A SIRENE
PARA NÃO ESQUECER | Ano 5 - Edição nº 47 - Março de 2020 | Distribuição gratuita
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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER
Março de 2020 Mariana - MG
Aconteceu na reunião ENCHENTES AMEAÇAM AGRAVAR CONTAMINAÇÃO Minas Gerais, 24 e 25 de janeiro
As intensas chuvas que assolam Minas Gerais desde o início de janeiro provocaram enchentes em várias localidades do Estado. Somadas ao crime das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton, cometidos em 2015 e 2019, as enchentes acabaram por causar o transbordamento do rio Doce e do rio Paraopeba. A preocupação é que a contaminação por metais pesados seja ainda maior diante dessa nova remessa de rejeitos que está sendo levada às margens dos rios, onde pessoas e residências foram atingidas. O Jornal A SIRENE reforça que, embora a chuva seja uma causa natural, a contenção de danos pelo rejeito é de responsabilidade das mineradoras que o despejaram nas regiões de forma criminosa.
AUDIÊNCIA PÚBLICA DISCUTE A SITUAÇÃO DA BARRAGEM DE DOUTOR Antônio Pereira, 27 de fevereiro
A comunidade de Antônio Pereira, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e funcionários da Vale se reuniram em uma audiência para debater o descomissionamento e a descaracterização da barragem de Doutor, localizada no complexo da Mina de Timbopeba. A barragem encontra-se no nível 1 de alerta, ou seja, não apresenta risco iminente, segundo a Vale, porém o processo de descomissionamento pode desencadear o rompimento. Diante desse impasse, o que se sabe é que, se a descaracterização for, de fato, realizada, cerca de 200 pessoas serão removidas de suas residências e transferidas, em um primeiro momento, para hotéis, pois essa remoção seria definitiva. Os(As) moradores(as) do distrito entregaram ao MPMG um abaixo assinado com 49 pontos que são essenciais para a comunidade.
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NOTA DE PESAR
É com grande pesar que nós, do Jornal A SIRENE, e membros das comunidades atingidas lamentamos, neste mês, o falecimento de Izolina Isaías, moradora de Paracatu de Baixo, e de Marcus Vinícius de Oliveira Silva, morador de Bento Rodrigues. Prestamos, respeitosamente, nossos sentimentos aos(às) familiares e aos(às) amigos(as). Que Deus conforte o coração de cada um e dê forças para atravessar esse momento de luto e dor.
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EXPEDIENTE Realização: Atingidos(as) pela Barragem de Fundão, Arquidiocese de Mariana | Conselho Editorial: Expedito Lucas da Silva (Kaé), Genival Pascoal, Letícia Oliveira, Pe. Geraldo Martins, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Simone Maria da Silva | Editores-chefe: Genival Pascoal e Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Jornalista Responsável: Wigde Arcangelo | Diagramação: Júlia Militão | Reportagem e Fotografia: Joice Valverde, Júlia Militão, Juliana Carvalho, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Simone Maria da Silva | Apoio: Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) | Revisão: Elodia Lebourg | Impressão: Sempre Editora | Foto de capa: Juliana Carvalho | Tiragem: 3.000 exemplares | Fonte de recurso: Termo de Ajustamento de Conduta entre Arquidiocesse de Mariana e Ministério Público de Minas Gerais (1ª Promotoria de Justiça de Mariana).
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Foto: JOICE VALVERDE
Papo de Cumadres: Opinião:
Judicialização
Consebida e clemilda estão confusas com a tal judicialização, proposta pelo Governo do Estado mineiro a revelia, e endossado pela defensoria. Por Sérgio Papagaio
- Cumadre Clemilda, minha amiga du coração ocê sabe u que è essa tar judicialização? - É uma coisa que vem de cima, iguar quandu u Brasil começô, é a historia contada pelo opressô. - U istadu das Minas Gerais foi inventadu pelus garrimpeirus gente de pele iscura trazidos lá da África, mais u ouru sempre ficô com u povo brancu, que us negrus iscravizô, agora u guvernu e a denfessoria, rasgô nossa alforria. - Cume que è, quandu issu comessô? - Balançaru a áuvore da injustiça e todós os injustos que caíram usaram para resouver nosso casu. - Cumade que ceguera é esta da justiça, que nois que num sabe lê tem que desenhá pamode ês intendê? - É iguar um jogu de futibó, iscuta procê intendê, se u juiz é du time du ladu direitu du campu, u time du ladu isqueudu nunca vai vencê. - Eu vô te contá procê cumpriendê eu plantei doze vara de eucalipe na minha baxada, rompeu a barrage da Samarcu e a lama passou pela primeira, pela segunda, pela terça vara iscorreu até a décima segunda vara e eu num incontrei nu caminho nada que nus ampara. - Então essa tar judicialização é mais lama que vem lá da mineração, com o intuitu de cubri de barru u que sobrô desta sufrida população.
