Braganรงa Paulista
Sexta 1 Abril 2016
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Saúde
Jornal do Meio 842 Sexta 1 • Abril • 2016
Expediente
Engenheiro do ITA cria robô-cobra
para espaço confinado por SABINE RIGHETTI/FOLHAPRESS
Você colocaria seu braço
girar em espiral e formar uma
laser de corte etc.
Há, aqui, uma norma (a “NR 33”)
dentro de um equipa-
circunferência perfeita, de ponta
O protótipo também pode ser
que traz regras sobre trabalho
mento que, a qualquer
a ponta. Tudo isso controlado,
adaptado para resistir a altas
em áreas não projetadas “para
movimento inesperado, pode
via cabo, por um software que o
temperaturas, se encapsulado
ocupação humana contínua,
esmagá-lo? A resposta deve ter
próprio Lepri desenvolveu.
em material de titânio e de aço.
que possua meios limitados de
sido que “não”. Muita gente, no
O protótipo, desenvolvido no
Isso é importante. Nos Estados
entrada e saída” e, entre outros,
entanto, trabalha fazendo exa-
Laboratório de Automação da
Unidos, dados do Departamento
com “deficiência ou enriqueci-
tamente isso, e correndo riscos.
Manufatura do ITA em dois anos,
de Trabalho mostram que, em
mento de oxigênio”.
O engenheiro mecatrônico Lin-
é composto basicamente de um
2014, acidentes com incêndio
Segundo essas regras, o empre-
coln Lepri, 34, resolveu criar
hardware –motor, controlador,
foram causa de morte de 6% de
gador deve manter registro dos
uma solução para esse tipo de
peças, braço e alumínio do robô.
quem morreu trabalhando.
espaços confinados que possui.
problema durante seu mestrado
O custo de produção saiu em
Mais: serviços de “instalação,
Já o trabalhador deve estar
no ITA (Instituto Tecnológico
torno de R$ 60.000. Os recursos
manutenção e reparos”, para a
capacitado e equipado para a
de Aeronáutica), em São José
vieram do próprio ITA e da Finep,
qual o snake foi pensado, é uma
tarefa “”o que não evita risco
dos Campos (SP).
financiadora federal de estudos
das quatro áreas que mais causam
de morte.
É o “snake”, um robô-cobra que
e projetos.
morte em trabalho naquele país.
tem o tamanho médio de um
A ideia é que o snake possa
Para a indústria, salvar essas
Fora da academia
braço humano e a flexibilidade
substituir o humano em áreas da
vidas, além de ético, é econômi-
Formado em engenharia meca-
de uma cobra.
indústria, como inspeção, em que
co. Cada morte em acidente de
trônica na Poli-USP, com diploma
Com 1,20 m de comprimento,
o braço ainda é fundamental. A
trabalho pode custar, nos EUA,
duplo pelo Politénico di Milano,
o protótipo tem a capacidade
ponta do snake pode ser o que
até R$ 1 milhão. No Brasil, esse
na Itália, Lepri trouxe a ideia
de entrar em espaços reduzido.
a indústria quiser: câmera (para
cálculo depende de uma série de
do robô de fora da academia.
Como bom robô, vai além da
realizar inspeções), pinças, sen-
fatores, como a vida “útil” que o
Quando começou a trabalhar
capacidade humana: ele pode
sores de temperatura, ultrassom,
profissional ainda teria.
na Embraer, há cinco anos, diz
Jornal do Meio Rua Santa Clara, 730 Centro - Bragança Pta. Tel/Fax: (11) 4032-3919 E-mail: jornal@jornaldomeio.com.br Diretor Responsável: Carlos Henrique Picarelli Jornalista Responsável: Carlos Henrique Picarelli (MTB: 61.321/SP)
As opiniões emitidas em colunas e artigos são de responsabilidade dos autores e não, necessariamente, da direção deste orgão. As colunas: Casa & Reforma, Teen, Informática, Antenado e Comportamento são em parceria com a FOLHA PRESS Esta publicação é encartada no Bragança Jornal Diário às Sextas-Feiras e não pode ser vendida separadamente. Impresso nas gráficas do Bragança Jornal Diário.
ter reparado na dificuldade de realizar tarefas nos chamados “espaços confinados”. “Há espaços em que mal cabe um braço humano.” Para colocar a cobra-robô no mercado, o engenheiro criou uma startup, a Intelectron. Agora, Lepri está em busca de um parceiro para testar o snake na indústria e negocia com empresas brasileiras e até estrangeiras para fazer seu teste. Uma delas é a sueca Saab, interessada no uso da snake para o setor de defesa.
