A Sirene - Ed. 46 (Fevereiro/2020)

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A SIRENE

EDIÇÃO ESPECIAL | PARA NÃO ESQUECER Ano 4 - Edição nº 46 - Fevereiro de 2020 | Distribuição gratuita


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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER

Fevereiro de 2020 Mariana - MG

Aconteceu na reunião MARCHA DO MAB EM DEFESA DOS(AS) ATINGIDOS(AS) DE BRUMADINHO 20 a 25 de janeiro

O Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) percorreu mais de 300 quilômetros pela bacia do Rio Paraopeba, passando por Belo Horizonte, Mário Campos, Betim, Juatuba, São Joaquim das Bicas, Pará de Minas, São José da Varginha, Fortuna de Minas, Maravilhas, Pompéu e chegando, por fim, em Brumadinho. A marcha teve como intuito protestar contra os crimes da Vale, sobretudo o rompimento da barragem B1, em 25 de janeiro de 2019. Na ocasião, estiveram presentes atingidos(as) e militantes de todo o Brasil. Rafaela Rodrigues (militante do MAB na região do Vale do Aço): Somos todos atingidos pela mesma empresa criminosa, e ninguém foi preso por esses dois crimes. Eles seguem impunes e essa marcha fortalece a importância de nós, atingidos, seguirmos unidos e de ninguém soltar a mão de ninguém e seguir exigindo justiça”.

ATINGIDOS (AS) DE MARIANA PARTICIPAM DE ATO EM BRUMADINHO 25 de janeiro, Brumadinho

Em solidariedade aos familiares das vítimas do rompimento da barragem B1, da Vale, no Córrego do Feijão, um grupo de atingidos(as) de Mariana marcou presença no ato em Brumadinho. Cristiano Sales (morador de Bento Rodrigues): A gente reuniu nosso grupo, o Loucos pelo Bento, e pensamos em vir juntar, para dar força para eles também, porque a luta é muito grande. Não vamos medir esforços, vamos ficar junto com eles pra dar essa força, que eles realmente precisam. E, nesse dia, não é uma festa, a gente veio fazer força com eles, porque a gente passou por isso lá primeiro. A luta não acabou. A empresa enrola, enrola, enrola e eles estão passando tudo o que a gente está passando lá em Bento. E vão continuar, porque, agora, aqui, tá só começando e lá também não terminou ainda. Começou outro clima, que tá cada vez pior pra gente. É relevante a gente vir ver, é a primeira vez que eu venho em Brumadinho e é realmente muito triste, volta tudo o que a gente passou, a gente tá sentindo isso aqui de novo.

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1º ROMARIA ARQUIDIOCESANA PELA ECOLOGIA INTEGRAL A BRUMADINHO 25 de janeiro, Brumadinho

A Arquidiocese de Belo Horizonte promoveu a Primeira Romaria Arquidiocesana pela Ecologia Integral a Brumadinho. A caminhada reflete sobre o marco de um ano do crime ambiental provocado pelos rejeitos da barragem da Vale. Maria Aparecida de Sousa (moradora de Belo Horizonte): Sou da Arquidiocese de Belo Horizonte, da Paróquia de Santo Antônio, em Venda Nova. É a primeira romaria que a Arquidiocese está promovendo, buscando uma maior integração da ecologia, do cuidado com a vida e, em especial, aqui em Brumadinho, mostrar a solidarização com essas pessoas. A igreja do povo de Deus é a igreja do oprimido, é a igreja daquele que sofre e, quanto mais estamos unidos a Cristo, estamos mais próximos dos sofredores. Sobretudo, também, é um momento de denúncia, em que estamos dizendo que nós não concordamos com tudo o que aconteceu, que apoiamos as famílias e eu, enquanto igreja e cristã, não aprovo o ocorrido. Afirmamos também que isso é um crime, um crime contra a vida e contra a natureza.

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EXPEDIENTE Realização: Atingidos(as) pela Barragem de Fundão, Arquidiocese de Mariana | Conselho Editorial: Expedito Lucas da Silva (Kaé), Genival Pascoal, Letícia Oliveira, Pe. Geraldo Martins, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Simone Maria da Silva | Editores-chefe: Genival Pascoal e Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Jornalista Responsável: Wigde Arcangelo | Diagramação: Júlia Militão | Reportagem e Fotografia: Genival Pascoal, Joice Valverde, Júlia Militão, Juliana Carvalho, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Simone Maria da Silva | Apoio: Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) | Revisão: Elodia Lebourg | Impressão: Sempre Editora | Foto de capa: Joice Valverde | Tiragem: 3.000 exemplares | Fonte de recurso: Termo de Ajustamento de Conduta entre Arquidiocesse de Mariana e Ministério Público de Minas Gerais (1ª Promotoria de Justiça de Mariana).


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APARASIRENE NÃO ESQUECER Foto: JOICE VALVERDE

Papo de Cumadres: Opinião:

quatro anos em Fundão, um ano no Córrego do Feijão.