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Mariana - MG
Direito de Entender:
A centralidade do sofrimento da vítima o colapso chegou sem dizer palavra arrombando a porta quando fomos tentar consertar já era tarde muito tarde […] rio após rio após rio após rio mortos, arruinados das bacias hidrográficas apenas longos caminhos de sujeira e lama […] décadas e mais décadas de mineração predatória rejeitos contaminados arsênio alumínio manganês bário mercúrio chumbo cromo cádmio Fabiano Calixto (Memórias de um homem-bala)
O desastre-crime na bacia do rio Doce, tal como o colapso mencionado por Fabiano Calixto, também chegou sem dizer palavra às suas vítimas. Arrombou portas e também algumas vidas, algumas delas depois daquele 5 de novembro de 2015, que ainda não passou e que, até hoje, adoece e mata. As vítimas ocupam posição central no processo de reparação. Sem essa centralidade, não há verdadeira reparação. Isso se dá não apenas no âmbito interno. O mineiro Antônio Augusto Cançado Trindade, quando ainda era juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Servellón García e Outros versus Honduras, por exemplo, ponderou que, “por mais breves e efêmeras que tenham sido as vidas dos abandonados do mundo, e torturados e assassinados com brutalidade por seus semelhantes, ocupam estes, no entanto, como vítimas, uma posição central no Direito Internacional dos Direitos Humanos”. Atualmente na Corte Internacional de Justiça da Haia, esse grande magistrado, no caso Meninos de Rua, julgado pela Corte Interamericana, lembrou que “sentença (do latim sententia, derivada etimologicamente de ‘sentimento’) é algo mais que uma operação lógica enquadrada em limites jurídicos predeterminados”. Lamentavelmente, a brutalidade humana é causa de desastres e a insensibilidade de determinados atores do processo de reparação os perpetua e os renova na vida de suas vítimas. Sentir a dor das pessoas atingidas traz a possibilidade de fazer estancar o desastre que se encontra em curso na bacia do rio Doce. No caso do rio Doce, a centralidade das pessoas atingidas, como princípio norteador de todas as atividades e medidas adotadas, na perspectiva de se garantir o acesso à justiça e a participação efetiva das pessoas atingidas no processo de reparação integral dos danos sofridos e de garantia dos direitos de que são titulares, foi expressamente prevista – após longas rodadas de negociação – em um dos acordos (o Termo Aditivo ao TAP, de 16 de novembro de 2017) firmados pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais com as empresas Samarco, Vale e BHP Billiton. Apesar do enorme esforço dessas instituições, tal princípio ainda não foi aplicado na prática (as Assessorias Técnicas só saíram do papel em três territorialidades e a Fundação Renova e as empresas que a controlam não dialogam com as pessoas atingidas, para ficarmos em apenas dois exemplos). A previsão expressa, na legislação brasileira, do princípio da centralidade do sofrimento da vítima, facilitará a compreensão de critérios indispensáveis a uma reparação que se mostre eficaz, célere e integral. Por isso, é preciso buscar, com os parlamentares, a aprovação do projeto de lei 2.788/2019, que institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens – já aprovado pela Câmara dos Deputados e que, agora, tramita no Senado – e que dá a devida ênfase a esse princípio, essencial para que a reparação seja construída a partir da perspectiva dos titulares dos direitos violados.
Por Edmundo Antonio Dias Netto Junior Procurador regional substituto dos direitos do cidadão do Ministério Público Federal em Minas Gerais e membro das forças-tarefa Rio Doce e Brumadinho
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Vitória dos(as) atingidos(as) em defesa da Matriz de Danos Por Franciene Vasconcelos e Ellen Barros
Foto: Juliana Carvalho
Em decisão unânime, a justiça mineira reconhece o direito dos(as) atingidos(as) pela barragem de Fundão a terem a própria Matriz de Danos. Trata-se de um instrumento que visa valorar os danos sofridos desde 2015 e embasar as indenizações individuais. No julgamento, que ocorreu no dia 11 de fevereiro, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) reafirmou a necessidade de garantir a “igualdade processual”, a partir do reconhecimento da vulnerabilidade das vítimas do crime diante do poder das mineradoras. Com isso, foi reafirmada também a importância da atuação da Assessoria Técnica de confiança dos(as) atingidos(as) e a relevância de que eles tenham sua Matriz de Danos para fazer frente à matriz que a Fundação Renova possui e utiliza. A decisão abre precedente para a luta dos(as) demais atingidos(as) na bacia do rio Doce, que podem exigir suas próprias formas de valoração de danos, tal qual os(as) atingidos(as) de Mariana conquistaram. Foram dois dias intensos de mobilização e manifestação das comunidades atingidas de Mariana em defesa da Matriz de Danos. Em 4 de fevereiro, cerca de 30 atingidos(as) estiveram no TJMG, em Belo Horizonte, para acompanhar o julgamento de recurso feito pelas mineradoras, contra a liberação do valor para o pagamento da Matriz de Danos dos(as) atingidos(as). Na ocasião, o desembargador Habib Felippe Jabour pediu vistas do processo. O julgamento só aconteceu no dia 11, quando o dobro de atingidos(as), vindos(as) das comunidades de Bento Rodrigues, de Paracatu de Baixo, de Paracatu de Cima, de Pedras e de Ponte do Gama reivindicaram seus direitos e defenderam a própria Matriz de Danos. Essas pessoas assistiram a justiça negar o recurso das empresas. O resultado foi celebrado, uma vez que garante aos(às) atingidos(as) o direito de se instrumentalizar para lutar por uma reparação justa e o custeio disso por parte das empresas responsáveis pelo rompimento da barragem.
