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A SIRENE EDIÇÃO ESPECIAL | PARA NÃO ESQUECER Ano 3 - Edição nº 23 - Fevereiro de 2018 | Distribuição gratuita
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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER
Fevereiro de 2018 Mariana - MG
Agenda de Fevereiro
AVISOS ATENDIMENTO DE CASOS INDIVIDUAIS EM NOVO ENDEREÇO Atingidos e atingidas que precisam de assistência individual do Ministério Público para esclarecimentos ou outras necessidades devem, a partir de agora, realizar o agendamento presencialmente no escritório da Cáritas, na rua Monsenhor Horta, nº. 76, bairro Rosário, ou pelo telefone 99218-0234. Os horários serão marcados de 12 às 18 horas. FEBRE AMARELA A Secretaria Municipal de Saúde de Mariana alerta para que, antes de qualquer deslocamento próximo às áreas de risco para a febre amarela, os moradores/visitantes sigam as orientações: estar vacinado, no mínimo, há 10 dias; usar roupas claras e de manga comprida; e fazer uso de repelente. Considera-se áreas de risco locais onde foram registrados macacos infectados, doentes, em investigação ou proximidades. A recomendação é válida, principalmente, para Águas Claras, Bento Rodrigues, Camargos, Ponte do Gama e para a cidade de Barra Longa. Crianças a partir dos 9 meses, jovens, adultos e idosos até 59 anos podem se vacinar. REGISTRE OS FURTOS NAS COMUNIDADES Em nota de esclarecimento ao Jornal A Sirene, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, por intermédio da 2ª Promotoria de Justiça de Mariana-MG, recomenda que os atingidos registrem os furtos em suas propriedades por meio de Boletim de Ocorrência. A medida garante que, posteriormente, seja instaurado um Inquérito Policial e que o caso seja submetido à investigação. VEJA MAIS NA PÁGINA 12 CONVITE: SEMINÁRIO DE COMUNICAÇÃO O Jornal A Sirene e os parceiros na luta convidam todos os atingidos e atingidas para participarem do seminário "Os atingidos e o direito à comunicação" marcado para o dia 3 de março, em Barra Longa, de 9 às 16 horas. Na data, discutiremos a importância do direito à comunicação defendido em nossas ações por meio do jornal. Aguardem novas informações.
ATENÇÃO! Não assine nada Em caso de dúvidas sobre o conteúdo, conte com a ajuda de um advogado ou qualquer outro especialista. Se te pedirem para assinar qualquer documento, procure o Ministério Público ou a Comissão dos Atingidos.
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Reunião da Comissão* às 18h no Escritório dos atingidos
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Audiência de conciliação às 9h no Fórum de Mariana
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GT de reparação com a Assessoria Técnica, Ministério Público e Fundação Renova às 18h no Dino Garu
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Assembleia de reassentamento local e horário a definir
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GT de reparação com a Assessoria Técnica, Ministério Público e Fundação Renova às 18h no Dino Garu
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Reunião da Comissão* às 18h no Escritório dos Atingidos
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GT de reparação com a Assessoria Técnica, Ministério Público e Fundação Renova às 18h no Dino Garu
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GT de ressarcimento com a Assessoria Técnica, Ministério Público e Fundação Renova às 18h no Dino Garu
Agenda sujeita a alterações * As reuniões da comissão deixaram de ser realizadas semanalmente e passaram a ocorrer de maneira quinzenal
Erramos Na última edição, na reportagem especial “Por amor ao Bento: onde tudo começou”, nas páginas 8 e 9, o jornal A SIRENE errou ao afirmar que o Padre Geraldo Barbosa celebrou o casamento. A união de Manoel Marcos e Marinalda foi realizada pelo Padre José Geraldo de Oliveira.
Escreva para: jornalasirene@gmail.com
Acesse: www.facebook.com/JornalSirene www.jornalasirene.com.br
EXPEDIENTE Realização: Atingidos pela Barragem de Fundão, Arquidiocese de Mariana e Um Minuto de Sirene | Conselho Editorial: Angélica Peixoto, Cristiano José Sales, Genival Pascoal, Lucimar Muniz, Manoel Marcos Muniz, Milton Sena, Mônica dos Santos, Pe. Geraldo Martins, Rafael Drumond, Sergio Fábio do Carmo (Papagaio), Simone Maria da Silva e Thiago Alves | Editor-chefe: Milton Sena | Jornalista responsável: Silmara Filgueiras | Diagramação: Larissa Pinto | Editora de fotografia: Larissa Helena | Editor Multimídia: Flávio Ribeiro | Editora de Texto: Miriã Bonifácio | Editora de Vídeo: Daniela Felix | Reportagem e Fotografia: Genival Pascoal, Madalena Santos, Sergio Papagaio, Simone Maria da Silva, Tainara Torres e Wandeir Campos | Apoio: Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) | Revisão: Elodia Lebourg | Agradecimentos: Guilherme de Sá Meneghin (Promotor de Justiça - Titular da 2ª Promotoria de Justiça de Mariana) e VEIAS Workshop | Impressão: Sempre Editora | Foto de capa: Arturo Dinardo | Tiragem: 3.000 exemplares | Fonte de recurso: Termo de ajustamento de conduta entre Arquidiocesse de Mariana e Ministério Público de Minas Gerais (2ª Promotoria de Justiça de Mariana).