Consebida e Clemilda, estão entristecidas ao lembrar que já são quatro anos do rompimento da barragem da Samarco em Fundão e um ano do rompimento da barragem da Vale em Córrego do Feijão. Por Sérgio Papagaio

- Cumadre clemilda eu tô muito aburicida com as coisas desta vida. - Desimbucha cumade, não me esconda nada e me conte toda veldade, o que ta te aperianu? vá logu me contanu. -Eu tava aqui nu meu cantu pensanu já se passaru quatru anu que a barrage da Samarcu foi istoranu e nois até hoje tamu sofrenu u danu. - Cumade quando eu pensu que as coisa tá mioranu eu veju us trem tudu pioranu, oia u que eu tô te falanu, ês num tá paguanu e acha ruim dus atingidu ficá cobranu. - Istu que eu tava pensanu disseram que não tão trabalhandu porque tem atingidu manifestanu, u que tem de erradu na manifestação se ela é prevista na constituição. - Cumade ês num qué é paga e fica botanu a curpa nu pessoa que ta inu lá cobrá. - Cumadre este caminhu que nois tá passanu nestes quatru anu eu pessu a Deus que u povo de brumadinhu num teja passanu. - Cumade sê vai me discurpanu u crime de fundão é u mesmu crime du corregu feijão lá morreru muito mais ser humanu aqui u danu foi maior nu ambiente mas também morreu gente. - Então cumadre u maior crime dus home é u dinheiru, por riqueza e poder aliadas da corrupção os home se apareia com u cão sem se percupá com a vida das população.

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Direito de entender:

A terra prometida

Por Guilherme de Sá Meneghin, Promotor de Justiça

Uma inquietação é constante entre os atingidos: será que as novas casas nos reassentamentos coletivos, familiares e nas reconstruções ficarão prontas neste ano? Os últimos quatro anos, desde o rompimento da barragem da Samarco, Vale e BHP Billiton, têm sido marcados pela espera, mas também pela luta. No ano passado, foram realizadas nove reuniões do Grupo de Trabalho (GT) Interdisciplinar/Moradia e cinco audiências judiciais na Comarca de Mariana, além de reuniões das comissões e das comunidades para tratar da reparação do direito à moradia. Começamos 2019 com uma importante vitória, pois, em fevereiro, a juíza titular da 2ª Vara da Comarca de Mariana, responsável pelo processo n. 0400.17.004149-7, fixou o dia 27 de agosto de 2020 como prazo final para a conclusão dos reassentamentos e das reconstruções, sob pena de multa diária de 1 milhão de reais em caso de atraso. Entretanto, as empresas recorreram da decisão, sob uma série de argumentos, tais como dificuldades enfrentadas na aquisição e regularização dos terrenos que receberão os reassentamentos, mudanças nos projetos urbanísticos para atendimento à legislação, lentidão das decisões para observar a participação dos atingidos, entre outros motivos. É de se observar que todas essas razões já eram conhecidas ou, no mínimo, possíveis de se vislumbrar, como os prazos para obtenção dos licenciamentos ambientais, quando a própria Fundação Renova passou a divulgar, nos meios de comunicação e até para a própria Comissão de Atingidos, o prazo final dos reassentamentos para março de 2019. Nos bastidores, longe dos holofotes da imprensa, a história é outra: durante as audiências judiciais realizadas em 2019, após as empresas recorrerem da decisão, percebemos seus esforços em postergar o prazo final para a entrega das casas. Na audiência realizada na data de 17 de setembro de 2019, a contraproposta apresentada pelas empresas, em troca da desistência do recurso e redução da multa para 100 mil reais, foi de entregar as casas de Bento Rodrigues até 21 de dezembro de 2020, enquanto, para Paracatu de Baixo, o prazo final seria 5 de junho de 2021. Já para os reassentamentos familiares, a entrega estaria garantida até 27 de agosto de 2020. Em respeito à decisão dos atingidos, o Ministério Público rejeitou a proposta. Diante da ausência de acordo, em 7 de janeiro de 2020, a juíza titular proferiu nova decisão, acolhendo parcialmente o recurso das empresas. De tal forma, a multa fixada inicialmente foi mantida, porém houve mudança quanto ao prazo: a Fundação Renova terá até 27 de fevereiro de 2021 para a conclusão de todas as obras. Entre os fundamentos da nova decisão constam alterações no projeto da Estação de Tratamento de Água e Esgoto do reassentamento de Bento Rodrigues, os pleitos apresentados em audiência para realocação e readequação dos terrenos de atingidos que estão recebendo imóveis com características inferiores ao original e a emissão do Documento Autorizativo de Intervenção Ambiental, expedido pelo Estado somente em 18 de junho de 2019. Não obstante tenhamos iniciado 2020 com um revés judicial, a esperança de que os atingidos, em breve, estarão em suas casas permanece. Decerto, o Ministério Público recorreu da decisão da juíza, o que reforça, assim, o comprometimento com a transparência em sua atuação na defesa incondicional da reparação integral dos direitos violados com o rompimento da Barragem de Fundão. Caminhamos lado a lado, ao longo desses quatro anos, com as vítimas de Mariana que, embora tenham perdido suas casas, não perderam a fé.


