Braganรงa Paulista
Sexta 17 Marรงo 2017
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jornal do meio
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Para pensar
Jornal do Meio 892 Sexta 17 • Março • 2017
Expediente
Transfiguração
que compromete por Mons. Giovanni Baresse
A liturgia católica insere o texto evangélico (neste ano (Mateus. 17,1-8) sobre a Transfiguração de Jesus, no segundo domingo do tempo da Quaresma. Marcos e Lucas também narram esse acontecimento. Jesus chama Pedro, Tiago e João e vai com eles para uma “alta” montanha (Mateus e Marcos), à montanha, para Lucas. A tradição fala do belo monte Tabor, coberto de pinheiros, carvalhos e terebintos. Um monte isolado no centro de uma grande planície verdejante. Raridade naquelas paragens. Segundo relatos antigos no topo da montanha havia um altar onde eram oferecidos sacrifícios às divindades pagãs. Hoje é um lugar para meditação e recolhimento para os cristãos. Há uma bela igreja e duas pequenas capelas dedicadas a Moisés e Elias. Nesse monte os evangelistas descrevem uma experiência única e fascinante vivida pelos três escolhidos. Na linguagem colorida dos semitas eles apresentam o resultado de um momento único dos três apóstolos com Jesus. Isso leva ao fascínio que faz Pedro dizer que seria bom
fazer tendas: uma para Jesus, uma para Moisés e outra para Elias. Ele queria perpetuar aquele momento. As tendas recordavam a grande festa do encerramento das colheitas. Festa de semana inteira. O povo construía as cabanas para recordar o tempo do deserto. Festa e recordação voltadas para o futuro: os rabinos ensinavam que na época do Messias a vida seria uma permanente “Festa das Tendas”! Para Pedro, tendo visto o que acontecia lá no alto da montanha, tinha chegado o tempo do descanso e da festa perene. Esquece os que estavam no pé do monte. Esquece famílias, amigos. O fascínio pelo esplendor que envolve Jesus é uma forma dos evangelistas mostrarem a tentação de ver em Jesus a glória que não passa pela cruz. Sabemos que a compreensão de quem era Jesus - que tipo de “Messias” ele era, o caminho da doação de sua vida, a cruz - só veio após a ressurreição. Afinal como podia aquele Jesus que fazia surgir pão e peixe para todos, que curava os leprosos, que ressuscitava os mortos, que calava os doutores passar pelos
tormentos, pela prisão, pelo achincalhe? Na lição dos evangelistas está presente a afirmativa de que o Jesus, que se revela glorioso, é aquele que lavará os pés dos discípulos! Que terá a sorte dos malfeitores! Uma lição para que seus seguidores aprendessem qual era o caminho. Segui-lo na glória seria resultado de doação da própria vida. Segui-lo na glória seria resultado de cruz assumida todos os dias. Era necessário ter clareza sobre esse seguimento para que não houvesse a tentação do poder dos “amigos do rei”! Uma tentação vivida pelos apóstolos. Tenho certeza que não é difícil fascinar-se pelo Cristo glorioso. Aliás, devemos fascinar-nos por Ele. Ele é a razão da nossa esperança! A sua glória é garantia de nossa eternidade! É, todavia, fundamental, que esse fascínio seja o motivador do seguimento que exige de todos nós continuada conversão. E inserção na sua missão. O Cristo da glória nos atrai para que nossa vida seja a expressão presente daquilo que Ele disse e fez enquanto estava entre nós. Correr para o Cristo
glorioso negando o Cristo da cruz é falsear a fé. Parar no Cristo da cruz é não ter esperança. O Cristo da cruz nos recorda que é o caminho da doação de si mesmo que manifesta aquilo que Deus é: amor transbordante! E como somos filhos de Deus é isso que devemos manifestar. O Cristo glorioso mostra aquilo que somos quando o amor é a realidade de nossas vidas! A liturgia da Palavra dominical coloca os textos do Gênesis (12,1-4a) e da segunda carta de São Paulo a Timóteo (1,8b-10) como molduras ao texto evangélico da transfiguração. A intenção é fundamentar nosso seguimento de Jesus na certeza de que Deus é sempre fiel às suas promessas (Vocação de Abraão). A prisão, a tortura, a perseguição, as incompreensões encontram sua superação na certeza de que anunciar Jesus é dom de Deus, sua graça. E nisso se encontrarão as forças para superar as limitações que o seguir Jesus acarreta. Lá onde o homem vê esgotarem suas esperanças, brilha a certeza do amor incansável de Deus. Isso deve despertar no coração
