887 Edição 10.02.2017

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Braganรงa Paulista

Sexta

10 Fevereiro 2017

Nยบ 887 - ano XV jornal@jornaldomeio.com.br

jornal do meio

11 4032-3919


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Para pensar

Jornal do Meio 887 Sexta 10 • Fevereiro • 2017

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TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO:

por Mons. Giovanni Baresse

Já faz algum tempo me pedem para recolocar reflexão feita há anos sobre a Teologia da Libertação. Para as pessoas que me abordaram, o assunto continua sendo um campo minado, também por parte das nossas comunidades. Retorno ao assunto e, proximamente, pretendo refletir sobre outra visão teológica: a teologia da prosperidade. Com a vinda do Papa Bento XVI ao Brasil, os meios de comunicação - aqui e ali - afirmavam que ele reiteraria a condenação à “Teologia da Libertação” (atitude, aliás, já tomada pelo seu predecessor João Paulo II). Gostaria de pensar um pouco sobre o assunto. Creio que muitos dos leitores não têm conhecimento mais amplo sobre este tema. Vamos recuar – um pouco - no tempo para buscar as raízes dessa teologia. Em palavras simples, recordemos que a teologia é a ciência que procura estudar o conjunto das verdades que fundamentam uma fé religiosa. A chamada “teologia da libertação” surge nos inícios da década dos anos sessenta principalmente na América Latina. Mas não somente por aqui. Na África e também na Índia temos pensadores que enveredaram por esse tipo de reflexão. Vivia-se a divisão do mundo entre a ideologia ocidental capitaneada pelos Estados Unidos e a ideologia comunista sob a égide

O QUE É?

dos países submetidos à União Soviética. Os países do terceiro mundo viviam democracias frágeis. Com a forte propaganda do perigo comunista, muitos países começaram a ter a presença dos militares nos seus governos. Estes tinham formação refletida nas forças armadas americanas (aliados na Segunda Guerra Mundial). A tensão da Guerra Fria estava no auge. Pipocavam aqui e ali levantes e manifestações populares (Hungria, Grécia, Chile, Brasil, Cuba, etc.). Os governos reprimem oposições. Países sob influência americana sufocam comunistas. Países de governo comunista perseguem os filo-americanos. Assim se classificavam companheiros e inimigos. Nos países submetidos ao sistema capitalista ocidental, diante da miséria e pobreza desses povos, começa uma reflexão teológica que utiliza o método marxista de análise social. As bases intelectuais são buscadas em Marx, Hegel, Gramsci, Lênin, Stalin e outros grandes teóricos. Para os que conhecem um pouco desta linha ideológica a teoria da luta de classes e da estruturação da vida econômica em alicerces de exploração era extremamente sedutora. E juntam-se a esta visão, no campo religioso, os dados da Sagrada Escritura que apontavam ao Deus libertador, que age na história do seu povo, vem em socorro aos marginalizados,

“depõe do trono os poderosos e eleva os humildes” (Lc. 1,52). Começa a caminhar na Igreja uma opção fundamental pelos pobres (vistos como os marginalizados de tudo) anunciada na reunião dos Bispos Latino-americanos em Medellín, Colômbia, no ano de 1968. Pastoralmente há trabalhos intensos para que o povo se organize e nas reflexões da fé não falte a prática para modificar a situação da miséria vivida. Se a intenção da teologia da libertação era fazer da fé um motor para a ação prática não haveria motivo para condená-la. Não se podia esquecer, porém, a pressão dos governos sobre a Igreja. Tanto entre o povo como para com a hierarquia. Sobre o Vaticano também. Outro fator que dificultava a compreensão do que estava acontecendo era a dificuldade de comunicação. Não havia a velocidade e a instantaneidade dos nossos dias. Entre o que se dizia aqui e o que chegava aos altos escalões aconteciam muitas coisas! E não se pode esquecer a diferença fundamental que havia entre Europa, América do Norte e países da América Latina, África, etc. Ainda estávamos na época em que as colônias estavam se libertando dos países que as dominaram... As necessidades da Igreja da Europa e América do Norte não eram as necessidades dos países pobres. E,

