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Há quatro anos, Brumadinho clama por justiça

Nos atos em torno dos quatro anos do rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, no dia 25 de janeiro, foi demandado, do novo governo federal, engajamento na luta das pessoas atingidas. A promessa é se comprometer com a justiça e a garantia de reparação. Como sinais disso, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, esteve nos eventos, e a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, enviou uma carta pública. Na ocasião, as famílias atingidas também pressionaram a Vale pela reparação do crime que cometeu.

Enquanto isso, Samara e Lindaura, conhecida como Buia, tiveram uma conversa sobre as durezas da vida: Samara, há mais de sete anos, convive com os danos do crime da Samarco, Vale e BHP; Buia lembrava, naquele dia (como em todos os outros), o crime da Vale em Brumadinho. Apesar das diferenças e singularidades entre as duas catástrofes socioambientais, lá como cá, as dores se parecem, as violações são similares, a injustiça se repete.

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Por Samara Maria Quintão e Lindaura

Prates Pereira (Buia)

Com o apoio de Ellen

Barros, André

Luís Carvalho e Karina Gomes Barbosa

“Mariana e Brumadinho não poderão ficar esquecidos. Temos uma diretriz clara do presidente Lula, que é valorizar a atividade minerária com a proteção da vida humana, com segurança da atividade e sustentabilidade. Com relação ao acordo [judicial], queremos conhecer com profundidade o trabalho feito pelos governos e pelo Ministério Público, para que possamos, com o olhar da sociedade civil organizada e dos movimentos sociais, participar ativamente, para que aconteça, o mais rápido possível, o que eu chamo de minimização dos impactos dessas duas tragédias. Que possa ser reparado. A grande prioridade da política minerária é ouvir as pessoas, as comunidades, os movimentos sociais. A boa política, que é a política do diálo- go, preservar a geração de emprego e renda, o crescimento nacional, preservando os maiores valores, que são a vida humana e a sustentabilidade.”

Alexandre Silveira, ministro de Minas e Energia

“A maior violação de todas é a Vale não admitir que cometeu um crime, toda essa tragédia que aconteceu nas nossas vidas, e que nós estamos parados na lama do dia 25 de janeiro de 2019. Essa maquiagem, manobra pra tentar postergar a justiça em vez de aceitar e entender que foi crime, que é crime, e que as ações dela fazem com que o crime permaneça, que nós continuamos presos na lama. Essa é uma das violações que estão dentro de nós, algo que a gente precisa, a todo momento, dizer: não é acidente, é crime. Também a questão da mudança, dessa postergação dos prazos, de todas as manobras jurídicas que são feitas. Acho que é essa a maior de todas as violações pra nós, familiares.”

Andresa Aparecida Rocha Rodrigues, integrante da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (Avabrum)

"Após um tempo que a barragem [de Fundão] rompeu, houve o rompimento de Brumadinho. Pra gente, foi um baque muito grande, porque aquilo que a gente viveu tava sendo repassado na nossa mente. Foi uma tristeza muito grande. Eu, como atingida de Bento Rodrigues, não tenho casa mais, minha casa foi toda embora, só sobrou o piso. Lá em Bento Rodrigues, a gente perdeu pessoas, pessoas queridas, mas, em Brumadinho, foram muitas vidas que foram tiradas. Então, quando houve a tragédia de Brumadinho, logo depois de Bento Rodrigues, a comunidade ficou muito chocada devido ao trauma que a gente já tinha tido.

E estamos aqui hoje na luta, participando de reuniões, na luta pela reparação justa. A gente não tá buscando o que a gente quer: é um direito. A gente só está atrás do direito da gente. A gente quer nossa casa de volta, nossa vida de volta, e não tá sendo entregue. Sete anos de rompimento da barragem e, até hoje, as casas não foram entregues. Tão querendo entregar parcialmente, sendo que todo mundo saiu junto, temos que voltar juntos. É juntos pela causa.”

Fevereiro de 2023

“O rompimento da barragem de Brumadinho nos atingiu demais, porque nós moramos a 200 metros do rio, e esse rompimento trouxe muito impacto. Eu nem posso falar que é impacto. Foi crime, porque o que a gente tinha, a lama que veio acabou com a vida da gente. No nosso território, a gente convive com pessoas com depressão, gente que já tentou suicídio, nós tamos convivendo com muitos problemas de saúde. Além do rompimento, veio a enchente que trouxe uma avalanche de rejeito para dentro dos quintais das pessoas, os terrenos que as pessoas plantavam e tinham renda, de onde a gente tirava todo o sustento, tinha o lazer, o turismo na beira do rio, as pessoas vendiam produtos da beira do rio, pescadores. Hoje a gente não tem mais pescadores na beira do rio, a gente não pode plantar mais porque os rejeitos do rompimento vieram em peso para os terrenos.

Nossa água de beber era de cisterna, hoje está interditada. Bebemos uma água que eles entregam pra nós, que não tem qualidade, não temos segurança de tomar. E não é suficiente para as famílias que têm muitas pessoas, que acabam tendo que tomar água da cisterna contaminada. A Vale não deu assistência, os insumos que era pra dar pros nossos bichos, mandam os insumos que não dá pra manter nem 15 dias os nossos bichos.

Ontem, no ato [em Brumadinho], eu chorei. Ouvi testemunhos de pessoas que perderam todo o cabelo, pessoas com depressão, com a pele machucada, por causa da contaminação, gente que teve o terreno invadido, que chora. Nós estamos vivendo tudo isso no território, e estamos pedindo socorro. Nós temos vivenciado muitas coisas que eles poderiam ter evitado que a gente vivesse.”

Lindaura

Prates Pereira

(Buia),

moradora de São Joaquim de Bicas

— Então não é muito diferente de Mariana, não. Animais morrendo, perdemos mais de 80 pessoas das comunidades. A gente vai na casa das pessoas e tem que segurar a emoção, porque, na hora que o moço fala que está de idade e não vai ver a casa, é dolorido.

— Perdi pé de lichia, pé de graviola, pé de limão. Muitas coisas nossas se foram, e todo dia perdemos coisa. As plantas não dão mais como davam.

— A Renova faz propaganda que o reassentamento tá lindo, maravilhoso, vai ser entregue, você entra nas casas, as lajes molhando, telhado. Casa nova, que ninguém tá morando. Água bruta, que tinha em abundância, vamos ter que pagar. Não tem espaço pra plantar, pras criações.

— Antes tínhamos nossas ruas simples, que as crianças brincavam, andavam de carrinho de rolimã. Hoje não dá mais, porque as ruas estão cheias de caminhão, entregando coisa, quando consertam as ruas que os caminhões estragam, as casas ficam todas rachadas.

— É complicado, e muito sofrimento, e muitas coisas são parecidas.

— Por isso, precisamos unir forças, porque tá todo mundo no barro, mas um barro diferente. Mas os problemas são os mesmos. Nossa luta é árdua, mas vamos seguir.

— E acreditar na justica de Deus também, porque a dos homens pode até falhar, mas a d’Ele não falha, não. Tenho certeza.

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