Braganรงa Paulista
Sexta 22 Julho 2016
Nยบ 858 - ano XV jornal@jornaldomeio.com.br
jornal do meio
11 4032-3919
2
Para pensar
Jornal do Meio 858 Sexta 22 • Julho • 2016
Expediente
Acolhida e hospitalidade por Mons. Giovanni Baresse
Jornal do Meio Rua Santa Clara, 730 Centro - Bragança Pta. Tel/Fax: (11) 4032-3919 E-mail: jornal@jornaldomeio.com.br Diretor Responsável: Carlos Henrique Picarelli Jornalista Responsável: Carlos Henrique Picarelli (MTB: 61.321/SP)
Preocupação recorrente
inoportuno – meio do dia, calor,
insegurança dos antigos que não
mais duros que o nó górdio!
nos pronunciamentos e
etc. – vai ao encontro e oferece
podiam discernir onde estava o
Parece que a chave está exata-
atitudes do Papa Francisco
hospitalidade. Inicialmente um
seu deus. Nós temos certeza de
mente em entender que todos
tem sido despertar no coração
breve lanche e possibilidade de
que em cada pessoa Deus está
carregamos um princípio vital:
da humanidade a necessidade
descanso. Vai além: acaba ofe-
presente. Se esse é um dado da
o de sermos criaturas marcadas
de ir ao encontro das pessoas.
recendo um banquete e inclui a
fé, por que é tão difícil acolher
pelo sopro da vida divina. O
De forma especialíssima aos que
esposa e empregado na azafama
e hospedar? Hospedar aqui não
que nos constitui em irmãos e
estão à margem da vida com
de acolher e hospedar bem aos
significa somente dar guarida.
irmãs. Não deveria ser difícil nos
dignidade. Penso que o quadro
desconhecidos. É interessante
Significa fazer presente no
tratarmos de forma fraterna e
narrado no livro do Gênesis
que se dirige aos três como a
quotidiano como alguém que
solidária! Contudo, carregando
à destruição e morte senão o de
(18,1-10) pode ter sido uma fonte
uma só pessoa: “Senhor”. Com
participa de nossa vida. Retorno
a autossuficiência no coração,
olhar cada pessoa como um outro
inspiradora para ele e deve ser,
certeza Abraão viu nos três a
à pergunta: por que é tão difícil
estabelecemos situações de se-
eu. Essa deve ser a tônica dos que
também, para todos. Segundo
possibilidade da presença do
e complicado? E não se trata só
paração, de ódio, rancor, desprezo.
professamos a fé em Jesus Cristo.
antigas tradições se pensava que,
Deus em quem acreditava e que
de acolher e hospedar desconhe-
A vaidade, o orgulho, a ganância
Tônica que se une à de tanta gente
de vez em quando, os deuses
lhe tinha prometido terra e des-
cidos. Trata-se, primeiramente,
e outros males vão quebrando o
que, sem fé religiosa, descobre que
desciam à Terra para ver como
cendência. Ao final da refeição
de acolher e hospedar aqueles
nosso olhar. Isto nos leva a ver os
o dom da vida encontra seu valor
seriam acolhidos revestidos de
é-lhe confirmada a promessa.
que fazem parte de nossas fa-
outros como adversários, inimigos,
absoluto no relacionamento com o
aparência humana, incógnitos
O quadro bíblico pode ser para
mílias, daqueles que estão mais
estorvo para nossos objetivos e
outro que comigo dialoga. Nestes
na sua divindade. Tinha-se a
nós exortação a recordar aquilo
próximos. As dificuldades dos
nossa vida. Consequências são
tempos onde o terrorismo paira
mentalidade de acolher os via-
que o livro do Gênesis também
relacionamentos são realidades
os quadros de violência, guerra,
sobre a humanidade, trazido pelas
jores uma vez que neles poderia
afirma no capítulo 1, versículos
que não podemos negar. Temos
miséria, corrupção, marginalização.
asas dos interesses geopolíticos
estar escondido algum deus,
26 e seguintes: o ser humano foi
dificuldades que às vezes pare-
O chamado à acolhida e à hospita-
de dominação, pela indústria das
alguma deusa. Abraão tem
feito à imagem e semelhança
cem intransponíveis com pesso-
lidade é a esperança da superação
armas, pela intolerância com quem
este modo de pensar. Ao ver
de Deus. Donde se infere que
as que fazem parte da família,
aos problemas da convivência. Não
é diverso, sirva-nos o exemplo
três homens chegando perto de
acolhendo alguém acolhemos o
da amizade. Quantos laços de
temos outra saída para a superação
de Abraão: descubramos Deus
sua tenda, em horário de todo
próprio Deus. Não mais com a
carinho se transformam em nós
dos desencontros que conduzem
presente nos outros!
