FASCÍCULOS DE JORNALISMO - COMPREENDER A PROFISSÃO
A arte do diálogo
Desvendamos os meandros da entrevista, que é parte essencial do trabalho do repórter. Encontrar boas fontes, saber ouvir atentamente e estudar profundamente o entrevistado são algumas recomendações importantes ENTREVISTA
Cremilda Medina alerta: “O jornalista precisa dar voz à multidão anônima”
REPORTAGEM
Leitores relembram as pingue-pongues irreverentes e humoradas d’O Pasquim
Apresentação | Caro leitor
O
Expediente
O diálogo com as fontes fascículo Entrevista apresenta aos estudantes de jornalismo os meandros das diversas formas de entrevista. Nossa abordagem será metalinguística, uma vez que trataremos do tema em aspectos conceituais, práticos e reais com base em entrevistas de especialistas e estudiosos da área. A entrevista se diferencia de uma conversa informal, primeiramente, por objetivar a obtenção de dados ou informações a respeito de um assunto que se deseja tratar e que careça de opinião para validar o que é dito. Além disso, o diálogo entre os envolvidos é possível de forma mais humana em vez de unicamente profissional, considerando o TU-pessoa e não o TU-isto, segundo afirma a pesquisadora Cremilda Medina. A preparação do entrevistador, entrevistas polêmicas, uma entrevista bem conduzida, a atuação irreverente d’O Pasquim, entre outras, são abordagens deste fascículo que pretende ajudar o leitor na hora de atuar nesse meio. O leitor poderá encontrar aqui algumas ricas sugestões de leitura para se aprofundar no tema.
Seção | Conceito “A finalidade de caracterizar um texto jornalístico como entrevista é permitir que o leitor conheça opiniões, ideias, pensamentos e observações de personagem da notícia ou de pessoa que tem algo relevante a dizer”. Manual de Redação da Folha de S. Paulo, Publifolha, pág 41. “Entrevistar não é trabalho muito simples. Para começar, exige que o repórter faça cuidadosa escolha da pessoa ou das pessoas que vai entrevistar [...] Em muitos casos é indispensável que o repórter faça leituras prévias sobre o assunto, para evitar perda de tempo de ambas as partes, para fugir às questões óbvias e tratar do fundamental”. Guido Fidélis, Jornalismo – A Grande Arma da Liberdade, Cia Editora Nacional, pág 61. “A entrevista pode ser apenas uma eficaz técnica para obter respostas pré-pautadas por um questionário. Mas certamente não será um braço da comunicação humana, se encarada como simples técnica. Esta - fria nas relações entrevistado-entrevistador- não atinge os limites possíveis da interrelação, ou, em outras palavras, do diálogo. Se quisermos aplacar a consciência profissional do jornalista, discuta-se a técnica da entrevista, se quisermos trabalhar pela comunicação humana, proponha-se o diálogo” Cremilda Medina, Entrevista – O Diálogo Possível, Editora Ática, pág. 05. “Trabalho de apuração jornalística que pressupõe contato pessoal entre o repórter e uma ou mais pessoas, de destaque ou não, que se disponham a prestar informações (fonte) para a elaboração de notícias. Os noticiários são quase que totalmente elaborados com base nesse processo de apuração; é o repórter fazendo perguntas e ouvindo respostas, sobre fatos ocorridos ou sobre ações, opiniões e ideias do entrevistado”. Carlos Alberto Rabaça e Gustavo Barbosa, Dicionário de Comunicação, Editora Campus, pág 238. 2 | DOIS PONTOS
Chanceler Alzira Altenfelder Silva Mesquita Reitor José Reinaldo Altenfelder Silva Mesquita Pró-reitor de Graduação Luis Antônio Baffile Leoni Pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Alberto Mesquita Filho Pró-reitoria de Extensão Lílian Brando G. Mesquita Diretor da Faculdade de LACCE Rosário Antonio D’Agostino Coordenação do Curso de Jornalismo Anderson Fazoli
Dois Pontos é um projeto experimental dos alunos de jornalismo (3ACSNJO e 3MCSNJO), desenvolvido na disciplina Jornalismo Impresso, em 2013. Orientação e Coordenação editorial Profa. Jaqueline Lemos (MTB 657/GO) Revisão Profª. Maria Cristina Barbosa Diagramação Alexandre Ofélio (MTB 62748/SP) Redação Editora assistente Aline Oliveira (RA: 201113121) Repórteres Larissa Valença (RA: 201108224) Ludimila Honorato (RA: 201100188) Maday Florencio (RA: 201101125) Talita Alessandra (RA: 200902130) Capa Alexandre Ofélio
Pingue-Pongue | Cremilda Medina
“Nada substitui o contato humano”
Pesquisadora afirma que o jornalismo tem necessidade de criar novas narrativas do presente e defende que o contato sujeito-sujeito na entrevista é essencial
C Por Talita Alessandra
remilda Celeste de Araújo Medina, portuguesa radicada no Brasil, é jornalista graduada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Doutora em Ciências da Comunicação pela USP. Atua há mais de 40 anos na área jornalística. Escreveu importantes livros como A arte de tecer o presente: narrativa e cotidiano, Notícia: um produto à venda, Entrevista: o diálogo possível, dentre outros. Atualmente, coordena os projetos Novo Pacto da Ciência e o Foro Permanente de Reflexão sobre a América Latina, além de contribuir de forma contínua na pesquisa como professora sênior da Escola de Comunicações e Artes da USP. Em entrevista ao fascículo Dois Pontos, ela fala sobre as possibilidades das narrativas contemporâneas.
