858 Edição 22.07.2016

Page 1

Braganรงa Paulista

Sexta 22 Julho 2016

Nยบ 858 - ano XV jornal@jornaldomeio.com.br

jornal do meio

11 4032-3919


2

Para pensar

Jornal do Meio 858 Sexta 22 • Julho • 2016

Expediente

Acolhida e hospitalidade por Mons. Giovanni Baresse

Jornal do Meio Rua Santa Clara, 730 Centro - Bragança Pta. Tel/Fax: (11) 4032-3919 E-mail: jornal@jornaldomeio.com.br Diretor Responsável: Carlos Henrique Picarelli Jornalista Responsável: Carlos Henrique Picarelli (MTB: 61.321/SP)

Preocupação recorrente

inoportuno – meio do dia, calor,

insegurança dos antigos que não

mais duros que o nó górdio!

nos pronunciamentos e

etc. – vai ao encontro e oferece

podiam discernir onde estava o

Parece que a chave está exata-

atitudes do Papa Francisco

hospitalidade. Inicialmente um

seu deus. Nós temos certeza de

mente em entender que todos

tem sido despertar no coração

breve lanche e possibilidade de

que em cada pessoa Deus está

carregamos um princípio vital:

da humanidade a necessidade

descanso. Vai além: acaba ofe-

presente. Se esse é um dado da

o de sermos criaturas marcadas

de ir ao encontro das pessoas.

recendo um banquete e inclui a

fé, por que é tão difícil acolher

pelo sopro da vida divina. O

De forma especialíssima aos que

esposa e empregado na azafama

e hospedar? Hospedar aqui não

que nos constitui em irmãos e

estão à margem da vida com

de acolher e hospedar bem aos

significa somente dar guarida.

irmãs. Não deveria ser difícil nos

dignidade. Penso que o quadro

desconhecidos. É interessante

Significa fazer presente no

tratarmos de forma fraterna e

narrado no livro do Gênesis

que se dirige aos três como a

quotidiano como alguém que

solidária! Contudo, carregando

à destruição e morte senão o de

(18,1-10) pode ter sido uma fonte

uma só pessoa: “Senhor”. Com

participa de nossa vida. Retorno

a autossuficiência no coração,

olhar cada pessoa como um outro

inspiradora para ele e deve ser,

certeza Abraão viu nos três a

à pergunta: por que é tão difícil

estabelecemos situações de se-

eu. Essa deve ser a tônica dos que

também, para todos. Segundo

possibilidade da presença do

e complicado? E não se trata só

paração, de ódio, rancor, desprezo.

professamos a fé em Jesus Cristo.

antigas tradições se pensava que,

Deus em quem acreditava e que

de acolher e hospedar desconhe-

A vaidade, o orgulho, a ganância

Tônica que se une à de tanta gente

de vez em quando, os deuses

lhe tinha prometido terra e des-

cidos. Trata-se, primeiramente,

e outros males vão quebrando o

que, sem fé religiosa, descobre que

desciam à Terra para ver como

cendência. Ao final da refeição

de acolher e hospedar aqueles

nosso olhar. Isto nos leva a ver os

o dom da vida encontra seu valor

seriam acolhidos revestidos de

é-lhe confirmada a promessa.

que fazem parte de nossas fa-

outros como adversários, inimigos,

absoluto no relacionamento com o

aparência humana, incógnitos

O quadro bíblico pode ser para

mílias, daqueles que estão mais

estorvo para nossos objetivos e

outro que comigo dialoga. Nestes

na sua divindade. Tinha-se a

nós exortação a recordar aquilo

próximos. As dificuldades dos

nossa vida. Consequências são

tempos onde o terrorismo paira

mentalidade de acolher os via-

que o livro do Gênesis também

relacionamentos são realidades

os quadros de violência, guerra,

sobre a humanidade, trazido pelas

jores uma vez que neles poderia

afirma no capítulo 1, versículos

que não podemos negar. Temos

miséria, corrupção, marginalização.