As opiniões emitidas em colunas e artigos são de responsabilidade dos autores e não, necessariamente, da direção deste orgão. As colunas: Casa & Reforma, Teen, Informática, Antenado e Comportamento são em parceria com a FOLHA PRESS Esta publicação é encartada no Bragança Jornal Diário às Sextas-Feiras e não pode ser vendida separadamente. Impresso nas gráficas do Bragança Jornal Diário.
Reflexão e Práxis
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PALAVRAS CRUZADAS DIRETAS
terroristas são mais que atos
aumento d xenofobia, da islamofobia
Relativo a indivíduos Quente, em inglês
Centro turístico no Sudeste da França
Garimpo (abrev.)
associados ao fanatismo, ao
e dos atos de violência contra todos os islâmicos, imigrantes ou não, além da
dado de desvio coletivo, pois, na verdade,
rejeição com relação a chegada de imi-
as ações terroristas são ações políticas
grantes aos países europeus que fogem
pervertidas porque se realizam somente
de seus países pelo medo da violência de
pela violência indiscriminada.
grupos como o próprio Estado Islâmico,
Já sabemos que o termo terrorismo é
ou seja, vemos um ciclo vicioso que ali-
associado, por alguns autores, ao período
menta a sua própria violência, agora em
do Terror jacobino ao longo da Revolução
escala global.
Francesa o que explica o dia do ataque,
Até mesmo no Brasil o atentado se tornou
14 de julho, coincidir com o início da
alvo de uma irresponsável preocupação
revolução em 1789, com a tomada da
e do velho discurso do “nada irá ocorrer”
Bastilha pelo povo francês. O simbolismo
como se esta fosse a maior garantia de
da data, portanto, não pode ser esquecido
segurança que podemos oferecer. Mesmo
e nem menosprezado.
que não haja perigo eminente no Brasil,
Como a Revolução Francesa se carac-
a demissão de um professor de Física de
terizou por ser uma luta da burguesia
uma universidade federal é, no mínimo,
francesa, que manipulou as camadas
estranho. É importante pensar o quão
populares, contra a opressão do abso-
preparadas as nossas forças de segurança
lutismo francês, o atentado assumiu a
estão para lidar com algo tão distinto da
mesma ideia, já que o Estado Islâmico,
nossa realidade. As Olimpíadas se carac-
autor do atentado, diz lutar pelo fim da
terizam pela presença de pessoas de todo
opressão ocidental e pecador do Ocidente
o mundo e a nossa segurança pública
sobre os povos do Oriente Médio e, para
não é algo que nos provoca orgulho ou
Mauna (?), vulcão ativo do Havaí (EUA) Que proporciona momentos agradáveis
tanto, utiliza as camadas populares que
segurança. Talvez as nossas autoridades
BANCO
são segregadas pela sua ascendência
tenham adotado o discurso do “nada vai
imigrante e, em alguns casos, islâmica,
ocorrer” para manter o discurso que nos
para a realização dos ataques mediante
vendem todos os dias.
promessas dos mais variados tipos.
Por enquanto, é preciso condenar as
Apesar da perda de força do Estado
ações terroristas, não condenar todos os
Islâmico, não se sabe, ao certo, quantos
islâmicos e nem julgá-los como terroristas
partidários deste grupo terroristas ainda
em potencial e mostrar solidariedade e
estão ativos na Europa em suas células.
respeito a todos que foram mortos em
O que assistimos é uma consequência das
Nice.
Estrutura aerodinâmica de motos (pl.)
"Almas (?)", romance de Gogol
Objeto como a A céu cristaleira (?): ao ar livre
Pessoa usada como testa de ferro
E-mail: p.m.galasso@gmail.com
Palavra denotativa de designação Sentença moral de origem popular
Jogo de números sorteados Gato, em inglês Transtornado (gír.)
Sigla das rodovias federais Gênero musical da cultura hip-hop
Diz-se do espírito dos bandeirantes (Hist.) 3 cartas do mesmo naipe
Informação preciosa (bras.)