Dois Pontos: O que falta hoje, no jornalismo, para termos boas entrevistas? Cremilda Medina: Há a utopia, dos que são muito encantados com a tecnologia, que isso vai ser realizado com a democracia da internet. Ou seja, do acesso a todos para se conversarem. Tenho minhas dúvidas em relação a isso. Essa tecnologia, que é importante para nos ajudar em muitos sentidos, não favorece. Ainda que o computador esteja extremamente desenvolvido, a informação e a eletrônica estejam muito avançadas, ele não cheira, não sente sabores, não tem tato, não tem “dores de parto”, só lida com os códigos linguístico e visual. A inteligência humana só é plena se operarmos com os cinco sentidos e não apenas com aquilo que queremos enxergar e ouvir. Nada substitui o contato humano, pois tem a codificação de todos os sentidos, que são absolutamente necessários. A entrevista digital carece de quentura humana. Na entrevista é preciso mudar o paradigma do objeto a ser entrevistado. A relação tem que ser entre sujeito-sujeito e não sujeito-objeto. Há a necessidade inquietadora de criar novas narrativas do presente.
Dois Pontos: Quais vozes não ganham espaço da imprensa? Cremilda Medina: O sujeito anônimo. A comunicação social privilegia as vozes que se organizam. Os poderes instituídos estão todos organizados para terem voz. Mesmo a sociedade civil, se organizou e usa seus aparatos, através de assessorias de imprensa ou relações públicas, para fazer presente sua voz. O grande papel do jornalista é procurar dar voz a essa multidão anônima, a essa população que está ausente da organização das vozes através dos meios e mídias todas que aí estão, ou mesmo fora do acesso à internet. A multidão de anônimos que vai passar na história anonimamente.
Cremilda Medina: Várias. Desde caráter político, na Ditadura Militar, até as de caráter poético, na literatura. Talvez o caso mais gratificante para mim tenha sido a entrevista com o Carlos Drummond de Andrade. Foi muito impactante. Outra entrevista foi com uma sobrevivente do campo de concentração na cobertura que ocorreu aqui quando descobriram a ossada de um nazista torturador em São Paulo, nos anos 1980. Teve grande repercussão. Achei uma sobrevivente de guerra, que já morreu, a Dona Bela.
