A Sirene 3 anos - Ed. 32 (Novembro/2018)

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A SIRENE

EDIÇÃO ESPECIAL 3 ANOS | PARA NÃO ESQUECER Ano 3 - Edição nº 32 - Novembro de 2018 | Distribuição gratuita


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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER

Novembro de 2018 Mariana - MG

AGENDA DE NOVEMBRO 5

A tragédia que chocou o mundo por Maria Geralda Ramos Cerceau

Caminhada do MAB em direção à Praça Minas Gerais às 15h, na saída do Centro de Convenções. Ato político e leitura do editorial de 3 anos pelo Jornal A Sirene às 17h, na Praça Minas Gerais.

Reunião da Comissão dos Atingidos às 18h, no Escritório da Comissão.

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15 a 18

IV Seminário "Balanço de 3 anos do Rompimento da Barragem de Fundão, das 9h às 18h, no Anexo Do Museu da Inconfidência, em Ouro Preto. III Encontro de Cultura Ancestral de Areal, na Aldeia Areal na Foz do Rio Doce.

Comunidade de Pedras, município de Mariana 5 de Novembro de 2015 uma tragédia que chocou o mundo. Samarco uma empresa famosa e de grande poder. Por um grande descuido. Vejam o que aconteceu. A barragem rompeu. Levando vidas de pessoas, animais, plantações etc. Muitos sonhos dos viventes que em sua terra Natal nasceu e cresceu. Lágrimas derramadas, tristezas acumuladas. Alguns dos viventes apesar da idade, não suportando a dor da saudade dos tempos que viveram, já não existem entre nós. Partiram para a eternidade. Mas agradecemos a Deus pela vida que nos deu. E o nosso Rio Gualaxo: Que tristeza! Quantos peixes nos deu. Com suas águas cristalinas, hoje está na ruína. Chora com a natureza o que perdeu. Com todo esse acontecimento, Mariana cidade Histórica, que tantos empregos concedeu. Com essa tragédia a crise permaneceu. Quantos pais de famílias seu emprego perdeu. Uns choram, outros reclamam, e outros é só mordomia. Ser pobre não é defeito, lutamos para o nosso direito. São os ricos, os perfeitos. Tanta burocracia, tanto blá blá blá. Até quando vamos aturar? Mas tem uma solução para salvar essa população. É Jesus Cristo no poder.

* Agenda sujeita a alterações

ATENÇÃO! Não assine nada Em caso de dúvidas sobre o conteúdo, conte com a ajuda de um advogado ou qualquer outro especialista. Se te pedirem para assinar qualquer documento, procure o Ministério Público ou a Comissão dos Atingidos.

Escreva para: jornalasirene@gmail.com Acesse: www.jornalasirene.com.br www.facebook.com/JornalSirene

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EXPEDIENTE Realização: Atingidos(as) pela Barragem de Fundão, Arquidiocese de Mariana e Um Minuto de Sirene | Conselho Editorial: Expedito Lucas da Silva (Kaé), Genival Pascoal, Letícia Oliveira, Juçara Brittes, Manoel Marcos Muniz, Pe. Geraldo Martins, Rafael Drumond, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Simone Maria da Silva | Editores-chefe: Genival Pascoal e Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio) | Jornalista responsável: Silmara Filgueiras | Editor Multimídia: Rafael Pereira Francisco | Editora de Texto: Francielle de Souza | Editora Audiovisual: Larissa Pinto | Editora Visual: Daniela Ebner | Reportagem e Fotografia: Genival Pascoal, Sérgio Fábio do Carmo (Papagaio), Simone Maria da Silva, Tainara Torres e Wandeir Campos | Apoio: Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) | Revisão: Elodia Lebourg | Agradecimentos: Colaboradores da edição especial de 3 anos do Jornal A Sirene e MICA (Coletivo Mídia, Identidade e Comunicação e Arte)| Impressão: Sempre Editora | Foto de capa: Nilo Biazzeto | Tiragem: 3.000 exemplares | Fonte de recurso: Termo de ajustamento de conduta entre Arquidiocesse de Mariana e Ministério Público de Minas Gerais (1ª Promotoria de Justiça de Mariana).


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foto: Wandeir Campos

Papo de cumadres: três anos de lama e enrolação Consebida e Clemilda estão muito desiludidas com a demora para reconhecer os direitos dos(as) atingidos(as), mas não perdem a coragem de lutar. por sérgio papagaio

- Cumadre, eu fechu u oio e veju direitim a hora que a lama chegô, e eu abru u oio e veju: quase nada mudô. Treis anu parece treis dia pra quem ainda sente tanta agunia. - São treis anu de enrolação e quase niuma decisão. - As casa que tava rachanu, mesmu ês argumas cunsertanu, ainda continuam rachanu. - E os terrenu cheio de lama tão tudu do mesmo jeitu: por cima, tem uns matu; por baxu, é tudu rejeitu. - A saúde, nossu bem mais preciosu, a Renova tira de dentru du povu de quarquer jeitu, e a Vale e a BHP tampam u buracu com rejeitu. - E as pessoa que renda perderu, muitas nem cartão receberu. - U reassentamentu é um sufrimentu: as pessoa fora de suas casa esperandu confirmamentu de quandu a Renova vai fazer as casa pamode abrigar seus rebentu. - Eu veju as baixada pela lama tomada de onde saía u sustento do roceiro. Olhandu pra dentru du riu… Cheio da mesma lama que desempregô us garimpeiru. - Me dá uma tristeza danada de sabê que a mesma lama que 19 vida levô i uma num dexô nascer trouxe contrariedade e paxão que pode mais umas tanta matá. E a contaminação por metá ainda pode atrapaiá outras vida chegá.