"Transtorno", na sigla TOC Parte longa de botas Menino (bras.)
Letra do infinitivo verbal
Formato aproximado do Atlântico
Código de ligações internacionais
29
Solução R U E A L I O G L I L O E I S O P D O O R T U R I V S O
tico, professor e escritor.
Neste momento, o crescimento das ações
501, em romanos Aditivo do sal
(?) física: é indicada ao sedentário
A "meialua" contígua à grande área (fut.)
2/io. 3/cat — hot — loa. 6/ilhota — mortas. 10/carenagens. 11/lua de sangue.
frente ao terror destas ações.
Nome frequente entre islâmicos
Cidade do Vale do Itajaí (SC)
ações terroristas, ou seja, a permanência Pedro Marcelo Galasso - cientista polí-
Área de atuação da OMS Eu, em italiano Lya Luft, escritora
fundamentalismo religioso ou a algum
do medo pela incerteza e pela impotência
Acessório de pulso com várias funções Interjeição própria de Minas Gerais
C L U I N H C A G S E M
terroristas é o combustível de para o
A noite passada em claro
I N G S O O N E S A C U I D E O N A A D C A G D I R O
É preciso entender que as ações
Fabrico de Sala de (?), recinto moedas de consultório médico Membro Profissão de Hercule do elenco Poirot (Lit.)
E A D E S A T E R PE S O T R R E N A G T I A M I C I R O V E L R E H A T L O T A R A T I S B R A V I A D R I N C A A J D P R A Z E
por pedro marcelo galasso
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Jornal do Meio 858 Sexta 22 • Julho • 2016
por Shel Almeida
Oswaldo de Camargo é uma das recer nos meus primeiros poemas e nem diversas figuras emblemáticas que poderia aparecer porque eu ainda não passam pela história de Bragança tinha a experiência de negro, mas a de e de quem pouco se ouve falar a um menino que era educado por padres respeito. Quase anônimo na cidade onde holandeses, em São José do Rio Preto, nasceu e passou a infância, ele retorna em a despeito de eu já ter passado por uma circunstância bem diferente da qual viveu situação de preconceito. Naquela época, por aqui. Passado mais de meio século, o eu não sabia o que era racismo. Quando garoto nascido na Fazenda Sinhazinha tentei ser padre e todos os seminários Félix, no bairro da Bocaina, que passou a de São Paulo se fechavam para mim, eu infância solto pelas ruas da cidade, per- sabia que alguma coisa muito séria estava deu a mãe aos seis anos e viveu no antigo acontecendo, mas eu não tinha a ideia Preventório até os dez, é hoje um senhor exata do que era aquilo. E, apesar de os de quase 78 anos, com extensa carreira padres alertarem os outros seminaristas como jornalista e escritor. Foi revisor no para que não me ofendessem na questão jornal “O Estado de São Paulo”, depois racial, já que era o único preto ali, ainda redator e resenhista literário no “Jornal da assim não detonou a questão negra em mim. Tarde”. Seu primeiro livro, de poesias, foi Mesmo isso tendo me causado uma crise, publicado em 1959. Estreou na prosa em praticamente uma depressão, a palavra 1972 e, até os dias atuais, se mantém ativo. racismo ainda não transpareceu. Quando Seu mais recente livro é um ensaio sobre volto à São Paulo e me torno organista o também jornalista e escritor nascido na da Igreja do Rosário dos Homens Pretos, no Paissandú, é aí que eu começo a me região, em Socorro, Lino Guedes. De volta à Bragança para participar de aproximar de um certo território negro, um dos colóquios promovido pelo CDAPH devagar. Então, quando eu vejo um anúncio da USF, Oswaldo veio para falar do livro de um baile, na Associação Cultural do lançado em 2014, “Raiz de um Negro Bra- Negro, é que acontece o divisor de águas. sileiro”, segundo o próprio subtítulo, um Aquilo, para mim, foi um solavanco. É a primeira vez, de fato, que eu me dou conta “esboço autobiográfico”. Este livro, em especial, tem grande impor- de que existe alguma coisa que delimita tância histórica, não apenas para Bragança, o território entre brancos e negros. Foi já que se trata de memórias do tempo em aí que começou a minha descoberta das que o escritor passou na cidade. Mas, prin- possibilidades que eu tinha como escritor cipalmente, porque pode ser considerado negro”, fala. um marco para a literatura negra. Oswaldo inicia o livro com a afirmação “sou um negro brasileiro”. A partir disso, as me- Em apenas seis anos, Oswaldo foi da desmórias transcritas nas páginas seguintes