Sem luta, não há vitória Não são recentes os esforços das comunidades atingidas, junto à Assessoria Técnica e ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), pela garantia de valores justos para as indenizações. Em agosto de 2018, o MPMG e a Assessoria Técnica apresentaram o sumário da atual Matriz de Danos, com as categorias de danos indenizáveis levantados pelo processo de cadastramento dos(as) atingidos(as), conduzido pela Cáritas. Prontamente, as mineradoras recusaram-se a reparar uma série de danos previstos no sumário. No dia 2 de outubro de 2018, uma audiência aconteceu paralelamente aos intensos protestos dos(as) atingidos(as), que exigiam a reparação integral pelos danos causados pelas mineradoras. A conquista desse direito veio acompanhada da garantia de inversão do ônus da prova, devido ao reconhecimento da vulnerabilidade dos(as) atingidos(as) diante das mineradoras. A decisão do TJMG, no dia 11 de fevereiro de 2020, reforça essa máxima. Em junho de 2019, aconteceu uma das mais extensas manifestações realizadas pelos(as) atingidos(as) pelo crime da Samarco, Vale e BHP Billiton na bacia do rio Doce: a ocupação do escritório da Fundação Renova, em Mariana, que durou 23 dias. Uma das pautas levantadas foi a liberação do valor para pagamento e o reconhecimento da Matriz de Danos dos(as) atingidos(as). A decisão da juíza Marcela Decat, que determinou, em primeira instância, a liberação do valor pago para a elaboração da Matriz, aconteceu no dia 11 de junho, antes mesmo do fim dos protestos. No recurso, julgado no dia 11 de fevereiro de 2020, as mineradoras alegaram que esta Matriz seria a repetição dos trabalhos já previstos no TTAC, a serem feitos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pela Lactec e que, por isso, seria desnecessária. Contudo, as próprias FGV e Lactec pronunciaramse dizendo não haver sobreposição de trabalhos. Essa não foi a primeira vez que as empresas usaram a manobra de interpor recursos para não cumprir seus deveres. Elas já recorreram ao TJMG para desbloquear o valor de 300 milhões de reais retidos pela ação coletiva de Mariana, destinados à reparação. Tentaram também retirar, mais de uma vez, essa ação coletiva da comarca de Mariana e levá-la para a Justiça Federal. Em todos os casos, sob forte pressão popular, elas perderam seus recursos. Isso demonstra que, apesar de árdua, a luta é necessária e gratificante.
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Reparação judicializada O processo de reparação em Barra Longa e nas demais comunidades atingidas que fazem parte do Comitê Interfederativo (CIF) foi judicializado. Isso significa que, agora, é o juiz Mário de Paula Franco Junior, da 12a Vara Federal Cível e Agrária, em Belo Horizonte, que decidirá sobre as questões coletivas. No dia 11 de dezembro de 2019, foi apresentado, ao juiz, as áreas prioritárias e emergenciais para reparação organizadas em eixos. Esse documento deveria ter sido elaborado com todas as partes do processo, no entanto, só os órgãos de justiça e a empresa sentaram para negociar. O que não foi acordado por eles, será decidido pelo juiz. Por Equipe da Assessoria Técnica AEDAS e Márcio Pereira Kfuri Com o apoio de Simone Silva e Wigde Arcangelo
Para mim, a judicialização é algo negativo. Ruim, porque vai interferir na vida de muitas pessoas que foram atingidas. Eu acredito que o juiz não conhece o território. Se forem mandadas pessoas, creio que serão pessoas que não têm noção do que aconteceu realmente na cidade, não saberão como é o antes da cidade, somente o depois. Márcio Pereira Kfuri, morador de Barra Longa Os atingidos e as atingidas, durante os últimos quatro anos, tiveram várias conquistas a partir de negociações em território e em Belo Horizonte, a partir das reuniões e assembleias com a Renova, ministérios públicos, defensorias, entre outros. Conquistamos, por exemplo, a ampliação do reassentamento de Gesteira, um Plano de Ação em Saúde para Barra Longa, o direito a reformas e reconstruções, entre outros. Agora, parte dessas questões irá para a mão do juiz para ele decidir, como é o caso do rejeito, do plano de ação em saúde, dos estudos sobre saúde e ambiente, do reassentamento, das reformas e reconstruções, dos aluguéis, da indenização, do cadastro, da reativação econômica e da qualidade da água. Equipe da Assessoria Técnica AEDAS Foto: Thiago Alves