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Lutas e conquistas Nesses mais de mil dias de luta, contabilizamos algumas vitórias que nos animam a continuar na busca por nossos direitos, apesar das dificuldades. Elencamos, aqui, algumas delas, resultado de um esforço coletivo. Elas se somam a outras, já destacadas em edições anteriores do jornal A Sirene, e servem como incentivo para os desafios que virão nos próximos anos.

2015 NOVEMBRO

Barra Longa : Criação da Comissão de Atingidos(as) A primeira grande conquista de Barra Longa foi a criação da Comissão dos(as) Atingidos(as) com a colaboração do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Esse passo permitiu a efetivação de um projeto de assessoria técnica independente, balizado pelas decisões da comunidade, e a contratação da equipe da AEDAS (Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social), que começou a atuar em agosto de 2017.

2016 SETEMBRO

Barra Longa : Criação do Coletivo de Saúde Após perceberem os danos e agravos à saúde causados pelo rompimento da barragem, os(as) atingidos(as) criaram um grupo para discutir e propor ações que amenizassem os problemas nessa área. As prioridades do coletivo são ampliar o conceito de saúde e promover terapias alternativas. Em agosto de 2018, o grupo organizou a Primeira Feira de Saúde de Barra Longa.

OUTUBRO Mariana: Ter uma assessoria técnica de confiança Para ter suporte durante as negociações e auxílio nas tomadas de decisões, as comunidades de Mariana conquistaram o direito de ter a assessoria da Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais. A equipe conta com 14 especialistas em diferentes áreas, distribuídos em três territórios de atuação (Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Zona Rural).

NOVEMBRO Mariana: Suspensão da aplicação de cadastro proposto pelas empresas Logo após o rompimento, a Samarco iniciou a aplicação de um cadastro em toda a bacia do Rio Doce para fins de indenização dos(as) atingidos(as). Em Mariana, a reformulação desse cadastramento foi solicitada desde os primeiros meses do desastre pois, além de problemas com endereços, muitas pessoas não se encaixavam nos critérios estabelecidos pelas empresas, o que as impedia de serem contempladas pela reparação. Os(as) atingidos(as) reivindicavam também um cadastro mais completo, que se adequasse à realidade de Mariana e abordasse todas as perdas e danos sofridos, elencados exclusivamente por eles.

2017 FEVEREIRO Barra Longa: Entrega da pauta de reivindicações dos(as) atingidos(as) Construída de forma coletiva, a carta reivindicava o reconhecimento do direito à saúde, à moradia e ao auxílio emergencial por parte das empresas, além de apontar a perda de renda da população, especialmente das mulheres, após o rompimento da barragem.

MARÇO Mariana: Ampliação da compra de terrenos para o reassentamento coletivo de Paracatu de Baixo Depois de efetuar a compra do primeiro terreno escolhido para reassentar Paracatu, a Fundação Renova se deparou com restrições legais em relação à ocupação da área, de forma que não seria possível comportar toda a população no mesmo local. Mas, para os(as) atingidos(as), a união da comunidade era uma exigência. Por isso, foi preciso ampliar a compra e adquirir mais terrenos no entorno da área inicial, contemplando toda a comunidade no mesmo espaço.

SETEMBRO

Barra Longa: Negociação em relação às casas do Parque de Exposições Após dois anos convivendo com a lama que foi retirada do centro da cidade e colocada na porta de suas casas, nove famílias que moravam no Parque de Exposições conquistaram adiantamento de indenização, auxílio financeiro emergencial e retirada para casas escolhidas pelos próprios(as) atingidos(as) e pagas pela empresa até que suas casas sejam reformadas.


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OUTUBRO Mariana: Reformulação do Cadastro pelos atingidos(as) e decisão da aplicação pela Cáritas A luta por um cadastro justo se estendeu até Outubro, quando a aplicação do processo de cadastramento pela Assessoria Técnica foi decidida judicialmente. Além do direito à autodeclaração para responder ao novo cadastro, também ficou definido que os(as) atingidos(as) deveriam passar por quatro etapas: formulário geral sobre bens materiais, atividades econômicas, bens coletivos e danos morais; cartografia social; vistoria do terreno atingido e tomada de termo sobre perdas imateriais.

Mariana: "Não permuta" dos terrenos atingidos pelo reassentamento “Se recebermos um terreno no reassentamento, perdemos o que tínhamos na região atingida pela lama?” Essa dúvida gerava angústia nos(as) atingidos(as), que não queriam perder o direito à posse dos locais em que moravam ou tinham propriedades antes do rompimento. Assim, a “não permuta” veio para esclarecer e firmar que eles continuariam a ser proprietários das áreas atingidas, e não as empresas causadoras do crime, como se chegou a cogitar.

DEZEMBRO Mariana: Elaboração, pelos(as) atingidos(as) e MAB, de lista de interessados no Reassentamento Familiar O direito ao reassentamento familiar não existia para as empresas e a Fundação Renova. A maior parte dos(as) atingidos(as) das comunidades rurais possuía apenas a opção de reconstrução do imóvel atingido no mesmo terreno. Hoje, são 58 famílias asseguradas pelo direito a um novo terreno individual. A conquista se estendeu também às famílias dos reassentamentos coletivos.

Reconhecimento de garimpeiros e pescadores de Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado como atingidos(as) Ao todo, 213 garimpeiros e pescadores tiveram seus direitos reconhecidos e passaram a receber o pagamento retroativo do cartão de auxílio emergencial. Eles(as) aguardam, agora, o cumprimento da promessa da Renova em relação ao direito à participação no processo de cadastro.