Jornal do Meio Rua Santa Clara, 730 Centro - Bragança Pta. Tel/Fax: (11) 4032-3919 E-mail: jornal@jornaldomeio.com.br Diretor Responsável: Carlos Henrique Picarelli Jornalista Responsável: Carlos Henrique Picarelli (MTB: 61.321/SP)
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humano a perseverança à qual Paulo exorta a Timóteo. Nada nos deve separar do seguimento de Jesus. Este tempo quaresmal, enriquecido pela provocação da Campanha da Fraternidade, que nos chama, mais uma vez, a cuidar da Vida da Criação nos ajude a purificar palavras e atitudes. Que o horizonte de nossas esperanças não se detenha no uso insensato dos bens da Natureza, mas sim aos dons que Deus nos dá usados com coração generoso e fraterno! A transfiguração que se refletiu no rosto de Jesus, na consciência da entrega de sua vida, nos fará aprender a entregar também a nossa vida. E nos ajudará a não esquecer aqueles que ficaram na planície, à espera da Boa Notícia. Com isso a transfiguração nos envolverá! E as tendas da alegria, sinal Daquele que vive, serão moradas para todos!
Reflexão e Práxis
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PALAVRAS CRUZADAS DIRETAS
www.coquetel.com.br
Pedro Marcelo Galasso - cientista político, professor e escritor. E-mail: p.m.galasso@gmail.com
A frequência das ondas curtas (Fís.)
Grande êxito (gíria) Atmosfera
Iodo (símbolo) Ilude; engana Decisão de concílio Ouro, em inglês A melhor confidente Farto; opulento Poema originário dos corais gregos
Cartão, em inglês Raça zebu Nanico “(?) Aí... Comeu?”, filme
Instrumento usado por pedreiros (pl.)
Escola Naval (sigla) Propensão Ninguém, natural em espanhol “Aérea”, em FAB
Objeto de estudo do ornitólogo Livro do Jurídico (abrev.) Velho Testamento católico Modelo de aula
BANCO
Depressão úmida e sombria de terreno Argila colorida Galinha, em inglês (?) Capri, ator Telúrio (símbolo) Dígrafo de “fascínio” Vitamina Está antigripal (red.)
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Solução M A I O R I D A D E P E N A L
mais justa e que reconheça a importância papel feminino como um dos alicerces mais fortes do nosso quadro social. No Brasil, as mulheres são vítimas diárias de abusos físicos e morais, com a violência velada e covarde de alguns homens que se julgam no direito de se apropriar das mulheres crendo que a violência do homem sobre a mulher seja um fato “natural”. Para conhecer a raiz desta questão é preciso lembrar que desde a nossa colonização as mulheres índias, negras e brancas são violentadas como forma de expressão da masculinidade de seus senhores ou maridos. Um simples passeio pela rua é prova de tais abusos com frases que deveriam causar vergonha e repúdio e não risadas e comentários que diminuem a violência de tais afrontas. A insegurança experimentada pelas mulheres em ruas desertas ou a absurda e insana acusação de que as mulheres provocam os homens com suas roupas só reforçam, propagam e justificam estas posturas inaceitáveis que dão o tom do “ser macho” por todo o mundo. Como alento ou, para muitos, como elemento de polêmica, os movimentos feministas têm se mostrado mais presentes e combativos, sendo alvo de críticas por algumas posturas, exageradas ou não, que mostram de forma explícita e, por isso, desconfortável para o pensamento patriarcal e machista, uma dura realidade que deve ser combatida e condenada e não mais mascarada ou infundadamente justificada como fazem no Brasil e em tantos outros países. A luta é longa, mas as mulheres, como de costume, estão prontas e dispostas mostrarem para a construção de uma sociedade mais justa e mais humana.
