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Limeira
Reforma agrária
Em busca de um lugar ao sol e à sombra da sanha imobiliária Integrantes do MST lutam para transformar o acampamento Elizabeth Teixeira em assentamento, e sofrem com especulação fundiária; trâmite envolve governo federal e Prefeitura de Limeira, com olhares interessados de particulares
Por Giovanni Giocondo
A reintegração de posse Em 29 de novembro de 2007, mais de 300 homens da Polícia Militar invadiram a área para cumprir um mandado de reintegração de posse a pedido do juiz Flavio Dassi Viana. O magistrado atendeu a um pedido do então prefeito de Limeira, Silvio Félix da Silva, que argumentava que o terreno era de posse do município. “Eles (policiais) entraram quebrando tudo. Teve muita criança machucada, recém-nascidos que inalaram gás das bombas e que até hoje têm problemas respiratórios. Religiosos que nos davam apoio foram feridos e torturados. Saímos daqui com a roupa do corpo, ficamos em igrejas durante 10 dias para depois retornar e não mais sair”, recorda Clarisse dos Santos, 56 anos, uma das mais antigas integrantes do acampamento.
Giovanni Giocondo
E
les estão em busca da regularização de seus lares. Os membros do acampamento Elizabeth Teixeira, há nove anos ocupando o Horto Florestal do Tatu, próximo à Rodovia Anhanguera, na zona rural de Limeira, seguem mobilizados pela moradia digna e pelo direito de trabalhar a terra e dela viver. No total, são 100 famílias (cerca de 400 pessoas) que integram o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). Apesar da aparente tranquilidade no acampamento, onde nunca existiu energia elétrica que não fosse a dos geradores e das placas solares, e onde a água só chega por caminhões-pipa, um dia ficou marcado para sempre na vida de todos os que permanecem no lugar.
Eles (policiais) entraram quebrando tudo. Teve muita criança machucada, recém-nascidos que inalaram gás das bombas e que até hoje têm problemas respiratórios Clarisse dos Santos O Horto Florestal do Tatu pertence à Secretaria de Patrimônio da União (SPU). Em 1984, o prefeito Jurandyr Paixão assinou um documento em que “manifestava interesse em adquirir a área”. A compra nunca foi efetuada. Na ação de reintegração de posse, a Prefeitura alegava que o terreno “tinha obras e projetos de interesse público”, e o juiz citava decisão da Justiça Federal que “excluía” o Incra de qualquer decisão relacionada à área. Em nota, o Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária (Incra) informou que transformou o Elizabeth Teixeira em assentamento sem a devida licença prévia ambiental da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e por
esse motivo a Prefeitura de Limeira ajuizou reclamação judicial, que por sua vez levou ao cancelamento da portaria que autorizava a criação do espaço da reforma agrária.
O interesse imobiliário No final de fevereiro deste ano, a atual gestão da Prefeitura manifestou interesse em adquirir uma área anexa ao Horto e, a partir dessa compra, regularizar a área do Elizabeth Teixeira junto ao Incra. O Incra confirma esta informação e, junto com a SPU, está disposto a negociar a ocupação da área em favor da Prefeitura, porém “desde que 200 hectares do imóvel sejam destinados ao assentamento de trabalhadores rurais. O restante das terras
agricultáveis seria comprado pelo município de particulares e cedido à União para estabelecer o assentamento , informou em nota. Segundo estudo de Rodrigo Taufic – dissertação de mestrado em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) –, o acampamento Elizabeth Teixeira “está em meio ao principal vetor de expansão urbana do município, e sua existência inverte a lógica da incorporação de área rural à cidade expressa na forma do loteamento”. A pesquisa demonstra que os agentes promotores da expansão urbana na região “são locais, e compõem-se principalmente de proprietários de grandes imóveis rurais”.
Construção de parque infantil no acampamento Elizabeth Teixeira, impulsionada por voluntários Para Afonso Gomes, um dos líderes do movimento sem terra na cidade, “Prefeitura nenhuma faz reforma agrária. Ultimamente nem mesmo o Incra”. Membro da direção estadual do MST, ele mora com a esposa e quatro filhos em um barraco com poucos recursos materiais, mas “com muita consciência política”, destaca. “É importante ter uma formação política que te conscientize e à tua família. Com o MST eu aprendi a respeitar a mulher, a saber da importância do trabalho dela. Inclusive, hoje, estou cuidando da meninada enquanto ela está em Mariana em um ato político só de mulheres”, conta Afonso, que durante a entrevista atende a um telefonema da esposa que noticia a
Afonso Gomes ocupação da empresa Samarco, em 7 de março, pelo movimento feminista.
A vida dos trabalhadores (rurais ou não) no acampamento Sem poder ter uma geladeira para conservar seus alimentos, dona Clarisse recorre à criatividade para sobreviver. “A gente tem que comer no dia que faz. O fato de ainda não existir o assentamento regularizado nos impede de quase tudo. Temos poucas ferramentas, dependemos de doações de alimentos e a maioria trabalha fora [do acampamento]. Precisamos de um pouco de conforto”, reclama. Enquanto a mulher é cuidadora de idosos e Afonso faz trabalhos pontuais como mecânico e eletricista, Noel Aparecido Paulino, de 45 anos,
é um dos poucos que conseguiu juntar recursos para plantar e viver exclusivamente da lavoura, cultivada apenas com adubo orgânico. O milho, o feijão e a mandioca são os alimentos mais rentáveis. Ele vende ao Centro de Promoção Social Municipal de Limeira (Ceprosom), em uma feira em Paulínia e nas ruas de Limeira. “A gente faz o que pode, mas o ideal é regularizar nossa área, até para termos acesso ao crédito, ao maquinário e a toda estrutura de cultivo”, comenta.
Solidariedade e esperança Em meio a tanta dificuldade, algumas ações de voluntários dão esperança de que, apesar dos entraves burocráticos, o acampamento evolua para as crianças e os adolescentes.
Noel Aparecido Paulino Todos os sábados, um grupo vai ao local e promove brincadeiras de ciranda animada, confortando meninas e meninos que estudam em escolas da área urbana e têm na atividade um dos poucos momentos de lazer aos finais de semana. O desafio agora é a construção de um pequeno parque infantil em torno da única escola, onde as aulas são para estudantes da Educação para Jovens e Adultos (EJA). “A maioria das atividades das crianças é na roça, é sabendo produzir, como plantar, lidar com animal. Então isso tudo é uma realidade que na cidade não tem. E eu faço questão de que eles tenham esse tratamento diferenciado, longe do consumismo. Mas ter luz, água, isso é básico, qualquer ser humano tem o direito de ter”, finaliza Afonso.