2018 FEVEREIRO

Mariana: Elaboração e Homologação de 78 diretrizes de reassentamento As diretrizes sintetizam tudo o que foi discutido e acordado sobre a restituição do direito à moradia. Elas funcionam como regras gerais a serem executadas durante o processo de reassentamento e a homologação garante que as empresas respeitem os acordos previamente estabelecidos. Exemplo de diretriz: Em todas as modalidades de restituição do direito à moradia, deverá ser garantida a ampliação de 20 metros quadrados em área de construção da edificação principal, quando de desejo do núcleo familiar, como forma de compensação.

JULHO Mariana: Compra e venda de animais que estão sob cuidado da Renova Após o rompimento, os animais das regiões atingidas foram recolhidos e ficaram sob cuidados da Fundação Renova. As empresas chegaram a oferecer valores, a partir de uma avaliação própria, para a compra dos animais. Entretanto, as propostas foram consideradas insuficientes pelos(as) atingidos(as) e pelo Ministério Público. Em julho, a Promotoria de Justiça da Comarca de Mariana formulou proposta de acordo com valores mais justos para aqueles que desejam vender os animais.

Barra Longa: Responsabilização da Renova/empresas pelos danos causados às casas de Barra Longa Em setembro, as trincas e rachaduras, visíveis nas casas em Barra Longa, foram reconhecidas como consequência da movimentação de máquinas na cidade após o crime. Pelo menos 204 casas já contam com laudo feito pela assessoria, atestando a relação entre o rompimento e a necessidade de intervenções.

SETEMBRO Mariana: Assembleia de aprovação do Projeto Urbanístico de Paracatu de Baixo O projeto foi discutido durante meses em oficinas realizadas com a participação da população de Paracatu. Com a aprovação, a Renova/empresas tem o aval para dar andamento a todos os demais processos legais necessários para o reassentamento, realizar a implantação do canteiro e iniciar as obras no terreno.

Barra Longa: Ampliação do terreno para o reassentamento de Gesteira e ampliação do número de famílias a serem reassentadas Desde dezembro de 2017, os(as) atingidos(as) de Barra Longa discutem sobre questões relacionadas ao reassentamento de Gesteira. Até então, eles(as) conquistaram a ampliação do terreno a ser adquirido de seis para 39, 2 hectares e a ampliação do número de famílias com direito ao reassentamento de nove para 37, de acordo com critérios construídos pela própria comunidade.

OUTUBRO Mariana: Homologação de Termo de Transação para processo de indenização Por meio da Ação Civil Pública, foi firmado um acordo para o pagamento de indenização aos atingidos(as) de Mariana. A decisão garante a reparação integral, levando em conta as informações levantadas pelo cadastro; assegura a liberação de recursos para contratação de assessoria jurídica que acompanhe os(as) atingidos(as) durante a fase de negociações de valores; estabelece a inversão do ônus da prova, delegando às empresas a obrigatoriedade de provar a falsidade das informações declaradas pelo(a) atingido(a), caso não concordem com elas; interrompe a antiga prescrição da ação civil, estendendo o prazo para negociação até 2021, caso a proposta das empresas não seja satisfatória para o(a) atingido(a).

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Entre o cansaço e a esperança A Fundação Renova/Samarco insiste em dificultar as negociações do processo de reparação integral e, assim, a retomada dos nossos modos de vida parece ficar cada vez mais distante. Desde o rompimento, precisamos denunciar o descaso das empresas e, ainda, manter alguma expectativa de que nossas perdas e danos sejam reconhecidos para, enfim, termos nossa vida de volta. Se pudéssemos nos encontrar com quem éramos há três anos, o que será que diríamos dessa trajetória? Como contaríamos sobre o que (não) tem sido feito nesse tempo? Quais recados gostaríamos de dar a nós mesmos? Por Expedito Lucas da Silva (Kaé), Manoel Marcos Muniz e Maria Geralda Oliveira da Silva Com o apoio de Francielle de Souza e Wandeir Campos

Ainda há luta Até o dia 5 de novembro de 2015, levávamos uma vida tranquila em Bento Rodrigues, de acordo com os meus projetos de vida e da minha família. Hoje, passamos a maior parte do tempo tentando resolver situações causadas pelo rompimento da Barragem de Fundão, das empresas Samarco e de suas controladoras Vale e BHP Billiton. Faço parte da Comissão, participo de reuniões, GTs, audiências, visito os animais que estão aos cuidados da empresa, atuei na reformulação do cadastro. São atividades que, antes, eu não tinha. Estamos sempre em busca de direitos, para que a Renova/Samarco reconstrua Bento Rodrigues e nos faça uma reparação justa, para termos de volta uma vida digna, próxima a que tínhamos lá, da melhor maneira possível. Não vai ser igual, é lógico, mas, pelo menos, vamos poder tocar a vida para frente. A sensação que tenho, e acho que é a mesma da maioria dos(as) atingidos(as), é que, nesses três anos, a nossa vida parou. Eu poderia estar na minha casa, com a minha família, nos momentos de lazer ou fazendo as atividades diárias, como era de costume, cuidando daquilo que eu mais gostava, desfrutando de tudo que conquistamos com o nosso trabalho, eu e minha esposa, já aposentados, e minha filha, na nossa comunidade. Como sempre falo, hoje vivemos em função do rompimento, mas, até isso, a empresa entende que é nossa obrigação. Se vamos às reuniões para defender direitos que nos foram tirados é porque eles estão se negando a reconhecer. De quantas reuniões participamos até hoje? Quantas entrevistas foram dadas? Isso aconteceu alheio à nossa vontade, estávamos no anonimato de um distrito tranquilo e sossegado. Quem nos tirou tudo isso é que tem o dever e a obrigação de nos reparar. No meu caso, me consideram como “meio atingido”, os meus direitos são pela metade, e tem também aquelas pessoas que ainda não tiveram os direitos reconhecidos. É uma situação simples de ser resolvida, mas a Renova/Samarco prefere subtrair daqueles que eles sabem que são atingidos e que perderam tudo num piscar de olhos, como num passe de mágica, arrancados por eles mesmos, resultado da ganância. Preferem gastar quantias volumosas com o jurídico, nos humilhando nas audiências, buscando esconder atrás das leis o crime que cometeram, transformando o atingido em réu. Por quanto tempo mais nós vamos ter que continuar “mendigando” nossos direitos, sendo humilhados e constrangidos diante das empresas e da justiça? Os projetos de vida que eu tinha foram interrompidos. Até quando? Manoel Marcos Muniz, morador de Bento Rodrigues.