E N C I O N N I C A L A C O G OL M I G C AR N A G LE O C R ER S O T C I A
O mês de março marca, segundo data instituída pela ONU, em 1975, pretende chamar a atenção para as lutas das mulheres por uma maior equiparação e reconhecimento de seu papel em uma sociedade fundamentada sobre ideias patriarcais e machistas, cujas expressões são tão diversas quanto as denominações adotadas pelos grupos feministas. A instituição tardia da data, 08 de março, e o fato desta ter sido realizada por uma entidade supranacional mostram o quão difícil é o caminho para o óbvio reconhecimento das mulheres e da valorização de suas incontáveis contribuições nos mais variados e importantes momentos da História. O longo caminho a ser percorrido pode ser observado na forma machista e exploratória com a qual a mídia trata e retrata as mulheres em todo o mundo. Se a mídia tem o papel de informar e esclarecer as pessoas, se ela tema obrigação de retratar a verdade dos fatos e nos fazer pensar sobre as possibilidades de uma sociedade mais justa, como se explica a exploração vil e covarde das mulheres? Alguns dirão que nos últimos anos as mulheres têm ocupado um papel cada vez mais decisivo e amplo em diversos setores sociais, incluindo a mídia, mas uma breve observação empírica sobre as formas de representação feminina é suficiente para a seguinte constatação – as mulheres que mais são representadas o são em um contexto sempre machista, como a exploração de suas formas ou a sobrevalorização de seus apelos sensuais e sexuais, ou como dependentes de alguns homens, com o reforço da prática do favor dos homens para com algumas “escolhidas” ou, o que é pior, como “exceções”. Portanto, o que a sociedade faz e reconhece do papel das mulheres ainda é muito pouco e muito distante de uma sociedade
Dar livre curso a “Norte”, em Otan
S I G E T A E M O E X N T I A D A A R Ç O Ã N D O I E VE H I T E S E N
por pedro marcelo galasso
A equação como 2+2=5 (Mat.)
Processo químico como a pátina
C D I L R A M N Ã D I D E U S A L T O C I E N I N A D A JU D P R E
da Mulher
Meio de transporte no Oeste selvagem Mancada (bras.) Fácil de reter na memória Perfeitamente igual
Sua redução divide a sociedade (jur.) Civilização que fundou Cuzco
3/hen. 4/alta — card — gold. 5/nadie. 6/judite.
O Dia Internacional
© Revistas COQUETEL
Criação do “web designer” Célula usada na fertilização in vitro
Condição em que trabalha a clínica de aborto (BR) O Anjo Bom da Bahia (Catol.)
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Jornal do Meio 892 Sexta 17 • Março • 2017
por GABRIEL ALVES/FOLHAPRESS
Quando a nutricionista me disse que ela
suas condutas.
mesma estava praticando o tal jejum inter-
Na Pré-história, antes de o homem domar algumas
mitente, achei que era a chance de ouro para
plantas e desenvolver a agricultura, o normal era
tentar –mais uma vez– perder peso. Dois meses e
ficar um longo tempo de jejum entre uma caça (ou
12 kg a menos depois, ainda não sei se vale a pena
coleta) e outra.
manter em campo o time que está ganhando.
De certo modo, o genoma humano estaria otimizado
Ela, a nutricionista, havia perdido 8 kg em menos
para trabalhar nessa condição estressante –assim
de dois meses. E me contou a novidade enquanto
como outros biologistas também defendem que o
comia metade de um farto beirute –a primeira re-
organismo humano estaria calibrado para a reali-
feição do dia para ela, às 13h de um sábado.
zação de exercício físico.