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Dia 25 não vai passar

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foto: Júlia Militão

O crime se repetiu e parece se repetir todos os dias na vida dos(as) atingidos(as) pelas barragens das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton do Brasil. No dia 25 de janeiro de 2019, mais uma barragem da mineradora Vale se rompeu. Dessa vez, o rejeito tirou a vida de 272 pessoas. Funcionários(as), pais, mães, avôs(ós), filhos(as), netos(as), duas crianças que não chegaram sequer a sair do ventre de suas mães. Cada pessoa individualiza esse sofrimento coletivo de uma forma, como é o caso do Sebastião. Um ano depois, ele ainda sai de sua casa e caminha até a cena criminosa que estampou os jornais em janeiro passado. Preocupado com um novo rompimento, quando ouve algum barulho alto, vai até o local onde está o restante da barragem B1. Observa, apreensivo, o amontoado de rejeito que pode, a qualquer momento, promover mais um rastro de morte e destruição. Sebastião representa o que há de mais perturbador na vida dos(as) atingidos(as): o medo e a desesperança de quem vive próximo às barragens em Minas Gerais.

Por Cristiano Sales, Eliana Marques, Geraldo Eugenio de Assis, Gleidson Alves, Lucia Maria de Jesus, Maria Conceição de Jesus, Maria Moura, Maurício Fernandes Reis, Odeite Lana Costa, Reginaldo de Almeida, Reinaldo Fernandes, Rose Fontes, Rubens Amaral, Sebastião Felício Camelo, Thauam Teófilo Virlane Ferreira, Wilson Francelino Caetano Com o apoio de Joice Valverde, Júlia Militão, Juliana Carvalho, Sergio Papagaio e Wigde Arcangelo


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fotos: Joice Valverde

O dia. No dia 25 de janeiro de 2019, às 12h40, começamos a receber muitas perguntas sobre o rompimento da barragem. Não acreditamos, mas começou a passar nos noticiários confirmando. Vídeos foram mostrados do mar de rejeito correndo sobre o asfalto, pessoas sendo arrastadas, uma confusão. E eu, sem acreditar nas imagens, procurava por notícias. Tinha uma amiga que trabalhava na cozinha do refeitório, amigos motoristas, vizinha que tinha começado a trabalhar no escritório há pouco tempo. O resto da sextafeira foi de imagens de resgates, exibidas várias vezes em todas as emissoras. A noite chegava, a madrugada passava e não conseguíamos comer nem dormir, parecia que estávamos em um pesadelo. Refeitório em horário de almoço, escritório debaixo da barragem, só poderia ser uma tragédia anunciada… Rose Fontes, moradora de Brumadinho Aqui no restaurante estava cheio de gente. A cidade normal, todo mundo trabalhando. Estava sol, um dia quente. Uma mãe em prantos passou por aqui. Ela só gritava: “a barragem da Vale rompeu!”. Eu estava dentro do balcão e saí para acolher essa mãe. Logo em seguida, atravessei a ponte e fui até o supermercado e, na hora que eu cheguei lá, o gerente do supermercado, que já é antigo da cidade, não falou uma palavra, ele só abaixou a cabeça como quem diz: “é verdade”. Nesse instante, já começou uma movimentação de carro, de sirene e a polícia pedindo pra evacuar o centro. Eu pedi a todos que estavam no restaurante para saírem do estabelecimento. Simplesmente fechei. Deixei tudo do jeito que tava. Maria Moura, moradora de Brumadinho


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Atuo como voluntário do grupo de resgate Anjos do Asfalto Minas Gerais. Quando aconteceu o rompimento, nós chegamos aqui à noite. Ficamos das 20h até às 2h, mais ou menos, tentando fazer alguma coisa. Mas, naquele primeiro momento, era impossível. Nos demais dias, viemos todos buscar as pessoas, principalmente à noite, varando a madrugada. Consegui ajudar a resgatar alguns animais vivos. Geraldo Eugenio de Assis, morador de Betim

inundadas. O carro anunciava: “atenção, isto não é treinamento, aviso de rompimento de barragem”. Pessoas histéricas nas ruas, aos gritos, muitos abalados psicologicamente por estarem com entes queridos desaparecidos e, ainda por cima, começaram o domingo com um susto desse, para, um tempo depois, dizerem que foi uma mensagem de erro, que a B6 não havia estourado. Rose Fontes, moradora de Brumadinho

Quem era profissional da Saúde conseguia ultrapassar a barreira, que era atravessar o baixo do pontilhão pra ficar de prontidão na UPA, em caso de chegar alguns feridos, coisa que não chegou. No dia, eu vi só lama, era um fedor insuportável. Esse cheiro continua até hoje. É um cheiro de terra podre misturada com óleo, misturada com mato... E a lama é dura, ela não é líquida. A consistência dela é de cimento. Eu estava pesando, na época, 70 quilos e andei quase uns dois metros, eu não afundava. Nem a marca do meu tênis ficava. Maria Moura, moradora de Brumadinho