naturalmente, o modo de pensar a missão da Igreja dependia das “lentes” que se usava. Agrava-se a situação porque, sem dúvida, alguns teólogos, no afã de levar adiante uma nova proposta teológica, deixaram de dar ênfase a certos pressupostos teológicos. Esta atitude começou a ser vista como negação de verdades fundamentais e pregação de princípios que não se coadunavam com a ortodoxia da fé: uma Igreja democrática e não marcada pela autoridade apostólica, um Cristo muito humano e pouco divino, certa liturgia mais política que espiritual, etc.. Com o pontificado de João Paulo II e sua experiência com a ideologia comunista, cresceu a linha de pensamento que dessacralizava até as raízes qualquer sonho que pudesse ser bom a partir de idéias socialistas. A “condenação” foi uma atitude tomada em relação ao pensamento que se ativesse aos aspectos sociais e econômicos não dando o mesmo relevo à parte espiritual. Não podemos esquecer que a política – no seu sentido amplo – é compromisso inerente da fé. Vale a pena lembrar, também, que toda teologia deve ser libertadora. Se não o for não serve para nada. Estamos num mundo concreto – dado a nós por Deus – para que se possa viver com dignidade. O que não corresponde a isso é pecado. E deve ser combatido. Portanto a

E-mail: jornal@jornaldomeio.com.br Diretor Responsável: Carlos Henrique Picarelli Jornalista Responsável: Carlos Henrique Picarelli (MTB: 61.321/SP)

As opiniões emitidas em colunas e artigos são de responsabilidade dos autores e não, necessariamente, da direção deste orgão. As colunas: Casa & Reforma, Teen, Informática, Antenado e Comportamento são em parceria com a FOLHA PRESS Esta publicação é encartada no Bragança Jornal Diário às Sextas-Feiras e não pode ser vendida separadamente. Impresso nas gráficas do Bragança Jornal Diário.

fé deve ser libertadora. E a reflexão de como se coloca a fé em prática segue o mesmo caminho. No fundo não se pode esquecer que a base da vida cristã é a fé unida às obras (Tiago 2, 14ss.). E se existe injustiça entre nós ela deve ser combatida. Para finalizar: o que se condenou na teologia da libertação foi o fixar-se na dimensão humana. Penso, todavia, que essas situações não nos devem escandalizar. É preciso buscar sempre o diálogo para que a verdade venha à luz. No começo da Igreja o concílio de Jerusalém (Atos 15) teve que lidar com as dificuldades entre cristãos judeus e cristãos vindos do paganismo. Chegaram a um consenso. Que levou um bom tempo para tornar-se prática. Assim acontece com as diferentes posições de pensamento na Igreja. De vez em quando a paz se quebra porque o conflito se instala. O que não se pode quebrar é a unidade da fé em Jesus Cristo e o amor pelos irmãos. Resta-nos aprender a não causar sofrimento aos que pensam diferente. E ter sempre atitude de acolhida!


Comportamento

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PALAVRAS CRUZADAS DIRETAS

www.coquetel.com.br

Composto usado como anestésico O bom (?): retrato do índio no Romantismo (Lit.)

“O que é mais importante no casamento?”.

tivação para ser infiel foi “o desejo de

A resposta número um foi fidelidade.

ser desejada”.

Mas, apesar dessa valorização, 60% dos

“Sou casada há 29 anos e todos acham

homens e 47% das mulheres disseram

que somos um casal perfeito. Mas meu

que já foram infiéis.

marido me critica o tempo todo, pare-

As mulheres mostraram estar muito in-

ce que tem prazer em destruir minha

satisfeitas com os seus casamentos na

autoestima. Tenho a sensação de que

pesquisa. Na enorme lista em que elas

ele não reconhece o meu valor e não

descreveram os defeitos de seus maridos,

me enxerga mais como mulher. Eu me

como mostrei no livro “Por que homens e

tornei invisível para ele. Cheguei à triste

mulheres traem?”, estão itens como falta

conclusão de que tenho um amante só

de intimidade, de conversa, de escuta, de

para provar a mim mesma que ainda

atenção, de beijo na boca, de romance, de

sou bonita e atraente em uma sociedade

elogios, de reconhecimento etc. Muitas

que é cruel para as mulheres da minha

afirmaram que “falta tudo” e que foram

idade. Meu maior desejo é ser desejada

infiéis “por vingança”.

apaixonadamente pelo meu homem.”