asas dos interesses geopolíticos

estar escondido algum deus,

26 e seguintes: o ser humano foi

dificuldades que às vezes pare-

O chamado à acolhida e à hospita-

de dominação, pela indústria das

alguma deusa. Abraão tem

feito à imagem e semelhança

cem intransponíveis com pesso-

lidade é a esperança da superação

armas, pela intolerância com quem

este modo de pensar. Ao ver

de Deus. Donde se infere que

as que fazem parte da família,

aos problemas da convivência. Não

é diverso, sirva-nos o exemplo

três homens chegando perto de

acolhendo alguém acolhemos o

da amizade. Quantos laços de

temos outra saída para a superação

de Abraão: descubramos Deus

sua tenda, em horário de todo

próprio Deus. Não mais com a

carinho se transformam em nós

dos desencontros que conduzem

presente nos outros!

As opiniões emitidas em colunas e artigos são de responsabilidade dos autores e não, necessariamente, da direção deste orgão. As colunas: Casa & Reforma, Teen, Informática, Antenado e Comportamento são em parceria com a FOLHA PRESS Esta publicação é encartada no Bragança Jornal Diário às Sextas-Feiras e não pode ser vendida separadamente. Impresso nas gráficas do Bragança Jornal Diário.


Reflexão e Práxis

Jornal do Meio 858 Sexta 22 • Julho • 2016

3

PALAVRAS CRUZADAS DIRETAS

terroristas são mais que atos

aumento d xenofobia, da islamofobia

Relativo a indivíduos Quente, em inglês

Centro turístico no Sudeste da França

Garimpo (abrev.)

associados ao fanatismo, ao

e dos atos de violência contra todos os islâmicos, imigrantes ou não, além da

dado de desvio coletivo, pois, na verdade,

rejeição com relação a chegada de imi-

as ações terroristas são ações políticas

grantes aos países europeus que fogem

pervertidas porque se realizam somente

de seus países pelo medo da violência de

pela violência indiscriminada.

grupos como o próprio Estado Islâmico,

Já sabemos que o termo terrorismo é

ou seja, vemos um ciclo vicioso que ali-

associado, por alguns autores, ao período

menta a sua própria violência, agora em

do Terror jacobino ao longo da Revolução

escala global.

Francesa o que explica o dia do ataque,

Até mesmo no Brasil o atentado se tornou

14 de julho, coincidir com o início da

alvo de uma irresponsável preocupação

revolução em 1789, com a tomada da

e do velho discurso do “nada irá ocorrer”

Bastilha pelo povo francês. O simbolismo

como se esta fosse a maior garantia de

da data, portanto, não pode ser esquecido

segurança que podemos oferecer. Mesmo

e nem menosprezado.

que não haja perigo eminente no Brasil,

Como a Revolução Francesa se carac-

a demissão de um professor de Física de

terizou por ser uma luta da burguesia

uma universidade federal é, no mínimo,

francesa, que manipulou as camadas

estranho. É importante pensar o quão

populares, contra a opressão do abso-

preparadas as nossas forças de segurança

lutismo francês, o atentado assumiu a

estão para lidar com algo tão distinto da

mesma ideia, já que o Estado Islâmico,

nossa realidade. As Olimpíadas se carac-

autor do atentado, diz lutar pelo fim da

terizam pela presença de pessoas de todo

opressão ocidental e pecador do Ocidente

o mundo e a nossa segurança pública

sobre os povos do Oriente Médio e, para

não é algo que nos provoca orgulho ou

Mauna (?), vulcão ativo do Havaí (EUA) Que proporciona momentos agradáveis

tanto, utiliza as camadas populares que

segurança. Talvez as nossas autoridades

BANCO

são segregadas pela sua ascendência

tenham adotado o discurso do “nada vai

imigrante e, em alguns casos, islâmica,

ocorrer” para manter o discurso que nos

para a realização dos ataques mediante

vendem todos os dias.

promessas dos mais variados tipos.

Por enquanto, é preciso condenar as

Apesar da perda de força do Estado

ações terroristas, não condenar todos os

Islâmico, não se sabe, ao certo, quantos

islâmicos e nem julgá-los como terroristas

partidários deste grupo terroristas ainda

em potencial e mostrar solidariedade e

estão ativos na Europa em suas células.

respeito a todos que foram mortos em

O que assistimos é uma consequência das

Nice.