No dia que arrebentou a barragem, eu estava trabalhando, meu marido tava em casa. Ele foi atrás de mim e passou por uma estrada e eu por outra. Então, quando eu cheguei, achei o portão trancado e não tinha onde entrar, fiquei “zanzando” por aí, falando que não sabia onde ele estava e o que fazia. Olhava pra lá e parecia que tinha fogo, os helicópteros tudo passando por cima aqui. No domingo, às 5 horas da manhã, a sirene tocou, era pra sair todo mundo da residência, porque a barragem estava estourando. Cinco horas da manhã, nós sem energia e sem nada. Eu estava deitada, escutei a sirene tocando. Levantei, vim na varanda, no escuro, e escutei a vizinha falar que era pra sair da residência que a barragem estava estourando. E nós subimos correndo, no escuro, de madrugada. Aí fomos lá na casa do apoio e ficamos o dia todo, não arrebentou nada e nós voltamos pra casa à noite. Ficamos sem energia e sem água por oito dias. Odeite Lana Costa, moradora de Córrego do Feijão

Na madrugada de sábado para domingo, às 5h30, as sirenes soaram e um carro da Defesa Civil anunciava a retirada dos moradores do bairro Canto do Rio e da parte mais baixa do meu bairro, o São Conrado, para que evacuassem as suas casas, pois a barragem B6 também havia se rompido e as partes baixas desses bairros seriam


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Foto: Joice Valverde

Foto: Júlia Militão

Nós estávamos no sítio e lá é uma distância longa do rio. Quando meu irmão chegou e falou, eu ainda falei com ele assim: “ô, Geraldo, não fala isso não. Deus que defenda”, porque ele é muito brincalhão. Aí ele parou e falou comigo assim: “não, é verdade, aconteceu isso lá na Vale”. E, com pouco, meu genro sobe correndo na beira do rio e gritou à esposa dele: “tira os meninos da piscina e sobe lá pra cima, que a barragem da Vale estourou”. Aí, aquele corre-corre, os meninos assim: “mas por quê? Nós não viemos pra ficar?”. Mas nós não podíamos falar o que tinha acontecido, porque criança, né? Foi aquela correria, a gente não morreu de sufoco, porque Deus é pai, porque, senão, nós tínhamos morrido de sufoco e de angústia. Maria Conceição de Jesus, moradora de Brumadinho A reação que eu tive quando aconteceu em Brumadinho foi ficar indignado. Porque aconteceu em Mariana, a gente sempre falava que ia acontecer de novo e realmente aconteceu. Mesmo assim, eles não estão tomando as devidas providências, então, quer dizer que lucro e o dinheiro valem mais do que a própria justiça, hoje, que é o que nós estamos passando lá em Mariana também. Cristiano Sales, morador de Bento Rodrigues


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As perdas. Eu perdi meu filho e meu sobrinho. O que eu tenho pra falar é que os que mataram a família da gente, que paguem pelo que fizeram, que eu acho que é o certo, porque eles não vão devolver eles pra nós. Eu acho que o que eles fizeram, sabendo que ia acontecer, aquilo é uma covardia muito grande com a família da gente. Eles acharam que iam tirar a vida só de 270 seres humanos? Não, eles tiraram a vida de muitos pais de família, muitas mães de família e muitos filhos. Meu filho e meu sobrinho [Francis e Luís Paulo] eram mecânicos, prestavam serviço para a empresa. Os dois tinham 31 anos. Wilson Francelino Caetano, morador de Pará de Minas Eu sou cunhado do Samuel, que era técnico de Segurança de Trabalho, trabalhava na Vale. Ele era uma pessoa muito bacana, muito trabalhadora, começou a trabalhar na Vale há uns 12 anos. Ele deixou duas crianças, uma moça de 13 anos e um menino de seis. Na medida do possível, nossos familiares têm apoiado a esposa dele. E tem a saudade, a falta que nos faz todo dia. Principalmente, o filho do Samuel, que sente muita falta dele. A gente fica, até hoje, se perguntando o que o Ministério Público tem feito, o que a justiça do nosso país tem feito. Até agora, a gente não viu nada, ninguém foi penalizado e nem responsabilizado. Tanto aqui em Brumadinho, como no Fundão também, a gente vê que não teve nada. Esperamos de Deus a justiça, porque, no Brasil, infelizmente, ela é muito tardia. Reginaldo de Almeida, morador de Ibirité

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Fotos: Júlia Militão


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Fotos: Joice Valverde

Gleidson mostra tatuagem feita em homenagem a Ramon Júnior.