Já os homens falaram, basicamente, de falta

Ela acredita que o melhor antídoto con-

de compreensão, de carinho e de bom hu-

tra a traição é se sentir reconhecida e

mor, como disse um engenheiro de 49 anos:

valorizada, receber atenção e elogios do

“Eu gostaria que a minha esposa fosse

marido e ter a certeza de que é única e

a minha melhor amiga e a minha única

especial para ele.

amante. Mas, depois do nosso segundo

“Será que o meu marido precisa saber

filho, ela abdicou de ser mulher para

que é traído para aprender a me valorizar

se transformar em mãe em tempo inte-

como mulher e prestar mais atenção aos

gral. Ela vive reclamando que não tem

meus desejos?”

tempo para nada e que eu não ajudo em casa. Está sempre insatisfeita, can-

MIRIAN GOLDENBERG é antropólo-

sada e irritada. Não foi por acaso que

ga, professora titular da Universidade

eu encontrei alguém que é tudo o que

Federal do Rio de Janeiro e autora de

eu gostaria que a minha esposa fosse:

“A Bela Velhice” (Ed. Record)

compreensiva, carinhosa, amiga, amante,

miriangoldenberg@uol.com.br

Conto de fadas sobre o amor de uma donzela por um monstro

Divisões da escola (?) Paige, atriz

Caçador da pedra filosofal (Ocult.)

Primeira vegetação, após a seca "(?) Fatal", clássico do Cinema

Pergunta de quem ouviu mal

Acidentes como Suez e Panamá (Geog.)

Subir; erguer

Lugar onde se fabricam tijolos

Segundo maior rio do mundo Igual

Unidade de peso do diamante (pl.)

Avenida (abrev.) Nome comum de instituições de caridade Emperra "(?) É...", figurinha dos anos 80

Banda norueguesa de rock Cruéis

Cosmético que realça os cílios

Rogério Duprat, músico da Tropicália País asiático das Ruínas de Persépolis

O olho marrom-claro Diz-se do filme que demora para atingir seu propósito

BANCO

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Solução

A

Uma atriz de 57 anos disse que a mo-

B R O L S

Perguntei para 1.279 homens e mulheres:

D

a falta de amor e de sexo no casamento.

M M A E R S I P D O A S M A A S A T A R V A Ç R Ã D O

falta de atenção, escuta e romance

Concordo! (?) Sul, bairro de Brasília

Fritura de feiras apreciada com caldo de cana

G O E T L E M I A A L R A E R A L O L R A A R I T A

Para muitas mulheres o problema não é

C O A D E T E I E V A G A P O N S T EL E A F S I N I T A E S L T A M N H O R A S

ensão e de bom-humor; mulheres,

A L L E T E L R A A S L A Q U E I L M E I V T A A R

leve e divertida.”

(?) de honra, amigas da noiva

(?) de ombros: mostrar indiferença

S

Homens citam falta de compre-

O popular "osso da bochecha" (Anat.)

3/a-ha. 5/alter. 6/istmos. 8/quilates. 15/bolsa de pesquisa.

por MIRIAN GOLDENBERG/FOLHAPRESS

São "massageados" com elogios

Litro (símbolo)

E P A E B S Q Q U R I S C A

Por que traímos?