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Cadastramento: uma forma de ampliação de direitos No dia 17 de fevereiro, uma reunião com quatro atingidos(as) dos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo com o juiz da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, Mário de Paula Franco Junior, causou boatos entre comunidades atingidas que fazem parte do CIF. Segundo os(as) atingidos(as) presentes, o juiz teria afirmado que a Renova/Samarco/Vale/BHP Billiton só faria acordos e pagaria as indenizações após o fechamento do cadastro dos(as) atingidos(as). Após os rumores, atingidos(as) de Timóteo, Marliéria, São José do Goiabal, Dionísio, Santana do Paraíso, Ipatinga, Naque, Cachoeira Escura, distrito de Belo Oriente, Revés do Belém, distrito de Bom Jesus do Galho, Periquito, Governador Valadares, Tumiritinga e Conselheiro Pena se reuniram para discutir o assunto e deliberar ações. Por Thiago Alves Com o apoio de Juliana Carvalho, Sérgio Papagaio, Simone Silva e Wigde Arcangelo
“Na manhã do dia 29 de fevereiro, 79 atingidos e atingidas representantes das Comissões Locais de 13 cidades de Minas Gerais, se reuniram na sede do Sindicato dos Servidores Públicos do Município de Ipatinga. Sérgio Papagaio e Simone Silva, de Barra Longa, também estiveram na reunião levando a posição formal das comissões locais contra o fechamento do cadastro e trazendo a importância da assessoria técnica. Após ampla discussão mediada pelo procurador Helder Magno, com a presença do Fundo Brasil, da FGV, da AEDAS, do CAT, da Cáritas Itabira, da Cáritas Governador Valadares, os presentes reafirmaram os seguintes pontos de consenso: 1) Toda comissão local tem o direito de mobilizar a comunidade de acordo com o seu entendimento dos processos em andamento. Os atingidos, por si só, têm direito a voz, mesmo se os movimentos e as instituições de justiça não concordarem com as ideias propostas. As movimentações feitas em Naque e em outros locais são válidas na medida em que foram feitas a partir de um grupo reconhecido na comunidade e que sofre grande pressão dos atingidos por respostas que, na maioria das vezes, ele não tem o poder de dar e isso exige iniciativas; 2) Da mesma maneira, foi reafirmado que nenhuma cidade atingida fala por outra e, muito menos, por todos os atingidos. Que nenhuma iniciativa isolada deve ser feita, sobretudo se ela pode fortalecer propostas das próprias empresas que violam direitos, o que gera uma grande dificuldade de compreensão dos demais territórios sobre seus objetivos; 3)Emrelaçãoaocadastro:amaioriareafirmousercontraoseufechamento, visto que ainda há muitos atingidos que buscam reconhecimento e que esta “porta de entrada” não pode ser fechada por quem já se cadastrou. Por outro lado, mesmo para quem já se cadastrou, há muitas dúvidas sobre as campanhas em andamento, sobre as informações colhidas pela Synergia, a organização das categorias, os critérios de pagamento, portanto, o cancelamento do cadastro pode piorar essa situação; 4) Sobre a luta pelas indenizações: concordou-se que não podemos esperar a chegada das assessorias, tão pouco resolver as questões de cadastro para, depois, lutarmos pelas indenizações e pelo auxílio financeiro emergencial (AFE). Para tanto, foi reafirmado o que já havia sido encaminhado na assembleia de Naque, na noite de 17 de fevereiro: que, independentemente de qualquer coisa, a comunidade
quer negociar diretamente com a Renova a situação dos que já foram cadastrados e já têm seu processo finalizado em análise. São centenas de situações de injustiça, incluindo aqueles que, em novembro de 2018, fizeram um “acordo” danoso imposto pela Fundação Renova, que deu prejuízo superior a R$ 60 mil a muitas famílias ao não retroagir o AFE a novembro de 2015; 5) Nesse sentido, também foi reafirmada a pauta da assessoria técnica. Ela é um direito fundamental e um instrumento de luta para destravar as dúvidas do cadastro e do Programa de Indenização Mediada (PIM), além de contribuir no processo pela reparação justa e pelas questões de longo prazo, como água e saúde; 6) Da reunião ficaram os seguintes encaminhamentos: a) Continuar o diálogo com José Adércio, chefe da Força-Tarefa rio Doce no Ministério Público Federal (MPF), para agendarmos conversas com o juiz da 12ª Vara, mas de maneira organizada e exclusivamente com os integrantes das comissões locais. A proposta inicial é fazer cinco reuniões que envolvem representantes por blocos de cidades atingidas. Os que irão às reuniões serão escolhidos pelas comissões locais. Após essas reuniões, essas comissões farão outro encontro, como esse de Ipatinga, para continuar o alinhamento; b) Agendar, urgentemente, reuniões de negociação com a Fundação Renova com a mediação do Ministério Público (MP) e da Defensoria, com prioridade para Naque, Revés do Belém e os barraqueiros de Periquito; c) O MPF e a Defensoria irão às cidades de Aimorés, Itueta, Resplendor, Conselheiro Pena, Tumiritinga e Galiléia, entre os dias 27 e 31 de março, para a realização de assembleias gerais. Já estão sendo articuladas reuniões também em Governador Valadares e nas regiões de Rio Casca, Sem Peixe e no entorno do Parque do Rio Doce; d) As entidades escolhidas para serem assessorias independentes irão fazer contatos e reuniões em todos os territórios que atenderão para conversar sobre o processo de negociação e dar continuidade ao diálogo que já estavam fazendo e levar informação e transparência; e) Foi reafirmado pelas lideranças que o foco central é a mobilização feita com unidade e organização e que, em 2020, não aceitaremos nenhum direito a menos: assessoria técnica e indenização justa já”. Thiago Alves, coordenador estadual do MAB