Meu primo [Ramon Júnior] tinha 34 anos. No 25 de janeiro, ele estava comemorando o aniversário da filha dele. Era pra comemorar. Deixou uma criança de cinco anos. A gente já relembra isso todo dia, aí chega essas datas assim e a dor parece que vem maior. Foi um inferno aqui na cidade, no horário que rompeu lá em cima. E a única coisa que a gente quer é justiça. Já faz um ano e ninguém foi preso. Não te dão uma resposta de nada. Ninguém é culpado. Então é um ano de impunidade. Brumadinho é uma cidade pequena, em que todo mundo conhece todo mundo. Então, se você vai ao supermercado, você sempre vê aquele rosto, sempre lembra daquela pessoa e, hoje, você vê um parente e fala assim: “poxa, aquele ali perdeu alguém”. E a nossa vida, hoje, é isso. Gleidson Alves, morador de Brumadinho Perdi o meu irmão, Alaercio Ferreira, que trabalhava na Vale, no crime de Brumadinho. É angustiante a impunidade, não ter uma resposta da justiça e ver que as 16 pessoas que foram denunciadas ainda estão impunes. Causa uma angústia, uma revolta. A gente já tá com a dor de quem perdeu e, vendo essa impunidade, é muito triste mesmo. A gente busca por justiça. Não vamos desistir. É angustiante saber que a Vale, por toda a ganância de dinheiro, de desespero de produção, se tiver que matar mais pessoas, ela vai matar. Meu irmão era supervisor de infraestrutura da Vale há 15 anos, mas tinha por volta de uns oito meses que ele tinha aceitado essa proposta de ir para Brumadinho. Amava o que fazia, ele deu a vida pelo que gostava. O nome do meu irmão demorou uns três dias para ir pra lista de desaparecidos. A gente ligava insistindo pra colocar, porque ele estava trabalhando. A Vale sempre achou que tudo é dinheiro, tudo é regido em dinheiro, que a indenização que ela deu para as famílias tava de bom tamanho. Ela continua achando que as pessoas não têm sentimento, que elas não têm amor. A gente trocaria tudo pra ter o irmão da gente de volta. Virlane Ferreira, moradora de Itabirito O meu sobrinho [Walaci Junhior] é uma pessoa que a gente ajudou a criar. Ele era terceirizado da Vale. Agora, ele tá com Deus, melhor do que nós, mas o que queríamos mesmo era ele continuar trabalhando igual trabalhava e não acontecesse isso. E foi muita gente. Na minha rua, morreu um tantão pessoas. Mas o que a gente pede é justiça, tanto faz aqui pra Brumadinho como pra Mariana. Maria Conceição de Jesus, moradora de Brumadinho


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Sou irmão da Gislene Amaral, que eles levaram. Acho que foi uma coisa premeditada. Uma coisa que estava anunciada e, por contenção de despesas, pela ganância, acabou levando um monte de gente inocente, infelizmente. Em um caso desse aqui, a justiça, se for feita, vai trazer a minha irmã de volta? Vai trazer quem morreu de volta? Minha irmã foi embora. Nenhuma justiça, nenhum dinheiro vão trazer ela de volta. E não é só minha irmã, não, um monte de amigos meus que se foram. A minha dor não é só pela minha irmã, é por todo mundo. Rubens Amaral, morador de Mário Campos

Foto: Arquivo pessoal de Reinaldo Fernandes

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Foto: Joice Valverde

Mudanças. Perdi muita coisa, perdi as coisas de geladeira, perdi meus “trem” tudo, comida, planta, galinha, porque não podia mexer com nada, que tava contaminado. Na época que arrebentou, tinha milho, mas a gente não podia comer nem os milhos. Depois de uns quatro meses, a Defesa Civil esteve aqui e falou que a gente podia comer. Mas a minha horta não presta, não sai nada. Antes dava. Dava couve, alface, cebola… Agora, você não vê ninguém aqui, até o armazém fechou. Nessa rua aqui, quase todo mundo saiu, tá morando de aluguel, tá morando só eu aqui, a vizinha e uma outra, em cima. Muita gente saiu. É ruim ficar sem vizinho. Eu não quis sair não, porque aqui tem criação, como é que eu saio? Odeite Lana Costa, moradora de Córrego do Feijão Mudou muita coisa. Eu diria que uma coisa que mudou, pra quem era mais atento às questões políticas e econômicas da cidade, foi essa ideia de que nós precisamos sair da minério-dependência. Outra coisa que mudou é que ficou uma cidade triste. Ficou barulhenta, tráfego intenso, engarrafamento, poeira... Temos dificuldade de alugar uma casa, de alugar um barraco. A perspectiva de futuro também mudou, a pergunta que está na cabeça de muitas pessoas é: o que que vai ser de nós? Mudou muito também aquela ideia de que a Vale era uma deusa, apesar do esforço dela de continuar. Parece que as pessoas, hoje, percebem mais claramente que a Vale não é isso. Reinaldo Fernandes, morador de Brumadinho


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Fotos: arquivo pessoal de Maurício Fernandes Reis