Reflexão e Práxis
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PALAVRAS CRUZADAS DIRETAS
www.coquetel.com.br
Silicato de telhas Mais ou menos
após a aceitação do processo de
mais um ato de fé do que de certeza fren-
impeachment contra a presidente
te ao posicionamento político ainda mais
Dilma. A calmaria foi tão grande que até
quando o governo diz que tem os votos
mesmo as críticas contra o ex-presidente
necessários para barrar todo o processo.
Lula tiveram pouca repercussão ao longo
Bravata? Certeza? Ninguém sabe já que a
da semana.
aprovação do impeachment é quase certa,
É como se a aceitação do pedido já houvesse
mas os meandros são tentadores.
resolvido nossos problemas e como se fosse
Como ficam agora os manifestantes?
certa a decisão final de tirar a presidente
Cumpriram seu papel, para o bem ou pa-
do poder. A única constante são os atos de
ra o mal, ao pressionarem o pedido ainda
violência contra pessoas que usam deter-
que a representatividade e as ideias dos
minadas cores em suas roupas, como se
manifestantes possam ser questionadas e
as cores definissem clara e precisamente a
criticadas. A defesa do feminicídio em um
posição política de cada um. Absurdo maior
cartaz de uma senhora é a marca da pouca
não existe, pois as cores são carregadas de
credibilidade e do pouco esclarecimento
simbolismos em alguns contextos e não
observado nas manifestações.
de forma eterna e muito menos explícita.
Novamente, estamos nas mãos pouco limpas
Entretanto, a reflexão sobre o impeachment
de nossos políticos profissionais, detentores
deve nos levar por alguns caminhos nem
de poder, de dinheiro e de influência, sem-
tão novos assim.
pre regidos pela lógica do enriquecimento
Pensemos o seguinte – a saída de Dilma
fácil, da manutenção de seus privilégios
coloca o PMDB no poder. Qual a proposta
e na seletividade conveniente de suas
de governo deste partido? Quais seus planos
ações. Difícil imaginar que no processo de
econômicos e sociais? Quem irá compor
impeachment as barganhas políticas serão
seu ministério?
esquecidas, que os ganhos não serão con-
Como pensar a aliança PMDB-PSDB?
siderados e que a consciência que nunca
Temer e Serra irão se manter como aliados
tiveram irá se manifestar transformando
nas próximas eleições? E o que farão com
o impeachment em um ato político por
o candidato eterno Aécio Neves?
excelência, voltado ao Bem Comum e à
Além disso, não é sábio e nem prudente
defesa dos maiores valores republicanos,
supor que o processo de impeachment irá
como a igualdade de direitos.
passar pela Câmara dos Deputados e pelo
E, a partir disso, vale pensar – como ficamos
Senado, pois na política partidária brasi-
caso a presidente Dilma não seja impedida?
Incidente comum na rodovia molhada
"Caneca" indígena Sacerdote budista
Sódio (símbolo) Ilha da Indonésia
Açucena Massagem oriental
Ideia, em inglês "Norte", em Otan
Título de Akhenaton (Ant.) Unidade de dose de radiação Regente de Aquário (Astrol.)