coberta e consciência de sua negritude ao ganham outra dimensão. A raiz do título, empoderamento e engajamento no mopalavra tão acertadamente escolhida, não vimento negro brasileiro. “Eu tive muita carrega apenas a história de um indivíduo, sorte porque logo que tive a percepção mas sim uma história coletiva, de muitas da minha negritude, eu passei a conviver crianças como Oswaldo, nascidas em um com negros históricos, que tinham feito país cuja memória escravocrata ainda é a Frente Negra, na década de 1930, que tão recente. Mas, talvez o feito mais sur- tinham feito a Imprensa Negra. Nesse mopreendente deste livro mento, eu estou em um não seja o de se tratar ambiente que vai se de uma memória coletiva E, para Bragança ele também tornar, para mim, uma da qual não se fala, da quebra uma barreira, a de espécie de faculdade qual, convenientemente, lembrar que a história da da questão negra. Eu é apagada ou silenciada e torno, com 23 anos, cidade vai além da estrada de me que, finalmente, começa Diretor de Cultura da a vir à tona. Mas sim, ferro, da produção cafeeira e Associação Cultural do por essa memória ser das ruas do centro. Ele nos Negro, promovendo sacontata por quem, de recitais e dirigindo lembra que a história da cidade raus, fato, lhe cabe o lugar de um coral. Tirando meu fala. Como diz o professor também foi e continua sendo irmão, minha irmã e em sociologia Mário Au- feita nos bairros periféricos, minha mãe de criação, gusto Medeiros da Silva é a primeira conpor pessoas iguais a ele. essa no prefácio do livro, são vivência que eu tenho escassas as memórias Pessoas que não podem com grupos negros, e negras brasileiras, sejam mais ser silenciadas. foi uma convivência elas narradas a alguém privilegiada. Eu tenho, ou escritas a próprio Oswaldo de Camargo de repente, diante de punho. Portanto, ser mim, um mundo o qual um intelectual negro no Brasil, é “não se eu nunca imaginei!”, fala. conformar com o lugar de um herói solitá- Oswaldo também foi privilegiado por sua rio, de uma exceção que confirma a regra, formação educacional católica, o que lhe (...) ignorando a história nacional que o proporcionou ter contato com a literatura conforma. (...) um negro brasileiro não é desde muito cedo. Do leitor ávido que se igual a qualquer homem, cidadão do Brasil”. reconheceu representado pela primeira Oswaldo de Camargo é um cidadão que vez na figura do poeta simbolista Cruz e resiste. Segundo suas próprias palavras, o Sousa, se tornou ele próprio o escritor negro que o traz até aqui, hoje, é a persistência. que é considerado um “elo de gerações” por conectar o passado ao presente. No entanto, para ele, a literatura funciona Como tantos outros, os quais a memória como um preenchimento. “Para mim, a ancestral foi arrancada e negada, Oswaldo literatura foi uma espécie de preencher descobriu a própria negritude apenas na vazios, preencher perdas, preencher posjuventude. Até então, a não ser com os sibilidades que eu não teria se eu não fosse familiares, tinha convivido a maior parte escritor. Eu percebi que com a literatura eu do tempo, apenas com brancos. A cons- posso desempenhar um papel no mundo”. ciência da questão racial começou a lhe E é exatamente isso que Oswaldo faz, já aparecer quando ingressou ao seminário, há algum tempo. Ele desempenha o papel por volta dos 17 anos. Apesar da pobreza e justamente de preencher uma lacuna na exclusão social, na infância, e da percepção, literatura brasileira, sobretudo na literatura na juventude, de que havia algo errado, negra brasileira, que é a de quebrar as bara ruptura, sem volta, aconteceu apenas reiras de um silenciamento histórico. E, para quando passou a conviver com outros Bragança ele também quebra uma barreira, a de lembrar que a história da cidade vai além negros, além das portas do seminário. “Eu era um molequinho solto em Bragan- da estrada de ferro, da produção cafeeira e ça, não existia, ninguém sabia de mim. das ruas do centro. Ele nos lembra que a E, como eu digo em meu livro, para quê história da cidade também foi e continua saber de mim? Eu era mais um pretinho sendo feita nos bairros periféricos, por filho de um apanhador de café e de uma pessoas iguais a ele. Pessoas que não lavadeira. Essa consciência não vai apa- podem mais ser silenciadas.