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Com muita luta, a justiça A luta pela Matriz de Danos dos(as) atingidos(as) continua e, mesmo que ainda não tenha sido homologada, uma decisão importante foi tomada pelos desembargadores da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), em Belo Horizonte, no dia 11 de fevereiro. As mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton, ao se depararem com a Matriz de Danos dos(as) atingidos(as) finalizada, alegaram que já exista uma Matriz de Danos (feita pela Renova/Samarco/Vale/BHP Billiton) e pediram recurso para que o valor do pagamento pela produção da nova Matriz não fosse liberado. Diante da tentativa das empresas rés de deslegitimar a luta por uma Matriz justa, os(as) atingidos(as) de diversas comunidades estiveram presentes em frente ao TJMG nos dias 4 e 11 de fevereiro, quando distribuíram a carta em defesa da Matriz de Danos, assinada pela Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão. A resistência funcionou e a justiça votou a favor das vítimas do crime das mineradoras. Por Arlinda da Silva, Luzia Queiroz, Paula Alves, Sandro José Sobreira e Viviana Renata Montibeller Com o apoio de Juliana Carvalho e Rafaela Moreira de Assis (assessora técnica da Cáritas)
Em meio a tantos desafios, os atingidos seguem firmes na busca pelos seus direitos. Apesar do decurso do tempo, em meio a árduas batalhas judiciais, podemos ver que a esperança de ver seus direitos efetivados continua na mente e no coração de cada atingido pela barragem de Fundão. Isso foi notório devido à presença deles nas audiências dos dias 4 e 11 de fevereiro. Insatisfeitos com os valores ofertados pela Fundação Renova na Fase de Negociação Extrajudicial (FNE), eles estão em busca de valores que refletem a realidade dos danos sofridos. E a esperança é uma Matriz de Danos dos atingidos. Rafaela Moreira de Assis, assessora técnica da Cáritas Depois de tanta luta, né, graças a Deus, uma vitória. Com Deus na frente, nós estávamos confiantes. A união faz a força. Eu espero que sejam cumpridos os nossos direitos. Agradecer ao pessoal da Cáritas e aos nossos amigos, que estamos juntos aí, na luta. Arlinda da Silva, moradora de Paracatu de Baixo
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a será feita É como um desembargador lá falou, que viu que a gente tá interessado mesmo na causa. Então, eu entendo que isso fortalece a nossa luta e eles têm que entender que a Matriz da Renova não nos representa e nem foi feita por nós. Fizemos a nossa Matriz a duras penas, em um processo muito longo para, simplesmente, eles [Renova/Samarco/ Vale/BHP Billiton] falarem que não, que não vão aprovar, que não vão aceitar. A gente quer ainda confiar muito na justiça e que ela realmente existe. Luzia Queiroz, moradora de Paracatu de Baixo A gente está defendendo a Matriz de Danos, porque a Renova se propõe a pagar as indenizações do jeito dela. Essa Matriz de Danos que defendemos foi feita junto com os atingidos para que haja uma indenização justa para todos. É bom entregarmos a carta para as pessoas, porque muitos que vêm de fora acham que está tudo tranquilo, tudo normal, mas não está. Para que as pessoas vejam a realidade, porque muitos pensam assim: “ah, os atingidos estão bem, estão ganhando muito dinheiro, estão com a vida boa, está tranquila”, mas não é a verdade. A vida do pessoal não está tranquila, não é a mesma coisa. Viviana Renata Montibeller, familiar de moradores(as) de Paracatu de Baixo Eu tô com o pensamento positivo, porque eles receberam a carta e viram qual era o intuito da gente. Eles pediram vista [do processo] e, com certeza, eles estavam com decisão formada. Aí, essa carta fez eles mudarem a decisão. Paula Alves, moradora de Bento Rodrigues Mais uma vitória para os atingidos. É por isso que a gente tem que continuar unido, entendeu? Não pode desistir, não. É um processo coletivo, a gente tem que manter unido pra conseguir vencer a batalha. A gente tem que estar preparado pra tudo, né? Sandro José Sobreira, morador de Bento Rodrigues
APARASIRENE NÃO ESQUECER Fotos: Juliana Carvalho
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Para onde foi a lama?