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A gente explica:
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Jornal
A SIRENE
Por Adelaide Dias, Ana Cristina Maia, Fernanda Tropia, Guilherme Meneghin, Juçara Brittes, Lucas de Godoy, Luzia Queiroz, Milton Sena, Mônica Santos, Silvany Diniz e Stênio Lima Com o apoio de Daniela Felix e Miriã Bonifácio
Jornal: 1. Preservação da memória dos Atingidos 2. Comunicação 3. Símbolo de luta e orgulho de todos nós 4. Troca de informação necessária 5. Canal entre pessoas 6. Cada um tem um jeito de dar a notícia 7. Busca de novos horizontes 8. Demonstração de capacidade, criatividade e empenho. Comunicação: 1. Fundamental para unir diferentes processos 2. Publicidade 3. Veracidade 4. Alcance 5. Coerência. Direitos: 1. É o certo, o justo 2. Tudo aquilo que os seres precisam para viver com dignidade, com saúde, em paz, feliz 3. Não se resume no pão nosso de cada dia, nem no circo para nos fazer rir 5. Inclui seres humanos, animais, meio ambiente 6. Está no passado e no futuro, na memória do que existiu (para o bem e para o mal) 7. Existe para as gerações futuras (só para o bem) 8. Para os atingidos, só existem na teoria. Luta: 1. Caminho que nos leva a preservar nossas raízes e fé 2. Busca constante a tudo que nos foi tirado, combate do dia a dia 3. Disputa por interesses comum 4. Força para resistir e seguir em frente 5. Não cessará.
Registro: 1. Preservação de uma história 2. Passado, presente e futuro 3. Responsabilidade entre gerações 4. Evolução 5. Aprendizado. Reportagem: 1. Texto (matéria) jornalística que serve para contar (reportar) aos receptores (leitores, ouvintes, telespectadores) aquilo que ele não viu, não ouviu, não leu 2. Informação para os receptores terem dados para formar a própria opinião sobre os fatos, os acontecimentos 3. Não pode omitir nem inventar informações 4. Deve respeitar as fontes (pessoas, documentos) para não “criar” uma realidade inexistente 5. Se as regras não forem seguidas, não é jornalismo, é ficção. Não é reportagem, é conto. Relato: 1. Fidelidade 2. Descrever de acordo com a perspectiva de quem viu, viveu 3. Perceber a visão do outro 4. Expor a verdade. Colaboração: 1. Democracia 2. Sociabilidade 3. Eticidade 4. União. Independente: 1. Sem coação.
Pauta: 1. Onde deve morar a verdade 2. Investigação e texto sobre algo 3. Cuidado com as palavras 4. Uma forma de expressar um fato ocorrido. Notícia: 1. Texto informativo sobre um novo fato 2. Construção 3. Versão de uma história 4. Interesse público. Sirene: 1Aviso 2. Suficiente? 3. Obrigação primária 4. Não estava lá quando necessário 5. Barulho 6. Ausente.
História: 1. Coleção de memórias boas e ruins 2. Conhecimento do passado e compreensão do presente 3. Preservação 4. Legado; aquilo que fica de nós.
Memória: 1. O que não pode ser nunca esquecido 2. Valor imprescindível 3. O que não pode ser negligenciado 4. Sobrevivência 5. História de vida 6. Lembrança 7. Resgate 8. Ensina e aponta para novos rumos.
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Dois anos de muitas histórias
O Jornal A SIRENE tem a difícil e necessária tarefa de narrar a história de um crime e de suas vítimas. Ao longo desses dois anos de publicação, os personagens que visitaram essas páginas deixaram relatos emocionantes e ensinaram muito sobre a vida, os desafios pessoais e coletivos, as surpresas e, talvez, principalmente, a superação sobre tudo o que lhes aconteceu. Revisitamos algumas dessas pessoas para tentar contar o que mudou do primeiro ano para cá. E, se não mudou, por quê? Quais respostas eles ainda não encontraram? O que eles ainda têm a dizer? Por Dona Tita, Iracema Pereira, José Mauro, Maria Conceição, Marcelina Xavier e Seu Nonô Com o apoio de Daniela Felix e Miriã Bonifácio
O pior já passou?
Para Marcelina Xavier, moradora de Bento Rodrigues, o pior “ficou” lá no dia 5, quando foi resgatada da lama de rejeitos.
Demoramos para encontrar a casa de Dona Marcelina, que vive com seu filho Júlio César em uma rua estreita do bairro Colina, em Mariana. Ela é de Bento Rodrigues e participou da edição número 1 do Jornal, quando contou sobre como sobreviveu à lama se agarrando em um pé de abacate. Na ocasião da primeira entrevista, março de 2016, havia uma questão muito repetida por aqueles que não viveram a tragédia do dia 5 de novembro, a de que o pior já tinha passado. Hoje, Dona Marcelina até concorda com essa opinião, já que está recuperada da fratura que teve no fêmur e consegue se locomover um pouco melhor. Mas isso não quer dizer que foi fácil. Esperando voltar para o convívio de sua comunidade, a “dona que morava na beira do rio” segue, com o sorriso de sempre.
Como está o seu negócio? Iracema nos recebeu na cozinha de sua casa, no bairro Colina, em Mariana, enquanto terminava o almoço. Sentada no sofá, releu a matéria publicada na edição número 5, em agosto de 2016, que falava sobre o trabalho que ela desenvolvia na sorveteria que tinha em Paracatu. Iracema não esperou para responder que nada havia mudado daquela entrevista pra cá. Os sorvetes naturais, com a nata do leite e as frutas colhidas no quintal de casa, de acordo com a “época” de cada uma, não conseguem existir da mesma maneira sem a comunidade. O que aumentou foram os consertos de roupa, que também fazia. O sentimento por trás da frase “Eu quero minha casinha de volta”, agora, carrega o peso de dois anos de espera.
Iracema Pereira anseia pela reabertura de sua sorveteria no novo terreno de Paracatu.
Foto: Davidy Silva Marques
A folia de reis continua?
José Mauro, morador de Gesteira, ainda não foi reconhecido como atingido.