© Revistas COQUETEL

Poema lírico grego Inseto semelhante, poSubstância exclusiva rém menor que a borda abelha-rainha, é O (?) das boleta rica em nutrientes Noivas: maio

Guloseima gelatinosa Sedutores; convidaem forma- Dinheiro concedido pe- tivos to de bi- lo CNPq para produ- (?) ego: chinhos ção acadêmica confidente Suporte do banheiro para papel higiênico


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Jornal do Meio 887 Sexta 10 • Fevereiro • 2017

por PHILLIPPE WATANABE/FOLHAPRESS

Celebrada como símbolo da liberdade sexual na época de seu surgimento, na década de 1960, a pílula anticoncepcional é hoje encarada de um jeito muito diferente por cada vez mais mulheres. Para elas, seu uso se tornou em larga medida uma imposição dos parceiros e serviu para que a responsabilidade de evitar uma gravidez acabasse recaindo apenas sobre a mulher. Em consultórios médicos e em grupos de discussão na internet, o debate tem esquentado. Além de buscarem métodos alternativos, elas também procuram maneiras de dividir o sentimento de responsabilidade sobre a contracepção. A publicitária Valéria Sousa, 22, diz que nunca se adaptou aos efeitos colaterais da pílula, mas que usava devido aos parceiros, que se recusavam a empregar a camisinha. “O que mais me motivou a deixar a pílula foram as situações em que eu e algumas amigas nos encontrávamos: por saber que nós usamos pílula, o cara se sentia confortável o suficiente para dar desculpas e não se proteger [usar o preservativo]”, relata. “Com o tempo, aprendi a sair de situações que a sociedade costuma tratar como normal. Pode ser também uma questão de opinião, mas é bom reforçar que se isso te faz mal, não é necessário usar. Há outros métodos contraceptivos [veja infográfico] e, principalmente, com responsabilidade dividida”, diz. A administradora Mariana Lima, 29, começou a questionar, além da divisão das responsabilidades, também os gastos associados à contracepção. Depois de anos usando a pílula e, posteriormente o anel vaginal, ela resolveu largar os métodos hormonais. “Eu achava injusto pagar R$ 60 todo mês e ainda ter a preocupação de quando colocar, tirar, etc. Passei a pedir pro meu namorado comprar. Mas ainda assim minha ‘preocupação’ continuava, porque era eu que tinha de lembrá-lo sempre da data da compra. Até que tomei a decisão de não usar mais, assim o cuidado seria dos dois”, diz. Além da maior discussão sob a igualdade dos sexos na responsabilidade pela contracepção, muitas das mulheres buscam outros métodos devido à maior atenção com os potenciais efeitos da pílula –além de um maior risco de problemas circulatórios para quem tem histórico de problemas na família, muitas relatam aumento de peso, diminuição da libido e outros sintomas indesejáveis. Não há números oficiais que indiquem a quantidade de mulheres que têm repensado seus métodos contraceptivos devido a questões ideológicas, mas o movimento já se faz sentir em muitos consultórios médicos no Brasil.

“Vejo um movimento de mulheres, ainda limitado a redes sociais, organizando-se para exigir dos planos de saúde que indiquem médicos que ofereçam contracepção não hormonal. Mulheres estão convidando os parceiros a refletir sobre contracepção e optando pelo uso correto e exclusivo de preservativo”, diz a ginecologista Halana Faria “Deixar de usar pílula tem sido um motivo para que mulheres passem a dialogar mais sobre a necessidade de usar preservativo em todas as suas relações.” Mestra em Saúde Pública pela USP, Halana atua no Coletivo Feminista Sexualidade em Saúde, ONG que prioriza o atendimento médico humanizado ao público feminino. Para ela, ainda existe no país a ideia de que as mulheres são as únicas responsáveis pela contracepção. “Não vamos nos esquecer que há serviços de atendimento geridos por instituições religiosas que recusam-se a oferecer DIU e laqueadura por exemplo. Que quando uma mulher apresenta efeitos colaterais à contracepção hormonal frequentemente não consegue acesso a alternativas”, afirma Halana, que diz não ser contrária à pílula. “Não faço coro à demonização da contracepção hormonal. Acho que há mulheres e grupos sociais que podem, sim, beneficiar-se do seu uso e isso precisa ficar claro”, diz Halana, que ressalta a importância do acesso à informação para que as mulheres possam tomar decisões. Ana Carolina de Magalhães, pesquisadora na área de física, usou a pílula anticoncepcional sem perceber qualquer problema ou efeito adverso por mais de uma década. Durante uma temporada no Canadá, porém, ela começou a repensar o uso do método e passou a pesquisar alternativas não hormonais. Ela conta que, nesse processo, teve o apoio do marido para abandonar a pílula e, também, “dividir as responsabilidades” para evitar uma gravidez não planejada. Hoje o casal optou pelo diafragma e pela camisinha associados. “Parte da decisão de usar a camisinha associada é que é praticamente a única opção de contraceptivo que o homem usa. As outras são coito interrompido, que não nos agrada, além de não ser um método muito confiável, e a vasectomia, que nem sempre é reversível. Sentimos falta de outras opções”, explica. “Usando a camisinha e o diafragma, cada um fica responsável por um método”, conta Ana Carolina. EXCESSOS A pílula anticoncepcional é oficialmente considerada uma linha de tratamento para a síndrome do ovário policístico (SOP). No entanto, na opinião da médica Nathalia Cardoso, que também atende na ONG, ela é possivelmente excessiva