BANCO
Arte em debate na FLIP (abrev.) "Slender (?)", lenda difundida na internet (?) Hamburger, cineasta de "Xingu"
Declaração obrigatória às empresas Encontrar (?): despertar interesse
O réu que volta a delinquir Objetiva corrigir as posições dentárias
Queima; abrasa "Tablet" da Apple
Ícone de sublinhado, no word Patamar (Inform.) junto à porta
Mítico Continente Perdido
Venceu a Corrida Espacial (anos 60)
Gás usado na decoração "kitsch" Saudação jovial Noz, em inglês
Como fica o jacaré durante o sono Dona De outro (abrev.) modo
Marcelo Galasso - cientista político, pro-
secretarias e, em último caso, até mesmo
fessor e escritor.
os ministérios. Portanto, esperar com
E-mail: p.m.galasso@gmail.com
50, em romanos Iodo (símbolo)
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Solução
leira todas as posições podem mudar ao sabor da distribuição de cargos públicos,
Xico (?), jornalista cearense
C C A A R I N G A L O R J N A A G E M S S A F D R A N O A R D E D A C O L A N I N E N T E O U L N T I A
certeza a aprovação do impeachment é
Anel, em inglês Caipira (bras.)
L B I RO B N TO E C A V A R A P L I D E A O U I O N T I O P M A C I D A O D O
Fomos tomados por uma calmaria
Energia dilatadora Recibo provisório
Substitui o d.C. nos países anglo-saxões (?) cúbica: possui o índice 3 (Mat.)
Decisões de concílios (Rel.) Vitamina do limão Cidades serranas gaúchas
Um dos maiores projetos já desenvolvidos na Amazônia
3/nut. 4/idea — ring. 5/bonzo. 6/linear. 7/cânones.
por pedro marcelo galasso
Parte comestível do aspargo
Y A N D A M I A A S U N S D E R C U I A C I B O N Z S A T L A R A I S M A R E I N C A O R T
Nada, de novo
© Revistas COQUETEL
A narrativa típica do folhetim (Lit.) Filho brasileiro de nipônicos
Violonista gaúcho da MPB de "Lida" Vela de (?): repele mosquitos
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Jornal do Meio 842 Sexta 1 • Abril • 2016
por FELIPE GIACOMELLI/FOLHAPRESS
Se uma loja de aplicativos fosse um supermercado de verdade, na seção de games a pessoa encontraria etiquetas anunciando que eles são de graça. Mas bastaria começar a jogar para ser bombardeado com anúncios para comprar todos os tipos de itens, cobrados com dinheiro real. Fazer compras dentro de um game é parte de um modelo de negócios chamado de microtransações, no qual o jogador desembolsa pequena quantia por algum item ou benefício –é o volume de vendas que gera o lucro. Ele surgiu há alguns anos em jogos muitas vezes ligados às redes sociais, como ‘Colheita Feliz’ e ‘Farmville’. Mas agora está começando a ser explorado pelas empresas mais tradicionais. No ano passado, a Nintendo, que só decidiu pela entrada no mercado de games para celulares após as fracas vendas do console Wii U e do portátil 3DS, declarou que seus jogos para mobile serão gratuitos e com microtransações. A Bethesda, desenvolvedora do jogo de ação ‘Fallout’, lançou o gratuito ‘Fallout Shelter’, uma espécie de ‘The Sims’ pós-apocalíptico, no primeiro semestre de 2015, para promover o quarto game da série, que é pago e sairia meses depois. A empresa ganhou US$ 5 milhões em duas semanas com o jogo, em que uma ‘lancheira’ com cinco itens, como novos personagens e armas, custa R$ 3. Brian Blau, analista da consultoria Gartner, estima que cerca de 75% das receitas do mercado de games em aparelhos móveis vêm das compras dentro dos jogos. Com a popularização dos smartphones e consequentemente da oferta de jogos, executivos de empresas como EA (da série ‘Fifa’), King (‘Candy Crush’) e Machine Zone (‘Games of War’) já consideram que, no futuro, os jogos serão todos grátis. ‘Sim, é uma das possibilidades’, afirma Blau. ‘Mas só quando as receitas de microtransações alcançarem as das vendas das grandes franquias –e hoje elas não estão próximas’, acrescenta. Um jogo badalado para os principais videogames custa de R$ 150 a R$ 200, mas alguns títulos chegam a R$ 300. O que faz as empresas conseguirem que os jogadores paguem