José Mauro conta que depois que saiu na edição número 5, em agosto de 2016, muitas pessoas ficaram perguntando como estava o grupo de Folia de Reis lá de Gesteira, em Barra Longa. Ele diz que foi bom para reunir gente que quer ajudar e também para continuar fazendo as apresentações em outros espaços. Atingido não reconhecido, até hoje não foi procurado para dizer sobre suas perdas e danos com o rompimento de Fundão. Acredita que o jornal ajuda como um alerta para as histórias e as coisas importantes que as pessoas tem a dizer. Está organizando um Encontro de Congados para o mês de novembro. Uma festa que ele espera que estejamos lá, cobrindo tudo e divulgando as manifestações que importam e dão sentido para quem segue atingido.
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Fotos: Daniela Felix
Voltou para casa? Enquanto Dona Tita terminava o banho, conversamos com os três filhos que dividem a casa com ela, em Mariana. Cota, Naná e Nonô, assim como fizeram na edição número 3, em junho de 2016, ajudaram a contar a história da mãe. Eles falaram sobre como ela mudou desde que precisou sair correndo de Ponte do Gama e deixar para trás uma vida na roça e os costumes vividos em seus mais de 90 anos - “Ficou muito nervosa”. Também disseram sobre como o sonho de Dona Tita voltar para casa parece distante e burocrático. Nonô ainda disse que, para reparar o terreno de vargem, a venda dos ovos, da produção de queijo e da plantação de mandioca, o projeto da casa de campo para os amigos que iam acampar e a irrigação que vinha da queda da cachoeira, o que se espera é que as empresas, além de devolverem o justo, comprem uma propriedade para que eles possam ter geração de renda. Saímos de lá com o pensamento de que essa família sente, em todos os aspectos, que a perda foi grande demais.
Tita sonha em levar a mesma vida que tinha em Ponte do Gama.
Ainda sente medo?
Maria Conceição ainda espera pela reconstrução de sua casa na comunidade do Borba.
Antes de chegarmos até Dona Maria Conceição, passamos por uma casa pequena, na beirada da rua de terra, de cor azul escuro e aspectos de inacabada. Essa é, como contamos na edição número 3, em junho de 2016, a única residência atingida por lama na comunidade do Borba. Dona Maria, apesar de estar vivendo próximo à casa, diz que não sabe como está se dando a reconstrução. Não gosta de olhar para a antiga casa e relembrar tudo o que viveu naquele dia 5. Espera, sim, voltar e também afirma que está mais tranquila quanto ao medo que sentia, pois não acredita que uma nova barragem possa romper de novo. Devota de Nossa Senhora Aparecida, ela pega a imagem nas mãos para nos mostrar o único objeto que salvou de tudo o que perdeu. O querer de Dona Maria pode parecer pouco diante de tudo a que ela tem direito, mas é uma vontade que, de tão simples, mostra quem ela é de verdade.
Já consertaram sua vida? Encontramos Seu Nonô moendo café no pilão de sua casa na comunidade de Pedras e vestindo uma camisa azul muito parecida com a que ele usava quando foi registrado em abril de 2016, na edição número 2 do Jornal. Ele nos contou que tem diminuído a frequência das visitas ao subdistrito, pois anda chateado com as formigas que destroem a plantação. Também disse que a mulher e os filhos não têm mais interesse em voltar para a comunidade, e que, dessa maneira, ele também não poderia viver lá sozinho. Até o momento, ninguém deu conta de consertar a vida de Seu Nonô, que agora mora em Águas Claras. Perguntamos se ele tinha conseguido outra mula, da qual lamentava a perda na matéria que publicamos em 2016. Além de não ter reavido o animal, Seu Nonô disse que, desde então, nunca mais andou a cavalo.
Nonô conta que a vida em Pedras se tornou inviável sem vizinhos e água potável.
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Viver e ser assim
Por Arturo Dinardo Com apoio de Larissa Helena
Lá se vai Paracatu, Bento e Valadares, Mar de Lama em Linhares. Acabou-se o que era Doce. Pelo minério, pelo erário. A falta de critério, a morte do operário. Do alto do cemitério, se avista a enxurrada. Casas, ruas, escolas e até o sino da igreja. Diante da memória levada, o olho mareja.
Nos dois dias em que estive em Paracatu, acompanhei o dia a dia de Seu Pascoal, um dos moradores atingidos que ainda mora lá. Através de sua simplicidade, pude compreender que a rotina dele, e de quase todos os moradores de Paracatu, possui uma forte relação com a natureza daquele local. Percebi logo de cara que a lama causou uma ruptura nessa rotina, o que fez com que os moradores que ali permaneceram tivessem que se adaptar às muitas exigências causadas pelo impacto ambiental. Os filhos e a mulher de Seu Pascoal hoje vivem em Mariana e, toda semana, algum membro da família vai a Paracatu visitá-lo, levando algo que ele precisa ou mesmo só para fazer companhia. Seu Pascoal escuta rádio todo dia, presta atenção nas notícias e ouve suas músicas preferidas. Sua televisão queimou, agora fica apenas como enfeite na estante, esperando por conserto. Apesar de todas as dificuldades, ele, no alto dos seus 79 anos, está sempre com o cigarro de palha por perto e não perde o bom humor. Uma vitalidade que surpreende a todos. Essa disposição e superação foram o combustível para inspirar minhas fotografias. Quis mostrar o contraste entre sua luta diária pela sobrevivência e a rotina de esperas. Espera pela família, espera pelo retorno dos amigos que ali viviam, espera por algo que, de certa forma, conforte as perdas após a lama. Esperas que, sabemos, talvez nunca cheguem ao seu objetivo.
Veias é um workshop de fotografia itinerante que, a cada edição, se realiza em um local diferente e com novos protagonistas. Em dezembro passado, 10 fotógrafos receberam 10 missões para contar uma história que ainda resiste na área atingida de Paracatu. A partir de uma intensa vivência entre fotógrafo e fotografado, 10 ensaios foram produzidos, conectando e documentando, de maneira sensível, a essência da comunidade.