Escritor e jornalista, Oswaldo de Camargo é um dos fundadores do Grupo Quilombhoje e Conselheiro do Museu Afro Brasil
Literatura
Em seu livro, Oswaldo conta da lembrança de ir busca sopa no Hotel Carvalho. Hoje ele volta ao local como hóspede, para lançar sua obra de memórias da cidade.
Questão racial
O escritor recebeu, da Secretaria de Cultura de Santa Catarina, a Medalha ao Mérito Cruz e Sousa, pela presença e atuação na literatura negra no Brasil e a Medalha Zumbi dos Palmares, outorgada pela Câmara Municipal de Salvador
Comportamento
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Pesquisa mapeia fatos
e angústias sexuais no país Homem tem medo de performance ruim; mulher, de pegar alguma DST
por GABRIEL ALVES/FOLHAPRESS
O brasileiro tem medo de falhar
limpar...’ Se o homem está estressado,
moralismo excessivo. “Muitas mulheres
Para Débora, a combinação de dor com a
na hora H; a brasileira, de pegar
ele pensa que transando vai ficar melhor
de sucesso profissional, bem formadas,
insegurança e falta de controle masculi-
DSTs. Mais de 40% das mulheres
e acaba até esquecendo do problema. A
nunca se masturbaram, nunca tiveram
nas é desastrosa: “A mulher sem vontade
sentem alguma dor na hora do sexo; um
mulher não tem essa facilidade, ela pensa
um orgasmo e ainda têm vergonha de falar
sexual não se lubrifica e tem maior risco
terço dos homens tem dificuldades para
na dificuldade e não visualiza o prazer”,
disso. Elas acabam sendo tolhidas de sua
de sentir dor. A mulher não quer ver o cara
obter uma ereção. Só 28% das pessoas
exemplifica Débora.
sexualidade”, diz Lelah.
inseguro (o que piora a disfunção erétil)
usam camisinha regularmente.
DOR
A dificuldade na ereção relatada por 32%
aí algumas acabam fingindo orgasmo só
Esses e outros dados foram foram traça-
Chama a atenção a porcentagem de mu-
dos homens poderia ser explicada tanto
para que o parceiro tenha confiança e
dos pela pesquisa Mosaico 2.0, que, pela
lheres (40,3%) que relatam ter dor durante
por doenças (como diabetes e doenças cir-
acabe ejaculando mais rápido.”
segunda vez, traçou um perfil da sexuali-
o ato sexual. Segundo a sexóloga Lelah
culatórias) quanto por uma pressão social.
Essa insegurança masculina também é
dade do brasileiro. O estudo é coordenado
Monteiro, além de disfunções sexuais co-
“Existe uma ‘castração social’. Hoje parece
responsável, segundo Carmita, pela ainda
por Carmita Abdo, psiquiatra sexóloga da
mo o vaginismo (vagina que não dilata),
que todos são estupradores, eles são mas-
baixa adesão ao uso da camisinha, usada
USP, e apoiada pela farmacêutica Pfizer.
há desinformação. A partir do climatério,
sacrados, não podem mais se comportar
em todas as relações apenas por 28%
Foram entrevistadas 3.000 pessoas dos 18
as mulheres tem um déficit natural na
como homens saudáveis. Outra coisa é
das pessoas (36% nunca usam). Para as
aos 70 anos de idade de sete regiões metro-
lubrificação vaginal, o que, além de dor no
que antes, bastava ter ereção. Agora, tem
especialistas, além do baixo número de
politanas do país (São Paulo, Rio, Salvador,
ato sexual, pode favorecer o aparecimento
que ter ereção, sucesso econômico, não
campanhas fora do carnaval, há pouco
Porto Alegre, Belém, Belo Horizonte e
de infecções.
pode ter ejaculação precoce”¦ é difícil não
direcionamento –não há nenhuma com
Distrito Federal). A amostra é composta
Outro fator seriam os resquícios de um
perder a compostura”, diz Lelah.
foco na terceira idade por exemplo.
