Perfil Beco

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Um beco com muitas saídas

Artista Rafael Gomes transparece ensinamentos e reflexões dos tempos de pichação em telas expostas no Teatro Vitória

Giovanni Giocondo

O

sorriso fácil, o aparelho nos dentes e o maneirismo das gírias do estudante de design gráfico Rafael Gomes ainda guardam um pouco da adolescência, época de irresponsabilidades. Desde 1º de março, o artista de 28 anos apresenta no saguão de entrada do Teatro Vitória, no Centro, uma exposição em telas que revelam muito do trabalho que um dia já fez em outras superfícies não tão “autorizadas”. Com as latas de spray em mãos e muitas ideias na cabeça, as aventuras pelos “picos” e muros de Limeira eram um desafio para os meninos dos bairros da periferia da cidade pelos idos de 2005. A pichação naqueles tempos era mais do que uma diversão ou subversão, era um modo de vida. Um desses garotos era Rafael. Então com 16 anos, o rapaz, tímido e fechado em seu próprio universo, não conseguia se expressar de outra maneira que não fosse essa. Tal personalidade o remeteu a pensar num lugar escuro, escondido: um beco. “Beco era uma palavra curta. As quatro letras permitiam que eu fizesse o picho ‘rapidão’ e fosse logo embora sem ser pego. Além do que, o beco falava muito de mim – eu era isolado – e ao mesmo tempo é uma expressão forte, que traz uma mensagem”, refletiu o rapaz. Caminhando pelas ruas próximas ao Teatro, Rafael revelou à nossa reportagem os pontos onde sua marca ainda está gravada. “Para subir ali, diz – mostrando uma inscrição em um prédio com cerca de 10 metros de altura –, precisei de um amigo para me ajudar. Esse dia foi louco”, rememorou.

Quero incentivar a rapaziada da cidade a fazer o mesmo. Se eu estou mostrando uma arte, os outros jovens também podem fazer isso

Exposição do Beco Local: Saguão do Teatro Vitória – Praça Toledo Barros, s/n, Centro Horários: Terça-feira das 13h às 17h; Quarta a sexta-feira das 11h às 18h; Sábado das 9h às 13h; e Domingo das 17h às 19h, somente quando ocorrerem espetáculos Entrada: Gratuita

Transição até a exposição

“Sempre pichei e sempre gostei disso. Mesmo com 18 anos, não estava nem aí. Só que um dia me pegaram (a polícia) e foi foda (risos). Estampei a capa do jornal como ‘o maior pichador de Limeira’. Foi uma grande decepção para a minha família, fiquei bastante chateado e apanhei. A partir daí tudo mudou”, contou Rafael. Já na universidade, o Beco saiu de cena, mas não por muito tempo. “Entrei na faculdade porque queria parar de pichar. O Beco era coisa do passado. Mas eu percebi que só fui es-

tudar por causa do picho. Aquilo era parte de mim e eu não podia abandonar, mesmo que tentasse. Então me apropriei dessa marca e pensei: ‘Por que não colocar isso em um quadro?’ Na história da arte não existia nada semelhante. E foi aí que aconteceu.” A “Exposição do Beco” pode ser vista até o dia 22 de março no Teatro Vitória, grátis, de terça a domingo. São 18 quadros que traçam o perfil plural de um artista imparável dentro da cidade. Releituras lúdicas das obras de pintores renomados internacionalmente, montagens críticas à sociedade de consumo e, claro, as referências

à história de alguém que não esqueceu as origens nos muros ásperos. “Eu esperava que, agora com a exposição, os jornais que me colocaram na primeira página quando eu era assunto de polícia me procurassem novamente, mas não aconteceu”, brinca o artista, que espera que esta seja a primeira de muitas exposições. “Quero incentivar a rapaziada da cidade a fazer o mesmo. Se eu estou mostrando uma arte, os outros jovens também podem fazer isso.” (Durante o fechamento desta edição, outro jornal da cidade também procurou o Beco para fazer uma reportagem.)


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