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foto: Miriã Bonifácio

Como nos sentimos Esses três anos foram de muita luta e de muita incerteza. Tive que aprender muito, porque não estava acostumado a reuniões e audiências. Mas, com a ajuda do Ministério Público, da Assessoria Técnica e de outras pessoas/órgãos que nos auxiliam a entender o processo, tivemos algumas vitórias ao longo desse tempo. Por isso, hoje, eu consigo trabalhar, minha memória tem voltado. A saúde da gente ainda não está boa, mas, agora que começou o reassentamento, tenho um pouco de esperança. Mesmo que não esteja 100% resolvido, há uma esperança. Antes, eu me sentia uma pessoa livre, hoje, mudou. Minha liberdade... Me sinto como um passarinho que estava solto e você prende ele na gaiola, depois o solta e ele nunca será o mesmo. Fica sem rumo. É difícil até para quem está de fora entender, só quem é atingido(a) sabe. Então, para o Kaé de antes, eu digo que você tem que seguir em frente, tocar a vida, erguer a cabeça e enfrentar os problemas. Só assim você vai conseguir. Expedito Lucas da Silva (Kaé), morador de Bento Rodrigues

Nesses três anos, a vida já não é mais a mesma de antes. Estamos vivendo na esperança de que as empresas façam alguma coisa, mas, até agora, nada. Tudo está do mesmo jeito. Temos muitas reuniões, nada é decidido e nem sabemos quando vai ser. Vivemos em um lugar que não é nosso. Tivemos que vir pra cidade, viver de aluguel, de cartão. Essa não é a nossa vida. Eu cuidava da minha casa, vivia tranquila, cuidava das minhas plantas. Agora, acabou a nossa liberdade. As empresas acham que o direito é deles, que podem pisar em nós. Não estamos sendo reconhecidos. Atingido(a) não tem valor para eles. Isso não é certo. A culpa é das empresas. Foram elas que cometeram um crime. Tenho ido a reuniões, por exemplo, e fico pensando no meu povo de Paracatu. Muitos já perderam a esperança. Às vezes, olho para as pessoas e vejo isso nos olhos de muitos. Uns estão doentes, outros já se foram e nem puderam ver o novo Paracatu. Sabemos que nossas casas não vão ficar prontas em 2019. Tudo o que queremos é justiça, e a empresa nega nossos direitos. Não conseguiram devolver a nossa vida ainda. Para a Maria Geralda de antes, eu diria que tudo está muito diferente. Agora, eu vivo preocupada, pensando em quando vamos sair dessa. É muito sofrimento, muita dor, muito desespero. São três anos de angústia e sofrimento. Eu diria que essa marca nunca vai se apagar, essa marca vai ser pra sempre, mas a gente vai aprendendo com a vida. Maria Geralda de Oliveira, moradora de Paracatu de Baixo


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Entra pra cá, vem tomar um café Tradição. Cuscuzeira. Cê coloca uma camada de fubá com rapadura e leite, tudo amassadinho, e uma camada de queijo por cima. E aí, vai subindo até chegar no topo. Chegou no topo, na hora que começar a sair vapor, cê tampa para cozinhar.


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Fotos: Nilo Biazzeto

Nesta edição, em que se completam três anos do crime da Samarco/Vale/BHP, percorremos algumas comunidades atingidas, de Mariana até a cidade de Rio Doce. Ao longo do caminho, fomos convidados a entrar para um café e conhecer pessoas que tiveram suas vidas alteradas pela passagem da lama, mas ainda desejam compartilhar histórias de tradição, pertencimento, resistência e luta. Por Ângela, Clara, Delegado, Dôra, Elias, Elísia, Geralda, Geraldo, Iau, Lia, Lulu, Manguaça, Maria Antônia, Maria Benigna, Maria Tereza, Ná, Naná, Nonô, Peleco, Pilão, Raimundo, Rômulo, Rosângela, Tininho, Véio e Vermelho

Aprendi com dona Paulina, minha mãe. Todo mundo gosta dela. Se você conversar com ela, ela conversa. Se não, ela fica na dela. Maria Ângela da Cruz (Ângela), Pedras


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Tainara Torres

Eu sou de Belo Horizonte, mas já tem 14 anos que eu moro aqui. Agora já sou barralonguense. Aqui é uma paz, um sossego. Eu falo que eu deveria ter nascido num lugar assim. Cozinhar é minha especialidade. Adoro. Minha mãe trabalhava e a gente tinha que se virar, então, desde pequena, eu cozinho. Tudo que eu faço na cozinha, faço com amor. Elísia Dantas de Castro Cirilo, Barra Longa

Patrícia Milagres

Eu fui nascida e criada aqui. Depois que me casei, morei oito anos em Belo Horizonte, mas não me adaptei lá, então voltei. Aqui é tranquilo, você pode dormir de janela aberta, os vizinhos são companheiros. Na festa de São Vicente de Paulo e no Dia das Crianças, eu sempre ajudava a cozinhar. Adoro mexer com forno, cozinha. É muito gostoso. Rosângela Lurdes, Gesteira


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Perdas.