em muitos casos de mulheres jovens. “No início das menstruações, as meninas têm ciclos irregulares, o que é característico da maturação do eixo hormonal, aspecto esse que tende a se regular com o tempo. Adiciona-se a isso o fato de que, com a puberdade, a acne pode aumentar. Esses dois fatores, somente, não diagnosticam a SOP, de forma que temos que ficar atentas para a prescrição indiscriminada de contraceptivos.” Na opinião do professor da Faculdade de

Medicina da Unicamp Luis Bahamondes, hoje as redes sociais têm sido usadas para difundir muitas informações sem lastro científico e que, de uma certa maneira, tem havido uma espécie de demonização da pílula. “O método é seguro, não é uma ameaça mundial como muitos blogs dizem por ai”, explica o médico, que também é pesquisador da clínica de planejamento familiar da universidade. Ele reafirma a a importância de haver uma análise do histórico de saúde das pacientes. Foto: Danilo Verpa/Folhapress

A publicitária Valéria Sousa, 22, que decidiu parar de tomar a pílula. Foto: Danilo Verpa/Folhapress

A pesquisadora Ana Carolina Magalhães, que decidiu parar de tomar a pílula. Arte: Folhapress


Saúde

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É uma cirurgia tão segura

quanto outras bariátricas Médico que operou Faustão e Romário defende técnica que conselho federal de medicina considera experimental

Por CLÁUDIA COLLUCCI/FOLHAPRESS

O médico Áureo Ludovico de Paula está no meio de um dos conflitos médico-jurídicos mais intensos dos últimos tempos. Ele é um dos principais praticantes e defensores da técnica de cirurgia bariátrica conhecida como “gastrectomia vertical com interposição ileal (GVII)”. Foi ele quem operou o apresentador de TV Fausto Silva e o senador Romário (PSB-RJ). Recentemente Romário apareceu visivelmente mais magro. Ele declarou ter feito a cirurgia para controlar o diabetes. A glicemia estava entre 300 e 400 mg/dl –o recomendado é ter menos que 100. Ele diz estar em 80 mg/dl agora. Em entrevista à Folha, o médico fala dos atritos com o Conselho Federal de Medicina, entidade para a qual a modalidade de bariátrica que realiza (provavelmente mais eficaz no tratamento de diabetes) ainda é experimental, só podendo ser realizada após estudos aprovados por um comitê de ética. Na prática, no entanto, a cirurgia está liberada por uma decisão da Justiça que contraria o parecer do CFM. A decisão se deu a partir da opinião de uma junta de especialistas escolhida para avaliar o caso. Para outros especialistas, como o médico Ricardo Cohen, coordenador do centro de Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, a prática ainda é arriscada. “Precisamos de opções de cirurgia para tratar o diabetes, mas essa ainda é experimental, faltam estudos de médio e longo prazo.” A mudança de status ainda pode levar alguns anos, especula Cohen. Para de Paula, no entanto, já passou da hora de ela ser totalmente reconhecida no país. “Desde 1985 ela é usada para o tratamento de diabetes e obesidade.” Folha - Há quanto tempo o sr. realiza essa cirurgia? Qual é a vantagem dessa técnica? Áureo de Paula - Há mais de dez anos. Na época a cirurgia bariátrica era considerada de alto risco para tratamento da obesidade. Havia limites para tratar doenças como o diabetes. Após anos de estudos, ficou evidente seria possível tratar a doença com essa cirurgia. De onde veio o interesse dos famosos pelo seu nome? Todos os pacientes nos procuram pelos resultados, pela efetividade e pela segurança.