A estratégia dela envolvia limitar em poucas horas
Mas, apesar da justificativa evolutiva, um dos
(geralmente de 6 a 8) a janela na qual a alimentação
maiores problemas do jejum intermitente é a ade-
é permitida. Eu, que nunca fui afeito ao café da
são ao formato.
manhã, resolvi, com algumas orientações dela e de
“Essa proposta foi lançada após estudos com ro-
outra profissional, me aventurar nesse caminho.
edores, em gaiolas. Quando se está preso, fazer
Para minha surpresa, o desjejum, que deveria acon-
jejum é fácil. Difícil é fazer quando se namora,
tecer já bem perto da hora do almoço, permitia ovos
trabalha... Temos oferta de comida em cada can-
e bacon. A estratégia do jejum intermitente, ainda
to da cidade”, diz a nutricionista especialista em
muito pouco estudada em humanos, não envolve
obesidade e pesquisadora Sophie Deram.
obrigatoriamente qualquer outra limitação a não
“É uma estratégia arriscada, difícil de ser mantida e
ser a de tempo sem comida.
pode gerar compulsões alimentares. A pessoa tenta
Justiça seja feita: as nutricionistas, apesar de sabe-
fazer o jejum e acaba perdendo o controle”, afirma.
rem que estavam receitando uma conduta ainda sem
Para mim, a maior dificuldade tem sido limitar a
respaldo acadêmico, sempre foram contundentes
participação em eventos sociais e familiares que
ao afirmar que eu deveria ingerir as famigeradas
envolvem a comida –ou seja, todos. Por vezes,
cinco porções diárias de verduras, frutas e legumes
falhei em mantê-lo; uma vez, quase desmaiei ao
(infelizmente batata não conta).
fazer atividade física em jejum.
Daí já surge um exemplo observado em estudos com
Se não é algo para sempre, o jejum pode ser um
humanos: quem adota uma estratégia de mudança
bom começo de um plano de redução de peso, diz
de certos hábitos tende a modificar, mesmo “sem
Fernanda. Então ela se lembra da falta de evidências
querer”, outros. Apesar de a proposta ser de jejum
e conserta: “Pode vir a ser, em um futuro distante”.
intermitente, me vi cozinhando e colocando no prato até mais vegetais do que me haviam recomendado. Também tem o fato de que a ciência ainda não consegue bater o martelo se, em humanos, benefícios como maior tolerância à insulina e o menor risco de acidentes cardiovasculares são mantidos após meses ou anos da prática, lembra Fernanda Reis de Azevedo, nutricionista e pesquisadora do Incor (Instituto do Coração), do HC da USP. Por outro lado, do mesmo jeito que não há grande suporte para o jejum intermitente, também falta evidência que embase a velha máxima de comer a cada três horas. “Os estudos estão mostrando que não é tão bom ter refeições muito picadas, mas para algumas pessoas pode ser mais fácil controlar a ingestão calórica”, diz Fernanda. Sem um estudo acadêmico, com o seguimento de pacientes ao longo de anos, é difícil tirar conclusões sobre qualquer tipo de intervenção para perder peso, mas alguns especialistas se valem de princípios de biologia evolutiva para justificar
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O soninho do enjoo A ciência explica por que crianças de até dois anos pegam no sono tão fácil quando passeiam de carro
Por RACHEL BOTELHO/FOLHAPRESS
O truque já apareceu até em anún-
é ativado quando há informações senso-
e a mágica acaba: o carro deixa de ser
SUZANA HERCULANO-HOUZEL é neu-
cios de carro: é só colocar seu bebê
riais conflitantes, que o cérebro não sabe
máquina de ninar, e passa a ser máquina
rocientista, professora da Universidade
no assento infantil no banco de
explicar. Carros e aviões fazem o mundo
de enjoar. Pais, aproveitem enquanto o
Vanderbilt e autora do livro “The Human
trás, sair com o carro, e antes de chegar
deslizar para os lados de um modo que
enjoo não vem.