Estrutura aerodinâmica de motos (pl.)

"Almas (?)", romance de Gogol

Objeto como a A céu cristaleira (?): ao ar livre

Pessoa usada como testa de ferro

E-mail: p.m.galasso@gmail.com

Palavra denotativa de designação Sentença moral de origem popular

Jogo de números sorteados Gato, em inglês Transtornado (gír.)

Sigla das rodovias federais Gênero musical da cultura hip-hop

Diz-se do espírito dos bandeirantes (Hist.) 3 cartas do mesmo naipe

Informação preciosa (bras.)

"Transtorno", na sigla TOC Parte longa de botas Menino (bras.)

Letra do infinitivo verbal

Formato aproximado do Atlântico

Código de ligações internacionais

29

Solução R U E A L I O G L I L O E I S O P D O O R T U R I V S O

tico, professor e escritor.

Neste momento, o crescimento das ações

501, em romanos Aditivo do sal

(?) física: é indicada ao sedentário

A "meialua" contígua à grande área (fut.)

2/io. 3/cat — hot — loa. 6/ilhota — mortas. 10/carenagens. 11/lua de sangue.

frente ao terror destas ações.

Nome frequente entre islâmicos

Cidade do Vale do Itajaí (SC)

ações terroristas, ou seja, a permanência Pedro Marcelo Galasso - cientista polí-

Área de atuação da OMS Eu, em italiano Lya Luft, escritora

fundamentalismo religioso ou a algum

do medo pela incerteza e pela impotência

Acessório de pulso com várias funções Interjeição própria de Minas Gerais

C L U I N H C A G S E M

terroristas é o combustível de para o

A noite passada em claro

I N G S O O N E S A C U I D E O N A A D C A G D I R O

É preciso entender que as ações

Fabrico de Sala de (?), recinto moedas de consultório médico Membro Profissão de Hercule do elenco Poirot (Lit.)

E A D E S A T E R PE S O T R R E N A G T I A M I C I R O V E L R E H A T L O T A R A T I S B R A V I A D R I N C A A J D P R A Z E

por pedro marcelo galasso

© Revistas COQUETEL

O satélite da Terra, no eclipse total (pop.)

C A B D E R T L O

Nice

www.coquetel.com.br

Casas em Condomínio

Jd. das Palmeiras..................................................................................................................R$ 650 mil Florestas de São Vicente (nova)..............................................................................................R$ 580 mil Euroville (nova).....................................................................................................................R$ 950 mil Portal de Bragança (nova)................................................................................................R$ 1.3 milhões Village Santa Helena....................................................................................................R$ 1.490 milhões Portal Bragança Horizonte (nova)..........................................................................................R$ 770 mil Villa Real (nova)....................................................................................................................R$ 900 mil Rosário de Fátima ( Ac imóvel – valor)............................................................................R$ consulte-nos

Terrenos em Condomínio

Villa Real 428m²...................................................................................................................R$ 150 mil Colinas de São Francisco 616m²............................................................(parcelamos em 10x) R$ 300 mil Terras de Santa Cruz 600m²...................................................................................................R$ 120 mil Portal Bragança Horizonte 341m²..........................................................................................R$ 200 mil Jd. Nova Bragança 300 m².....................................................................................................R$ 200 mil

Apartamentos

Ed. Piazza de Siena................................................................................................................ R$ 950 mil Apto. Jardim do Lago............................................................................................................. R$ 300 mil Apto. Centro (novo)................................................................................................................R$ 255 mil Ed. Don Pedro I...................................................................................................................... R$ 650 mil Apto. Jd nova Bragança ( Alto Padrão 230m² 3vagas)...................................................... R$ Consulte-nos Apto. Ed. Clipper (Centro) Reformado 3dorm. 1gar....................................................................R$ 450mil

Diversos

Casa Jd. Europa.....................................................................................................................R$ 530 mil Terreno Jd do Lago Comercial 600m²..................................................................................... R$ 600 mil Imóvel Comercial AV. Norte-Sul.............................................................................................R$ 630 mil Prédio Comercial Shopping Jaguari....................................................................................... R$150 mil