Em geral, até 85 a 90% dos pacientes são curados ou entram em remissão do diabetes e outras doenças, como o colesterol elevado, hipertensão arterial, obesidade e outras. Houve testes clínicos e em animais o suficiente? A GVII já é feita em humanos desde 1928, com publicação na revista “Annals of Surgery” e foi utilizada ao longo dos anos para múltiplas indicações clínicas, gastroenterológicas e até urológicas. Houve inúmeros trabalhos em animais. Para tratamento da obesidade e doenças associadas, ela é feita desde 1985. Por que o CFM deu parecer contrário à essa cirurgia fora do contexto de pesquisa? A Câmara Técnica de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, composta por ilustres médicos e professores, aprovou a cirurgia GVII em 2010, como “não experimental”. Isso ocorreu após reuniões e seminários. O último teve a presença de mais de 40 especialistas de todo o Brasil. Está nas atas do CFM e no processo do judiciário. A cúpula diretiva, não especialista, não referendou a decisão técnica, um exemplo único na história desse tribunal ético. A cirurgia está documentada em dezenas de publicações em revistas nacionais e internacionais com o meu nome e diversos outros autores, além de teses de doutoramento no Brasil, Canadá, Estados Unidos e outros. É realizada em países como Portugal, Itália, Índia, Turquia, Estados Unidos, França, Geórgia, Irã, e outros. A que o sr. atribui essa discordância entre a Justiça e o CFM? Inicialmente, a discordância faz parte do esclarecimento das ideias e do aperfeiçoamento científico. A unanimidade é uma utopia. A Justiça Federal considerou a cirurgia como “não experimental.” Essa decisão está em vigência, com efeito que atinge a todos no Brasil e que retroage no tempo. Portanto, a cirurgia nunca foi experimental. A cúpula diretiva, integrada por médicos sem nenhuma vivência na área, é que discordou por motivos que somente eles podem responder. Pacientes morreram por causa dessa cirurgia? Sim. Em pacientes com IMC abaixo de 35, o índice de mortalidade é de 0,4%. Ela é tão segura quanto cirurgias de obesidade padrão, em pacientes de alto risco. Os outros tipos de cirurgias não teriam efeitos semelhantes no organismo? Em um famoso estudo da Universidade

de Cleveland, foi constatado que em 22% dos casos do bypass gástrico [cirurgia clássica de redução de estômago] e 15% dos casos da gastrectomia vertical há remissão do diabetes. em tratamentos clínicos –não cirúrgicos, a remissão é de 0%. Um estudo do Hospital Sírio-Libanês comparou o bypass com o GVII e houve remissão de 29% e 75%, conforme inclusive noticiou a Folha. Quem é o paciente ideal para a interposição ileal? O paciente com diabetes tipo 2, independente do peso. É indispensável uma minuciosa avaliação com exames de pré-operatório e subsequente seleção –alguns pacientes podem ser excluídos. O senhor não corre risco de ser denunciado caso o entendimento da Justiça se altere? Os diabéticos têm receio que a cirurgia permaneça proibida pelo CFM. Já eu, tenho infinita esperança na Justiça. Não se ousa viver na fronteira do pensamento, pensar fora dos padrões, agir de forma contrária ao estabelecido pelo status quo, sem correr riscos. Espero que a Justiça continue endossando a cirurgia que tem potencial para beneficiar milhões . As outras variantes de bariátrica também passaram por esse tipo de ques-