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Tainara Torres

A vida aqui era muito mais tranquila, mais gostosa, mas a gente tinha mamãe. Ela era a peça-chave. Sem ela, fica um vazio, mas a gente vai levando. Poucos dias depois de estourar a barragem, ela teve o primeiro infarto. A barragem trouxe as pedras da cachoeira todas pra cá. Aquela zoeirada d’água lá, mamãe ficava impressionada com aquilo. Ela falava com todo mundo que chegava: “Vocês que vão tirar essas pedras e refazer minha horta?”. Faz sete meses que mamãe faleceu. Não dá pra dizer que foi por isso, mas foi muito aborrecimento. A ganância destrói tudo. Geraldo Carneiro (Iau), Barretos

Larissa Pinto

Eles falam que a água do rio vai ficar limpa. Ela pode sair clara, mas ela passou em cima do rejeito. Então, vai continuar contaminada. Preferia mil vezes que estivesse tudo normal. Jorge de Jesus Ribeiro (Nonô), Santana do Deserto


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Larissa Pinto

A gente usava o rio como travessia. Hoje, para irmos para o nosso terreno, temos que passar em Rio Doce, depois no Soberbo, em Santa Cruz. Antes eram só sete quilômetros. Tem um barco que atravessa, mas ele respinga água na gente e eu tenho alergia ao pó do minério. Era um rio que todo mundo tinha medo. A gente falava: “Não brinca com o rio Doce porque o filho chora e a mãe não vê. Ele mata”. Hoje ele tá morto, mataram ele. Maria Auxiliadora Ribeiro (Dorinha), Santana do Deserto

Tuila Dias


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Tainara Torres

Aqui era um quiosque, aqueles quiosquinhos de sapê. Aí fui mudando, fui criando o bar, mercearia, ampliando. Lá embaixo nós temos um salão de festas grande onde a gente fazia nossos forrós. Aqui quem trabalha é nossa família. Vim morar aqui por conta da tranquilidade. É um lugar bom de viver, as pessoas são boas. Disso não resta dúvidas. Rômulo Fernandes, Barra Longa

Eu perdi comércio, tinha sinuca, tudo. Toda semana, tinha gente pescando e, de tarde, tava gastando dinheiro aqui em cima. Agora esvaziou tudo. O lugar que a gente pescava, agora não tem mais. Não dava nem pra chegar na beira do rio. Ficou mais de um mês o barro fedendo lá. O lote de todo mundo aqui dá no rio. Antônio Célio Zenadi (Delegado), Santana do Deserto

Felipe Cunha


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Larissa Pinto

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Tuila Dias

Tudo nosso vinha do rio, nosso sustento. Era ouro, pedra, cascalho, areia. Quem trabalhava meio período, depois de trabalhar, já ia para o rio. E eles acham que a gente tá mentindo, a gente sente isso, mas por que nós íamos mentir se o nosso trabalho era o rio? Geralda Maria de Oliveira (Lulu), Rio Doce

Felipe Cunha

Tinha vez que eu trabalhava em casa de família até meio-dia, depois vinha em casa, pegava meus trem e ia pra beira do rio. Ficava até umas seis horas. Cansava demais, mas era bom. Eu gostava de ficar lá. Até dia de domingo eu e minha irmã íamos. Ficávamos lá o dia inteiro, levava a marmitinha e só voltava de tarde. Ainda tenho vontade de tirar ouro, mas tenho medo, né? Porque a água está suja. Ana Aparecida Floriano (Ná), Rio Doce


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Larissa Pinto

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Larissa Pinto

Eu mexia mais com ouro, garimpava, mas ajudava Lia com a plantação aqui também, pescava. Hoje, o que garantia a minha renda tá fracassado. Vez em quando você chega no rio e vê um peixe morto, mas não sabe do que eles estão morrendo porque não fazem análise. Hoje, o rio nem pra molhar a mão não serve. Você mete o pé num minério desse aí, seu pé fica mais preto que carvão, pra tirar é mão de obra.

A gente ficou um tempo sem colher nada. Agora a gente ainda planta um bocado lá na ilha. Tem uns pés de abacaxi, banana, mandioca, amendoim. A gente fica triste porque trabalhava muito, tinha bastante renda de tudo. E até hoje eles não nos reconheceram. Deixam a gente aguardando, passando aperto. Minha filha era pra ter continuado a fazer faculdade, mas o estudo dela tá parado. Tudo isso por causa da renda, né?