Fotos: Júlia Militão
Quatro anos após o rompimento da barragem de Fundão, algumas das questões que envolvem o crime da Samarco, Vale e BHP Billiton são: para onde foi o rejeito de minério que não alcançou o rio? O que a Renova/Samarco/Vale/BHP Billiton fez com a lama de rejeito? A verdade é que parte dela está sendo levada para territórios em que não havia chegado. Em 2018, por exemplo, a Renova lançou uma parcela desses detritos debaixo do calçamento da Rua das Flores e da estrada que leva até a comunidade de Bonsucesso, distrito de Barra Longa. As empresas criminosas descarregam o rejeito de forma irresponsável e geram problemas ainda maiores, ao atingirem outras comunidades. As chuvas dos últimos dois anos fizeram com que parte desse rejeito destruísse as plantações e as criações de peixes, galinhas e porcos de Imaculada e Luís Carlos, que vivem em uma das casas atingidas. Por Imaculada Rosária Vicente e Luís Carlos Com apoio de Júlia Militão e Sérgio Papagaio
Em primeiro lugar, eles fizeram o calçamento em cima do meu barraco, né? Aí trouxeram o rejeito, calçaram com rejeito. Depois de chover muito, o muro que fizeram caiu e o rejeito veio todo pra dentro daqui. Ele desceu, entrou no poço, matou os peixes e levou tudo por aí abaixo. E veio lá de cima também, porque eles puseram o rejeito lá na estrada também. Luís Carlos, morador de Bonsucesso
Eles vieram jogando isso [rejeito] pela estrada afora, espalhando tudo. Chegou caminhão entornando na estrada, nas ruas. Logo depois da obra, uns quatro ou cinco meses depois, aconteceu isso. Da ponte de fora pra cá, veio trazendo tudo, lama, barro, ninguém via nada, arrancou tudo. Só em Barra Longa não chegou, não, eles tinham que trazer pra nós aqui também. O que nós temos a ver com isso, né? O problema é esse, o que a gente tem a ver com isso? Não falaram nada que ia colocar, simplesmente, entornaram o caminhão aí, o pessoal da obra veio, colocaram os bloquetes e “tá tudo bem, também”, ninguém falou nada. Na verdade, achamos que era areia mesmo, depois, descobrimos que não, era rejeito que eles tavam trazendo, espalhando por aí. A gente não tem nada a ver com isso e tem que “pagar o pato” também, né? Imaculada Rosária Vicente, moradora de Bonsucesso
Eles ficam falando que o pessoal de Bonsucesso não foi atingido pela barragem, mas nós fomos atingidos sim. Fizeram essa “porcariada” aí pra cima. Eu fiquei no prejuízo e vou cobrar de quem? Eu tinha minha plantação, tinha laranja, mexerica, mandioca, batata, tudo plantado pelo quintal e matou tudo. Tinha minha horta, o pessoal vinha buscar verdura direto aqui. Alface, couve, ali embaixo era cheio de coisa. E como a lama veio, não deu pra fazer mais nada, aí meu irmão veio e plantou capim, isso aí agora é capim. Não adianta plantar, não. Você pode ver que tem uma muda de laranja que eu plantei aí, mas não sai de jeito nenhum. Por causa do rejeito, entendeu? Luís Carlos, morador de Bonsucesso Isso aqui tava lotado de peixe, na época, eu tinha colocado os peixes. Mas a água veio até aqui e eu ficava: “se subir mais um tiquinho, vai entrar dentro de casa”. Ainda bem que esse barranco aqui nos salvou, mas isso aqui foi lama pura, tampou tudo. Você não via poço aqui não, virou um mar. Encheu foi tudo, foi tudo embora, peixe por aí afora. Sobrou mais nada. Até hoje, não tivemos nem condições de arrumar o poço. O dinheiro é curto pra colocar mais peixes, então… Mas vamos colocar, se Deus quiser. Aqui era bonitinho demais. Imaculada Rosária Vicente, moradora de Bonsucesso
Local onde Luís criava seus porcos foi devastado pela lama de rejeito.
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Deu até dó ver meus peixes morrendo aí, aquela lama, aquele “trem” vermelho, meus peixes morreram. Eu falei com a Imaculada: “bens materiais, a gente consegue outros, o problema é a vida da gente”. Até hoje, eu não arrumei, porque eu fico com medo de colocar, sabe? E chover de novo, vir esse rejeito que tá na estrada. Enquanto não arrumarem direitinho e acabar com esse rejeito, não adianta colocar peixe, não. Eles invadem aí, vêm cá e matam meus peixes tudo de novo. Galinha, minhas galinhas, levou tudo embora. E como você salva? Não tem jeito não. Esse barraco meu aqui era cheio de gente. Quando o boteco tava fechado, o pessoal tava aqui. Nós íamos no poço, pegávamos umas três tilápias, limpava rapidinho, rapidinho a Imaculada jogava na mesa aqui, e nós tomávamos nossa cachacinha, e o pessoal alegre, sem problema. Mas hoje acabou. O peixe era pra muita gente, e eu não vendia, não. Era um prazer que eu tinha, sabe, que eu tenho. É um prazer que eu tenho, de voltar ao que era antes. Mas só que depende deles, né? Porque eu não posso fazer nada. Condições agora eu não tenho, então depende deles. Eu quero voltar ao que era antes, sabe? Luís Carlos, morador de Bonsucesso
Quem levou a lama pro morro? Por Sérgio Papagaio
Estranha lama que desce da montanha e sobe o rio. Estranha lama que desce o rio e sobe o morro, estranha lama sem vida, sem pernas. O quanto andas de rio a mares, estranha lama que desce e sobe montanha estranha que é exposta no parque. Estranha lama, se não vem, eles levam. Lama estranha, agora na caçamba, sobe a montanha. Estranha lama que deita no meio da rua e se faz de cobertura, foge nas frestas abertas e vira pó. Voa com um vento só, me tira o fôlego, me faz coçar. Ah! Se eu pudesse desta lama me livrar, se eu morasse no alto do morro onde ela não chegasse, se eles não a levasse, se minhas narinas não a cheirasse, talvez eu nem inspirasse nem espirrasse. Essa estranha lama, na montanha, como ela no meio da rua, lá perto da lua foi morar. Quem levou a lama pra lá? Lama estranha que sobe o moro, estranha gente que mata gente. Estranho ser que leva a doença para os montes onde ela sozinha não era capaz de chegar. A quem tu agradas? A DEUS ou ao DIABO? Estranho povo que não se revolta.