tionamento? Existe explícito preconceito negativo por parte da cúpula diretiva do CFM. Não houve justificativa, outro laudo, outro documento contraposto para a não homologação e a não inclusão da GVII em uma resolução para tratamento da obesidade e/ou diabetes tipo 2. Outras cirurgias não passaram por nenhum dos passos que o CFM quer estabelecer para a GVII. O CFM não acata nem segue as próprias normas, pareceres e resoluções. A competência técnica sobre os diferentes tópicos de medicina não é do plenário do CFM, mas das Câmaras Técnicas das especialidades, compostas por profissionais especialistas –o que é lógico. Entretanto, segundo a própria Câmara Técnica (CT) de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, todas as cirurgias “legais” foram homologadas pela plenária sem avaliação por comitês locais e Comissão Nacional de Ética e Pesquisa e sem apreciação da própria CT do CFM, ainda não criada à época. “O paciente ideal é aquele com diabetes tipo 2, independente do peso. O índice de mortalidade é de 0,4%. Ela é tão segura quanto outras bariátricas “Todas as cirurgias bariátricas ‘legais’ foram homologadas sem qualquer avaliação por comitês locais e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa Foto: Cristina Cabral/”O Popular”/Folhapress

O cirurgião Áureo Ludovico de Paula, 54 Arte: Folhapress


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A ciência dos emojis

Psicólogos veem no intenso uso de emojis e emoticons uma boa oportunidade para estudar o comportamento e as relações interpessoais Por ÚRSULA PASSOS/FOLHAPRESS

“E aí, curtiu o karaokê ontem à noite?”, pergunta Jorge para Sarah, pelo What-

jovens.

sApp, aplicativo para troca instantânea de mensagens. “Adorei. Não sabia que

É o caso do “joinha”. Para a velha guarda, o significado pode ser um singelo “OK”, mas

você cantava tão bem ;P”, ela responde.

entre os mais jovens ele assumiu um significado mais rude, como um desinteressado ou

O emoticon “;P”, referência a uma língua de fora, dá uma pista importante do que Sarah

rude “ah, tá”, como explica Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia & Socie-

realmente gostaria de dizer: sua vontade era de furar os próprios tímpanos ao ouvir o

dade, do Rio de Janeiro, e colunista da Folha.

desafinado amigo.

‘Novidade’

A explicitação da ironia é uma das vantagens trazidas pelo uso de emoticons (expressões e

Se emojis são palavras que chegam como estrangeirismos em uma língua, é natural que

desenhos baseados em caracteres convencionais, como “:-)”, por exemplo) e emojis (como os

os jovens sejam os primeiros a se apropriarem e transformarem seus significados, diz

desenhos que ilustram essa página, popularizados em aplicativos de trocas de mensagem).

Radfarher. “Eles são os mais dispostos a experimentar com a língua.”

Os cientistas estão prestando cada vez mais atenção a essa forma de comunicação, espe-

Isso não quer dizer que inaugurar uma “ciência dos emojis”, como Linda e colegas defen-

cialmente psicólogos, em busca de entender um pouco melhor o comportamento humano.

dem, com testes de imagens e análises comportamentais, tenha um bom embasamento,

Para Linda Kaye, psicóloga da Universidade Edge Hill, no Reino Unido, explorar a miríade

diz o professor, que acredita que estudos do tipo não acrescentariam muito sobre o que

de dados de conversas virtuais carregadas de rostinhos e desenhinhos é uma chance de

sabemos de linguística.

decifrar idiossincrasias a partir das situações em que cada um os utiliza.

Já Luiz Carlos Cagliari, professor aposentado e pesquisador da Unesp, lembra que a

“Se você observa os traços de personalidade, parece haver uma relação entre o quanto

discussão não é tão diferente daquela que surgiu quando os europeus modernos tiveram

melhor uma pessoa lida com outra ou a compreende e o quanto usa emojis”, diz.

contato com a China.

Ela e outras duas colegas escreveram um artigo sobre o assunto que foi publicado na

“Acharam que os chineses não sabiam pensar, já que possuíam um sistema de escrita

revista especializada “Trends in Cognitive Sciences” na semana passada. Outros estu-

ideográfico, pictográfico, no qual primeiro vem a ideia, depois o som”, diz. “Quem acha

dos já constataram uma mistura de ativação de áreas do cérebro ligadas à linguagem

que emoticon ou emoji é novidade esquece que a escrita mais antiga era pictográfica,

e à emoção quando uma pessoa lê uma mensagem com emojis.

de objetos que eram traduzíveis em palavras. Os egípcios já tinham emojis –eles são tão

De alguma maneira, esse tipo de resposta se aproximaria daquela gerada em uma

velhos quanto andar para frente.”

interação face a face.