José das Graças Ribeiro (Pilão), Rio Doce

Maria das Graças Ferreira Melo (Lia), Rio Doce

Larissa Pinto

Felipe Cunha


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Fotos: Tuila Dias

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Felipe Cunha

Rompimento. Passei maior aperto quando veio a lama aqui. Eu nem sabia que existia essa barragem. Pegou a gente de surpresa. Quando assustamos, só vimos o carro de bombeiro do outro lado. Eu quase morri, porque tentei sair da ilha no bote, fui parar lá no meio. Lá, tive que saltar para retornar e fiquei com lama até o pescoço. Eu fiquei aqui das 6 da manhã até umas 4 da tarde, mais ou menos. Não tinha como sair. Eles tiveram que me tirar de helicóptero. Tiveram que pousar do lado de fora do terreno porque aqui tudo era plantação de abacaxi, não tinha onde parar o helicóptero. Geraldo Ferreira da Cruz (Manguaça), Rio Doce


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Fotos: Taianara Torres

Pertencimento. A gente foi nascido e criado na roça, é o lugar mais sossegado. Tudo que nós precisamos, aqui tem. Quando eu fiquei viúva, meu filho pelejou para me levar pra Mariana, mas não fui. Minha "memória" não dá pra morar na cidade. Aí a gente fica aqui na roça, que tem os vizinhos, mas, nesse meio tempo, a gente está meio pobre de vizinhos. Geralda Joana Gonçalves, Paracatu de Cima


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Leleo Lopes

Ah, eu nasci e me criei aqui. Eu não tenho vontade de sair. Com essas plantações que eu tenho, vou sair pro lado de lá, que só tem a casa? Lá, não vou ter plantação igual tenho aqui. É abóbora começando a dar, couve, mamão, laranja, manga, dois pés de jabuticaba. Maria Benigna da Silva, Paracatu de Baixo


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Tainara Torres

Eu não vou mais para o reassentamento não, porque o terreno lá tem morro. Eu não vou caçar encasquetar com morro não, começar do zero lá. Esse pé de manga meu produz muito. Um pé de manga desse, pra dar, tem que esperar 10 anos. Se eu tô colhendo agora, vou esperar 10 anos? Eu não. Ó, jabuticaba, segundo ano que ela dá. Não quero ir. O que eu vou fazer lá? Quem acostumou a mexer, sempre trabalhou, não consegue ficar parado. Geraldo de Paula, Paracatu de Baixo

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Leleo Lopes

Larissa Pinto

A vida aqui é outra, né? Eu gosto de sair pelo pasto afora, olhando minha criação. A cidade é boa só se tiver trabalhando. Se ficar parado na cidade, não dá resultado não. Aqui, pelo menos, cê cuida da plantação, tem tranquilidade. Hélio Gonçalves (Véio), Paracatu de Baixo


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Eu já morei na cidade, morei em Mariana, mas não gosto de rua não. Já tratei de vaca hoje cedo, cortei capim, meu irmão tirou o leite. Morar na roça é bom. Só dá muito serviço, né? Hebert Figueiredo Cota (Tininho), Gesteira


Novembro de 2018 Fotos: Patrícia Milagres e Tainara Torres

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Leleo Lopes

Ela é “veiaca”. Ela começa a me chamar de manhã cedo, na hora que eu tô tomando café, só para ganhar alguma coisa. Maria do Carmo Macedo (Naná), Campinas

Tainara Torres

Aqui, a gente planta poucas coisas por conta do terreno. Por causa das pedras, nem tudo pega. A roça que a gente plantava era pra cima, num terreno ali, mas, depois que a lama passou, acabou tudo. João Martins Dutra (Vermelho), Campinas


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Fotos: Tainara Torres

Resistência. Quase todo dia eu vejo ela. Daqui de casa, eu vejo ela e nós conversamos: “Oi, dona Maria. Como a senhora passou a noite?” “Passei bem, dona Maria. Graças a Deus.” Patrícia Milagres

À esquerda, Maria Tereza e à direita Maria Antônia.

Ah, cuidar das plantas me faz bem. Quando eu não estou aguentando, eu puxo os vasos, arrasto elas. Hoje mesmo cuidei delas. Vou tirando as folhas velhas. Quando meu filho sai pra trabalhar, eu vou cuidar é delas. Maria Tereza Pereira e Maria Antônia de Jesus, Barra Longa


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Larissa Pinto

Continuamos fazendo as festas, a mesma coisa. Nós temos uma Folia de Reis, aí a gente passa nas comunidades tocando. Teve a festa do Menino Jesus, no dia 12 de setembro. Fizemos um almoço para mil pessoas lá embaixo. Só com dinheiro da Folia, não é dinheiro da Samarco. Agora, teve a festa de Nossa Senhora Aparecida. A comunidade junta todo mundo e ajuda. Elias Geraldo de Oliveira, Paracatu de Baixo Tuila Dias

Esse rio aqui você tirava ouro, pescava, vendia o peixe, pagava a conta de luz, comprava trem para casa. Por enquanto, tem movimento porque a firma tá aí, na hora que acabar esse serviço, acabou tudo, porque não dá pra tirar ouro mais, não dá pra pescar. Quer dizer, as pessoas mais novas vão ter problema. A turma da firma vem pra cá e fica tudo lotado. Você sabe como esse pessoal é espaçoso, chega e acha que é dono de tudo. Raimundo Ribeiro Filho, Santana do Deserto


APARASIRENE NÃO ESQUECER

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Felipe Cunha

Luta. Eu e meu marido compramos essa casa do nosso patrão, dono da terra onde nós plantávamos. Trabalhamos uns três anos para pagar, sem trazer um caroço de feijão. Inclusive, quase ganhei minha caçula no caminho, trabalhando em roça. Minha casa era só ‘entijolada’, passava bosta de boi no chão porque não tinha o piso em cima. Foi muito difícil. Tive seis filhos. Passei fome. Foi uma luta pra criar meus meninos. E agora vem esse problema. Clara Alves Ribeiro, Santana do Deserto