4

Jornal do Meio 858 Sexta 22 • Julho • 2016

por Shel Almeida

Oswaldo de Camargo é uma das recer nos meus primeiros poemas e nem diversas figuras emblemáticas que poderia aparecer porque eu ainda não passam pela história de Bragança tinha a experiência de negro, mas a de e de quem pouco se ouve falar a um menino que era educado por padres respeito. Quase anônimo na cidade onde holandeses, em São José do Rio Preto, nasceu e passou a infância, ele retorna em a despeito de eu já ter passado por uma circunstância bem diferente da qual viveu situação de preconceito. Naquela época, por aqui. Passado mais de meio século, o eu não sabia o que era racismo. Quando garoto nascido na Fazenda Sinhazinha tentei ser padre e todos os seminários Félix, no bairro da Bocaina, que passou a de São Paulo se fechavam para mim, eu infância solto pelas ruas da cidade, per- sabia que alguma coisa muito séria estava deu a mãe aos seis anos e viveu no antigo acontecendo, mas eu não tinha a ideia Preventório até os dez, é hoje um senhor exata do que era aquilo. E, apesar de os de quase 78 anos, com extensa carreira padres alertarem os outros seminaristas como jornalista e escritor. Foi revisor no para que não me ofendessem na questão jornal “O Estado de São Paulo”, depois racial, já que era o único preto ali, ainda redator e resenhista literário no “Jornal da assim não detonou a questão negra em mim. Tarde”. Seu primeiro livro, de poesias, foi Mesmo isso tendo me causado uma crise, publicado em 1959. Estreou na prosa em praticamente uma depressão, a palavra 1972 e, até os dias atuais, se mantém ativo. racismo ainda não transpareceu. Quando Seu mais recente livro é um ensaio sobre volto à São Paulo e me torno organista o também jornalista e escritor nascido na da Igreja do Rosário dos Homens Pretos, no Paissandú, é aí que eu começo a me região, em Socorro, Lino Guedes. De volta à Bragança para participar de aproximar de um certo território negro, um dos colóquios promovido pelo CDAPH devagar. Então, quando eu vejo um anúncio da USF, Oswaldo veio para falar do livro de um baile, na Associação Cultural do lançado em 2014, “Raiz de um Negro Bra- Negro, é que acontece o divisor de águas. sileiro”, segundo o próprio subtítulo, um Aquilo, para mim, foi um solavanco. É a primeira vez, de fato, que eu me dou conta “esboço autobiográfico”. Este livro, em especial, tem grande impor- de que existe alguma coisa que delimita tância histórica, não apenas para Bragança, o território entre brancos e negros. Foi já que se trata de memórias do tempo em aí que começou a minha descoberta das que o escritor passou na cidade. Mas, prin- possibilidades que eu tinha como escritor cipalmente, porque pode ser considerado negro”, fala. um marco para a literatura negra. Oswaldo inicia o livro com a afirmação “sou um negro brasileiro”. A partir disso, as me- Em apenas seis anos, Oswaldo foi da desmórias transcritas nas páginas seguintes coberta e consciência de sua negritude ao ganham outra dimensão. A raiz do título, empoderamento e engajamento no mopalavra tão acertadamente escolhida, não vimento negro brasileiro. “Eu tive muita carrega apenas a história de um indivíduo, sorte porque logo que tive a percepção mas sim uma história coletiva, de muitas da minha negritude, eu passei a conviver crianças como Oswaldo, nascidas em um com negros históricos, que tinham feito país cuja memória escravocrata ainda é a Frente Negra, na década de 1930, que tão recente. Mas, talvez o feito mais sur- tinham feito a Imprensa Negra. Nesse mopreendente deste livro mento, eu estou em um não seja o de se tratar ambiente