de Fátima Felicio Felipe, moradora de Bento Rodrigues

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Por Rosilene Gonçalves da Silva, Padre Marcelo Moreira Santiago e Marly de Fátima Felicio Felipe Com o apoio de Crislen Machado

Revitalizando a história por meio da tradição

Trajados de branco, segurando faixas, balões e cantando hinos de luta, um grupo de moradoras e moradores de Antônio Pereira participou do Jubileu de Nossa Senhora da Lapa para pedir paz para o distrito no dia 15 de agosto. Nos últimos anos, a população do Pereira tem visto seu território e seus modos de vida serem atingidos pelos danos da mineração predatória praticada pela Vale. Com as obras de descomissionamento da Barragem Doutor, os danos à saúde física e mental, a perda de vínculos comunitários, tradicionais e familiares, e os prejuízos econômicos têm se tornado cada vez mais graves. Associado ao cenário de precarização do distrito, a população também tem visto aumentar os casos de violência, criminalização do território e violações de direitos. A fim de protestar e chamar a atenção das autoridades, a caminhada pela paz foi realizada

Por Donizete de Fátima dos Santos Silva, Ivone Pereira Zacarias, Whelton Pimentel de Freitas (Leleco) e Padre Marcelo Moreira Santiago Com o apoio de Tatiane Análio

Fotos:

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Ivone, moradora de Antônio Pereira, comandou gritos de ordem durante a passeata. Padre Marcelo ministrou a missa em celebração ao dia de Nossa Senhora da Lapa. O ativista e deputado estadual de Minas Gerais pelo Partido dos Trabalhadores - PT, Whelton Pimentel, participou ativamente da passeata pela paz. Durante os festejos de Nossa Senhora da Conceição da Lapa em Antônio Pereira, os moradores atingidos pediram por paz e justiça. Seu Wilson, morador do Pereira, em seu discurso emocionado sobre o direito das pessoas atingidas e a mineração predatória. André Luís Carvalho

“Nós estamos em uma luta contra a servidão mineral, porque a Pedreira Irmãos Machado quer tirar os moradores do seu entorno para explorar, e as pessoas estão lá há mais de um século. Então, é a nossa luta. Isso é defender o direito à moradia das pessoas. Eu acredito que a união faz a força, sabe? E nós temos que dar um basta nessa mineração que explora sem retorno nenhum para as comunidades, não é preciso tirar os moradores de suas casas, ela tem espaço para explorar sem agredir a comunidade.”

Donizete de Fátima dos Santos Silva, presidente da Frente Popular em defesa de Amarantina

“É hoje a caminhada, né? A gente fez essa caminhada da fé porque nós já fazemos a caminhada dos garimpeiros, de luta porque nós somos de luta, lutando pelo nosso direito. A mineradora está nos prejudicando muito. Nós estamos sofrendo com a poeira e a mineradora nega aceitar que nós somos todos atingidos. A comunidade inteira é atingida. E, há dias atrás, houve uma violência aqui. Esta caminhada é um pedido para que Nossa Senhora derrame paz na nossa comunidade, porque nós queremos que a nossa comunidade volte a ser o que era antes. Nós tínhamos paz, tínhamos alegria, tínhamos o direito de ir e vir. Não temos mais, porque a mineradora acabou com tudo. Nós vamos continuar lutando pelo nosso direito, porque nosso direito vem, se não vir nosso direito, o Brasil perde também.”

“Calcado nessa proposta, da gente ter o reconhecimento do patrimônio material e imaterial, mas também uma preservação de costumes, que traz renda, que é o garimpo tradicional, tem ainda essa dificuldade dos termos ‘tradicional’ e ‘artesanal’, e a confusão daqueles que se fazem garimpeiros, mas são mineradores. Aqueles que estão aqui debaixo das barragens, que estão falando para

a gente de garimpo, estão falando pra gente que o grande perigo está aí. Mineração, violência policial e corrupção são reais por aqui. A mineração, além de tudo, destrói a condição do poder popular, ela não reconhece as organizações, não reconhece as lideranças, né?”