Foto: Juliana Carvalho

O rompimento da barragem afetou muito os nossos negócios, porque a gente trabalha com compra e venda de animais, eu sou agropecuarista e agricultor. Perdemos plantações de mandioca, bananeiras, horta. Trabalhávamos nas margens do Rio Paraopeba, no Pires, e a gente não pôde mais consumir os produtos que plantava, por estar em área de contaminação. E também perdemos na questão da venda do gado, dos porcos, galinha, a gente não pode mais vender, porque o pessoal ficou com medo de contaminação. Perdemos ali três cachorros porque teve contato com a água e perdemos várias galinhas também, que beberam a água do rio. Maurício Fernandes Reis, morador de Pires Eu tinha um lava jato no centro de Brumadinho próximo ao ponto de ônibus da Vale, onde eu convivia com vários funcionários da empresa, que paravam no meu lava jato para conversar e ou deixar o carro para lavar. Assim estabeleceu ao longo do tempo uma relação de amizade e companheirismo entre nós. Thauam Teófilo, morador de Brumadinho Eu sou pescadora, minha família também. Meu marido, meu filho e nós pescamos num local chamado Paraíso, que é um braço da represa de Três Marias, que fica no fundo da cidade de Felixlândia. Nesse um ano, eu não consegui voltar mais a pescar. Desde que a Vale entrou no território, nós perdemos todos os clientes que tínhamos. A gente não consegue mais vender o peixe dentro do território. Eu não consigo mais manter a minha atividade. Foi um ano muito difícil pra gente. Dentro da nossa casa, de uma família de cinco moradores, a Vale só reconheceu eu como moradora, porque tinha uma conta de água no meu nome. Os outros, que não têm nada no nome deles, ela não reconheceu, nem meu marido, nem filho, nem neto, ninguém. Eliana Marques, moradora de Cachoeira do Choro


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Fotos: Joice Valverde

Hoje. Hoje de manhã cedo, a gente escutou um barulho e pensou: “olha lá, a barragem tá arrebentando”. Eu fui olhar. Isso assusta. Hoje em dia, eu durmo é pouco, durmo menos. Sebastião Felício Camelo, morador de Córrego do Feijão Quando a gente fala que é de Brumadinho, o pessoal não tem interesse mais [nas mercadorias]. Isso é muito triste porque antes do rompimento da barragem a vida era tranquila. A gente não conseguia ficar com a criação uma semana no pasto. Comprava na mesma semana e vendia, então gerava dinheiro. E hoje não está gerando mais, porque a gente custa vender um bezerro sequer. A gente vende pra conhecido e com preço muito baixo. Então, eu não sei daqui pra frente o que é que vai ser de nós, essa é a minha indignação. Tudo que a gente vem passando com a Vale… eles, infelizmente, negam o atendimento. Eles negam um auxílio para os agricultores. Eles não estão nem aí. Maurício Fernandes Reis, morador de Pires Aqui, na cidade, todo mundo recebeu o auxílio emergencial até dezembro, aí, a partir de janeiro, já é cinquenta por cento do auxílio. Na verdade, esse auxílio emergencial é um “cala boca” para a população. Muita gente se calou. Só que o salário não paga a vida de ninguém. A gente convive com essa dor todo dia, na hora que você sai de casa, na hora que você acorda, na hora que vai deitar. Gleidson Alves, morador de Brumadinho

Mas nós vamos brigar e vai ter justiça, sim! Pra assassina da Vale vai ter justiça, sim! Se Deus quiser, eles vão pagar. Sou irmã da mãe do Walaci. É muita tristeza, muita falta. Eles estão tentando, com esse salário, que agora começou a diminuir, mas o salário não paga não, porque a gente vivia sem salário da Vale, a gente vivia com o nosso salário do mês. Mas eles não vão calar nossa boca. As pessoas estão adoecendo, dia a dia, a cada hora que passa, a cada dia que passa, a cidade vai adoecendo, vai morrendo. Nosso coração vai secando, é muita dor. A gente tem a dor de ter perdido o meu sobrinho, a dor de ver a minha irmã sofrendo, e eles nada. Ninguém está fazendo mais nada. Lucia Maria de Jesus, moradora de Brumadinho Nós temos um poço artesiano da Copasa que fica há menos de dez metros do rio. Quando o rio tá cheio, chega a invadir a casinha do poço, e a Vale se nega a dar uma água segura para a comunidade. Temos sofrido muito, poucas pessoas recebem ração para animal e a água para molhar as plantas. Na minha casa mesmo, ela dá a caixa d’água e dá a água para molhar as plantas, mas se nega a dar água segura, pra gente, pro ser humano. A gente tem que comprar água mineral pra fazer comida e tudo. Mas continuamos usando esse poço para outros afazeres, banho, lavar vasilha, lavar roupa, trazendo também riscos para nossa saúde e para a saúde de toda a comunidade. Eliana Marques, moradora de Cachoeira do Choro

Foto: Juliana Carvalho


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Direito à moradia: os desmandos da Fundação Renova Por Caromi Oseas e Ellen Barros