esses valores é a busca por games mais longos, com enredo profundo e gráficos melhores. Os gratuitos geralmente são feitos para serem jogados a qualquer momento. ‘Se você tiver algum tempo livre e quiser jogar, então terá nossos games como uma opção, sem pagar nada’, diz Daniel Kim, diretor da Com2us, empresa sul-coreana especializada em jogos com microtransações. Para Phil Spencer, chefe da divisão de Xbox da Microsoft, há espaço no mercado para os dois tipos de jogos. ‘As pessoas estão vendo o modelo de microtransações funcionando e querem experimentar com suas próprias ideias. Mas essa não é a única forma de fazer jogadores pagarem.’ O que limita a expansão dos jogos gratuitos é a necessidade de estarem sempre conectados à internet para realizar as cobranças. Para vencer essa barreira, há alguns modelos híbridos. A Sony, por exemplo, oferece o serviço de assinatura Playstation Plus (US$ 10 por mês), no qual o usuário pode jogar alguns games de graça e ganhar descontos em outros. Outro modelo é o ‘downloadable content’ (DLC). É uma extensão do game, como novas fases ou novos personagens, que pode ser adquirida. São alvo de críticas, pois alguns jogadores consideram que as empresas lançam jogos ‘incompletos’, pensando no lucro. É a produtividade, estúpido! Em países como o Brasil, a tecnologia gera ganhos e pode acelerar a conquista de pendências do século 20 Quer participar de mais um debate polarizado? Então basta entrar na discussão sobre quais seriam os benefícios econômicos da internet e das tecnologias da informação. Pergunte o seguinte: os sistemas digitais
dos dias de hoje geram ganhos de produtividade econômica? Um enorme grupo de economistas “apocalípticos” vai dizer que não. O argumento principal é que as grandes revoluções tecnológicas que produziram níveis elevados de crescimento aconteceram todas entre 1870 e 1970. A internet traria apenas incrementos marginais quando comparada ao impacto da presença de um vaso sanitário na casa das pessoas. O crescimento econômico desse período seria devido a mudanças como a eletricidade, a invenção do carro e do rádio, vacinas, água tratada, antibióticos e a universalização da escola. O argumento é sintetizado pela frase do economista Robert Solow, que em 1987 disse: “Dá para ver que a era do computador está em toda parte, menos nas estatísticas sobre produtividade”. O paradoxo é que, apesar do avanço da internet, dos celulares, e da capacidade computacional nos últimos dez anos, esse tem sido um período de baixo crescimento da produtividade. A ponto de economistas como Lawrence Summers dizerem que estamos enfrentando uma “estagnação secular”, que não irá embora tão cedo. Por outro lado, os economistas “integrados” têm uma visão mais otimista. Argumentam que um problema está na própria estatística. O cálculo do PIB não leva em consideração o valor gerado pelo acesso sem custo a uma enorme gama de serviços e informações pela rede, que vão da Wikipédia aos vídeos do YouTube, passando por amplas bibliotecas de software. Nesse sentido, economistas como Ruth Porat (ex-Morgan Stanley e hoje diretora financeira da Alphabet, a empresa controladora do Google) dizem que ainda é cedo para colher esses ganhos de produtividade: estaríamos na infância dessas tecnologias e seus ganhos viriam mais a frente. Minha opinião nesse debate é que a discussão é diferente para os países em desenvolvimento. Nestes, as mudanças
estruturais do século 20 nem sequer aconteceram por completo. Ainda faltam vacinas, água tratada, boas escolas e vasos sanitários na casa das pessoas. Nesse contexto, a tecnologia é claramente positiva. Torna-se não só fonte de ganhos de produtividade em si, mas também ferramenta para apressar o alcance desses outros fatores estruturais. Isso se dá de inúmeras maneiras. Por exemplo, pelo uso das redes para pressão política. Ou ainda como atalho para modelos de produção mais eficientes, cortes de custo, desburocratização e promoção da transparência. Com isso, o meu veredito pessoal: em países como o Brasil a tecnologia produz ganhos não só em si mesma, como pode criar condições para demandar a disseminação das privadas e outras conquistas pendentes do século 20. RONALDO LEMOS é advogado e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro ronaldo@itsrio.org