Whelton Pimentel de Freitas (Leleco), Deputado Estadual de Minas Gerais

“Nós celebramos a festa em honra à Nossa Senhora da Lapa. É uma devoção, como foi recordado, a mais antiga romaria que se tem em Minas Gerais, aqui se iniciou. Este ano, são 301 anos de romaria que sai da Igreja Queimada, na entrada de Antônio Pereira, e que se dirige a essa Gruta de Nossa Senhora, que se tornou, anos atrás, um Santuário Mariano Arquidiocesano. A grande área tem quase 10 mil metros, é uma área que pertence à Arquidiocese de Mariana, é um santuário religioso, mas é também pela beleza da natureza, uma área preservada chamada de monumento natural. Isso foi um grande alcance por causa da situação em torno de Antônio Pereira, distrito que sofre faz anos com a mineração predatória, chegando mais e mais empresas terceirizadas com a exploração do minério nessa área. Cada vez chegam mais empresas, nós tivemos notícia de que está chegando uma próxima a nós aqui nessa área vizinha, na nossa área de proteção ambiental e de proteção religiosa, que vai explorar minério. A nossa preocupação é muito grande, porque coloca em risco a gruta e, ao mesmo tempo, tira também do nosso povo esse espaço sagrado que tem mais de 300 anos de história. Nós ficamos reféns da mineração, isso é uma coisa triste. A caminhada pela paz vem justamente ser um grito do nosso povo, da nossa gente para vencer toda uma mineração predatória que traz impactos sociais e ambientais para a vida do nosso povo e que agride esse monumento natural, o Santuário Arquidiocesano Mariano de Nossa Senhora da Lapa.”

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Padre Marcelo Moreira Santiago, reitor do Santuário e pároco da Paróquia Sagrado Coração de Jesus De 1 a 15 de agosto acontece o 23º Jubileu de Nossa Senhora da Conceição da Lapa no santuário Mariano Arquidiocesano no distrito de Antônio Pereira.

Saiba mais:

Na edição 2 do nosso boletim informativo Gualaxo, trazemos uma matéria especial sobre o rompimento e os diversos danos não reconhecidos, em que resgatamos a Matriz de Danos da População Atingida que estipula esses tipos de danos. É importante lembrar que essa Matriz foi elaborada pela CABF e pela Cáritas Brasileira Regional MG | ATI Mariana como instrumento de luta popular pela reparação integral que leva em consideração as características culturais, econômicas e sociais das pessoas atingidas de Mariana, e que serve como base para a construção dos dossiês dos núcleos familiares que atendemos. Essa matriz não foi homologada pelas Instituições de Justiça, assim como o documento com os parâmetros indenizatórios aplicados pela Renova na bacia do Rio Doce.

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É tempo de quê?

As pessoas atingidas pela barragem de Fundão manifestam, há quase oito anos, vontade por justiça, em busca de serem reconhecidas como atingidas, pelo respeito às suas histórias, suas memórias e a preservação dos territórios. Estamos em setembro de 2023 e poucos meses antecedem os oito anos do rompimento de Fundão. Nesse momento, nós, da Cáritas MG | ATI Mariana, trazemos reflexões sobre esse marco, principalmente em relação aos direitos das famílias pela reparação integral e que têm sido violados e negados pela Samarco, Vale e BHP, por meio da Renova. É tempo de entrega das casas e dos bens públicos nos reassentamentos coletivos, mas existem pessoas e comunidades que ainda são invisibilizadas pela reparação. Por isso, estamos acompanhando e trazendo para o centro das discussões, junto às pessoas atingidas, questões ligadas ao rompimento que talvez nunca tiveram respostas ou soluções.

Ao longo desses anos, a Cáritas | ATI Mariana produziu, com a Comissão de Atingidos e Atingidas pela Barragem de Fundão (CABF) e as famílias assessoradas, diversos documentos em que registraram os danos individuais e coletivos sofridos para a reivindicação dos direitos e que, em parte, seguem sendo desconsiderados para a reparação integral encabeçada pela Renova, Samarco, Vale e BHP. Na verdade, “é tempo” do quê? “Um novo tempo começa” onde e para quem? São essas as perguntas que surgem a partir dos assessoramentos que realizamos nas comunidades onde a Cáritas atua, principalmente na zona rural, em que pessoas ainda se vêem à margem do reconhecimento e da reparação. Borba, Campinas, Camargos, Paracatu de Cima, Pedras, Ponte do Gama e outras comunidades estão nas marcas ainda visíveis da lama que a Renova trata como invisíveis pela categorização de impacto direto e indireto. São moradoras e moradores que convivem com trincas e rachaduras causadas pelo trânsito de caminhões pesados que circulam para “executar ações da reparação”. São comunidades com traços rurais que perderam a produtividade da terra para serem depósitos de rejeitos e, com isso, sofreram o impacto na economia e também dos vínculos sociais com as pessoas que se envolviam nessas atividades. O jornal A SIRENE registra as marcas do tempo por meio das perspectivas e narrativas daquelas e daqueles que sofreram o deslocamento forçado das suas casas, seus modos de vida e da cultura que nutriam uns com os outros em torno do Gualaxo. Em novembro de 2016, a capa da edição mostrou o luto pelas perdas humanas e territoriais. Já em 2017, a edição dos dois anos do rompimento falava sobre o silêncio, atrasos e as ausências de respostas por parte das empresas causadoras do crime. Em 2018, a fotografia escolhida para a capa expressava o sentimento de fé e esperança das pessoas atingidas pela retomada de suas vidas. Com isso, muitos anos depois, observamos que esse instrumento legítimo de voz segue representando pessoas que sequer poderiam imaginar, um dia, estar vivendo e dividindo o cotidiano entre reuniões e o habitar em suas moradias provisórias.

Relembramos, de maneira especial, esses três primeiros anos, pois são registros de temporalidades que ainda se fazem presentes. Ao longo de quase oito anos, milhares de pessoas no território de Mariana ainda vivem com expectativas de terem seus direitos reconhecidos – e sendo forçadas a, constantemente, lidar com a negativa, os descumprimentos e o não reconhecimento como pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, princípio fundamental para reparar os danos materiais e imateriais das pessoas e comunidades.

Mariana - MG A SIRENE 10 PARA NÃO ESQUECER Setembro de 2023
COMPLETA
Foto: Silmara Filgueiras|ATI Mariana

Acordo de reparação sem a participação popular não vale

Não podemos conviver com a invisibilidade que a população atingida por barragens sofre e, por isso, nosso mandato realizou uma denúncia na Organização das Nações Unidas (ONU) de violações de direitos sofridas pela população de Barão de Cocais, após o acionamento do plano de ação de emergência da barragem Sul Superior da mineradora Vale S.A.

Mais de 400 moradoras e moradores de Barão de Cocais foram obrigados a deixarem as suas casas com o iminente risco de rompimento dessa barragem, na Mina Gongo Soco.

O último acordo realizado, em agosto deste ano, não teve a participação dos principais atores: a população atingida. Sem a participação da população atingida não há acordo justo!

“No processo de negociação coletiva não há participação das comunidades. Então esse é um processo que estamos fazendo, reivindicando para Ministério Público, Instituições de Justiça e para Vale que haja processo coletivo e participativo para que o povo possa decidir o que vai ser feito no processo de reparação e que todos os direitos das comunidades sejam garantidos”, afirma o coordenador estadual do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Luiz Paulo Guimarães.

O vereador Rafael Gomes salienta que falta também critério para a Vale, já que alguns sitiantes foram indenizados e outros não. Ele também cobrou do governador Romeu Zema a instalação da Defensoria Pública no município, que teria sido prometida. “O turismo, a agricultura familiar, tudo se desestruturou, e autoridades ficaram em silêncio”, argumentou o vereador.

A reivindicação pelo cumprimento do direito da participação da população atingida em acordos é uma luta também do nosso mandato. Motivado pela disposição das moradoras e dos moradores de Barão de Cocais em garantir os seus direitos diante das graves injustiças e pelo descaso da mineradora Vale com essas pessoas, nosso mandato apresentou o Requerimento 1.498/2023, que deu origem à audiência pública da Comissão de Administração Pública da Assembleia de Minas, em 16 de maio

deste ano, para debater o cumprimento dos direitos reconhecidos pela Lei n.º 23.795/2021, que instituiu a Política Estadual dos Atingidos por Barragens, e a situação da população de Barão de Cocais diante do risco de rompimento da barragem Sul Superior.

A Lei 23.795/2021, aprovada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, prevê que um dos direitos dos atingidos é participar dos acordos de reparação. A lei deve ser cumprida.

O desrespeito à população também foi denunciado durante visita técnica que realizamos, pela Comissão de Administração Pública da Assembleia de Minas, por meio do Requerimento 3.554/2023, à cidade de Barão de Cocais, quando conversamos com a população atingida.

Também ouvimos da população atingida os descasos da Vale. A população não esquece e jamais esquecerá a madrugada do dia 8 de fevereiro de 2019, quando, ao som de sirenes, deixaram as suas casas, em quatro comunidades de Barão de Cocais, somente com a roupa do corpo e ameaçados com o risco de rompimento da barragem Sul Superior.

Além da falta de participação no processo de reparação, ouvimos relatos de dor de moradoras e moradores que perderam a profissão, o contato com pessoas queridas e o modo de vida. De outros, que foram obrigados a vender o próprio terreno para a mineradora por falta de renda. De pessoas, como moradoras e moradores da comunidade de Socorro, que só poderiam voltar para casa após o descomissionamento da barragem. “A informação que temos é que 10,6% do serviço foi feito até agora. A previsão era 2029, agora já se fala em 2032”, denuncia Elida Couto, ex-moradora da comunidade.

Mariana - MG A SIRENE 11 PARA NÃO ESQUECER Setembro de 2023 Mandato da deputada estadual e titular da Comissão de Administração Pública da Assembleia Legislativa de MinasGerais, Beatriz Cerqueira (PT)
Beatriz Cerqueira recebeu denúncias de violação de direitos Participaram da visita técnica Luiz Paulo, do MAM, e Elida Couto, moradora atingida de Socorro Deputada Beatriz Cerqueira dialoga com a comunidade atingida de Barão de Cocais em 4 de agosto de 2023 Fotos: Luiz Santana/ALMG
" A lei aprovada na Assembleia de Minas prevê que um dos direitos das pessoas atingidas é participar dos acordos de reparação. A lei deve ser cumprida" Beatriz Cerqueira

EDITORIAL

Neste mês de setembro, A SIRENE dedica suas páginas novamente à realidade das comunidades atingidas pelo crime causado pelas empresas Samarco, Vale e BHP. Em meio a inúmeras narrativas que se caracterizam por uma incansável busca por justiça, reparação e pelo simples direito de permanecer em suas terras de origem, compartilhamos hoje mais uma lamentável situação que se desenrolou em Paracatu de Cima. O protagonista desse episódio é Marino D’Angelo, residente local e membro ativo da Comissão dos Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF).

Marino foi conduzido à Delegacia de Polícia Civil de Ouro Preto devido a uma situação em que funcionários da Renova, agindo sem sua autorização, demandaram acesso à residência para iniciar obras em um local sagrado para sua família. Esse terreno já abrigara a mãe de sua esposa, Dona Eni, que, infelizmente, faleceu sem que tivesse acesso a devida reparação.

É imperativo ressaltar que Marino já havia estabelecido um acordo verbal com a Renova, no qual se estipulou que nenhuma intervenção ocorreria em suas terras até que as questões relacionadas à reparação individual fossem devidamente resolvidas. Entretanto, o que se sucedeu foi a recusa da Renova em honrar tal acordo, o que culminou na decisão de ignorar o pedido para que seus funcionários se retirassem da propriedade. De forma ainda mais preocupante, a Renova envolveu as autoridades policiais, o que resultou na detenção de Marino sob acusações criminais.

Essa atitude suscita sérios questionamentos quanto a uma possível tentativa de criminalização e perseguição das pessoas atingidas. A situação se agrava ao tomarmos conhecimento de relatos de que Marino sofreu escoriações durante a ação, o que amplia ainda mais nossas crescentes preocupações com a segurança das defensoras e dos defensores dos direitos das pessoas atingidas.

Marino e sua família, assim como tantas outras ao longo da Bacia do Rio Doce, têm travado uma batalha incansável por quase oito anos e enfrentam injustiças e desafios persistentes. Essa recente violação, uma dentre várias que parecem se multiplicar, enfatiza a urgente necessidade de proteger as comunidades atingidas e todos aqueles que, com coragem e determinação, defendem os direitos humanos e o direito à manifestação diante dos desastres provocados por empresas de mineração em todo o Brasil.

A SIRENE continuará sendo a voz que ecoa essas histórias e denuncia as injustiças. Convidamos cada um de vocês, nossas leitoras e nossos leitores, a se unirem a nós nesse compromisso de informar, resistir e lutar por um Brasil mais justo e igualitário. Juntas e juntos, seremos a sirene que ecoa a verdade e clama por justiça.

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