Advantage” (Amazon.com) suzanahh@
à esquina o pimpolho estará adormecido.
jamais acontece sobre nossas próprias
Com meus filhos, funcionava sempre. De
pernas, sobretudo quando movemos a
onde vem o efeito soporífero mágico do
cabeça ao mesmo tempo. Talvez porque
banco de trás?
combinações inexplicáveis de sensações
Do enjoo nascente, segundo a neurociên-
também aconteçam quando estamos into-
cia. Enquanto o cérebro não amadurece
xicados, o núcleo do trato solitário começa
o suficiente para deflagrar uma resposta
a preparar o esvaziamento do estômago.
completa de náusea e vômito às informa-
Mas antes de chegar ao enjoo pré-vômito,
ções sensoriais conflitantes dentro de um
dizia o texto, a primeira alteração é...
carro em movimento, os pais têm cerca de
sonolência, causada provavelmente por
dois anos para se beneficiar da sonolência
maciça ativação parassimpática, uma das
que antecede a náusea.
funções do núcleo solitário. Li o parágrafo
Explico. Tenho lido assuntos variados
e adormeci antes mesmo da decolagem,
para o novo curso de neuroanatomia que
tal qual um bebê em seu assento no carro.
comecei a lecionar na Vanderbilt, e calhei
E a ficha caiu.
de estar a bordo de um avião taxiando
O sistema parassimpático é aquele que
quando revi o circuito responsável pelo
relaxa o corpo e, entre outras coisas, pro-
enjoo: náusea e vômito correspondem à
move a digestão. Pelo jeito, esse é o “nível
ativação progressiva de uma estrutura no
um” da resposta do cérebro ao problema
tronco cerebral, o núcleo do trato solitário,
–e se não bastar, a náusea vem e culmina
que recebe sinais dos órgãos do corpo.
em vômito, o que resolve a situação.
Alterações estomacais, como aquelas
Pena que lá pelos dois anos de idade, o
provocadas por toxinas, causam o enjoo,
cerebelo já amadureceu o suficiente para
prenúncio do vômito que vem a seguir.
fazer as informações conflitantes do carro
Mas o núcleo do trato solitário também
causarem bem mais do que só sonolência,
gmail.com Foto: Divulgação
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Ocupação da Antártida
Arqueólogos brasileiros reveem a história da ocupação da Antártida, pesquisadores investigam a presença de caçadores no continente a partir de seus objetos. Objetivo é dar lugar de destaque às visitas das ‘pessoas comuns’ em contraposição ao relato de grandes exploradores Por GIULIANA MIRANDA/FOLHAPRESS
Último continente conquistado pelo homem, a Antártida tem sua história oficial contada através dos feitos de abastados exploradores europeus, como o dinamarquês Roald Amundsen e o britânico Robert Scott, protagonistas da corrida pelo polo Sul. Um grupo de arqueólogos do Brasil, no entanto, quer rever esses relatos e incluir a participação de “gente comum” que também ocupou a região de forma pioneira. Ignorados nos livros didáticos e nos relatos históricos, grupos de trabalhadores – sobretudo caçadores de baleias, focas e leões-marinhos– visitavam de maneira periódica o continente gelado. A motivação era principalmente econômica: a pele, a carne e a gordura desses animais marinhos eram extremamente valorizadas, o que “empurrava” quem vivia da caça para áreas cada vez mais remotas do planeta. Para investigar a forma como essas pessoas se estabeleceram na Antártida, os cientistas precisam tomar o mesmo caminho e também se aventurar em temporadas de trabalho em pleno gelo. Na última delas, que terminou na primeira semana de fevereiro, os arqueólogos encararam 15 dias de acampamento na ilha Livingstone. O resultado é uma coleção de artefatos,
como sapatos, garrafas e outros utensílios, que ajudam a reconstruir a dura vida que os caçadores levavam na região. “A temperatura na Antártida faz com que ela funcione como um grande freezer, ajudando a preservar os materiais”, conta Andrés Zarankin, professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e coordenador do projeto.