A novidade de 2020 é que o prazo para a entrega dos reassentamentos foi revisto mais uma vez. A juíza Marcela Decat fixou a data limite de 27 de fevereiro de 2021 para que as famílias atingidas de Mariana recebam as chaves de suas moradias definitivas. Antes disso, porém, o primeiro prazo, apresentado pela própria Fundação Renova, foi março de 2019 e o segundo, determinado pela justiça, foi 27 de agosto de 2020. Se as empresas rés descumprirem o novo prazo, a multa será de 1 milhão de reais por dia de atraso. Já são mais de quatro anos de negociações entre as comunidades atingidas e as mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton. Nesse cenário, a parte mais interessada na conclusão das obras dos reassentamentos e na compra dos imóveis são as famílias. No entanto, a juíza aceitou a reclamação das empresas, que colocaram a culpa dos atrasos nas vítimas, na Assessoria Técnica e no Ministério Público. Ao longo desse processo, fica cada vez mais evidente que as únicas responsáveis pelos atrasos são as mineradoras e a Fundação que as representa. Mostra disso é que, mesmo com a promessa de entregar os reassentamentos em março de 2019, apenas em 2018, a Renova terminou de comprar os terrenos destinados ao reassentamento de Paracatu de Baixo, ou seja, um ano depois da compra dos terrenos de Bento Rodrigues. Outro exemplo são as diretrizes de reassentamento que, mesmo tendo sido acordadas em audiências entre fevereiro e agosto de 2018, foram aceitas pela Renova só no final de 2019, que se comprometeu a arrumar os projetos. Essa readequação dos lotes, porém, ainda não saiu do papel. A inclusão e o reassentamento de novos núcleos familiares, cedidos, meeiros e a situação de quem estava construindo sua casa no dia do rompimento também são direitos conquistados nas diretrizes. Contudo, a Renova, até agora, não iniciou o atendimento da maioria dessas famílias atingidas, então, por que seria delas a culpa pelo atraso? Qualquer regra não acordada não pode ser aplicada Os casos de reassentamento familiar atestam ainda mais a culpa da Renova nos atrasos. Foi a Fundação que apresentou, para as famílias da zona rural, o prazo máximo de seis meses para realizar

Foto: Ellen Barros

todos os estudos necessários e as negociações de compra e venda das novas moradias. No entanto, ainda hoje, muitas famílias estão aguardando a conclusão do atendimento e reclamam que a Renova dificulta, enrola e nega direitos. A Renova quer, ainda, obrigar as famílias atingidas a aceitarem uma regra de conversão que ela mesma criou, que não foi acordada e que não teve autorização da juíza. Assim, quem tinha até 10 hectares (100.000 m²) de terra na zona rural e quer mudar para a cidade teria de aceitar um imóvel de, no máximo, 360m². O que, efetivamente, foi acordado é que a restituição, devolução do bem, tem de ser igual ou melhor ao de origem e que a família tem o poder de decisão final. São as empresas que devem arcar com os prejuízos causados pelos erros da Fundação Renova, e não as pessoas que foram atingidas pelo rompimento da Barragem de Fundão. Além disso, ninguém é obrigado a aceitar algo insuficiente. Por que é sempre a família que tem de ceder e aceitar menos do que tem direito? O reconhecimento do direito à moradia dos atingidos continua a ser um desafio. Na Ação Civil Pública foi acordado que deslocamento compulsório, inabitabilidade do imóvel, isolamento comunitário e impossibilidade de manutenção dos métodos tradicionais de produção dão direito à pessoa a ser reassentada. No entanto, a Fundação deixa muitas famílias sem resposta, sem atendimento e sem os cuidados devidos. Se você se enquadra em uma dessas situações e a Renova se nega a te atender, ela está descumprindo um acordo judicial, procure a Assessoria Técnica. O telefone do Plantão da Cáritas é 3557-4382.


APARASIRENE NÃO ESQUECER

Fevereiro de 2020 Mariana - MG

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Entrega do projeto do reassentamento de Gesteira Por Talita Lessa Melo - Arquiteta e urbanista– Assessoria Técnica de Barra Longa

As mineradoras e a Fundação Renova negligenciam o direito dos(as) atingidos(as) da comunidade de Gesteira, em Barra Longa, desde o momento do rompimento da barragem da Samarco, Vale e BHP Billiton em 2015. Logo após o rompimento, desalojados de sua casa, estes(as) atingidos(as) foram levados para moradias temporárias em lugares distantes uns dos outros, como Mariana, Barra Loga (sede) e Mutirão, fato que dificultou a comunicação entre a comunidade de Gesteira e desarticulou a comunidade em todos os sentidos inclusive o da convivência diária de vizinhança. Posteriormente a este momento, em um processo liderado pela Samarco, sem contar com a participação da comunidade, aconteceu uma apresentação em Gesteira de um “master plan” (nestes termos), que trazia duas opções de terreno para o reassentamento. Apresentação esta que utilizou uma linguagem extremamente técnica e difícil para os(as) atingidos(as). Porém, a própria Samarco apontou a inviabilidade das duas opções dos terrenos e ofereceu como alternativa ao reassentamento o PIM (Programa de Indenização Mediada). Depois disso, a comissão dos(as) atingidos(as) de Barra Longa, reivindicou a necessidade de uma Assessoria Técnica para auxiliar aos(às) atingidos(as) de Barra Longa no processo da reparação. Após um longo período de pressão e de negociações por parte da comissão e de seus parceiros - como o MAB, o MPF, o GEPSA, entre outros chegou ao território a equipe de Assessoria Técnica dos(as) atingidos(as), período em que a Fundação Renova estava em vias de apresentar outra alternativa de loteamento para o reassentamento de Gesteira. A Fundação Renova, negligenciando os princípios da reparação integral, que tem como um dos pilares a melhoria da qualidade de vida dos(as) atingidos(as), apresentou outra opção de reassentamento do mesmo tamanho da área que foi atingida pelo rejeito, fato que retroage ao parâmetro de vida anterior dos(as) atingidos(as), já que o terreno na baixada do rio, é composto por uma terra extremamente fértil, diferentemente do local do terreno escolhido para essa nova proposta que era localizado no morro, fator que