Poder
Alguns jogos oferecem itens melhores e personagens mais fortes em qualquer momento. No simulador de guerra ‘World of Tanks’, dá para comprar novos tanques (um leve por R$ 37) e aperfeiçoar equipamentos rapidamente
Tempo
No jogo de estratégia ‘Clash of Clans’, é possível pagar (R$ 13,99 por 500 moedas do game) para que as edificações de sua base sejam construídas quase instantaneamente, em vez de demorar horas
Diferenciação
No jogo de estratégia ‘Heroes of the Storm’, é possível pagar para o guerreiro alienígena Tassadar assumir a forma de um robô que também vira um avião a jato (US$ 15)
Itens exclusivos
Em ‘Yu-Gi-Oh: Duel Generation’, o jogador pode colecionar mais de 3.000 cartas sem pagar nada. As demais só podem ser obtidas pagando, incluindo algumas das que ficaram famosas no desenho para TV –o pacote com cerca de 50 custa US$ 5
Comportamento
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A humanidade começa na cozinha por NATÁLIA PORTINARI/FOLHAPRESS
Preparar os alimentos antes
Foto: Divulgação
de ingeri-los –fatiar, picar ou assar– permitiu os nossos 86 bilhões de neurônios Viver em um mundo civilizado tem algumas vantagens tão básicas que nem nos damos conta. Uma delas é não ter que passar nove horas por dia ou mais procurando o que comer: graças à cozinha, talvez a mais básica das tecnologias, temos até mais calorias do que precisamos ao alcance das mãos. Foi o primatólogo Richard Wrangham, trabalhando em Harvard, quem propôs que a “invenção” do uso do fogo para cozinhar alimentos, muito mais do que o consumo de carne, teria sido o grande fator transformador da nossa história evolutiva. Cozidos, raízes e carne se tornam mais fácil e rapidamente mastigáveis, permitindo a absorção de mais calorias em menos tempo. Anos depois, nosso trabalho na UFRJ mostrou que sem uma tal transformação na velocidade com que se ingerem calorias, nossos antepassados teriam tido que passar improváveis nove horas e meia procurando o que comer todos os dias para sustentar corpo e cérebro. Nem gorilas, que não frequentam escolas ou trabalho, conseguem tal feito. Se comêssemos como outros primatas, não estaríamos aqui com nossos 86 bilhões de neurônios. Curiosamente, um dos principais críticos da proposta de Wrangham é seu amigo pessoal Daniel Lieberman, antropólogo no mesmo corredor em Harvard. Wrangham argumenta que há evidência fóssil de uso de fogo para cozinhar já 1.5 milhões de anos atrás, bem quando o cérebro humano começa a aumentar de tamanho ao longo dos milênios; Lieberman, ao contrário, diz que essa evidência só é concreta de 400 mil anos para cá – quando o cérebro humano já tinha o tamanho moderno. Lieberman e sua colaboradora Katherine Zink resolveram então medir o efeito que simplesmente cortar carne e amassar batatas e cenouras cruas (o que ferramentas simples de pedra, pré-fogo, já permitiam) têm sobre a alimentação de humanos modernos. O veredito, publicado na “Nature”? Cortar e amassar esses alimentos crus já bastam para reduzir de 13 a 26% o tempo e a força de mastigação, certamente suficientes para sustentar a tese de que a humanidade começou com a cozinha. O impasse entre os amigos então se resolve usando a palavra “cozinha” (ou “cooking”, na literatura em inglês) no sentido mais amplo da palavra – como aliás venho propondo. Cozinhar, para mim, é preparar os alimentos de qualquer maneira antes de ingeri-los: fatiar, picar, amassar, marinar, ou de fato assar e cozer. Acho que, assim, Wrangham e Lieberman concordam: devemos nossa humanidade à cozinha.
Nadifa Mohamed, autora de “O Pomar das Almas Perdidas”.