Os pioneiros
Muitos dos relatos mais difundidos sobre a ocupação da região dizem que o capitão inglês William Smith foi o primeiro a chegar à Antártida em 1819, descobrindo as ilhas Shetlands do Sul. Teorias alternativas, porém, dão conta de que as ilhas antárticas já eram visitadas desde o fim do século 18 por caçadores de animais marinhos de diversas nacionalidades, os chamados foqueiros. Ao contrário de muitos exploradores polares, porém, esse grupo mantinha as incursões austrais em segredo, para evitar concorrência. Mais do que se preocupar com as datas de chegada, o trabalho quer acabar com a invisibilidade e o estigma que ronda a presença dos caçadores, muitos deles pobres e analfabetos, na Antártida. “Queremos dar um lugar de destaque a
esses grupos subalternos em contraposição aos grandes relatos de heróis e exploradores. Queremos mostrar como a Antártida foi incorporada ao mundo conhecido também a partir de um interesse econômico”, diz o professor Andrés Zarankin. Um dos pontos do trabalho dos arqueólogos é coletar vestígios que esses caçadores deixaram para trás, o que ajuda a dar pistas sobre seus hábitos, vestuário e até dieta. “Temos muitos sapatos . Eles eram feitos para serem usados nos barcos, que quase não resistiam às condições adversas da Antártida. Se você vai a um museu, costuma ver os sapatos dos reis, das elites. Aqui nós temos exemplares da vida real dos trabalhadores”, avalia Zarankin.
Sem controle
Movidos apenas pelas questões econômicas e pela lógica extrativista da época, os caçadores provocaram um forte impacto na fauna da região. Milhares de animais, principalmente focas e baleias, foram mortos em um curtíssimo espaço de tempo, o que causou um rápido declínio das populações. Com menos animais, ficou mais difícil caçar –e ganhar dinheiro– com as visitas à região. Com isso, muitas das rotas fo-
ram abandonadas, uma vez que já não compensavam o investimento realizado. “A exploração da Antártida não estava deslocada da economia global. Esses grupos iam até lá comercializando bens, fazendo trocas. E, depois, voltavam vendendo o que caçaram por lá. Era uma dinâmica muito interessante”, avalia o presidente da SAB (Associação de Arqueologia Brasileira), Flávio Rizzi Calippo, que também participou da missão. Eclipse solar É observado De São Paulo - A manhã e o início da tarde do domingo de Carnaval teve um espetáculo astronômico que nem sempre dá as caras pelo céu: um eclipse solar do tipo anelar, quando a Lua fica entre Sol e Terra –e o Astro-Rei aparece apenas como um anel “de fogo” dourado. O fenômeno pôde ser visto parcialmente no Brasil, especialmente nas regiões Sul e Sudeste. A sobreposição total foi vista apenas em uma estreita faixa que foi do extremo Sul do continente –na Argentina e no Chile– e em Angola, na República Democrática do Congo e na Zâmbia, na África. O próximo eclipse anelar será em 26 de dezembro de 2019 e será bem observado apenas no Oriente Médio, na Ásia e na Oceania.
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Brasil poderia tirar boas lições
de outros sistemas de saúde Em livro, britânico elenca iniciativas, incluindo experiências brasileiras, que juntas criariam sistema de saúde perfeito
por CLÁUDIA COLLUCCI/FOLHAPRESS
O Brasil deveria aprender com outros países como melhorar a qualidade, reduzir custos e trazer mais eficiência para o sistema de saúde. Por exemplo, inovar os cuidados na atenção primária para evitar hospitalizações, como ocorre em Israel, ou permitir consultas on-line, como acontece na Índia. O conselho é de Mark Britnell, 51, autor de “In Seach of the Perfect Health System” (Buscando o sistema de saúde perfeito, em tradução livre, ainda não lançado no Brasil), que já trabalhou em 68 países e estudou a fundo os sistemas de 30 deles. Um dos ex-diretores do sistema de saúde britânico (NHS) e atual líder global da prática de healthcare da consultoria KPMG, Britnell elogia o Programa de Saúde da Família brasileiro, diz que ele inspirou países da África e da Ásia e deve ser incentivado. A seguir, trechos da entrevista que deu à reportagem. SISTEMA PERFEITO Não há um sistema de saúde perfeito, mas cada país tem algo a ensinar e algo a aprender. Com o Brasil não é diferente, e há algumas facetas de sistemas de alto desempenho com as quais todos os países poderiam aprender [veja infográfico abaixo]. BRASIL Eu acho que o Brasil tem alguns bons pontos fortes no SUS e no seu Programa Saúde da Família (PSF). A Rio Saúde também é um modelo que funciona bem. A empresa mistura administração pública e privada e aplica com sucesso conceitos bem conhecidos por outros setores e, agora, o da saúde para melhorar a qualidade. O Brasil pode aprender muito com Israel em cuidados primários. Israel tem a maioria das suas instalações de diagnóstico na comunidade para que o paciente não tenha que ir ao hospital. Da mesma forma, o país faz melhor uso da tecnologia, com registros médicos eletrônicos e consultas telefônicas mais rápidas, acessíveis e baratas. SAÚDE DA FAMÍLIA O Programa Saúde da Família (PSF) no Brasil é mencionado em meu livro como um dos 11 exemplos de melhores práticas no mundo. Cuidar proativamente das famílias e das comunidades é bom para a promoção da saúde e para a prevenção de doenças. É uma falsa economia cortar programas de cuidados primários, porque a doença vai aparecer na sala de emergência. É pior para o doente e para o contribuinte.