que vai se de uma memória coletiva E, para Bragança ele também tornar, para mim, uma da qual não se fala, da quebra uma barreira, a de espécie de faculdade qual, convenientemente, lembrar que a história da da questão negra. Eu é apagada ou silenciada e torno, com 23 anos, cidade vai além da estrada de me que, finalmente, começa Diretor de Cultura da a vir à tona. Mas sim, ferro, da produção cafeeira e Associação Cultural do por essa memória ser das ruas do centro. Ele nos Negro, promovendo sacontata por quem, de recitais e dirigindo lembra que a história da cidade raus, fato, lhe cabe o lugar de um coral. Tirando meu fala. Como diz o professor também foi e continua sendo irmão, minha irmã e em sociologia Mário Au- feita nos bairros periféricos, minha mãe de criação, gusto Medeiros da Silva é a primeira conpor pessoas iguais a ele. essa no prefácio do livro, são vivência que eu tenho escassas as memórias Pessoas que não podem com grupos negros, e negras brasileiras, sejam mais ser silenciadas. foi uma convivência elas narradas a alguém privilegiada. Eu tenho, ou escritas a próprio Oswaldo de Camargo de repente, diante de punho. Portanto, ser mim, um mundo o qual um intelectual negro no Brasil, é “não se eu nunca imaginei!”, fala. conformar com o lugar de um herói solitá- Oswaldo também foi privilegiado por sua rio, de uma exceção que confirma a regra, formação educacional católica, o que lhe (...) ignorando a história nacional que o proporcionou ter contato com a literatura conforma. (...) um negro brasileiro não é desde muito cedo. Do leitor ávido que se igual a qualquer homem, cidadão do Brasil”. reconheceu representado pela primeira Oswaldo de Camargo é um cidadão que vez na figura do poeta simbolista Cruz e resiste. Segundo suas próprias palavras, o Sousa, se tornou ele próprio o escritor negro que o traz até aqui, hoje, é a persistência. que é considerado um “elo de gerações” por conectar o passado ao presente. No entanto, para ele, a literatura funciona Como tantos outros, os quais a memória como um preenchimento. “Para mim, a ancestral foi arrancada e negada, Oswaldo literatura foi uma espécie de preencher descobriu a própria negritude apenas na vazios, preencher perdas, preencher posjuventude. Até então, a não ser com os sibilidades que eu não teria se eu não fosse familiares, tinha convivido a maior parte escritor. Eu percebi que com a literatura eu do tempo, apenas com brancos. A cons- posso desempenhar um papel no mundo”. ciência da questão racial começou a lhe E é exatamente isso que Oswaldo faz, já aparecer quando ingressou ao seminário, há algum tempo. Ele desempenha o papel por volta dos 17 anos. Apesar da pobreza e justamente de preencher uma lacuna na exclusão social, na infância, e da percepção, literatura brasileira, sobretudo na literatura na juventude, de que havia algo errado, negra brasileira, que é a de quebrar as bara ruptura, sem volta, aconteceu apenas reiras de um silenciamento histórico. E, para quando passou a conviver com outros Bragança ele também quebra uma barreira, a de lembrar que a história da cidade vai além negros, além das portas do seminário. “Eu era um molequinho solto em Bragan- da estrada de ferro, da produção cafeeira e ça, não existia, ninguém sabia de mim. das ruas do centro. Ele nos lembra que a E, como eu digo em meu livro, para quê história da cidade também foi e continua saber de mim? Eu era mais um pretinho sendo feita nos bairros periféricos, por filho de um apanhador de café e de uma pessoas iguais a ele. Pessoas que não lavadeira. Essa consciência não vai apa- podem mais ser silenciadas.