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Saúde
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Te Conheço
Netflix faz testes constantes e adapta algoritmo para entender espectador e ‘prendê-lo’ à tela; sair da ‘bolha’ é papel do usuário, afirma professor por FELIPE MAIA/FOLHAPRESS
É quinta-feira à noite na sede do Netflix em Los Gatos, na Califórnia (EUA). Poucos minutos antes do lançamento da segunda temporada da série “Demolidor”, engenheiros e gerentes de produto analisam gráficos com dados de um teste: exibir uma contagem regressiva antes da estreia do programa faz com que os usuários o vejam mais? Alguns dos 75 milhões de usuários do serviço estão vendo o relógio, outros, não. O grupo que clicar mais para ver as aventuras do super-herói cego pode definir como o site de vídeos por streaming fará seus próximos lançamentos. Essa é apenas uma das maneiras como a empresa avalia a audiência para “prendê-la” ante a tela. A análise de dados não influencia apenas a distribuição do conteúdo. A decisão sobre o que produzir também passa por ela (foram mais de 600 horas de programas em 2015). Cindy Holland, vice-presidente de conteúdo original, conta que a companhia percebeu que pessoas nascidas por volta dos anos 1980 estavam assistindo a muitos programas da década –o que
foi interpretado como uma busca por atrações que esses espectadores, hoje pais, lembravam como bons para ver com a família. Esse foi um dos motivos para a rede ter decidido fazer uma nova temporada de “Fuller House” (“Três É Demais”), comédia familiar que foi sucesso até os anos 1990. Tudo pode ser registrado –se as pessoas assistiram a um filme por apenas dois minutos, se viram sete episódios em sequência e depois, exaustos, caíram no sono. Mas só 1% de todas as informações é “ouro” e acaba definindo o que vai ser sugerido que você assista, conta Todd Yellin, vice-presidente por trás do desenvolvimento dos algoritmos que definem o que estará em sua página inicial. Os outros 99% são “lixo”, diz ele, que aceita revelar só o que não importa para essa conta: gênero, idade e localização, por representarem apenas estereótipos. “Eu adoro a animação ‘World of Tomorrow’, que é sombria. O que isso diz sobre o meu vizinho? Nada.” Uma das táticas do Netflix é analisar
os dados dos espectadores e, com base no que eles parecem gostar de ver, incluí-los em grupos de interesses. Há mais de 2.000, e cada pessoa tipicamente se enquadra em cinco deles (no mapa acima, veja o exemplo de um desses grupos e, destacados, usuários com gostos tão parecidos que parecem ser a mesma pessoa). Yellin afirma que a companhia está tentando ser mais sutil. “Nós costumávamos ser mais ingênuos e superexplorar os sinais. Então se você assistisse a comédias românticas, nós recomendávamos comédias românticas demais. Agora nós tentamos captar outras informações”, afirma. Devavrat Shah, professor do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachussets), diz que um dos desafios é tornar esses sistemas mais personalizáveis, sem categorizar tanto os usuários –se eles forem colocados em caixas rotuladas, fica mais difícil entender a necessidade de cada um. “De manhã você pode querer ver notícias e, à noite, novelas. A máquina precisa reconhecer aquele momento específico e responder em alguns milissegundos.”
Outro desafio, diz ele, é fazer com que o algoritmo ainda permita que as pessoas possam descobrir coisas novas: um ponto polêmico da recomendação de conteúdo, presente em sites populares desde a loja virtual Amazon até o Facebook, passando pelo musical Spotify, é o risco de esses sistemas colocarem seus usuários em uma “bolha” de seus próprios gostos, em meio a opções infinitas. “Nós cavamos de forma muito profunda, mas muito estreita”, diz o crítico de música Ben Ratliff no novo livro “Every Song Ever”, em que tenta guiar o leitor para além das máquinas. “Algoritmos estão nos ouvindo. Nós deveríamos ao menos tentar ouvir melhor do que estamos sendo escutados.” Para Roberto Hirata Jr., professor do IME-USP, entretanto, os próprios usuários devem estar atentos a isso. “É como quando vamos a uma loja e encontramos um ótimo vendedor. Depende de nós estabelecer um limite, não do vendedor”, diz ele. O jornalista viajou a convite do Netflix.