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Fotos: Arturo Dinardo
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Para uma reparação just Com o fim da reformulação do cadastro pelos atingidos e atingidas de Mariana, cujo objetivo é fazer um levantamento adequado sobre as perdas e danos causados pelo rompimento da Barragem de Fundão, uma nova etapa começa a fim de propiciar a reparação integral dos direitos violados. A aplicação do cadastro, iniciada neste fevereiro, com o apoio da Assessoria Técnica Cáritas, é uma conquista importante na luta por um futuro digno.
Por Luzia Queiroz e Maria D’Angelo Com o apoio de Assessoria Técnica Cáritas, Francielle Souza e Wandeir Campos
Uma história reescrita por muitas mãos Durante todo o ano de 2017, os atingidos se reuniram para decidir como reformular o cadastro apresentado pela Fundação Renova/Samarco, em 2016. Em sua primeira versão, o extenso formulário contemplava, em sua forma, mais de 500 páginas e, em conteúdo, centenas de perguntas que não diziam da realidade dos moradores e moradoras das comunidades atingidas.
“Um livrão que demoraria um mês para responder e
ainda queriam que respondêssemos em 72 horas
”
A proposta das empresas tinha o objetivo de levantar somente as perdas materiais e ressarci-las apenas financeiramente, sem levar em consideração outros tipos de danos que foram causados às vidas atingidas e as diferentes maneiras de repará-los.
“ Lá a gente não funcionava à base de dinheiro. A gente
trocava os frutos, as verduras, os ovos, o leite. Falamos para a empresa que queríamos revisar tudo do cadastro. Muita coisa não condizia com a nossa cultura. Na proposta deles tinha vários tipos de plantas que nunca nem vimos, até pés de açaí. Esse cadastro abrangia desde Mariana até Regência, ou seja, a empresa não olhava individualmente para as nossas especificidades Luzia Queiroz - moradora de Paracatu de Baixo
”
Mesmo cansativo, o processo representou uma conquista coletiva e necessária para a reparação integral de todos os atingidos, pois o cadastro servirá como um meio para restituir direitos importantes que foram violados com a passagem da lama de Fundão.
“ Quem participou da reformulação teve um esforço muito
grande e sofreu muito, porque tivemos que escutar as contraposições da empresa e discutir, durante seis meses de tortura, para conseguirmos reelaborar e, ao mesmo tempo, atender aos desejos dos atingidos. E conseguimos! Maria D’Angelo, moradora de Paracatu de Cima
”
Aplicação do cadastro reformulado Para a efetuação do cadastro dos atingidos de Mariana, uma equipe composta, até o momento, por 32 aplicadores, 14 mobilizadores e 11 profissionais de coordenação, comunicação e auxílio geral foi selecionada e organizada por meio do trabalho da Assessoria Técnica da Cáritas. Os aplicadores e mobilizadores serão distribuídos pelos bairros e distritos da cidade de Mariana - sendo, (Sede) os locais onde residem provisoriamente os moradores de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, (Zona rural) os distritos e subdistritos de Pedras, Borba, Campinas, Ponte do Gama, Paracatu de Cima e Camargos. As perguntas do formulário estão registradas em um computador de mão (tablet), e o atingido (a) deverá estar atento às perguntas do aplicador para conseguir fornecer as respostas adequadas para o seu registro. Um técnico da Renova/Samarco também acompanhará o processo, apenas para garantir o funcionamento do equipamento eletrônico. Ainda está em andamento a contratação de mais 20 técnicos e 44 estagiários para atuarem nos instrumentos complementares ao formulário, contidos na 1ª etapa - nos eixos 1 e 2, e também para acompanharem a 3ª etapa relacionada à vistoria dos terrenos. A previsão é que cerca de 700 núcleos familiares sejam entrevistados e a aplicação esteja concluída no dia 31 de Maio. Mesmo que a equipe da Cáritas Brasileira aplique o cadastro, a responsabilidade pelo processo indenizatório aos atingidos e atingidas é inteiramente das empresas causadoras dos danos Samarco, Vale e BHP Billiton.
Em outubro de 2017, os atingidos de Mariana conquistaram judicialmente o direito de ter a Cáritas Brasileira, sua Assessoria Técnica, como aplicadora do cadastro. Agora, o desafio é mobilizar todos os moradores de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Zona Rural para que participem efetivamente de todas as etapas, e, assim, a Samarco (Vale e BHP Billiton) se responsabilizem em reparar os danos que causaram e ainda causam na vida dos atingidos.
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ta, um cadastro nosso ENTENDA O CADASTRO DOS(AS) ATINGIDOS(AS) DE MARIANA
1ª etapa
Neste primeiro momento, será aplicado um questionário com perguntas sobre as perdas e os danos ao núcleo familiar. Essa etapa é dividida em quatro eixos: 1) Bens materiais; 2) Atividades econômicas; 3) Bens coletivos; 4) Bens imateriais e danos morais; e acontecerá na casa de cada atingido(a).
2ª etapa
Aqui, cada atingido(a), se tiver, deverá apresentar documentos referentes aos bens perdidos e também registros que comprovem a atividade econômica desenvolvida e a cartografia familiar.
3ª etapa
Já nesta fase serão realizadas vistorias para medir os terrenos nas comunidades atingidas e reconhecer as características das propriedades.
4ª etapa
No final, ocorrerão entrevistas para levantar depoimentos sobre os danos morais: traumas e perdas causadas pelo rompimento da Barragem de Fundão.