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Pedras manifesta por melhorias na estrada
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Fotos: Joice Valverde
No dia 12 de fevereiro, atingidos(as) de Pedras protestaram contra a Renova/Samarco/Vale/BHP Billiton ao paralisarem a estrada no trevo Águas Claras-Paracatu de Baixo. O ato foi contra o descaso da Renova em atender as demandas da comunidade, sendo a principal delas a melhoria das vias de acesso que ligam Mariana aos territórios atingidos. Apesar da Fundação ter sido avisada previamente da paralisação, os(as) trabalhadores(as) das empreiteiras contratadas para a obra do reassentamento de Paracatu foram enviados(as) normalmente ao trabalho e, por isso, ficaram parados(as) na manifestação. Por Arlinda das Graças Batista Lourenço, Cleonice Aparecida Gonçalves e Márcio Sebastião da Costa Com o apoio de Joice Valverde e Wigde Arcangelo
Primeiramente, eu procurei a polícia no quartel. Ela entrou em contato com a Renova, pedindo se era possível que negociasse com a comunidade. Ela falou que entraria em contato comigo até às 17h, mas não entrou. Aí foi onde tomamos a providência de fazermos essa manifestação. Nós não temos nenhum problema com os trabalhadores que ficaram aqui parados, nossa questão é com as mineradoras, Fundação Renova e Prefeitura. São quatro anos só de enrolação e nada até hoje. Nós somos de Pedras, nossa estrada está horrível, o asfalto está todo quebrado, os caminhões estão atrapalhando o acesso das comunidades rurais e não estão respeitando os limites de velocidade. Já reclamamos com a Renova sobre os caminhões, disseram que era para anotarmos as placas, mas não adianta porque, no outro dia, vemos o mesmo caminhão rodando. Estamos, há quatro anos, tentando dialogar com a Renova e nada. Cleonice Aparecida Gonçalves, moradora de Pedras Essa paralisação é porque já tem quatro anos que a Renova vem reunindo e prometendo fazer alguma coisa, mas não faz. Assinaram um compromisso no Ministério Público de fazer melhoria, fez reunião para saber o que a comunidade queria, pedimos o asfalto e a manutenção das estradas. Eles assinaram um documento com a prefeitura para eles darem manutenção na estrada e isso não está acontecendo. Os meninos não estão indo para a escola, porque a estrada está horrível. A gente está tentando negociar com a Renova e não está tendo acordo. Nós estamos reivindicando coisas da comunidade, não queremos nada individual. Queremos, simplesmente, que eles assumam o compromisso que fizeram no Ministério Público juntamente com a prefeitura. Hoje, você procura a Prefeitura, ouvimos: “nós não temos mais nada com vocês, é a Renova”. Mas a Renova não assume o compromisso com a comunidade. O asfalto é de Monsenhor Horta até Paracatu e está tudo estourado. Caminhão de 22 toneladas, está passando 66 caminhões, e esse asfalto não foi feito com estrutura para atender a tudo isso. E as estradas de terra de Campinas, Pedras, Barreto, a região nossa está tudo ruim. Márcio Sebastião da Costa, morador de Pedras
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APARASIRENE NÃO ESQUECER
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Após mais de cinco horas de paralisação, a equipe de diálogos da Renova/Samarco/Vale/BHP Billiton foi até a manifestação para negociar com os(as) atingidos(as). No entanto, os prazos apresentados não agradaram aos(às) atingidos(as), que voltaram a se manifestar no dia seguinte. No dia 12 que a gente entrou em acordo com a Renova. Eles que iam fazer a vistoria. Fizeram a vistoria e ficaram de começar o trabalho na segunda-feira [17 de fevereiro]. Não começaram, na terça também não. Aí, depois, fizemos outra manifestação. Nós paramos geral lá de novo, mas, como sempre, eles falaram que iam fazer, fazer, fazer... Só arrumou o alto de Paracatu. O outro trajeto da estrada continuou a mesma coisa, eles têm que arrumar lá. O trajeto está muito difícil, está caindo muito material, muita brita na estrada, tem muito fluxo de caminhão. Eles falaram que vai ficar pior o fluxo de caminhão. Tem muito mato, muito buraco. A chuva não colabora e eles também não ajudam. Eles estão enchendo muito os caminhões. A estrada é de muita curva, muita subida, aquilo está derramando muito, é muita brita, brita grossa, brita fina... Aquilo pode fazer rodar um carro, uma moto, é coisa de segundos. Sem contar que estão quase passando por cima das pessoas, de carro ou de moto. Como que a pessoa vai viver nessa situação, nesse susto todo? Você vai resolver qualquer coisa em Mariana e não sabe se volta, porque você pode topar ali com um caminhão. E eles, quando andam, é de cinco, seis, 10 a 15 caminhões de uma vez. Eles tomam conta da estrada. Aí você vem trazer um doente ou pegar alguma coisa em Mariana, você não sabe como que vai ser sua volta. O pessoal que fica em casa fica preocupado até a pessoa voltar. Arlinda das Graças Batista Lourenço, moradora de Pedras