por 1.530 homens e 1.470 mulheres. Em comparação à versão de 2008, Carmita destaca que subiu de 43% para 57% o número de mulheres que fazem sexo por atração, ou seja, sem envolvimento amoroso. O número masculino permanece estável na casa dos 70%. “Há uma maior consciência da distinção entre afeto e sexo por parte das mulheres”. Mesmo assim, as mulheres ainda são as mais conscientes em relação aos perigos de se adquirir uma DST. Em relação ao sexo, essa é a principal preocupação entre elas (55%); do lado masculino, o maior medo é o de não ter uma boa performance. “A explicação para essa preocupação dos homens é a própria genitália masculina, exposta. Se não há ereção, seu desempenho fica visivelmente comprometido –é praticamente uma comprovação de sua ‘incompetência’”, diz Carmita. A discrepância de preocupações entre os sexos também se dá por uma questão de excitação, explica a sexóloga Débora Pádua. “As mulheres demoram até quatro vezes mais tempo para se excitar, aí elas acabam tendo tempo para se preocupar com DSTs, por exemplo.” Outra coisa curiosa observada na pesquisa é o fato de “sono saudável” ganhar de “vida sexual satisfatória” para as mulheres. Para eles, ter bom sexo é quase tão importante quanto se alimentar. Para Carmita, esse tipo de observação mostra que as prioridades para qualidade de vida entre os sexos “não são sobreponíveis”. A explicação seria a maneira como funcionam as cabeças: a do homem pensa que, com a questão sexual resolvida, as outras são mais fáceis de lidar (seria mais fácil dormir após o orgasmo, por exemplo), explica Carmita Para as mulheres, seria difícil enxergar o mundo dessa forma. No caso, o sexo se torna mais provável à medida que outras áreas da vida são resolvidas –o descanso é uma delas. “Se a mulher for transar, ela pensa: ‘vou ter que tomar banho, me
Arte: Folhapress
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Saúde
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Fibromialgia
Sentir dor todo dia e no corpo inteiro é sinal de fibromialgia, quem tem a doença pode sofrer até com abraço. Mal não tem cura, mas não deixa pessoa incapacitada por GISLAINE GUTIERRE/FOLHAPRESS
Sentir dor no corpo inteiro e quase o tempo todo é o sinal mais claro de fibromialgia. A doença, que ataca principalmente mulheres de 30 a 50 anos, não tem cura definitiva, mas não é incapacitante. Com tratamento, é possível melhorar a qualidade de vida do paciente. Como a doença não tem causa aparente, como uma fratura ou uma inflamação, é comum as pessoas pensarem que a dor é apenas psicológica. “Testes comprovam que a pessoa sente dor de verdade”, explica o reumatologista da Sociedade Brasileira de Reumatologia Eduardo dos Santos Paiva. “A fibromialgia é resultado de um processamento anormal da dor pelo Sistema NervosoCentral, que amplifica essas sensações”, afirma o reumatologista da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Roberto Heymann. Sua causa exata ainda é desconhecida, mas o que se sabe é que alguns “gatilhos” podem provocar o seu aparecimento -como um acidente grave ou a perda de alguém querido. “Os sintomas podem aparecer logo depois do evento”, diz Paiva. Cerca de metade dos acometidos também pode apresentar quadro de depressão. O tratamento com remédios varia para cada pessoa, mas todas terão de fazer exercícios durante a vida inteira. “Quanto mais parada a pessoa ficar, mais vai sentir dor”, explica Paiva. Heymann lembra que é importante cuidar do sono. “É recomendável dormir em um quarto escuro, calmo, sem televisão, e evitar tomar substâncias que aumentem a vigília próximo a hora de dormir, como o café”, diz. Grupos de apoio também ajudam. Na Unifesp, são realizados encontros semanais de ajuda mútua, vivências de relaxamento, terapia em grupo, eventos, palestras e outras atividades educativas. Informações podem ser obtidas pelo e-mail fibromialgia@unifesp.br
Exames não detectam a síndrome Nenhum exame de laboratório é capaz de detectar a fibromialgia. Segundo o reumatologista da Sociedade Brasileira de Reumatologia Eduardo dos Santos Paiva, eles servem para afastar outras causas. “O diagnóstico é clínico, feito a partir de uma longa conversa”, diz. A fibromialgia pode ser inicialmente confundida, por exemplo, com artrite, miozite (inflamação do músculo) e outras. “A lista é grande.”