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Não é só reassentamento, é para que não sejam irresponsáveis… de novo O prazo que a Fundação Renova precisa cumprir para que o reassentamento saia do papel e, finalmente, esteja em frente aos olhos dos atingidos, é até 2019. Mesmo após dois anos do crime, as empresas nada fizeram para garantir o reassentamento das famílias, com condições dignas, seguindo as necessidades principais dos moradores. E é por isso que, agora, os próprios atingidos correm contra o tempo para documentar, em mais de 80 orientações, as diretrizes para o reassentamento. Por Cristiano Sales, Maria Carneiro (Lilica), Maria Geralda e Marcos Muniz Com o apoio de Aline Lourenço, Caromi Oseas, Flávio Ribeiro, Guilherme Meneghin, Hélio Sato, Isabella Walter e Tainara Torres
Elaboradas pelos próprios atingidos em conjunto com a Assessoria Técnica da Cáritas, as diretrizes de reassentamento são importantes para garantir o planejamento das obras, no sentido de respeitar todos os direitos envolvidos na reparação integral das comunidades. As orientações servem como um guia para que a Fundação Renova, Samarco, Vale e BHP não descumpram o que for aprovado em reuniões e grupos de trabalho. “A empresa não deve tomar decisão alguma sem consultar os atingidos. Só os moradores sabem o que passaram e perderam, mas, muitas vezes, a Renova decide por nós. Isso não está certo. Diretriz é pra discutir todos os direitos dos atingidos. É muito importante tomar uma atitude rápida para sairmos dessa situação. É muito triste saber que estamos parados no tempo há dois anos e nada foi feito.” Maria Geralda - Moradora de Paracatu de Baixo “É importante construir as diretrizes para que tenhamos aquilo que a gente tinha antes. Elas precisam estar homologadas também, porque as empresas só fazem alguma coisa se elas estiverem aprovadas. Não podemos confiar só na conversa. Sem a ajuda do documento, o atingido vai ser reassentado e não vai ter nada pra ele fazer. Vai querer voltar pra cidade. Até porque a pessoa já vai estar há mais de dois anos fora da comunidade, até reassentar, vão ser mais de três anos.” Marcos Muniz - Morador de Bento Rodrigues “É assim que nós vamos ter os nossos direitos garantidos. Se a gente não tiver essas diretrizes acordadas com as empresas, o reassentamento pode ser um marketing para elas. Elas vão lá e fazem uma casa diferente da que a gente queria.” Cristiano Sales - Morador de Bento Rodrigues “O morador é quem foi atingido, ele é quem tem que ter o direito de escolha. Não deveríamos nem estar nessa situação. Se não for o atingido, não tem nem como criar as diretrizes. Acho importante todos estarmos por dentro e opinando.” Lilica - Moradora de Ponte do Gama
Após discutidas entre a Assessoria Técnica Cáritas e os atingidos, e apresentadas para as empresas, as diretrizes serão registradas em um documento judicial. Essa certificação é importante para garantir todos os direitos, e também para corrigir as falhas cometidas pelos responsáveis desde o início do processo. “As diretrizes servem para garantir isonomia, participação [dos atingidos] e direitos. Se elas não forem definidas, o processo acaba encontrando algumas barreiras em função disso, como o sentimento de injustiça, que a gente observa nas reuniões e nas discussões que envolvem o reassentamento.” Isabella Walter - Assessora técnica da Cáritas A correria dos atingidos para documentar seus direitos, que já deveriam ter sido garantidos pela própria Fundação, Samarco, Vale e BHP, se deu porque as empresas evitavam levar as discussões à Justiça. “As empresas se recusaram a comparecer na primeira audiência [que discutiria, entre outras coisas, as diretrizes] designada pela juíza no início de dezembro de 2017, o que levou o Ministério Público e a Comissão dos Atingidos e Atingidas a pressionarem os representantes das empresas e da Fundação Renova por uma resposta.” Guilherme Meneghin - Promotor de Justiça da 2ª Comarca de Mariana Sendo assim, uma nova data para a audiência só surgiu na reunião do dia 20 daquele mês, quando os atingidos disseram, perante as empresas, que só voltariam a dialogar se elas solicitassem uma nova audiência para a reconciliação. E se não cumprir? Somente a homologação das diretrizes em audiência pode assegurar o cumprimento delas. Nesse sentido, em caso de desrespeito às orientações que forem acordadas, poderão ser aplicadas multas, suspensões e outras possíveis formas de penalizar as empresas - assim como pode acontecer se elas não concluírem o processo de reparação dentro do cronograma estabelecido, até 2019.
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Diagramação: Flávio Ribeiro
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Foto: Wandeir Campos
As diretrizes, assim como o cadastro, são apenas algumas das inúmeras informações que tentam nortear um processo integral de reparação das comunidades.
Algumas de nossas orientações: Deverá ser garantida às famílias/comunidades a participação efetiva em todas as etapas do processo de reassentamento coletivo ou familiar (compra assistida) e reconstrução, incluindo acesso prévio aos cronogramas e visitas periódicas aos locais das obras.
Vejo que é importante porque, por exemplo, eu vou estar acompanhando no momento da construção da minha casa. Pode ser que eles usem um material de uma forma e eu posso sugerir que seja de outro jeito. Marcos Muniz - Bento Rodrigues
O reassentamento familiar também deve ser oferecido no formato de compra assistida, e a empresa será responsável pela regularização dos terrenos/imóveis onde serão (re)construídos os reassentamentos, arcando com todas as despesas do processo.
Tem muitas pessoas que não querem ir para o reassentamento. Embora a gente queira que a comunidade continue unida, é boa essa opção, porque, se a pessoa não quer, ela não fica presa em uma decisão. Cristiano Sales - Bento Rodrigues
Samarco, Vale e BHP Billiton deverão arcar com as diferenças entre os valores de impostos (como o ITR e IPTU) e despesas com água e energia elétrica que eram pagos nos imóveis de origem e que serão gastos no reassentamento durante os 10 primeiros anos.