Um paralelo possível é o caminho percorrido pelos programas de computador. Antes era

No fim das contas, os emoticons e emojis podem ser muito mais do que o reforço de que

necessário clicar em um comando para as funções pretendidas, como “salvar”, para guar-

algo foi satisfatório ou agradável (use um “coração” com “S2” ou “<3”) ou a manifestação

dar um arquivo. Hoje, basta clicar em um ícone com um disquete –que muitos dos que

de segundas intenções por trás de uma conversa casual.

nasceram neste milênio nem sabem o que originalmente significa. “No final das contas,

Essas “palavras” como resume Luli Radfahrer, especialista em comunicação digital e

a ‘escrita chinesa’ prevaleceu sobre a alfabética”, brinca Cagliari.

professor da USP, não têm um significado fixo. Embora algumas como notas de dinheiro

O interesse da academia em estudar o tema, opina, é uma boa chance para desfazer o

voando e o emoticon de espanto (:-O) sejam bem claros em resumir até frases inteiras,

preconceito linguístico que muitas vezes acaba viciando esse tipo de discussão. “A escola

outros vão ganhando significados diferentes segundo quem os utiliza –especialmente os

ensina a escrever de um jeito, mas esse jeito não é o único.” Arte: Folhapress


Saúde

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Compressas geladas aliviam

coceira de picadas de insetos Dica ajuda a aliviar principal incômodo da alergia, mas casos graves de intolerância podem levar à morte

por GISLAINE GUTIERRE/FOLHAPRESS Arte: Folhapress

Usar compressas de água gelada ou gelo sobre o local picado por insetos é a forma mais rápida de aliviar a coceira provocada pela alergia ou reações simples às agressões, caracterizadas também por vermelhidão e inchaço. É uma maneira, também, de evitar a piora do quadro, já que a coceira pode abrir a entrada para bactérias na pele e causar infecção. Segundo Bárbara Gonçalves Silva, alergologista do Fleury Medicina e Saúde, todo mundo pode ter reação à picada de insetos, que só incomoda e passa sozinha. Essa vermelhidão também pode se estender 20 cm, mas só um exame dirá com certeza se é ou não reação alérgica. Na alergia, outras manchas podem surgir, além do ponto da picada, como diz a dermatologista Ana Mósca, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia. “A pessoa não nasce com alergia, mas ela pode desenvolver ou não”, diz Bárbara. O alérgico é sensível ao veneno de determinado inseto, mas pode ou não apresentar sintomas ao longo da vida-vai depender de seu estado geral de saúde e imunidade. É por isso que alguém pode se “descobrir” alérgico só na vida adulta, por exemplo. Mas, segundo Bárbara, há uma reação alérgica mais grave, causada principalmente por picadas de abelhas, vespas e formigas: a anafilaxia. A pessoa pode ter sintomas como vergões vermelhos, inchaço em lábios e pálpebras, coceira forte, chiado no peito, dor na barriga, cólica, náusea, pressão que cai de repente e fechamento da garganta, bloqueando a respiração. O socorro tem de ser imediato. Ou aplicar caneta de adrenalina, caso tenha acompanhamento médico. “É muito raro ter isso aqui no Brasil. As pessoas, desde criança, são picadas por insetos e criam anticorpos”, diz Ana. Vale sempre procurar um médico, antes de usar qualquer remédio. Repelente pode causar irritação O uso contínuo de repelente em criança pode proteger, mas também causar irritação. “Ele protege, mas é tóxico, e muitas vezes confunde o médico, se é da picada ou irritação”, diz a dermatologista Ana Mósca, da Sociedade Brasileira de Dermatologia. Uma dica dela é aplicar óleo mineral, desses infantis, sobre a pele. “Mosquito gosta de umidade, de suor, se você faz barreira física, impede o ataque”, diz.


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