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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER

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Foto: Adelaide Dias

O Rio Fantasma por Darlan Correa Dias (atingido de Governador Valadares)

O rio que corria à frente da Ibituruna morreu! Era volumoso, Generoso, Sinuoso. Não negava peixes aos ribeirinhos, e sua profundidade permitia navegação. O rio que corria à frente da Ibituruna morreu! Era intempestivo, genioso, espaçoso. Quando chovia muito, transbordava e invadia tudo. O rio que corria à frente da Ibituruna morreu! Era pródigo, dadivoso grandioso. Abastecia centenas de cidades. O rio que corria à frente da Ibituruna morreu! Era morada de muitos! Aconchegante, Amoroso... Gostoso! Tão amado, foi batizado de Doce! O rio que corria à frente da Ibituruna foi assassinado! Seu sangue vermelho, castanho, marrom, vai arrastando-se morosamente em seu leito. O rio que corria à frente da Ibituruna foi violado! Seu fantasma agora geme Agoniado, desesperado, olvidado. Pois quem o feriu, foi inocentado! *Poema premiado no I Concurso Literário UNIVALE

Rio Doce atingido pela lama em Governador Valadares, Minas Gerais.


APARASIRENE NÃO ESQUECER

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Em nome do mar, do rio e do Espírito Santo Por atingidos e atingidas do estado do Espírito Santo Com apoio de Daniela Felix e Rafael Drumond

Se, em Mariana, a lama surgiu em forma de onda, no estado do Espírito Santo, ela chegou lenta. Desceu, mansa, pelo rio: uma grande corrente marrom que, pelos veios do Doce, alcançou, em 21 de novembro de 2015, o oceano Atlântico. Muitos são os capixabas que nem imaginavam que aquela barragem, lá em Minas Gerais, poderia fazer um estrago tão grande em suas vidas. Mas fez. Isso porque é próprio da natureza trabalhar na lógica da conexão, em uma dinâmica bem resumida por João dos Santos, pescador de São Mateus, norte do Espírito Santo: “a água une a gente”. Sim, Seu João. São pelos cursos d’água que pessoas e territórios são costurados, que se fez e que se faz a história dessa porção de terra chamada “Bacia do Rio Doce”. Um monte de gente conectada - hoje, pelo desastre, mas, muito antes dele, pela força de um rio. Neste 5 de novembro, trazemos relatos que contam histórias de uma gente que, todo dia, é atingida pelo crime da Samarco, da Vale e da BHP. A água que une, que dá curso ao desastre, que faz do território “bacia” é o espírito adoecido, mas ainda vivo, de Watú - entidade sagrada do Doce. A ele, oremos.

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Foto: Daniela Felix


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A SIRENE PARA NÃO ESQUECER

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Fotos: Daniela Felix

Ficamos mais de um ano vendo a água do rio vermelha, com aquele monte de rejeito descendo e um tanto de peixe morto. Pra gente que vivia dentro da água, ainda é doloroso chegar na beira do rio. Vivi quase 40 anos no Rio Doce, e gostaria que essa cultura da pescaria, que é milenar, continuasse na nossa família. Os meus netos mais novos, por exemplo, não vão me reconhecer como pescador, já que eu nunca atravessei o rio com eles, nem fomos na praia jogar bola na areia. Eu queria mesmo é que esse rio fosse recuperado. Meu sonho é navegar de novo dentro dessas águas, azuis. José de Fátima Lemes, pescador de Maria Ortiz, Colatina

Nossa terra era um mar de riquezas da pesca, mas desde essa lama da Samarco estamos abandonados, passando dificuldade. Eles acham que aqui já virou um cemitério. A Renova precisa agir e ter socorro com nós; pescadores. Eu me sinto envergonhada, com depressão. Todo dia é gente me ligando, porque tive que fazer empréstimo. Chegaram a cortar minha luz, meus filhos ficaram sem leite. Eles [Samarco] tiraram a nossa dignidade. E agora eles têm que devolver. Creuza Campelo, catadora de caranguejo de Campo Grande, São Mateus

Amanhã ou depois, a indenização e o auxílio da empresa acabam. E qual é a atividade que as pessoas vão ter pra fazer? Isso preocupa a gente. O consumo de álcool e drogas na comunidade aumentou muito. Eu acho que tem que ter algum tipo de trabalho social aqui, mas a empresa não quer se responsabilizar por isso. Até agora a Renova só fez um parquinho pras crianças. Eles funcionam assim: se pagar o mínimo que o camarada tem direito, pronto. Depois, que se vire. Simião Barbosa, pescador de Povoação, Linhares

O rio pra gente era nossa mãe. Tenho 11 filhos, todos criados com o rio e o mangue. Quando eles falavam pra mim que estavam com fome, eu pegava o facão e o gancho, ia no rio, no mar, e trazia o samurai cheio de peixe e caranguejo. Depois da lama da Samarco, a gente vai pro mangue e não encontra mais nenhum sururu ou siri. Acho que tem muita doença que só vai aparecer na gente daqui há uns anos. Mas eu tenho muita fé. Se sinto qualquer coisa, vou lá no mato, faço meu remédio, oro. Quero ver meus netos andando com saúde. Helena Coutinho, tupinikim do Território Indígena Caieiras Velhas, Aracruz