Escritor e jornalista, Oswaldo de Camargo é um dos fundadores do Grupo Quilombhoje e Conselheiro do Museu Afro Brasil

Literatura

Em seu livro, Oswaldo conta da lembrança de ir busca sopa no Hotel Carvalho. Hoje ele volta ao local como hóspede, para lançar sua obra de memórias da cidade.

Questão racial

O escritor recebeu, da Secretaria de Cultura de Santa Catarina, a Medalha ao Mérito Cruz e Sousa, pela presença e atuação na literatura negra no Brasil e a Medalha Zumbi dos Palmares, outorgada pela Câmara Municipal de Salvador


Comportamento

Jornal do Meio 858 Sexta 22 • Julho • 2016

5

Pesquisa mapeia fatos

e angústias sexuais no país Homem tem medo de performance ruim; mulher, de pegar alguma DST

por GABRIEL ALVES/FOLHAPRESS

O brasileiro tem medo de falhar

limpar...’ Se o homem está estressado,

moralismo excessivo. “Muitas mulheres

Para Débora, a combinação de dor com a

na hora H; a brasileira, de pegar

ele pensa que transando vai ficar melhor

de sucesso profissional, bem formadas,

insegurança e falta de controle masculi-

DSTs. Mais de 40% das mulheres

e acaba até esquecendo do problema. A

nunca se masturbaram, nunca tiveram

nas é desastrosa: “A mulher sem vontade

sentem alguma dor na hora do sexo; um

mulher não tem essa facilidade, ela pensa

um orgasmo e ainda têm vergonha de falar

sexual não se lubrifica e tem maior risco

terço dos homens tem dificuldades para

na dificuldade e não visualiza o prazer”,

disso. Elas acabam sendo tolhidas de sua

de sentir dor. A mulher não quer ver o cara

obter uma ereção. Só 28% das pessoas

exemplifica Débora.

sexualidade”, diz Lelah.

inseguro (o que piora a disfunção erétil)

usam camisinha regularmente.

DOR

A dificuldade na ereção relatada por 32%

aí algumas acabam fingindo orgasmo só

Esses e outros dados foram foram traça-

Chama a atenção a porcentagem de mu-

dos homens poderia ser explicada tanto

para que o parceiro tenha confiança e

dos pela pesquisa Mosaico 2.0, que, pela

lheres (40,3%) que relatam ter dor durante

por doenças (como diabetes e doenças cir-

acabe ejaculando mais rápido.”

segunda vez, traçou um perfil da sexuali-

o ato sexual. Segundo a sexóloga Lelah

culatórias) quanto por uma pressão social.

Essa insegurança masculina também é

dade do brasileiro. O estudo é coordenado

Monteiro, além de disfunções sexuais co-

“Existe uma ‘castração social’. Hoje parece

responsável, segundo Carmita, pela ainda

por Carmita Abdo, psiquiatra sexóloga da

mo o vaginismo (vagina que não dilata),

que todos são estupradores, eles são mas-

baixa adesão ao uso da camisinha, usada

USP, e apoiada pela farmacêutica Pfizer.

há desinformação. A partir do climatério,

sacrados, não podem mais se comportar

em todas as relações apenas por 28%

Foram entrevistadas 3.000 pessoas dos 18

as mulheres tem um déficit natural na

como homens saudáveis. Outra coisa é

das pessoas (36% nunca usam). Para as

aos 70 anos de idade de sete regiões metro-

lubrificação vaginal, o que, além de dor no

que antes, bastava ter ereção. Agora, tem

especialistas, além do baixo número de

politanas do país (São Paulo, Rio, Salvador,

ato sexual, pode favorecer o aparecimento

que ter ereção, sucesso econômico, não

campanhas fora do carnaval, há pouco

Porto Alegre, Belém, Belo Horizonte e

de infecções.

pode ter ejaculação precoce”¦ é difícil não

direcionamento –não há nenhuma com

Distrito Federal). A amostra é composta

Outro fator seriam os resquícios de um

perder a compostura”, diz Lelah.

foco na terceira idade por exemplo.