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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER
Olivia, as galinhas e seus pintinhos
Março de 2020 Mariana - MG
Fotos: Joice Valverde
Na roça, terreiro é lugar de plantação espalhada e de criação solta. Muito diferente do apartamento em que Olivia cria duas galinhas e seus tantos pintinhos. Pode parecer um pouco inusitado, mas o apego da menina com os bichinhos rendeu até uma homenagem fraterna. Cada pintinho foi batizado com o nome de um integrante da família, os Loucos por Bento. Por Olivia Quintão Muniz Com apoio de Joice Valverde
A ideia foi do meu pai. Um bicho tava comendo os pintinhos, aí meu pai teve a ideia de trazer pra cá até eles ficarem maiorzinhos, mais espertos, para, depois, pôr lá de novo. Minha mãe falou assim: “ó, não cria esperança, que o seu pai não vai trazer eles pra cá”. Aí, no outro dia, chega meu pai com uma caixa de papelão, com a galinha e os seis pintinhos. Os pintinhos estavam debaixo da mãe, não dava pra eu ver. “Nossa, só trouxe a galinha! Cadê os pintinhos?” Meu pai disse que não tinha mais pintinhos. Aí ele foi lá, pegou a galinha e, quando tirou, tinha um tanto. Mas ele falou que ia ficar no meu quarto, só que não ficou. Meu pai falou que ia ficar muito barulhada para eu dormir, mas eu falei que queria dormir com eles.
Março de 2020 Mariana - MG
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Lá em Bento, a gente criava porco, boi, galinha, cachorro, muita coisa… Muito bicho. E elas ficavam soltas. Aqui falta espaço, porque elas ficam na caixinha. A outra que a gente levou, toda hora, ficava saindo, aí, quando ela pulava pra voltar, acabava caindo em cima deles, entendeu? Aí fica meio ruim por causa disso. Se a gente tivesse um quintal maior, seria muito bom, porque poderia deixar solto. Nunca tive vontade de criar uma galinha, mas, agora, tô vendo que eu tenho muita vontade. É muito legal. Mesmo com a barulhada, é muito legal. Depois, quando devolver, eu não sei, mas acho que vou ficar bem triste. Não vai ter mais barulho, não vai ter mais pintinho, não vai ter mais o que fazer. Eu já acostumei. Olívia Quintão Muniz, moradora de Bento Rodrigues
EDITORIAL Durante o último ano, acompanhamos a luta pela legitimidade da Matriz de Danos com valores justos e contrários aos que a Renova/Samarco/Vale/BHP Billiton tenta impor. Neste mês de março, o Jornal A SIRENE atualiza mais um importante passo conquistado pela resistência dos(as) atingidos(as). A Matriz foi construída pelos(as) atingidos(as) de Mariana, com o apoio da Assessoria Técnica da Cáritas e em parceria com a UFMG e a UFRRJ, porém, após o recurso pedido pela Samarco, Vale e BHP Billiton, o pagamento para liberação segue bloqueado. O documento serve de contraponto aos valores de reparação apresentados pela Renova, a partir das perdas materiais e imateriais declaradas no processo do Cadastro. Afinal, durante esses quatro anos, os(as) atingidos(as) pelo crime das mineradoras já entenderam, das piores formas, que uma indenização justa não irá partir daqueles que lhes causaram tantos danos, sem que haja pressão e participação efetiva de quem conhece a própria história. Foi com esse objetivo que os(as) atingidos(as) manifestaram a importância da Matriz em frente ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), onde desembargadores da 2ª Câmara Cível decidiram pelo direito de utilizar os parâmetros da Matriz de Danos. A decisão marca algo que a Renova não queria: abre precedente para que a medida seja implementada nos demais territórios atingidos ao longo da bacia do rio Doce. E mais, o reconhecimento dos(as) atingidos(as) como parte indispensável nas decisões do processo serve de alerta para resistir às arbitrariedades das empresas e do poder público. Ao contrário, as tentativas de negar a participação dos(as) atingidos(as) seguem os silenciando no processo em Barra Longa. Os acordos que, antes aconteciam no Comitê Interfederativo (CIF), com a presença dos(as) atingidos(as), agora, aguardam o veredito do juiz. Enquanto isso, em Mariana, moradores de Pedras paralisam a estrada para que a Renova ouça, de uma vez por todas, o grito por atenção às reivindicações da comunidade. Nesta edição, mostramos que, a cada passo dessa luta, os(as) atingidos(as) seguem de braços dados, seja para aguardar as conquistas ou para brigar por elas.