É complicado porque antes ninguém tinha trabalho com água, por exemplo. Todo mundo tinha água em casa e, no reassentamento, não vamos ter à vontade. Lá na comunidade, usávamos o salão comunitário quando faltava e hoje nem lá tem mais. Lilica - Ponte do Gama
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foto : Silmara Filgueiras
Segurança para as comunidades Por Luzia Queiroz, Livaldo Marcelino, Mônica Santos, Milton Sena, Tereza Josafá (Dona Terezinha) e Valdir Pollack Com o apoio de Silmara Filgueiras
Que lugar é este em que as pessoas simplesmente estacionam o carro em frente à porteira, sem cadeados, saem e largam tudo aberto? Tocar campainha? O que é campainha na roça? Resposta: "Opa, tô chegando!'', "Vamo entrar, você sumiu!", disse Dona Terezinha. Eu, desconhecida, fui intimada a entrar na casa de sapê. Sem cerimônia, fui sendo convidada para tomar um café, comer um pedaço de bolo, de queijo e prosear. Enquanto isso, ela conversava com o senhor Milton: "Como vai Fulano?" Fulano, irmão de Sicrano, que é parente de uma corrente que eu já perdi o raciocínio, mas eles sabem quem é. "Minha filha, você quer água?" Dona Terezinha ainda preocupada com a desconhecida. Na roça, as pessoas são acostumadas a viver livres, de maneira simples. As portas e as janelas costumam ficar abertas o tempo inteiro. Contudo, desde o rompimento da Barragem de Fundão, a segurança das comunidades atingidas foi colocada à prova e, nas últimas semanas, um recorrente número de roubos e saques vem acontecendo. A exposição dos bens, o aumento da circulação de pessoas em alguns locais, o aspecto de abandono que a lama deixou em outros reforçam a necessidade de um sistema de proteção maior para esses lugares. O que os atingidos querem, depois de tudo, é poder continuar vivendo com a confiança de antes. Vítimas uma, duas, três, quatro, cinco… vezes Daqui [fazenda], levaram 11 porcos e uma vaca. Me roubaram só isso, mas agora que os porquinhos estão nascendo, eu já não sei. Os roubos começaram a acontecer no final do ano passado, em setembro e outubro. Livaldo Marcelino, morador de Paracatu de Baixo Moro aqui [Paracatu] desde 1987 e nunca coloquei nenhum cadeado, nenhuma chave na porteira até o final de 2017, quando me roubaram pela primeira vez. Foram três roçadeiras, balança, furadeira e ferramentas pequenas. Dois meses depois, em setembro, tinha comprado tudo de novo. No dia 24 de novembro levaram tudo novamente. Entraram na horta e jogaram tudo no chão. Dessa vez, perdi também 30 galinhas. Arrombaram minha casa também e levaram tudo de valor, até uma coleção de dinheiro antigo. Valdir Pollack, morador de Paracatu de Baixo
A gente fica triste com tudo que está acontecendo. Ver as coisas se acabando assim. Tudo começou no final do ano passado. Do Centro Comunitário levaram 12 cadeiras, dois fogões, duas botijas de gás, duas torneiras, vasilhames, uma geladeira, ferramentas e uma âmbula da capela. Dona Terezinha, moradora de Ponte do Gama Além do Centro Comunitário, a Capela de Ponte do Gama e mais quatro casas foram alvos de furtos, com pertences roubados. Os bancos que restaram foram distribuídos entre alguns dos moradores para manter o material a salvo, até que o problema seja resolvido. Milton Sena, morador de Ponte do Gama Propriedade fechada, não abandonada Nas comunidades, a força vem da roça. Gostava de chegar lá, admirar a natureza e ouvir o canto dos pássaros. Depois, fazia o ritual de ir na nossa moradia e me alegrar com a planta que resistiu, a “Lágrima de Cristo”. Ganhei ela de presente logo depois que nos mudamos para a casa, significava nossa batalha. Ela provou que é mais forte que a maldade e a ganância. Pois bem, olha o que eu vi: arrancaram o pé inteiro! Saibam que “arrancaram um coração”. Pra que tanta maldade se a propriedade está fechada, mas ainda tem vestígios de que o morador não a abandonou? Luzia Queiroz, atingida de Paracatu de Baixo Os roubos na casa que ficamos lá em Bento começaram em setembro de 2017. Chegamos no dia 9 e a janela de um dos quartos estava quebrada e a do outro arrombada. Chamamos os policiais e registramos um Boletim de Ocorrência. Em novembro, após sermos avisados de que a porta da cozinha estava aberta, percebemos que estava faltando dois colchões infláveis de solteiro e também dois de casal, a torneira da caixa d’agua, nossa churrasqueira grande, uma lanterna e um galão de água. Registrei novamente o ocorrido e, acompanhada dos policiais, fui lá na porta da Samarco pedir as imagens das câmeras, mas não liberaram, claro. Fomos até o Ministério Público levar o caso. Mônica Santos, atingida de Bento Rodrigues
APARASIRENE NÃO ESQUECER
Fevereiro de 2018 Mariana - MG
Para cada direito uma pauta, para cada pauta uma luta!