por 1.530 homens e 1.470 mulheres. Em comparação à versão de 2008, Carmita destaca que subiu de 43% para 57% o número de mulheres que fazem sexo por atração, ou seja, sem envolvimento amoroso. O número masculino permanece estável na casa dos 70%. “Há uma maior consciência da distinção entre afeto e sexo por parte das mulheres”. Mesmo assim, as mulheres ainda são as mais conscientes em relação aos perigos de se adquirir uma DST. Em relação ao sexo, essa é a principal preocupação entre elas (55%); do lado masculino, o maior medo é o de não ter uma boa performance. “A explicação para essa preocupação dos homens é a própria genitália masculina, exposta. Se não há ereção, seu desempenho fica visivelmente comprometido –é praticamente uma comprovação de sua ‘incompetência’”, diz Carmita. A discrepância de preocupações entre os sexos também se dá por uma questão de excitação, explica a sexóloga Débora Pádua. “As mulheres demoram até quatro vezes mais tempo para se excitar, aí elas acabam tendo tempo para se preocupar com DSTs, por exemplo.” Outra coisa curiosa observada na pesquisa é o fato de “sono saudável” ganhar de “vida sexual satisfatória” para as mulheres. Para eles, ter bom sexo é quase tão importante quanto se alimentar. Para Carmita, esse tipo de observação mostra que as prioridades para qualidade de vida entre os sexos “não são sobreponíveis”. A explicação seria a maneira como funcionam as cabeças: a do homem pensa que, com a questão sexual resolvida, as outras são mais fáceis de lidar (seria mais fácil dormir após o orgasmo, por exemplo), explica Carmita Para as mulheres, seria difícil enxergar o mundo dessa forma. No caso, o sexo se torna mais provável à medida que outras áreas da vida são resolvidas –o descanso é uma delas. “Se a mulher for transar, ela pensa: ‘vou ter que tomar banho, me

Arte: Folhapress


6

Saúde

Jornal do Meio 858 Sexta 22 • Julho • 2016

Fibromialgia

Sentir dor todo dia e no corpo inteiro é sinal de fibromialgia, quem tem a doença pode sofrer até com abraço. Mal não tem cura, mas não deixa pessoa incapacitada por GISLAINE GUTIERRE/FOLHAPRESS

Sentir dor no corpo inteiro e quase o tempo todo é o sinal mais claro de fibromialgia. A doença, que ataca principalmente mulheres de 30 a 50 anos, não tem cura definitiva, mas não é incapacitante. Com tratamento, é possível melhorar a qualidade de vida do paciente. Como a doença não tem causa aparente, como uma fratura ou uma inflamação, é comum as pessoas pensarem que a dor é apenas psicológica. “Testes comprovam que a pessoa sente dor de verdade”, explica o reumatologista da Sociedade Brasileira de Reumatologia Eduardo dos Santos Paiva. “A fibromialgia é resultado de um processamento anormal da dor pelo Sistema NervosoCentral, que amplifica essas sensações”, afirma o reumatologista da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Roberto Heymann. Sua causa exata ainda é desconhecida, mas o que se sabe é que alguns “gatilhos” podem provocar o seu aparecimento -como um acidente grave ou a perda de alguém querido. “Os sintomas podem aparecer logo depois do evento”, diz Paiva. Cerca de metade dos acometidos também pode apresentar quadro de depressão. O tratamento com remédios varia para cada pessoa, mas todas terão de fazer exercícios durante a vida inteira. “Quanto mais parada a pessoa ficar, mais vai sentir dor”, explica Paiva. Heymann lembra que é importante cuidar do sono. “É recomendável dormir em um quarto escuro, calmo, sem televisão, e evitar tomar substâncias que aumentem a vigília próximo a hora de dormir, como o café”, diz. Grupos de apoio também ajudam. Na Unifesp, são realizados encontros semanais de ajuda mútua, vivências de relaxamento, terapia em grupo, eventos, palestras e outras atividades educativas. Informações podem ser obtidas pelo e-mail fibromialgia@unifesp.br

Exames não detectam a síndrome Nenhum exame de laboratório é capaz de detectar a fibromialgia. Segundo o reumatologista da Sociedade Brasileira de Reumatologia Eduardo dos Santos Paiva, eles servem para afastar outras causas. “O diagnóstico é clínico, feito a partir de uma longa conversa”, diz. A fibromialgia pode ser inicialmente confundida, por exemplo, com artrite, miozite (inflamação do músculo) e outras. “A lista é grande.”