caracteriza uma baixa fertilidade do solo e impossibilitaria que os atingidos voltassem a ter as mesmas condições de produtividade já que a maioria dos(as) atingidos (as) eram pequenos produtores. Além disso, a proposta excluía famílias que tinham o direito ao reassentamento, segundo parâmetros já alcançados em lutas históricas na busca pelo direito ao reassentamento. Esse processo gerou uma insatisfação muito grande por parte da comunidade de Gesteira, que depois deste histórico, reivindicou que os(as) atingidos(as) fizessem uma proposta de reassentamento que seria adequada para a reparação integral da comunidade, com o auxílio técnico de sua Assessoria Técnica e do GEPSA. A partir daí, foi dado início ao processo de construção do Projeto Popular do Reassentamento de Gesteira, que só se tornou mais longo pela resistência da Fundação Renova em aceitar os parâmetros históricos garantidos por conquistas de reassentamentos anteriores no Brasil e do mundo. Essa resistência trouxe mais um desgaste físico e psicológico aos(às) atingidos(as), e se tornou outra forma de dano após a lama de rejeito passar e levar suas casas, histórias e vivências em comunidade. Mesmo assim, depois de muita persistência e de inúmeras assembleias, os(as) atingidos(as) de Gesteira e seus(suas) parceiros(as) conseguiram garantir um terreno que aumentou de 7 hectares (proposta oferecida pela Fundação Renova) para 40 hectares, ou seja, quase cinco vezes maior, e contemplando um número de famílias que aumentou de 20 para 37. Assim, após um ano de construção coletiva com toda a comunidade, com o GEPSA e com a Assessoria Técnica e após um período de realização de oficinas com os(as) atingidos(as), que trouxeram metodologias inclusivas e participativas para uma melhor compreensão da linguagem técnica que o projeto da arquitetura e do urbanismo trazem, foi apresentado e entregue o Projeto Popular do Reassentamento de Gesteira para a Fundação Renova, no dia 8 de janeiro de 2020. A alegria e a expectativa da comunidade é que, neste ano, esse processo se desenvolva e que os(as) atingidos(as) possam, finalmente, ter a esperança de terem sua comunidade e suas casas de volta.


EDITORIAL Neste mês de fevereiro, o Jornal A SIRENE completa quatro anos. Datas como essa costumam ser festivas, no entanto, o motivo do nosso nascimento é um infeliz crime cometido pela Samarco, pela Vale e pela BHP Billiton. É por isso que a continuidade da nossa existência deve ser marcada, pois o nosso projeto resiste e faz frente às narrativas das mineradoras, que, com o lucro de uma exploração irresponsável, pagam anúncios publicitários e matérias em jornais na tentativa de limpar suas imagens. Para essa edição, fomos até Brumadinho, nos atos de um ano de mais um crime da Vale, para entender as transformações ocorridas naquele território atingido. Na matéria especial, passamos por quatro temas: “O dia”, “As perdas”, “As mudanças” e “Hoje”. A partir deles, tentamos entender as semelhanças e as diferenças dos processos do crime em Mariana e em Brumadinho. Embora cada região tenha as suas questões específicas, há muito em comum na forma como as mineradoras atuam. Durante quatro anos, gritamos “para que não se repita”. Mas se repetiu. Assim, o Jornal A SIRENE se faz necessário para não se esquecer de Mariana e Brumadinho. Tampouco das cidades que vivem com o fantasma do medo de se tornarem vítimas de mais um crime. E nem da dependência financeira da mineração por parte de Minas Gerais, o que faz necessário uma maior vigilância da relação entre Estado e empresas. É essa a diferença do Jornal A SIRENE em relação a outros meios: nascemos com o intuito de sermos um veículo de comunicação dos(as) atingidos(as), feito para, por e pelos(as) atingidos(as). Nosso jornalismo é praticado lado a lado dos(as) atingidos(as). Refutamos as respostas protocolares das mineradoras, pois nosso convívio com as vítimas do crime apura que essas respostas funcionam como mera publicidade. Dessa forma, percebemos que o jornalismo tradicional deixa brechas na cobertura dos crimes cometidos pelas mineradoras. Assim, o jornalismo local e comunitário se faz necessário e precisa ser fortalecido.


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