FOTO: SERGIO PAPAGAIO
Por Moradores de Barra Longa Com apoio do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
Na edição do mês de janeiro começamos a apresentar a Pauta dos Atingidos e Atingidas pela Samarco da cidade de Barra Longa. Com a contribuição da Assessoria Técnica da AEDAS realizamos ao longo dos meses de setembro, outubro, novembro e dezembro uma série de reuniões para debater os diversos danos provocados pela empresa Samarco (Vale, BHP Billiton). Durante esse período foram organizados Grupos de Bases com reuniões frequentes nas diversas localidades de Barra Longa: Volta na Capela (dois grupos), Rodovia Edmundo, Rua 1º de Janeiro, Vila São José, Rosário, Rua Matias Barbosa, Avenida Capitão Manoel Carneiro, Morro Vermelho, Rua Monsenhor Horta, Barreto, Gesteira, Mutirão, Mandioca, Floresta, Capela Velha, São Gonçalo, Estrada, Parque de Exposições, Rua Pedro José Pimenta. Na primeira parte, apresentamos o conceito de atingido ou todas as situações em que os moradores se reconhecem como atingidos pelo crime e a partir deste ato de autoreconhecimento buscam passar da condição de vítimas para de a sujeitos de direitos que estão em luta. A pauta está organizada em 6 eixos que reúnem os temas de Moradia, Trabalho, Saúde, Meio Ambiente, Indenização Justa, entre outros e que visam questionar as propostas autoritárias e ineficientes dos 41 programas da Renova e dar voz ao verdadeiro desejo dos atingidos. Neste mês apresentamos os dois primeiros eixos. A Renova recebeu esta pauta de reivindicações na última sexta-feira, 2 de fevereiro, com a presença do Ministério Público Federal (MPF). • Direito à moradia digna e infraestrutura na cidade e na zona rural • Participação e intervenção em todo o processo da reforma da casa, com livre acesso às mesmas. • Autogestão e autoconstrução das casas atingidas. A gestão dos recursos das reformas e das construções deve ser planejada e executada pelos próprios moradores por meio de associação, cooperativa ou outra forma organizativa indicada pela comunidade. Conforme decisão de cada atingido(a). • A empresa deve finalizar todas as obras das casas que sofreram danos por causa da chegada da lama na cidade e/ou pelo intenso fluxo de veículos pesados que circulam pela cidade. Tais obras, devem ser finalizadas se-
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guindo critérios e condições definidas pelos atingidos, orientadas pelos laudos específicos que serão feitos pela AEDAS. As casas já reformas e ou reconstruídas e que mesmo assim apresentam problemas ou geram insatisfação dos moradores devem ser novamente reformadas ou reconstruídas conforme vistoria e laudo técnico elaborado pela equipe da AEDAS e de acordo com a vontade dos(as) atingidos(as). Definição de prazos para finalização das obras e entrega do Parque de Exposição. Definição de no mínimo 10 anos de garantia para as reformas e construçõesrealizadas pela empresa. Restauração da Matriz de São José e da Igreja Nossa Senhora da Conceição em Gesteira, conforme vontade e decisão dos(as) atingidos(as) e dos administradores ligados à arquidiocese de Mariana. Restituir todas as perdas ainda não ressarcidas na Capela do Senhor Bom Jesus na Volta da Capela. Restauração de todos os bens tombados da cidade de Barra Longa. Garantia de sinal telefônico de qualidade e ponto de internet comunitário para a cidade de Barra Longa. Reforma e manutenção de todas as vias urbanas e estradas rurais do município de Barra Longa. Reforma da Praça Manoel Lino Mol retomando o formato original. Direito a reassentamento urbano aos que tiveram suas moradias e/ou quintais atingidos, conforme decisão de cada atingido (a). Construção e reativação dos espaços
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públicos de lazer, esporte, cultura, religiosidade das comunidadesda cidade de Barra Longa. Restituição e reforma dos campos de futebol de Gesteira, Rodoviário e Barralonguense, assim como a quadra de esportes, com a participação dos atingidos(as) nas decisões. Construção coletiva das propostas de recuperação integral dos danos ao esporte e lazer da cidade. Construção de mercado e de centro de cultura e lazer para a cidade de Barra Longa. Asfaltamento da estrada Barra Longa-Ponte Nova (27km), como parte das medidas de segurança do plano de evacuação de emergência.
Reassentamento Gesteira • Garantir a compra do terreno escolhido para o reassentamento de Gesteira, conforme vontade das famílias a serem reassentadas e de acordo com os estudos feitos pela equipe da AEDAS. • Acesso à água potável, de qualidade e quantidade suficiente para a comunidade de Gesteira. • Após a compra do terreno escolhido pelos moradores, respeitar o plano de reassentamento construído pela comunidade acompanhado pela equipe da AEDAS. • Garantir como forma de compensação coletiva melhorias nas casas dos moradores de Gesteira/Mutirão, na forma que os atingidos decidirem. • Garantia de sinal telefônico de qualidade e ponto de internet comunitário para a comunidade de Gesteira. • Solução definitiva sobre as moradias interditadas pela Defesa Civil.
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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER
Fevereiro de 2018 Mariana - MG
Foto: Sergio Papagaio
Papo de cumadres: feira de magia, da vila mágica de Regência Por Sergio Papagaio
Consebida e Clemilda resolveram ir visitar os nossos irmãos atingidos lá em Regência Augusta, pertinho do mar onde a natureza liberou para o Rio Doce desaguar. Clemilda diz para Consebida: - Cumadi, quem chega em Regência pensa que a lama num dexô niuma pendência. - É, cumadre, a vila é linda mas a lama ainda está a contaminá rio, peixe e a natureza deste lugá. - Ispantanu us banhista, istraganu o seuvisso de quem estava pescanu, dificurtanu pros artista vender sua arte prus turista. Que tentação, sumiru com medu da contaminação. - Cumade, de assuntu nós precisa mudá, pois de tristeza já basta Barra Longa que é o nosso lugá. - Agora cê falô, então vamu até a feira que dis que tá bunitu bra daná. Quem sabe lá nós conseque se alegrá. - Cumade, minha fia de Deus, é tantu trem bunitu que u que farta é dinheiru pra nós comprá. - Farta não, é tudu baratu e bão, veja só este cordão. - Quem fez foi a Mari, num é muito bacana? - Oia estas blusas de crochê bunitas de duê, é obra da Bianca, aquela altezã talentosa queles chama de baiana. - A cá estas tartarugas. - É de abri garrafa? É um abridô? - É istu mês... abridô, quem fez foi um nativo de Regência, Sô Nenstor. - Ispia estas cerâmica feita de barru e amor, foi u cumpanheiru Hauley que fez os pote e ainda desenhô. - Comu se num bastasse tanta maravia, que se eu fosse falá tudu, ia gastá mais de um dia, ainda vem a Ana e o Marcelo com estas ceuveja fria. - Cumé u nome destas ceuveja cumadre? - É u mesmu nome desta vila mágica: Regência Augusta. - Essa feira ta seuvinu pru povo esquecer as tristeza causada pela lama, superar u trauma, socializá com a turma, óia que bacana, e ainda ganhá uma grana.
Fevereiro de 2018 Mariana - MG
APARASIRENE NÃO ESQUECER
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Fotos: Larissa Helena
Paracatu sente saudades de Águas Claras Por Eliana Maria, Luiz França, Luzia Queiroz e Reginaldo Gonçalves Com apoio de Larissa Helena
"A saudade é um sentimento presente em nossa vida de agora, e ela aumenta quando falamos de Águas Claras. Era lá que íamos ao armazém quando chegava visita em casa e não tinha o que oferecer, ou quando faltava algo para o almoço. A cerveja gelada a gente bebia era lá, além dos serviços e materiais de construção que só tinha em Águas Claras. Tempo bom quando encontrávamos os amigos e reunia todo mundo pra prosear.” As palavras de Luzia Queiroz explicam essa saudade que Paracatu sente de Águas Claras e vice-versa. O que antes fazia parte de uma rotina simples, da lista feita a lápis para a compra do mês, a conta riscada no caderninho do estabelecimento e o domingo no banco da praça, não existe mais. Só o afeto permanece. A mercearia do Seu Lulu Antes, a gente tinha muito contato com eles, éramos todos amigos unidos. A demanda aqui era alta. Eu vendia e entregava bastante em Paracatu. Acontece que a gente não perdeu, mas deixou de ganhar. Só que Deus sabe o que faz. Espero que as coisas se resolvam logo para que já já eles voltem, é preciso não desanimar e ter muita fé sempre. Luiz França Carneiro (Seu Lulu), morador de Águas Claras. Bar e mercearia Rodrigues Vinha todo mundo pra cá comprar carne, linguiça e verduras. Tempo bom, costumavam sentar ali na mesa e beber umas cervejas com torresmo. Antes, a gente matava um boi grande e acabava rápido, vendia demais. Eles faziam uma listinha do que precisava e a gente separava. Além disso, tinha o caderninho em que eu anotava o que eles iam cobrando, porque aqui não precisava pagar na hora não, podia ser fiado. Que Deus ilumine eles, dê muita força! Eliana Maria Pena de Oliveira, moradora de Águas Claras A venda do Cabeção Sempre tinha entrega para Paracatu, às vezes, era ração, farelo ou então material de construção. O pessoal que morava lá tinha conta aqui, aí dava pra ir pagando as encomendas aos poucos. Eles fazem falta, porque, além de clientes, eles frequentavam Águas Claras, vinham para as festas também. Eu peço pra Deus que dê força a eles para passarem por isso e que eles não desistam, tem que ter fé! Reginaldo Gonçalves (Cabeção), morador de Água Claras
EDITORIAL O Jornal A Sirene chega, neste dia 5 de fevereiro de 2018, comemorando dois anos de publicação. Desde a primeira edição (a já amarelada capa número zero, com os moradores de Bento Rodrigues indo pela primeira vez ao terreno da Lavoura), o “Projeto A Sirene” buscava resolver nossas questões ligadas à comunicação , de forma que, nós, atingidos e atingidas pela Barragem de Fundão nos sentíssemos representados midiaticamente e, a partir disso, pudéssemos ter melhores condições de lutar pelos nossos direitos. Era imprescindível, então, para garantir isso, que fossemos os narradores das nossas próprias notícias. Mas como encontrar e construir um outro jornalismo possível para nós? Uma forma de comunicação a favor das nossas causas, direitos e memórias? Qual seria a melhor maneira de reportar tudo o que nos aconteceu daquele dia 5 de novembro em diante? Nesses 24 meses contamos, talvez, sobre os acontecimentos mais tristes de nossas vidas. Testemunhamos sobre nós mesmos, denunciamos os abusos sofridos e as lutas diárias, mantivemos a fé. Hoje, mesmo em condições que ainda nos exigem atenção e força, como a construção de diretrizes para o nosso reassentamento e a fase de preenchimento do cadastro (registrando as perdas e danos dos atingidos de Mariana), conseguimos parar por um momento e celebrar o fato de termos mantido esta sirene viva, pois, em se tratando de um cotidiano difícil, como tem sido o nosso, um instrumento de poder, de voz, de luz e de direitos como esse é uma grande conquista. Tomemos como exemplo os personagens que revisitamos nesta edição, e que, com relatos marcantes em publicações anteriores, ainda tinham muito o que dizer. Vejamos ainda a comunicação dos atingidos e atingidas de Barra Longa, em seus grupos de base, construindo reivindicações em forma de pauta. E, especialmente, o pedido urgente que fazemos pela segurança de nossas comunidades. A capa deste mês é, então, fruto da reflexão que fazemos sobre os canais de comunicação e os interesses que eles têm sobre nós, ainda tentando entender o quanto nos representam e de que forma somos mostrados. Quando trazemos a realidade para o nosso meio, a tevê desligada simboliza a ausência de uma cobertura justa; ao mesmo passo, o personagem não fica desamparado, pela razão de ter um rádio (outros meios) como companheiro. Ressaltamos, assim, a importância que vemos no Jornalismo, principalmente neste que o A SIRENE se propõe, de forma independente e desvinculada de qualquer empresa. Enfatizamos o compromisso único deste periódico de ecoar a voz dos atingidos e tudo o que, desta vida para frente, importar. PARA NÃO ESQUECER.