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O grande papel do jornalista é procurar dar voz a essa multidão anônima
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Dois Pontos: Como foi esse contato com a Dona Bela? Cremilda Medina: Isso tudo foi numa tarde. Eu trabalhava no Estadão [jornal O Estado de S. Paulo] , era uma pauta emergente para fechar até à noite. Entrei em contato com alguns sobreviventes e todos se recusavam a falar porque estavam com as feridas abertas. Aí a Dona Bela topou o desafio. Fui à casa Dois Pontos: Pode citar alguma entrevista dela correndo, do Estadão, pois já eram três feita por você e que marcou a sua carreira? da tarde e era para fechar a matéria até às
Maday Florêncio
Cremilda Medina compreende a entrevista como um momento de interação social 19h. Foi um trabalho que me marcou muito porque o ato de entrega dela, o que aconteceu conosco nessa conversa, nesse encontro, preencheu toda minha utopia do diálogo possível, que chega àquilo que é uma perspectiva do educador, a interação social criadora, quando ambos saem alterados. Interação social a gente atinge se tiver um esforço dialógico. Interação social que cria outra visão, outro valor, outra atitude perante o mundo. Eu saí transformada e ela também fez uma catarse e deixou sair tudo, a ponto de ambas chorarmos. Ela me mostrou as marcas da sua experiência e buscou um livro de cabeceira onde estavam registrados os testemunhos de outros sobreviventes do campo de concentração. Atingimos um grau de relação muito profundo e solidário. DOIS PONTOS | 3
Reportagem | Humor
Reportagem | Mais do mesmo
Mais que um jornal, uma escola
O espetáculo da hiper visibilidade
Por Ludimila Honorato
Por Larissa Valença
O Pasquim foi um tabloide que revolucionou o modo de se fazer jornalismo no período da Ditadura Militar no Brasil
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o ano de 1969, em meio a sequestros, prisões, torturas e os mais variados tipos de repressão, surge um periódico irreverente que, com muito humor e ironia, fez sucesso entre os leitores da época. Se utilizando desses artifícios, o tabloide mostra a que veio, deixa importante legado à imprensa brasileira e se eterniza. O Pasquim teve vida longa, foram mais de 20 anos nas bancas e nos lares de brasileiros. Jaguar, Tarso de Castro, Sergio Cabral e Carlos Prósperi foram ousados ao fundar um jornal diante daqueles anos de chumbo. Frases mais que ambíguas, textos curtos, irreverência e ilustrações mostraram ao leitor a “ausência” de posição política do jornal ou uma posição política contrária ao que se considerava socialmente aceito. “O sucesso durante o período de maior censura se deve às críticas veladas ao regime, assim como ao fato de transitar por temas que estavam em voga, como a contracultura”, afirma Marcos Capellari, Doutor em His-
tória pela USP e, atualmente, pesquisador e professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo. De 1969 a 1991, O Pasquim publicou entrevistas marcantes, lembradas com prazer por Antonio Carlos Seidl, jornalista graduado em Economia pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). “As famosas entrevistas d’O Pasquim, que nas palavras do próprio jornal eram ‘um caos para conferir’[...] eram avidamente aguardadas por uma crescente legião de leitores do tabloide”, revela Seidl. Durante os 22 anos de existência do periódico, ele diz ter lido quase todas as edições, que reuniam pouco mais de 20 páginas. Mesmo quando morou em Londres, cidade onde foi correspondente da Folha de S. Paulo, lia O Pasquim porque a mãe enviava as edições do jornal para Seidl. A primeira entrevista pingue-pongue publicada foi com Ibrahim Sued, um importante colunista social brasileiro. Não houve tempo para edição e a conversa, longa e regada a uísque, foi publicada na íntegra. O acaso deu certo e 14 mil exemplares foram vendidos.
Outra entrevista famosa foi com a atriz Leila Diniz. Transgredindo regras sociais, ela falou abertamente sobre sexo, drogas e tabus, elevando a venda para 117 mil exemplares. Depois disso, O Pasquim vendeu mais que os grandes jornais, atingindo 250 mil cópias. O jornalista Audálio Dantas foi outro leitor do tabloide e eventual colaborador, quando uma “gripe” assolou a redação (episódio da prisão da equipe principal do jornal no final de 1970). Segundo Dantas, O Pasquim foi pioneiro das grandes entrevistas com a participação de vários perguntadores, dos quais também foi alvo em 1976. “E tinha uma vantagem: o uísque ficava à disposição para animar os mais tímidos. Isso tornava o papo descontraído e as entrevistas rendiam bastante. O legado é o formato que funciona até hoje, mesmo sem uísque”, diz. Quando a redação do jornal foi presa, diversos leitores ilustres do jornal, como o compositor Chico Buarque e o cineasta Glauber Rocha, se ofereceram para serem colaboradores. Embora a prisão não tenha sido abertamente noticiada, todos os leitores sabiam do ocorrido. Ainda assim, como forma de protesto e fidelidade, continuaram comprando o tabloide. “O Pasquim era um alternativo indispensável. Com humor inteligente, era o valioso instrumento de combate à Ditadura Militar”, afirma Dantas.
SUGESTÃO PARA LER E ASSISTIR
Se você quer conhecer mais sobre a história d’O Pasquim destacamos a Antologia – O Pasquim (3 volumes publicados pela Desiderata) e o documentário O Pasquim – a subversão do humor, produzido pela TV Câmara, que pode ser acessado via YouTube ou no site www.camara.leg.br/internet/tvcamara 4 | DOIS PONTOS
Alguns temas e “personagens” se tornam repetitivos na imprensa. O excesso de exposição não necessariamente contribui para a reflexão do leitor. Um exemplo claro dessa situação foi quando o deputado Marco Feliciano assumiu a presidência da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados
“
As pessoas têm tendência para incluir ou excluir dos seus próprios conhecimentos aquilo que o mass media incluem ou excluem do seu próprio conteúdo. Além disso, o público tende aquilo que esse conteúdo inclui uma importância que reflete de perto a ênfase atribuída pelos mass media aos acontecimentos, aos problemas, às pessoas.” Esta afirmação foi publicada em 1979 pelo pesquisador Donald Shaw, para falar sobre a teoria da agenda setting. De acordo com esta teoria, os veículos de comunicação nos dizem o que pensar e como pensar, a partir do que está “pautado” com mais visibilidade na imprensa. O deputado Marco Feliciano (PSC/SP), presidente da Comissão dos Direitos Humanos, com sua postura ultraconservadora e divergente com as premissas do cargo que ocupa, nos faz perceber esse comportamento da mídia que lhe deu abrangência desmedida, mas superficial. Feliciano ganhou voz em diversas entrevistas em revistas, no rádio e na televisão. A entrevista, como ferramenta jornalística, deveria principalmente incitar a reflexão. Tendo em vista isso, os jornalistas Álvaro Gregório e Basílio Magno discutem como uma entrevista pode desdobrar o assunto tratado. Para ambos, a repercussão midiática em torno de Feliciano resulta em aumento de sua popularidade e visibilidade do público que concorda com seu discurso estereotipado. De acordo com Magno, a imprensa retrata Feliciano como símbolo de preconceito. O deputado, por sua vez, se beneficia do embate com os movimentos contrários e das publicações que repercutem seus dizeres preconceituosos, se colocando como vítima e defensor de um tipo de “comportamento moral”. Tal comportamento reforça e capta mais seguidores a partir do pressuposto do deputado como “mártir”. Basílio Magno, que passou pela Rádio Record e atualmente é repórter da Rádio Capital, dá dicas para não ser corrompido pela agenda setting. “O jornalista tem que gastar sola de sapato, conquistar fontes, pesquisar, ouvir mais e falar menos. Uma boa história pode ser contada ali sob o viaduto, através de homens e mulheres ‘invisíveis’ ”, pontua o repórter. Falar da concepção de vaidade como pecado, que o deputado faz alisamento e sobrancelha, relatando sua intimidade foi o comportamento da Folha de S.Paulo na repor tagem Reunião de líderes é para achincalhar, diz Feliciano.
“Em vez disso, deveria focar seu raio de atuação, em quais projetos terá aval para propor, por exemplo”, relata Álvaro Gregório, que já escreveu para jornais do grupo Folha, como a Folha da Tarde, e hoje é consultor em inovação na administração pública. “A repetição excessiva de um mesmo assunto causa esgotamento. Com isso, surgem ramificações que desviam do foco principal e trabalham mais do mesmo reproduzindo frases preconceituosas ou que não são de interesse público”, pontua Gregório. Trabalhar esse tema de modo mais analítico é um posicionamento mediante a “desinformação” da grande mídia. Uma das alternativas é trazer para o embate um Cientista Político que conheça os dilemas da democracia. O norte da entrevista seria buscar compreender as fissuras da política que permitiram, por exemplo, que o deputado assumisse uma função para a qual não tem preparo. Quais são os jogos de interesse que permearam tal escolha? É possível reverter a decisão? “Essa é minha dica: que o jornalista vá na contramão da notícia volátil e, por si só, inócua”, sugere Gregório.
MorgueFile/MConnors/FreePhotos
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Reportagem | Capa
Os segredos e caminhos da entrevista Pauta decidida, começa o processo de apuração. Quem procurar? Saiba como se portar diante uma grande entrevista e não fazer feio diante das fontes Por Maday Florencio O momento da entrevista é uma das ações mais esperadas e significativas na vida jornalística. Desde o informativo do bairro até as grandes empresas de comunicação, é preciso levantar as informações necessárias para buscar a veracidade dos fatos. Para o jornalista Marcio Kroehn, editor do site da revista Veja e ex-repórter da revista Exame, nem sempre o jornalista conta com os melhores entrevistados à disposição. “Há problemas de agenda e, claro, o terrível deadline”, diz. O importante para o jornalista quando for marcar uma entrevista, se puder escolher sua fonte, é checar suas credenciais como formação, área de interesse, especialização e relevância para o assunto. A pesquisa é fundamental para não perder tempo com alguém desinteressante. A partir dela, segundo o jornalista, sabemos se a pessoa é um simples arroz de festa ou se está apta a responder o que os jornalistas buscam. Para ele, o que faz uma entrevista ser boa ou ruim está no que se extrai do entrevistado. “Boas perguntas para um uma pessoa interessante certamente vão ser ótimas para ver, ler ou ouvir”, diz Kroehn.
O que é media training? De acordo com o Dicionário de Comunicação (Rabaça&Barbosa, Editora Campus), media training é: “treinamento para mídia. Programa de treinamento voltado principalmente para diretores e porta-vozes de empresas e instituições diversas, com o objetivo de prepará-los para o relacionamento adequado com a imprensa.” É uma tarefa importante exercida pelos assessores, mas que pode tornar o entrevistado “blindado” para os repórteres. O bom repórter, portanto, o bom entrevistador, precisa aprender a lidar com esse tipo de fonte. Aquela que tem uma resposta “treinada” na ponta da língua. Esse mecanismo de respostas prontas tem dificultado o trabalho dos jornalistas que buscam obter entrevistas mais espontâneas e sem planejamento excessivo. 6 | DOIS PONTOS
Os problemas com assessores A maior dificuldade em procurar bons entrevistados, segundo o jornalista, são as assessorias de imprensa. Desde a subcelebridades até o presidente da República, todos são assessorados. É construído um muro intransponível que dificulta a apuração da reportagem. “As assessorias são mal preparadas. Preferem recusar uma entrevista a fazer o papel de ponte entre jornalista-entrevistado”, esclarece o editor. O editor também chama atenção para um detalhe recorrente em entrevistas a veículos de grande circulação: o excesso de media training [leia box]. Isso engessa a entrevista, que já segue uma cartilha pré-formatada. “Os jornalistas não conseguem nenhuma frase que não seja de declarações previamente autorizadas pelas em-
presas ou pelo marketing delas”, comenta Kroehn. Para começo de conversa Jornalistas mal preparados continuam assustando as fontes, declara Kroehn. Por isso ele afirma que é importante saber com quem está se falando, quanto tempo o entrevistado tem disponível e quais são seus interesses além do que o jornalista irá tratar com ele. É quebrando o gelo que a conversa flui. Se a fonte acompanha futebol, saiba o resultado do último jogo do time dela. Se não houver tempo para amenidades, o jeito é começar com perguntas simples e depois ir apertando o ritmo. “O importante é não deixar de fazer perguntas, por mais indelicadas que sejam”, recomenda. Para Kroehn, nem sempre ter experiência faz do jornalista um bom entrevistador. “A entrevista pode ficar burocrática, sem nada interessante para o leitor, que continua sendo o maior patrão do jornalista”, diz. “Entrevistar é fascinante, nos leva a descobertas e por isso o jornalista é privilegiado em não saber nada e poder conversar com todo mundo”, afirma Kroehn, que vê no jornalismo um aprendizado diário. Os bons entrevistadores Para a jornalista Denize Guedes, repórter da Agência Tutu para revistas da Fecomercio-SP, não existe entrevistado bom ou ruim, mas sim um bom entrevistador. Se a pessoa está sendo ouvida, é porque os conhecimentos dela são relevantes. “A entrevista jornalística envolve profunda pesquisa sobre o tema, o entrevistado, e a boa elaboração das perguntas, que não podem ser engessadas”, declara Denize, que trabalhou no jornal O Estado de S. Paulo. O que se precisa, segundo a jornalista, é de um bom trabalho do entrevistador, que vai conduzir a conversa de maneira a conseguir declarações que, no jargão jornalístico, “deem título e
um lide”. Além de ficar atento aos horários, não chegar atrasado nem adiantado ao encontro com a fonte, tentar fazer da conversa um bate-papo são dicas essenciais que a jornalista recomenda. A maior dificuldade enfrentada hoje pelos jornalistas, de acordo com Denize, são as fontes blindadas por suas assessorias de imprensa. Novamente, dependendo do veículo onde se trabalha, a fonte pode não falar. Ou falar só depois de ter dado entrevista para veículos de maior prestígio público. Quanto mais o entrevistado ficar à vontade, mais a história poderá render, diz a repórter. “Respeitar o tempo de fala do entrevistado, sem fazer cortes em seus raciocínios, mesmo que o jornalista fique incomodado com o silêncio”, afirma. De forma educada, atenciosa e gentil, a fonte precisa estar à vontade para falar na entrevista, como quando recebemos visitas em nossa própria casa. “Demonstrar que está preparado para o momento com suas intervenções e perguntas é essencial”, diz Denize. A importância da edição Uma entrevista bem editada no papel pode levar o leitor às lágrimas, do mesmo modo que na televisão ou no rádio. “Não acho que uma entrevista de tevê fique melhor que no impresso”, afirma a jornalista. Ela lembra que grandes profissionais do jornalismo brasileiro, como Eliane Brum e Humberto Werneck, concordam que o silêncio de um entrevistado em determinados pontos da conversa diz mais do que se ele tivesse falado algo. Por isso, é importante respeitar o que é dito e, também, o silêncio. A jornalista conta que aprendeu muito e conheceu histórias incríveis com as entrevistas que faz. “Quanto mais experiência de trabalho o jornalista tem, melhores serão suas entrevistas”, diz ela. Mas não dispensa a importância daquele “frio na barriga”, como Denize afirma sentir.
Entrevista por e-mail: fazer ou não fazer? No meio impresso, esse mecanismo eletrônico se tornou muito utilizado. Pode ser vantajoso por um lado, pois o e-mail atrai pessoas que se sentem muito mais à vontade em responder perguntas pessoais ou difíceis quando não há ninguém por perto. O e-mail facilita também pela sua agilidade. Mas isso não pode levar o jornalista à conformidade. O contato frente a frente com o entrevistado é que permite explorar mais o tema da conversa. No livro Técnicas de reportagem e entrevista em jornalismo, das jornalistas Cleide Floresta e Ligia Braslauskas (Editora Saraiva), alguns cuidados na hora da entrevista online são importantes: - Use a internet como uma aliada. O e-mail tem grande valia na hora de complementar entrevistas, quando falta alguma informação. - Funciona muito bem quando o jornalista quer fazer uma mesma pergunta para várias pessoas. - Faça perguntas bem focadas para que o entrevistado não as interprete de forma equivocada. - Estude bem seu entrevistado e faça perguntas-cerco (a mesma questão elaborada de forma diferente) para não perder a chance de conseguir a resposta.
DOIS PONTOS | 7
Reportagem | Internacional
Reportagem | Bomba!
E a América Latina?
Um escândalo, um impeachment
Por Larissa Valença
Por Aline Oliveira
As lutas sociais, a política, as ditaduras militares e a resistência no continente latino-americano. Jornalistas falam sobre a importância do contexto histórico na entrevista
A
América Latina passou por ditaduras sangrentas no século XX. No Brasil, os militares estiveram no poder por 21 anos. Foram mais de duas décadas de direitos violados. Na Argentina, a sociedade chora seus 30 mil desaparecidos. No Chile, o General Augusto Pinochet derrubou o presidente socialista Salvador Allende, e governou com mão de ferro. Essas realidades tão próximas e similares foram temas da coluna denominada Em linhas ge-
rais – sobre os países oprimidos, escrita por Anderson França no extinto Diário Popular, quando o jornalista era editor de Política Internacional no jornal. Anderson França foi editor no final do regime militar e exerceu essa função por quinze anos. Em sua coluna, retratava o outro lado das informações internacionais, recebia notícia de agências como El Salvador, Rádio Venceremos e dos partidos de esquerda do Chile, Argentina e Uruguai. “Podia-se falar sobre mobilizações contestatórias lá de fora, mas
quando houvesse qualquer ligação com a ditadura daqui, o corte era certeiro”, relembra o jornalista, que atualmente é coordenador de Jornalismo da Rede Iguatemi de rádios. Anderson França, que atua há 40 anos na área, denunciava fatos como os desaparecidos na Argentina, a luta dos trabalhadores da Central Operária Boliviana e os métodos de perseguição e tortura do general Hernan Suazo, na época presidente da Bolívia. Caminhos Para Anderson França, cabe ao profissional se preparar intelectualmente antes da entrevista, munido de conhecimento sobre a realidade e o histórico do país, por meio de pesquisas e leituras. