A Sirene - Ed. 33 (Dezembro/2018)

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A SIRENE

PARA NÃO ESQUECER | Ano 3 - Edição nº 33 - Dezembro de 2018 | Distribuição gratuita


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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER

Dezembro de 2018 Mariana - MG

Informes RECONHECIMENTO DE GARIMPEIROS(AS) E PESCADORES(AS)

DE MARIANA PARA GOVERNADOR VALADARES

Após manifestação na via de acesso à cidade de Barra Longa, garimpeiros(as) e pescadores(as) foram reconhecidos(as) pela Fundação Renova e começaram a ser cadastrados(as) no dia 19 de novembro. A manifestação aconteceu entre agosto e setembro de 2018, durou 11 dias e contou com a participação de vários(as) atingidos(as) de Mariana, Acaiaca e Barra Longa, da Comissão de Atingidos de Barra Longa e o apoio do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB). A pauta reivindicava 14 itens, dentre eles, o reconhecimento das mulheres que perderam renda, dos(as) garimpeiros(as) e dos(as) pescadores(as). Os(as) atingidos(as) avaliam a conquista como fruto da organização e da luta das comunidades em busca de uma reparação integral para todos(as).

Representantes do Jornal A SIRENE participaram de uma roda de conversa durante a programação do III Seminário Integrado do Rio Doce. A proposta dos organizadores do evento era conhecer a experiência do jornal, que atua ao lado dos(as) atingidos(as) de Mariana, para inspirar um projeto de comunicação para Governador Valadares. O evento aconteceu no dia 20 de novembro. Além da conversa sobre comunicação, os participantes discutiram e detectaram conflitos nos laudos a respeito da água do Rio Doce e das terras banhadas por ele; a necessidade de investir não só na gestão da água como também da terra e de conhecer as dinâmicas socioecológicas no entorno do Parque Estadual do Rio Doce, além de estudar mecanismos de governança capazes de estimular transições sustentáveis no uso e na cobertura do solo.

ATENÇÃO!

Na ocasião, Juçara Brittes, membro do Conselho Editorial do Jornal, e Thamira Bastos, diretora do Coletivo MICA (Mídia, Identidade, Cultura e Arte), parceiro de A SIRENE, foram recebidas, também, pela Reitoria da Universidade do Vale do Rio Doce (Univale) e pelo Centro

Não assine nada Em caso de dúvidas sobre o conteúdo, conte com a ajuda de um advogado ou qualquer outro especialista. Se te pedirem para assinar qualquer documento, procure o Ministério Público ou a Comissão dos Atingidos.

Escreva para: jornalasirene@gmail.com Acesse: www.jornalasirene.com.br www.facebook.com/JornalSirene

Agroecológico Tamanduá (CAT) para compartilhar a experiência de produzir um jornal no contexto do maior crime socioambiental do país.

ERRAMOS Na edição 32, o Jornal A SIRENE errou. Na matéria “Em nome do mar, do rio e do Espírito Santo”, as fotos de Gilmara Paranaguá e de Lucilene de Jesus foram trocadas. A foto de Lucilene se refere ao primeiro depoimento da página 31, enquanto o retrato de Gilmara é referente ao terceiro depoimento da mesma página. Pedimos desculpas pelo equívoco. Leitores, se encontrarem algum erro nas matérias, nos ajudem a corrigi-lo. Basta escrever para: jornalasirene@gmail.com

Para reproduzir qualquer conteúdo deste jornal, entre em contato e faça uma solicitação.

Conheça o conteúdo multimídia da reportagem “Em nome do mar, do rio e do Espírito Santo”. Acesse em www.jornalasirene.com.br

EXPEDIENTE Realização: Atingidos(as) pela Barragem de Fundão, Arquidiocese de Mariana e Um Minuto de Sirene | Conselho Editorial: Expedito Lucas da Silva (Kaé), Genival Pascoal, Letícia Oliveira, Juçara Brittes, Manoel Marcos Muniz, Pe. Geraldo Martins, Rafael Drumond, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Simone Maria da Silva | Editores-chefe: Genival Pascoal e Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Jornalista responsável: Silmara Filgueiras | Editor Multimídia: Rafael Pereira Francisco | Editora de Texto: Francielle de Souza | Editora Audiovisual: Larissa Pinto | Editora Visual: Daniela Ebner | Reportagem e Fotografia: Genival Pascoal, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Simone Maria da Silva, Tainara Torres e Wandeir Campos | Apoio: Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) | Revisão: Elodia Lebourg | Agradecimentos: Coletivo Aliança Rio Doce e MICA (Coletivo Mídia, Identidade e Comunicação e Arte)| Impressão: Sempre Editora | Foto de capa: Gabriel Sossai | Tiragem: 4.000 exemplares | Fonte de recurso: Termo de ajustamento de conduta entre Arquidiocesse de Mariana e Ministério Público de Minas Gerais (1ª Promotoria de Justiça de Mariana).


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Direito de entender

O acordo de indenização: Dinheiro suado é dinheiro abençoado

Por Guilherme de Sá Meneghin, Promotor de Justiça

Segundo o artigo 927 do Código Civil, “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Isso significa que todos que sofrem prejuízos provocados por outras pessoas têm direito a uma reparação que, em regra, corresponde a uma soma em dinheiro e se chama indenização. Os atingidos e as atingidas do desastre da Barragem de Fundão, da mineradora Samarco, sofreram muitos danos, destacando-se a perda da moradia, a redução da fonte de renda, o abalo psicológico e a supressão das atividades socioculturais. Nesse contexto, o Ministério Público de Minas Gerais ajuizou a Ação Civil Pública nº 0400.15.004335-6 visando, dentre outras medidas, proporcionar indenizações justas para as vítimas de Mariana. Essa ação foi ajuizada no dia 10 de dezembro de 2015 e, no curso do processo, exigiu muito trabalho por parte do Ministério Público, com a participação da comunidade atingida, para efetivar diversos direitos, especialmente no aspecto financeiro. Fruto desse esforço, no dia 2 de outubro de 2018, o Ministério Público, com a participação das Comissões dos(as) Atingidos(as), da assessoria técnica da Cáritas, do município de Mariana e da Defensoria Pública, celebrou um acordo com as empresas Samarco, Vale e BHP, que foi homologado pela Justiça, concretizando o direito à indenização. O acordo prevê que as empresas Samarco, Vale e BHP, por meio da Fundação Renova, devem promover a reparação integral dos danos sofridos pelos(as) atingidos(as), de maneira que englobe danos materiais diretos, lucros cessantes, danos morais e outras modalidades de lesões. Além disso, o acordo estabelece os seguintes direitos aos(às) atingidos(as): (1) o cálculo das indenizações deve se basear nas informações coletadas no processo de cadastramento; (2) após a entrega dos cadastros, a Fundação Renova tem o prazo máximo de 90 dias para oferecer a proposta de indenização, iniciando-se a fase de negociações extrajudiciais; (3) o(a) atingido(a) não é obrigado a aceitar a proposta e tem um prazo de dez dias úteis para arrependimento; (4) os(as) atingidos(as) terão direito à assistência jurídica na fase de negociações extrajudiciais, a ser prestada por advogados contratados pela assessoria técnica (os advogados não poderão cobrar honorários). Tal direito não impede o(a) atingido(a) de contratar advogado particular, se assim desejar, mas ele(a) deverá combinar com o advogado a retribuição por esse serviço; (5) o(a) atingido(a) que não concordar com a proposta da Fundação Renova poderá ajuizar uma ação especial denominada “liquidação e cumprimento de sentença”, com auxílio da Defensoria Pública. Assim, a Justiça determinará o valor da indenização; (6) para facilitar a defesa dos direitos dos(as) atingidos(as), o acordo garante o direito à inversão do ônus da prova. Em outras palavras, em caso de dúvida, a Justiça deverá fazer prevalecer os direitos da parte vulnerável. No entanto, os(as) atingidos(as) devem ser prudentes e batalhar em mais uma etapa para receber sua indenização: aguardar a conclusão dos cadastros e a disponibilização dos advogados pela assessoria técnica. Com esses dois instrumentos, o(a) atingido(a) terá condições de fazer uma negociação informada e justa em relação à sua indenização. Por outro lado, se o(a) atingido(a) encurtar essa fase, procurar espontaneamente a Fundação Renova, aceitar receber o valor proposto e assinar o termo de quitação antes do término do cadastro e sem auxílio de advogado, não poderá mais reclamar na Justiça sua indenização, ainda que, posteriormente, identifique algum erro. Nesse caso, vale o velho ditado português: “Agora, Inês é morta”. Uma caminhada difícil nos levou até aqui, com diversos direitos assegurados aos(às) atingidos(as) e, para que não sejam enganados nessa derradeira fase, devem iniciar a negociação sobre suas indenizações somente após a conclusão do cadastro e o fornecimento dos advogados. Afinal, a luta continua e “dinheiro suado é dinheiro abençoado”.

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Nossa saúde não pode esperar Anos após o rompimento da barragem, a Fundação Renova insiste em utilizar o nexo causal como critério para a conquista de assistência médica. Ou seja, para as empresas, os(as) atingidos(as), primeiro, devem provar que a doença tem relação com a lama para, só então, receberem o auxílio. A comunidade de Barra Longa, porém, percebe alterações na saúde da população, critica a postura das empresas em relação ao tema e pede atendimento médico imediato, além do fortalecimento do sistema de saúde local. Por Antônio Albergaria e Sérgio Papagaio Com o apoio de Aline Pacheco, Francielle de Souza, Kleber Rangel Silva e Rafael Francisco

Há um projeto de saúde de trás pra frente. Vejam bem, minha gente: primeiro, tem que se provar o nexo causal e, se der tempo, curar o mal. É um projeto eloquente: desgraçando a vida, plantando morte no ambiente, fazendo ponte, matando gente. Há três anos de um mal gigante, nos defrontamos com um crescente: este mal que matou é o mesmo mal que ainda mata a gente. Pobres doentes, esperam um nexo causal. E se não der tempo de provar esse nexo? Se a morte chegar primeiro, ceifando vidas o tempo inteiro? O que fazer com os que ainda respiram esperança? Desde o velho à criança, será possível tanta demora? Pois eu aviso: a morte é louca e não tem hora. Tratar agora, minha senhora; provar, outrora. O que falar para a Fundação? Vamos partir da prevenção. Este é o princípio da salvação. Não querem não, empurram a vida com duas mãos. E se a morte chegar de um jeito sorrateiro? Levando homens dos campos, mulheres das cidades e garimpeiros? Me dê uma luz, ó, meu Jesus. Como a Fundação poderá fazer reparação, se a morte antes, de nossas vidas, lançar as mãos? Será possível reconstruir os homens e as mulheres, tomando da morte seus esqueletos, pedindo licença ao Criador, apresentando sem o menor pudor um projeto superior, devolvendo vida a quem morreu, tirando da morte a autoridade, conforme fazem nestas cidades. Reconstruir o homem através de seu esqueleto: esse seria o único jeito. Minha cara Fundação, de fazer a quem jaz reparação, com a licença do céu num projeto arrojado, tomando todo cuidado para que, desta vez, nada saia errado, apurando seu DNA pra nada sobrar nem nada faltar, limpando vícios e malquerenças, metais pesados e outras doenças, arrumando um jeito, com grande respeito, de dispensar ajuda de Quem fez mulheres e homens com tantos defeitos, reconstruindo, neste projeto perfeito, mulheres, homens e seus direitos, acabando com toda maldade, criando um mundo sem barragem, sem exploração. Por isso, não será preciso mineração. É o projeto da perfeição, deixando-nos livres da Fundação que representa, hoje, o mal e sua renovação. Sérgio Papagaio, morador de Barra Longa


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Fotos: Rafael Francisco

Neste momento, nós estamos trabalhando na revisão do Programa da Saúde que está descrito no TTAC, considerando que ele não atende às necessidades das populações que foram atingidas. Em relação ao nexo causal, que é objeto de tensionamento com a Fundação Renova, entendemos que, para as questões relacionadas ao tema da saúde, ele não se aplica, porque a gente trabalha com “risco adicional à saúde” advindo do rompimento da Barragem de Fundão. Então, o nosso objetivo é construir um modelo de reorganização do sistema de saúde local que ofereça uma resposta às demandas da população e que tenha uma maior acolhida e respaldo em relação ao risco adicional de saúde. Kleber Rangel Silva, secretário executivo da Câmara Técnica de Saúde

Atingidos(as) constroem plano de ação em saúde com apoio da Assessoria, Câmara Técnica, Coletivo de Saúde e Secretaria Municipal de Saúde

Eu plantava banana, milho, inhame, abóbora, quiabo. Plantava vários tipos de muda no meu quintal. E eu mesmo capinava. Quando a lama veio, eu tive problemas de saúde. Tive dengue. Tenho problema respiratório também. Depois que a lama passou, juntou uma coisa com a outra e ficou pior. Faz três anos que não vou mais no meu quintal e tenho que fazer inalação todo dia. Então, pra mim, a lama só piorou a minha saúde. Antônio Albergaria, morador de Barra Longa

Antônio depende de medicação para aliviar problemas respiratórios

Nós temos dados do sistema do Ministério da Saúde, alimentado pela Secretaria Municipal de Barra Longa, que mostram o aumento de demandas por atendimentos médicos nos últimos anos. São dados alarmantes. Até 2015, tínhamos uma média de até 15 óbitos por ano. Em 2016 e 2017, houve um salto para 38. Desde o rompimento, muitas mudanças aconteceram na cidade e isso agrava a saúde, inclusive mental. Tendo ligação ou não com a lama, é preciso entender que as pessoas precisam ser cuidadas. Enquanto assessoria técnica, a gente entende que devemos usar o princípio da prevenção, trabalhar com um conceito ampliado de saúde e inverter o ônus da prova. Não são os atingidos que precisam provar que estão doentes por consequência do rompimento da barragem. É a Renova que tem o dever de fazer isso. Aline Pacheco, assessora técnica da AEDAS

Alguns dos agravos à saúde na cidade de Barra Longa segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan)


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Vem aí o Zé e sua catraca Perfil

Por José Mauro Marra, ou melhor, Zé Catraca Com o apoio de Larissa Pinto e Tainara Torres Foto: Tainara Torres

- Opa! Você sabe onde mora o Zé Catraca aqui? - Ah, Zé Catraca? Seeei! É na rua de cima aqui, ó. Já na primeira tentativa de encontrar o endereço certo, a dica dada por José Mauro Marra, pelo telefone, dias antes da entrevista, surtiu efeito: “Pergunta na rua onde mora Zé Catraca. Todo mundo sabe onde é”. Não deu outra. Foi só bater algumas palmas e gritar “Ô, Zé!” para que ele aparecesse: meio desconfiado, apesar de saber que receberia visita. Na sala de casa, sentado no sofá, Zé logo tratou de contar que, na outra vez em que deu entrevista para o Jornal A SIRENE, saiu coisa errada. Na matéria da edição 5, ele relembrava os festejos tradicionais das comunidades atingidas pelo rompimento da barragem. “Eu não moro em Gesteira, nasci lá, mas vivo em Barra Longa”, esclarece. Apesar da fala calma, Zé tem uma rotina agitada. De manhã, das 5 às 7 horas, comanda o programa de rádio Manhã Sertaneja, na Barra FM - rádio que ajudou a fundar. Às 7 horas, trabalha como borracheiro na prefeitura, onde fica até às 16 horas. Quando o relógio marca 17h15, ele pula no ônibus e vai para Acaiaca para estudar. “Eu não sabia ler nem escrever, então, há cinco anos, resolvi estudar.” Tem dias que só volta pra casa pra lá de 23 horas.

E isso não é tudo. Zé tem um coral - formado só por homens - chamado Cristo Rei, que começou com os amigos de igreja. É coordenador dos Alcoólicos Anônimos de Barra Longa e está sóbrio há 17 anos. E, aos finais de semana, ainda trabalha com um grupo de garçons. As ocupações, apesar de muitas, fazem bem a ele: “Pra mim, ocupa a mente. Alcoólatra não pode ter tempo, senão já vai tomar uma cerveja ali. Desse jeito, eu fico com a cabeça ocupada só com serviço, trabalhando”. O senhor conta, porém, que o trabalho diminuiu desde o rompimento da Barragem de Fundão. “Eu trabalhava de garçom à noite numa casa noturna e a casa fechou por causa da lama. Eu fui chamado pra fazer o cadastramento e fiz. Só que, até hoje, ninguém falou mais nada comigo.” Zé conta, ainda, que, no dia em que a barragem rompeu, pediram que ele fizesse um plantão na rádio para alertar as pessoas sobre o que estava acontecendo. “Eu fui pra lá. Só que teve gente que mandou me tirar da rádio. Falou que eu tava apavorando os outros, olha só.” Depois de muito papo, a dúvida que vinha nos acompanhando virou, finalmente, uma pergunta: “E esse apelido, de onde o senhor ganhou?” Zé Catraca jogou o corpo pra trás no sofá e riu. Provavelmente, ele já esperava pela questão, mas se surpreendeu por demorarmos tanto para fazê-la. “Esse apelido tenho desde criança. Há muitos anos, passou um circo em Gesteira e eu cismei. Fui embora com eles. Eu tinha 11 anos. Aprendi a trabalhar de palhaço e, na época, tinha um monociclo de uma catraca só. Eu trabalhava nele, montava e rodava pra frente e pra trás. Eles falavam: ‘Vem aí o Zé e sua catraca!’. E ficou Zé Catraca”. A cada frase, Zé esbanja no rosto um sorriso que esconde o peso de suas histórias. A mãe e o pai sumiram quando ele tinha dois meses de idade. “Meu pai queria matar eu e meu irmão porque dizia que não tinha condição de criar nós dois. O senhor Pedro, de Gesteira, que já tinha 14 filhos, pegou a gente pra criar.” Mais tarde, Zulmar, filho de seu Pedro, se casou com dona Vilma e Zé Catraca foi morar com a nova família. Contudo, ele não esconde que sua maior vontade, hoje, é conhecer a mãe. “Eu tenho vontade de saber quem é ela, como ela é. Só sei o nome dela, não tenho o sobrenome. Ela deve ter 88 anos hoje”, revela José Mauro. Para encerrar a conversa e retomar o dia - pois precisava voltar ao trabalho -, Zé Catraca agradeceu a conversa e, como acontece no circo, fechou as cortinas de mais um espetáculo: “É isso aí que eu tinha pra falar pra vocês. A minha vida é isso”.


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Foto: Wandeir Campos

Papo de Cumadres: o Rio da Regeneração

As duas cumadres, Consebida e Clemilda, estão perplexas com o aumento dos problemas causados pelo rompimento da Barragem de Fundão e sonham com o reconhecimento dos atingidos, com o Rio Doce e sua regeneração. POR SÉRGIO PAPAGAIO

- Cumadre Clemilda, onti eu tivi um sonhu, sonhei que u Rio Doce era a saúde e todus us afruente que nele ia disaguá, era um mal: pra saúde piorá. - Cumade minha fia de Deus, nós parece que é uma só, eu também sonhei com o Rio Doce mais dun jeitu miô, nu meu sonhu cada afruente que via, era a solução dus pobrema, dus sonhu da cumade Consebida. -U meu sonhu era de mardição, u seu, de benção e sarvação, sonhei que sua mãe chorava de dor e compaxão, de ver o Riu Doce sofrendu tamanha contaminação. - Nu sonhu que eu sonhei, as lágrima de minha mãe e de todas as outras mãe, num eram lágrima não, eram águas que Deus mandava pra terra, assim como Jesus naceu de Maria, pra trazer a sarvação, Deus iscolheu as mãe, pra lavar do riu toda esta mardição. - Oia que sonhu ruin de sonhá, sonhei que us indiu lá de areiá, nun tinha nem um pedaçinhu de terra pra ês podê mora. - Pois eu sonhei um sonhu de emocionar, onde Paulo pataxó recebe du céu uma orde só e um documentu maior, a posse de todas as terra, e passa a José Barcelos cacique lá de areiá, o direitu de cada pedassu de terra, a uma audeia indigina intregá, mas u que me fez chorá, foi quandu Barcelos deu a mestre Boi u paper das terras de todos us negru que há, e disse: Oxalá mandou entregar. - Este foi um sonhu de arepiá, sonhei que as mãe de todu lugar, nu centru da terra foi morá. - Sonhei que todas as mãe, du úteru da mãe terra brotava, dandu luz a um afruente do riu grande do amor, que ao desaguar nu Doce, todas as água desta vida se regenerou, e u Riu Doce agora impoderadu, rompe as corrente du mal e juntos, brancos, indius, negrus e todu pessoal trazidu pra sua foz, para que as águas do Doce, agora podendu amar, possa todu u povu purificar. - Eu sonhei que pumode a contaminação, não havia mais canção e até us pássaru ao se contaminá nun pudia mais cantá. - O urtimo sonho que tive compretô a regeneração, numa grande orquestrada, as alma foram todas lavada, por uma musgua tocada pela passarada e cantada pelo mestre Farinhada. *A pedido do autor, este texto não passou por revisão ou edição.


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Juntos pelo

O Jornal A SIRENE participou, nos dias 15 a 18 de novembro, do III sentantes de povos quilombolas, indígenas, pescadores e moradores d Rio Doce e o movimento Regenera Rio Doce. Durante o encontro, con possibilidades de resistência diante da perda dos modos de vida que er

Por Flávia Ramos, Hauley Valim, Hudson Coutinho (Aba’tã), Narce Com o apoio de Daniela Ebner, Silmara Filgueiras, Thamira Basto Fotos: Daniela Ebner, Silmara Filgueiras e Wandeir Campos

Encontro de culturas A nossa aldeia teve uma perda grande da cultura. A gente, do grupo de guerreiros, tenta resgatá-la com a dança, e os meus antigos professores tentam resgatar a língua tradicional guarani. Eu acho que o encontro é importante pela troca de experiências. Há uma diversidade cultural aqui [em Areal], porque são povos de diferentes lugares, né? Esse encontro pode auxiliar as pessoas a serem mais tolerantes, porque, a partir do momento em que você conhece uma coisa, você tem uma visão acerca daquela coisa. Por exemplo, você não pode comentar sobre uma coisa que você não conhece. Depois que conhece, isso é um benefício, ao meu ver. É por isso que eu sempre estou à disposição. Se o cacique me chamar, eu vou levar a cultura da nossa aldeia aonde for. Hudson Coutinho (Aba’tã) - Aldeia de Comboios-ES O encontro proporciona mais visibilidade da comunidade, da nossa luta, da nossa causa, que é a busca do registro territorial. A gente sonha em voltar para o território ocupado pelos nossos antepassados e, hoje, a gente está lutando cada vez mais para isso virar uma realidade, como era antigamente. Além disso, o encontro aqui é essencial para ter um resgate cultural que foi perdido durante esses três anos. São várias culturas e etnias que permanecem aqui. Com ele, há o resgate espiritual, da medicina tradicional e das comidas que eram naturalmente consumidas pelas pessoas daqui. É muito bacana isso. A gente se mobiliza mesmo para poder fazer acontecer e a comunidade toda abraça. São várias casas recebendo as pessoas, acampando, e as pessoas da comunidade ficam muito felizes acolhendo. Rômulo de Barcelos, diretor da Escola de Areal-ES

Perda do rio Eu estava na beira do rio Doce quando o rejeito da barragem de minério chegou. Chorei lá, por ver ele morto. Eu fico sentida até hoje. Dói no coração. Eu criei meus filhos pescando na beira do rio. Não tenho carteira de pesca, mas eu pescava por aqui, botava a rede, pescava aqueles peixes bons. Pegava bagre de anzol. Vinha uns três ou quatro de uma vez só. Nunca mais eu comi um peixe maravilhoso do rio Doce. Agora não tem mais lugar para pescar. Não recebi meu cartão, nem indenização. Já falei com a Renova para me reconhecer e eles falam que está em análise. Ligo direto para lá e eles dizem que o cartão vai vir, mas, até hoje, nada. O que é isso que esse cartão nunca chega? Narcelina Carlos, moradora de Areal-ES


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o Rio Doce

I Encontro Ancestral. O evento aconteceu em Areal-ES e reuniu repredos manguezais, além de diversos coletivos parceiros, como a Aliança nversamos com os participantes sobre as consequências para o rio e as ram sustentados pelas águas.

elina Carlos e Rômulo de Barcelos. os e Wandeir Campos

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Das nossas águas para nossas vidas A água é a minha guia. Sinto que o meu aprendizado é o próprio rio que traz. Cada gotinha que cai lá em cima, vai chegar e virar mar. E cada um de nós pode ir se somando a outras gotinhas e formando um rio caudaloso, que logo encontra o mar e nos recebe. A gente vai se somando e fluindo junto. A água tem uma força de limpeza, de fluidez, da gente se deixar ser guiado pelo rio. Logo antes do encontro, nós tivemos dez dias de muita chuva e foi um preparo para conseguirmos ter um solo fértil e florescer. Cozinhamos no Encontro Ancestral com água da chuva, porque conseguimos mobilizar a instalação de algumas cisternas de captação de chuva em Areal no ano passado. Isso é fruto de um protótipo de regeneração. O que a gente pode fazer é isso: promover exemplos de regeneração que trazem prosperidade, segurança alimentar e saúde para a comunidade. Graças a isso, cozinhamos para umas 300 pessoas que vieram ao Encontro. Flávia Ramos, membro do coletivo Aliança Rio Doce e Movimento Regenera Rio Doce O chumbo não tem culpa, o manganês não tem culpa, o cromo não tem culpa, o arsênio não tem culpa. Todos eles estavam estabilizados dentro da montanha. E aí, o ser humano, com essa relação de violência com a natureza, desestabilizou os minerais que chegaram aqui através da água. A contaminação dessas águas externas, que estão fora de nós, nos rios, é reflexo da contaminação das nossas águas internas. Essa condição de intoxicação, a partir dos agrotóxicos, da contaminação das águas, dos alimentos, nos deixa numa situação de fragilidade e de insensibilidade que faz com que nós não sintamos pesar em agredir a mãe natureza, a Mãe Terra. Então, esses encontros permitem promover os cuidados das nossas águas internas, para que nós olhemos para aquilo que está dentro de nós, para toda aquela tristeza, angústia da vida cotidiana, inclusive do rompimento da barragem, para que nós tenhamos condições de nos cuidar, nos regenerar e de nos fortalecer como indivíduos. Hauley Valim, morador de Regência


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A vocês, com afeto

Mariana - MG

Antonio Rufino, pescador de Conceição da Barra

As imagens a seguir integram o projeto “Em nome do mar, do rio e do Espírito Santo” - realizado pelo Jornal A SIRENE e financiado pelo Edital de Jornalismo Investigativo do Fundo Brasil de Direitos Humanos. São retratos de ribeirinhos, quilombolas e indígenas; pessoas que viviam da pesca, da agricultura, da criação de animais e que, desde a chegada dos rejeitos da Samarco, vêm sofrendo mudanças drásticas em seus modos tradicionais de vida. Por trás das fotografias, sobrevivem cotidianos alterados pela lama, incertos em relação às possibilidades de reparação. Neste mês, estas imagens, transformadas em quadros, serão entregues aos atingidos e às atingidas registrados - uma pequena homenagem pela bravura necessária ao enfrentamento da vida pós-desastre.

O especial multimídia “Em nome do mar, do rio e do Espírito Santo” pode ser acessado em www.jornalasirene.com.br

Por Rafael Drumond Fotos: Daniela Felix

Valdemir Rufino, pescador de Conceição da Barra

Juraci, pescadora de Barreiras - Conceição da Barra


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Joice Lopes, pescadora de Barra do Riacho - Aracruz

Simião Barbosa, pescador de Povoação - Linhares

Creuza Campelo, pescadora de Campo Grande - São Mateus

Lucilene de Jesus, moradora da comunidade quilombola Degredo - Linhares

Rosiane Montebelo, pescadora de Barra do Sahy - Aracruz

Eliane Balke e Dalila Santos, pescadoras de Campo GrandeSão Mateus

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José Barcelos, morador da aldeia Areal - Linhares

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Mariana - MG

Gilmara, Rosetânea e membros da Associação de Maricultores de Conceição da Barra

Maria Auxiliadora e família, pescadores de Conceição da Barra

Aline, Roseane e Jucelia, pescadoras de Barra Nova Norte-São Mateus

Artesã Fátima Neves e alunas, Povoação - São Mateus


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Karai Tataendy (Nelson Santos), morador da aldeia Boa Esperança - Aracruz

José de Fátima e sua filha, Andresa Lemes, pescadores de Maria Ortiz - Colatina

Mimbira (Helena Coutinho), moradora da aldeia Caieiras Velhas - Aracruz

José Luís Ramos, morador da aldeia Caieiras Velhas - Aracruz

Gleuza Barcelos, moradora da aldeia Areal - Linhares

Jerônimo Coutinho, agricultor de Nativo - São Mateus


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Direito à informação

Para a realização do projeto “Em nome do mar, do rio e do Espírito Santo”, ficamos 45 dias percorrendo diferentes territórios capixabas atingidos pelos rejeitos da Samarco. O que percebemos foi que, três anos após o desastre, o estado de violação de direitos daquelas populações encontra-se agravado pela falta de informações básicas sobre a condução da reparação e as condições de contaminação da natureza. Enquanto o dano já se instalou na vida de muitos, os mecanismos de indenização ainda não são conhecidos por todas as vítimas - o que as deixa sujeitas a acordos desfavoráveis e em situação de desamparo jurídico. Além disso, perguntas simples, como “Posso nadar no rio?”, “Posso comer o peixe?”, “Posso filtrar e beber a água?”, ainda não foram respondidas de forma clara e objetiva aos(às) atingidos(as). Procurando colaborar com a difusão de informações sobre o presente e o futuro da reparação no Espírito Santo, levantamos algumas instruções aos atingidos e às atingidas do Estado. Esperamos que esse material possa colaborar com um processo de comunicação que deve ser executado como política pública de assistência social nos territórios atravessados pelo desastre. Por Rafael Drumond Fotos: Daniela Felix

Pescadoras de Barreiras, comunidade pertencente ao município de Conceição da Barra, cobram reconhecimento como atingidas (abril/2017)

SOBRE AS INDENIZAÇÕES E A ASSISTÊNCIA JURÍDICA Em nota ao Jornal A SIRENE, a Defensoria Pública do Espírito Santo esclareceu algumas dúvidas levantadas pelos(as) atingidos(as): Há possibilidade de revisão das indenizações já acordadas com a Fundação Renova após a chegada das assessorias técnicas? Entende-se que sim, desde que os estudos produzidos pelas assessorias apontem para a necessidade de revisão da metodologia do Programa de Indenização Mediada (PIM). Posso ser indenizado(a) pela continuidade dos danos? Atualmente, o Programa de Indenização trabalha com a indenização pelos lucros cessantes acarretados pelas consequências do desastre. Assim, se o dano se estender para o futuro, a Fundação Renova deverá, anualmente, convocar os(as) atingidos(as) para pagar a cifra específica ao ano. O titular do auxílio-financeiro do meu núcleo familiar não me representa. Posso requerer cadastramento próprio? O cadastramento próprio é sugerido quando o(a) atingido(a) possui composição familiar distinta daquela descrita no cadastro a que pertence como dependente, bem como no caso de danos específicos sofridos pelo declarante.

Assinei procuração para mais de um advogado: o que fazer? Caso os profissionais contratados não saibam um da contratação do outro, configura-se um “conflito de defesa”, que deve ser resolvido pela opção por um profissional apenas. Para destituir um advogado, o(a) atingido(a) deve notificá-lo acerca da rescisão do contrato. Caso tenha havido o desenvolvimento de algum trabalho nesse período, deve ser analisado se há honorários parciais a serem pagos pelo tempo de serviço. SOBRE AUXÍLIO-EMERGENCIAL O QUE É? O auxílio financeiro mensal corresponde ao pagamento de um salário mínimo, acrescido de 20% por dependente e de uma cesta básica. QUEM TEM DIREITO? Quem tenha tido perda de renda por interrupção comprovada de suas atividades produtivas ou econômicas em decorrência do desastre. ATÉ QUANDO? Até o restabelecimento das condições para retomada das atividades. QUEM DEVO PROCURAR PARA TER ACESSO AO AUXÍLIO? Cadastre-se no escritório mais próximo da Fundação Renova para verificação de sua elegibilidade ao recurso.


Dezembro de 2018

Mariana - MG

APARASIRENE NÃO ESQUECER

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SOBRE O PIM O QUE É? Programa de Indenização Mediada, conduzido pela Fundação Renova, responsável pelo pagamento de indenizações aos(às) atingidos(as) pelo rompimento. QUEM TEM DIREITO? Pessoas físicas e jurídicas (apenas micro e pequenas empresas) que sofreram danos diretamente decorrentes do rompimento da barragem. A indenização será calculada pela Fundação Renova de forma individual, de acordo com o dano sofrido.

O QUE FAZER CASO MEU CADASTRO NÃO SEJA ACEITO OU O VALOR DE INDENIZAÇÃO PROPOSTO NÃO FOR SATISFATÓRIO? Procure orientações nas instituições de justiça (Defensoria Pública do Espírito Santo, Defensoria Pública da União, Ministério Público Estadual e Ministério Público Federal). Informe-se, ainda, sobre a constituição da comissão local de atingidos(as) em seu território e sobre o processo de chegada das assessorias técnicas. Lembre-se: até o momento, os direitos já conquistados pelos(as) atingidos(as) ao longo da Bacia têm se dado a partir da mobilização e da pressão popular.

SOBRE AS ASSESSORIAS TÉCNICAS: As assessorias consistem em um conjunto de profissionais, de diferentes áreas, que atuam com os(as) atingidos(as), por meio do oferecimento de orientações e de acompanhamento técnico. Cada território escolheu ou está em processo de escolha de uma organização que será sua assessoria de confiança. SOBRE AS COMISSÕES LOCAIS: Para garantia de uma reparação justa, é muito importante a participação dos(as) atingidos(as). Em todo o Espírito Santo, foram formadas comissões locais de moradores voltadas para esse fim. Em diálogo com as assessorias técnicas, as vítimas poderão acompanhar as propostas de reparação conduzidas pela Fundação Renova. Informe-se, com as lideranças locais, sobre como acompanhar e participar dos trabalhos desenvolvidos pela comissão formada em seu território.

Atingidos protestam em frente ao escritório da Fundação Renova em São Mateus, litoral norte do Espírito Santo. (abril/2017)

SOBRE A CONTAMINAÇÃO DA NATUREZA E A SAÚDE DOS ATINGIDOS Para a elaboração deste material, consultamos a Câmara Técnica de Saúde, a Fundação Renova e acompanhamos reuniões do Comitê Interfederativo. Contudo, até o momento, poucas são as informações objetivas disponíveis, o que indica a necessidade de que os estudos e as pesquisas sobre a contaminação ambiental sejam levados às populações atingidas a partir de uma política ampla de comunicação. Transcrevemos, aqui, as informações seguras levantadas até o momento. Posso filtrar e beber a água da torneira? Se a água for captada e tratada, antes de ser distribuída, pode ser filtrada no domicílio e ingerida. Alguma indicação específica para casos de coceira, feridas na pele e diarreia? Procure a unidade de saúde mais próxima. Não se esqueça de relatar sua rotina e seus hábitos diários, bem como qualquer outro evento ou situação que possa ter causado os sintomas. Sobre a situação do pescado: Foi constituído, pelo Comitê Interfederativo, um grupo de trabalho, envolvendo diversos órgãos e Câmaras Técnicas, para tratar especificamente das questões relacionadas à pesca. Esse grupo está avaliando as informações e os estudos já realizados, bem como propondo diretrizes e ações de monitoramento e fiscalização, além da integração das informações para a população. Para o Espírito Santo, no campo da saúde, não há suplementação de recursos ao SUS por parte da Renova. A Fundação informou que está em andamento, desde julho deste ano, um estudo de Avaliação de Risco à Saúde Humana, supervisionado pela Câmara Técnica de Saúde. O objetivo da pesquisa é dimensionar os riscos à saúde humana pela exposição a elementos químicos existentes no meio ambiente, ao longo de toda área atingida pelo rompimento da barragem. Os resultados relativos ao Espírito Santo ainda não foram divulgados.


EDITORIAL Com delicadeza e orgulho, dona Ilda Oliveira, moradora de Areal, comunidade próxima à Regência Augusta-ES, conta a história de um pedaço de pano que bordou sobre o rio Doce. A costura retrata detalhes que ela guarda, na lembrança, da casa em que vive, do cotidiano no vilarejo, da tranquilidade e da paz proporcionadas pela natureza, da felicidade e dos benefícios que o rio deixava. Ao falar sobre o significado da água para o bordado que fez, dona Ilda afirma, com convicção: “A água liga as pessoas. A água é a nossa vida. A água é nossa bebida, nosso costume porque, sem ela, não valemos nada. Nós podemos até sobreviver comendo qualquer coisa, mas, sem água, não. Nada mata a sede, só a água. Sem ela, não valemos nada”. Ligados pelas águas dos rios Gualaxo e Doce, o Jornal A SIRENE atravessou, mais uma vez, o Estado de Minas Gerais até chegar à foz, no Espírito Santo, para participar do III Encontro Ancestral. Lá, pessoas de diferentes regiões se uniram às comunidades indígenas e quilombolas, também de diferentes lugares, para, de maneira lúdica e cultural, buscar a regeneração interna e o cuidado uns com os outros. Recorrer à ancestralidade, simbolizada pelos povos que mantêm suas tradições à beira do rio Doce, é importante para que nós nos fortaleçamos, individual e coletivamente, para resistir e lutar, dia após dia, especialmente a partir de 05 de novembro de 2015. Temos falado insistentemente sobre lutas e sobre as consequências deixadas pela passagem da lama de rejeitos que contaminou os rios. É preciso também mostrar as possibilidades de resistência que temos aprendido a construir e fortalecer ao longo desses três anos, seja em Minas Gerais, seja no Espírito Santo. É por isso que, inspirados pelo bordado de dona Ilda e pelo Encontro Ancestral, o Jornal A SIRENE dedica parte do conteúdo deste mês para trazer resultados de trabalhos que buscam dar visibilidade àqueles e àquelas que, mesmo três anos após o rompimento, ainda se sentem desamparados e à margem dos processos políticos de reparação, mas continuam à procura de justiça. Encerramos 2018 com um histórico de lutas e de conquistas para as comunidades atingidas de Mariana, de Barra Longa, de Rio Doce e dos(as) demais atingidos(as) ao longo da Bacia, mas com o sentimento de que ainda há muito a ser feito. Enquanto isso, no Espírito Santo, os primeiros passos ainda estão sendo dados. Independentemente disso, nossa luta é permanente e comum. Por isso, nesta edição, trouxemos reportagens que abordam aqui e lá, expandem nossa área de cobertura, justificam o compromisso que temos com o direito à comunicação e alimentam essa importante ferramenta de luta, na esperança de que sirva de modelo para um jornalismo que esteja sempre em defesa dos que mais precisam. Enquanto houver silêncio, morosidade e quebra de direitos, aqui, A SIRENE continuará soando.


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