Comportamento
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Led antiqueda
Equipamentos de uso doméstico utilizam luz para tratar pele e cabelo; médicos dizem que funcionam, mas que efeito é discreto por JULIANA CUNHA/FOLHAPRESS
Máscaras, placas, mantas, lan-
mais constante da pele; no cabelo, estímulo
como cremes, por exemplo.
cabelo começa a afinar pode adiar um a
ternas, capacetes e bonés que
dos folículos capilares.
Valeria Campos, assessora do departa-
calvície em até dez anos”, diz Oliveira.
emitem luzes de LED estão entre
“O LED estimula o trabalho das células,
mento de laser da Sociedade Brasileira de
Em quadros de queda de cabelo, o hor-
os equipamentos dermatológicos de uso
que passam a produzir mais colágeno e
Dermatologia, ressalta que o uso não deve
mônio DHT interfere na atividade celular
doméstico mais vendidos.
fibras elásticas, contribuindo para uma
ser diário, mas em dias alternados.
dos folículos pilosos. “O que ocorre é uma
Seguros, eles prometem tratar problemas
melhora geral da aparência desses tecidos”,
“Quem tem pouco cabelo pode usar os
diminuição progressiva do folículo, que
como caspa, calvície, rugas, acne e manchas
explica Oliveira.
LEDs capilares todos os dias. Mas quem
uma hora desaparece”, explica Hofmeister.
de vitiligo além de melhorar a aparência
Os médicos entrevistados pela Folha são
só quer estimular o crescimento ou tratar
O LED ativa a microcirculação capilar, le-
geral da pele e dos cabelos.
unanimes em dizer que o aparato funciona,
a pele deve usar dia sim, dia não”, explica.
vando mais nutrientes ao couro cabeludo
“O LED não oferece riscos de queimadura,
mas que os efeitos são sutis. “Não substitui
O uso abusivo pode gerar radicais livres,
e retardando esse processo.
por isso é possível usar em casa um equi-
nenhum tratamento, é apenas um comple-
causando envelhecimento celular –o inverso
Um boné de LED da marca Capellux custa
pamento semelhante àquele do consultório
mento interessante”, diz a dermatologista
daquilo que se pretende.
R$ 695. A máscara da mesma marca custa
médico”, explica o dermatologista Alvaro
Heloisa Hofmeister.
No cabelo, os resultados também são dis-
R$ 675. Entre os produtos importados existe,
Pereira de Oliveira, vice-presidente da So-
Segundo Hofmeister, as luzes são menos
cretos. “Nada ressuscita um folículo morto,
por exemplo, a máscara iluMask, por US$
ciedade Brasileira de Laser em Medicina
eficazes que tratamentos convencionais
mas quem inicia o tratamento logo que o
19 (mas dura apenas trinta sessões).
e Cirurgia e dono da empresa Cosmedi-
Foto: Marcus Leoni/Folhapress
cal, que desenvolve produtos brasileiros usando essa tecnologia. O uso é simples, embora incluí-lo na rotina demande certa paciência. No caso das máscaras, basta colocar no rosto e esperar entre sete minutos e meia hora, de acordo com o fabricante (a quantidade de luzes determina o tempo da sessão). Lanternas devem ser encostadas no local que se pretende tratar –o que pode ser cansativo no caso de áreas mais extensas– por cerca de três minutos. Bonés, tiaras e capacetes são colocados na cabeça por um período entre 30 segundos e 20 minutos. Esses equipamentos utilizam a chamada terapia com laser de baixa potência (Low Level Laser Therapy, LLLT), que trabalha com pequenas quantidades de luz (de dez a sessenta joules por tratamento) em comprimentos de onda que promovem uma ação fotoquímica, penetrando a membrana celular e estimulando as mitocôndrias (centro produtor de energia da célular) a produzirem ATP, a moeda energética do organismo. As células ganham uma dose extra de energia, funcionando de modo otimizado. Na prática, isso significa uma renovação
Boné com tecnologia brasileira que combate a calvície.
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