Arte: Folhapress


Jornal do Meio 858 Sexta 22 • Julho • 2016

Informática & tecnologia

7

HQ sobre as ‘Mil e Uma Noites’ Italiano constrói suas páginas com atenção maior na composição das ilustrações do que na narrativa ponto a ponto

por VINICIUS PEREIRA/FOLHAPRESS

Walt Simonson, desenhista co-

o orgulho levam à ruína; a abnegação,

nhecido nos Estados Unidos por

a fidelidade, a humildade são recom-

seus quadrinhos, conta que teve

pensadas com riquezas –muitas vezes

um exemplar importado de “Sharaz-De”

de uma forma sobrenatural.

na sua coleção durante anos. Sempre

Entre as marcas da insensatez monár-

que se sentia pouco inspirado, abria o

quica que aparece nos contos estão as

álbum de Sergio Toppi e encontrava

cabeças pregadas em estacas, sendo a

uma composição, uma ideia gráfica e

decapitação a modalidade preferencial

“reaprendia até onde o desenho pode

para as execuções no castelo real. As

nos levar”. Simonson, contudo, nunca

estacas são uma das formas de ressaltar

havia lido “Sharaz-De”.Sua edição era

a forte tendência vertical nas linhas

em italiano.

de Toppi.

Em prefácio à primeira publicação da HQ nos EUA, o norte-americano

Foto: Divulgação

Composição

diz que só via as imagens, pois nunca

O italiano arma as páginas com atenção

aprendeu o idioma de Toppi. Mesmo

maior na composição ousada do que na

assim, ele, Frank Miller, Dave McKean,

narrativa ponto a ponto, de quadro em

Bill Sienkiewicz, Howard Chaykin ou

quadro. Cada folha é, à primeira vista,

outros nomes famosos dos quadrinhos

uma grande ilustração que, só ao segun-

nunca deixaram de admitir que idola-

do olhar, revela a ordem de leitura. Toppi

tram a obra do italiano, mesmo com a

tem tendência a organizar a composição

dificuldade do idioma.

em torno de grandes desenhos de rostos

Toppi, nascido em Milão e falecido

que se misturam a paisagens, no limite da

em 2012, ganhou prêmios importantes

abstração (veja ao lado).

entre os anos 1970 e 1990, época em

O quadrinho mais tradicional costuma

que investiu em trabalhos autorais.

encadear quadros que montam a narrativa,

“Sharaz-De” foi um deles.

reservando os maiores ou páginas inteiras

O álbum, que chega agora ao Brasil, é

para um ponto importante da trama. To-

uma compilação de histórias produzi-

ppi inverte essa lógica: todas as páginas

das no final dos anos 1970, quando o

são grandiosas, imponentes, e o quadro

quadrinista decidiu adaptar contos de

a quadro aparece apenas pontualmente

“As Mil e Uma Noites”, mas seguindo

para ressaltar uma ação.

parâmetros pessoais.

São ideias como essa que inspiraram e

A começar pelo título, uma grafia inco-

seguem inspirando os discípulos de Top-

mum do nome da contadora de histórias

pi –os que leram suas HQs ou que apenas

mais conhecida no ocidente como Xe-

decodificaram seus desenhos. O italiano

razade, Sherazade, Sheherazade ou, em

deu imagens marcantes a figuras e cená-

recente tradução de Mamede Mustafa

rios que atravessaram séculos na prosa.

Jarouche para o português, Sahrazad.

Ao aproveitar um clássico da literatura,

Mas o motor narrativo continua o mes-

sua intenção não é apenas construir belos

mo: o rei Shariyar, traído e enfurecido,

quadros, mas encontrar uma nova forma

convoca uma sucessão de virgens que

de narrar esses contos. Lê-los, seja pela

mata após uma noite no leito real. Até

junção entre imagens e texto, seja só pelos

que Sharaz-De voluntaria-se para servir

desenhos, é uma experiência singular.

Páginas de Sharaz-De, do italiano Sergio Toppi.

ao rei e entretê-lo com histórias que conta até o nascer do sol. A contadora

SHARAZ-DE: CONTOS DE AS MIL E

ganha mais um dia de vida ao prometer

UMA NOITES (VOLUME 1)

uma nova história para a noite seguinte.

autor Sergio Toppi

As oito histórias que Toppi escolheu,

tradução Maria Clara Carneiro

contudo, são das mais obscuras entre as

editora Figura

mil e uma. Todas têm um componente

quanto R$ 79,90 (160 págs.)

moral bastante claro: a cobiça, a inveja,

avaliação ótimo

Páginas de Sharaz-De, do italiano Sergio Toppi.


8

Jornal do Meio 858 Sexta 22 • Julho • 2016


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.