SUS Qualquer sistema de saúde universal, como o SUS, precisa de uma economia forte e transparente para apoiá-lo. O congelamento federal do orçamento da saúde vai colocar uma enorme pressão sobre o SUS, mas isso não pode enfraquecer o sistema. Ele tem sido uma inspiração para muitos países. O Brasil já gasta cerca de 10% de seu PIB na saúde, mas seu desempenho, qualidade e expectativa de vida podem ser melhorados. Os EUA gastam quase 18% do PIB em um sistema com cuidados de saúde universais limitados. Boa saúde nacional, em última instância, leva a uma melhor riqueza nacional. A cada US$ 1 gasto em cuidados de saúde, US$ 4 são gerado na economia. PÚBLICO X PRIVADO Os setores público e privado da saúde no Brasil parecem estar indo em direções diferentes e isso não é bom para o país, para a coesão social e para a eficiência. Em muitos países de renda média, há vários exemplos bem-sucedidos de parcerias público-privadas de longo prazo. Esses relacionamentos poderiam resultar em escolas médicas conjuntas, novos centros
de atendimento ambulatorial conjuntos, pacientes públicos sendo tratados em estabelecimentos particulares a preços determinados. A corrupção tem prejudicado contratos nos setores público e privado e isso precisa ser passado a limpo para melhorar o valor do dinheiro, a confiança e o investimento de longo prazo. CONSULTAS VIRTUAIS Acho que o Brasil está perdendo uma oportunidade, porque poderia ser um líder global em tecnologia de alto valor aplicada aos cuidados de saúde. Na Índia, smartphones são usados pelos pacientes para chamar um médico ou uma enfermeira num call center, que usam a melhor base de evidência clínica e algoritmos para fazer diagnóstico por telefone. Em seguida, a receita médica é enviada para a farmácia mais próxima do paciente. Diante dos desafios remotos e rurais no Brasil, acredito que isso pode funcionar aqui também. E nas áreas urbanas é especialmente popular entre os jovens que não querem perder tempo em fila para ver um médico. ENVELHECIMENTO
Quase todos os países estão falando sobre o envelhecimento da população e alguns poucos–como Japão, Holanda e Cingapura– estão começando a tomar medidas. A tecnologia também tem papel importante no gerenciamento do paciente idoso. Os sistemas remotos de monitoramento ajudam o pessoal clínico a intervir apenas quando necessário, respondendo a um problema antes de ele se transformar em uma emergência hospitalar. Reconhece-se cada vez mais o valor dos programas de prevenção dirigidos aos idosos, como o aumento da atividade física, o uso eficaz dos medicamentos e a redução do risco de quedas. RAIO X Mark Britnell, 51 Formação Formado em direito pela Universidade de Warwick (Reino Unido); treinado em gestão pelo NHS (National Health System) e pós graduado também em Warwick Trajetória É o presidente do setor de prática de saúde global da KPMG; desde 2009 trabalhou em mais de 60 países, estudando planos de saúde.
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