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Essa não foi uma tragédia apenas de Mariana, mas de todo o país. Estão tentando tirar a nossa riqueza e identidade. Nós, do setor da pesca, estamos de luto e totalmente abandonados no sentido de falta de informações. Vivemos de boatos. A Samarco não se responsabiliza por conversar direto com a gente. Isso é desrespeito com o pescador. Precisamos de todos os órgãos unidos para nos esclarecer o tamanho do dano. Queremos saber o que será da nossa vida daqui há cinco, dez anos, se o rio vai estar limpo e se eu vou poder ser o que sou: pescadora. Gilmara Paranaguá, vice-presidente da Associação de Maricultores de Conceição da Barra

Tudo que eu plantava era orgânico, sem veneno nenhum. A minha felicidade era levar as hortaliças, os ovos e a carne de porco para a freira. Mas essa rotina se tornou tristeza. A água e a terra estão contaminadas, as criações e as plantas morreram, as abelhas sumiram, os nossos projetos… parados. O que mais me dói é ter que viver de doação dos outros, porque antes a gente tinha o nosso sustento. As riquezas do Brasil estão indo embora, e pra gente fica só poluição e destruição. Não entendo porque o Governo e a Justiça, que são pra nos proteger, tratam as empresas a pão de ló enquanto nós atingidos estamos sofrendo. Jerônimo Coutinho, agricultor de Nativo, São Mateus

Degredo para nós era o paraíso; um lugar tranquilo. E pescar era nossa vida. Tanto é que a gente nem chamava de trabalho. Todo mundo se encontrava no mar, mas se você for lá agora, não vai achar ninguém. Depois da proibição da pesca por causa da lama, cada um teve que seguir seu rumo. Muitos foram para a cidade em busca de emprego e estão passando por dificuldades. As pessoas, que eram acostumadas a viver aqui, foram forçadas a sair, a deixar seus costumes e o modo de viver. Lucilene de Jesus, membro da Comissão de Atingidos e Atingidas do quilombo de Degredo, Linhares

Depois da lama da Samarco, acabou o trabalho. A plantação de cacau diminuiu e as pessoas foram mandadas embora. Se a gente não tivesse lutado por esse cartão, muitos estariam passando fome. Mas eu não quero ficar rico. A gente mora na roça, mas não é burro. De que adianta milhões de reais se for pra ficar deitado na cama? Eu quero saúde, minha casa de alvenaria, energia, almoço e janta todo dia. Não preciso de mais nada. A gente dá valor pro que é da gente. José Barcelos, morador da aldeia Areal, Linhares A reportagem completa sobre o desastre e a reparação no estado do Espírito Santo será lançada nas redes sociais do Jornal A SIRENE no dia 20 de novembro, em versão multimídia. Projeto aprovado em edital de Jornalismo Investigativo, promovido pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos.


EDITORIAL No dia 5 de novembro de 2016, quando o rompimento da Barragem de Fundão completou um ano, o jornal A SIRENE lançou uma capa na cor preta para simbolizar o luto, a perda e os danos. Naquela mesma edição, foi contada a história da “luz do Santíssimo” na capela de Ponte do Gama, que permaneceu acesa mesmo após a passagem da lama responsável por devastar parte da comunidade. Em 2017, optamos por uma capa branca, que representava as condições dos(as) atingidos(as) de Mariana e Barra Longa diante dos atrasos da Fundação Renova/Samarco/Vale/BHP para reparar o crime que haviam cometido. Ao mesmo tempo, significava, também, a esperança de reescrever histórias. Nesta edição, quando se completam três anos do desastre-crime, reunimos as histórias, relatos e memórias daqueles e daquelas que, mesmo com as dificuldades, ainda resistem. Por isso, trouxemos, mais uma vez, a luz, agora como capa, que ilumina a cozinha do senhor João e dona Maria Ângela, moradores de Pedras. A imagem mescla a ideia das duas edições anteriores: enquanto a escuridão denuncia que ainda estamos de luto pelas perdas que sofremos diariamente desde o rompimento, a claridade simboliza a fé de que algum dia poderemos retomar nossas vidas, em nossas casas. O ambiente da cozinha também não é ao acaso. Ele reflete a relação de acolhimento e proximidade que nós, atingidos(as), temos uns com os outros e com pessoas que estão ao nosso lado, nos ajudando a enfrentar um dos momentos mais difíceis das nossas vidas. É na cozinha que temos o costume de conversar, rir, contar histórias, relembrar momentos bons e ruins. Tudo isso enquanto a água do café ferve e o bolo assa. Pensando nisso, na partilha dessas histórias, propusemos aos colaboradores do jornal que percorressem as comunidades atingidas de Mariana, Barra Longa e Rio Doce para mostrar o dia a dia na roça, as culturas das diferentes regiões e as histórias de vida, nutridas e banhadas pelos rios Gualaxo e Doce. Simbolicamente, estendemos aqui o convite comumente feito pelas pessoas dos lugares em que passamos: “entra pra cá, vem tomar um café”. Seguindo o trajeto do rio, mais uma vez, expandimos até o Espírito Santo. Embora a realidade de lá seja diferente da nossa, estamos ligados não só pela água que atravessa nossos estados, mas também pelas consequências da lama que ainda nos atormentam. Registrar a realidade dos(as) atingidos(as) daquela região é demonstrar solidariedade àqueles que, como nós, também lutam por uma reparação justa e integral. Agora, chegamos aos três anos do rompimento da Barragem de Fundão e, em nossa trajetória, temos o registro de muitas lutas e conquistas, seja em Mariana, na Bacia do Rio Doce ou no Espírito Santo. Se antes éramos interligados por uma história de dor, hoje nos unimos também pela luta. E, temos certeza, ela é longa e não termina aqui.


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