Arte: Folhapress
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Informática & tecnologia
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HQ sobre as ‘Mil e Uma Noites’ Italiano constrói suas páginas com atenção maior na composição das ilustrações do que na narrativa ponto a ponto
por VINICIUS PEREIRA/FOLHAPRESS
Walt Simonson, desenhista co-
o orgulho levam à ruína; a abnegação,
nhecido nos Estados Unidos por
a fidelidade, a humildade são recom-
seus quadrinhos, conta que teve
pensadas com riquezas –muitas vezes
um exemplar importado de “Sharaz-De”
de uma forma sobrenatural.
na sua coleção durante anos. Sempre
Entre as marcas da insensatez monár-
que se sentia pouco inspirado, abria o
quica que aparece nos contos estão as
álbum de Sergio Toppi e encontrava
cabeças pregadas em estacas, sendo a
uma composição, uma ideia gráfica e
decapitação a modalidade preferencial
“reaprendia até onde o desenho pode
para as execuções no castelo real. As
nos levar”. Simonson, contudo, nunca
estacas são uma das formas de ressaltar
havia lido “Sharaz-De”.Sua edição era
a forte tendência vertical nas linhas
em italiano.
de Toppi.
Em prefácio à primeira publicação da HQ nos EUA, o norte-americano
Foto: Divulgação
Composição
diz que só via as imagens, pois nunca
O italiano arma as páginas com atenção
aprendeu o idioma de Toppi. Mesmo
maior na composição ousada do que na
assim, ele, Frank Miller, Dave McKean,
narrativa ponto a ponto, de quadro em
Bill Sienkiewicz, Howard Chaykin ou
quadro. Cada folha é, à primeira vista,
outros nomes famosos dos quadrinhos
uma grande ilustração que, só ao segun-
nunca deixaram de admitir que idola-
do olhar, revela a ordem de leitura. Toppi
tram a obra do italiano, mesmo com a
tem tendência a organizar a composição
dificuldade do idioma.
em torno de grandes desenhos de rostos
Toppi, nascido em Milão e falecido
que se misturam a paisagens, no limite da
em 2012, ganhou prêmios importantes
abstração (veja ao lado).
entre os anos 1970 e 1990, época em
O quadrinho mais tradicional costuma
que investiu em trabalhos autorais.
encadear quadros que montam a narrativa,
“Sharaz-De” foi um deles.
reservando os maiores ou páginas inteiras
O álbum, que chega agora ao Brasil, é
para um ponto importante da trama. To-
uma compilação de histórias produzi-
ppi inverte essa lógica: todas as páginas
das no final dos anos 1970, quando o
são grandiosas, imponentes, e o quadro
quadrinista decidiu adaptar contos de
a quadro aparece apenas pontualmente
“As Mil e Uma Noites”, mas seguindo
para ressaltar uma ação.
parâmetros pessoais.
São ideias como essa que inspiraram e
A começar pelo título, uma grafia inco-
seguem inspirando os discípulos de Top-
mum do nome da contadora de histórias
pi –os que leram suas HQs ou que apenas
mais conhecida no ocidente como Xe-
decodificaram seus desenhos. O italiano
razade, Sherazade, Sheherazade ou, em
deu imagens marcantes a figuras e cená-
recente tradução de Mamede Mustafa
rios que atravessaram séculos na prosa.
Jarouche para o português, Sahrazad.
Ao aproveitar um clássico da literatura,
Mas o motor narrativo continua o mes-
sua intenção não é apenas construir belos
mo: o rei Shariyar, traído e enfurecido,
quadros, mas encontrar uma nova forma
convoca uma sucessão de virgens que
de narrar esses contos. Lê-los, seja pela
mata após uma noite no leito real. Até
junção entre imagens e texto, seja só pelos
que Sharaz-De voluntaria-se para servir
desenhos, é uma experiência singular.
Páginas de Sharaz-De, do italiano Sergio Toppi.
ao rei e entretê-lo com histórias que conta até o nascer do sol. A contadora
SHARAZ-DE: CONTOS DE AS MIL E
ganha mais um dia de vida ao prometer
UMA NOITES (VOLUME 1)
uma nova história para a noite seguinte.
autor Sergio Toppi
As oito histórias que Toppi escolheu,
tradução Maria Clara Carneiro
contudo, são das mais obscuras entre as
editora Figura
mil e uma. Todas têm um componente
quanto R$ 79,90 (160 págs.)
moral bastante claro: a cobiça, a inveja,
avaliação ótimo
Páginas de Sharaz-De, do italiano Sergio Toppi.
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Jornal do Meio 858 Sexta 22 • Julho • 2016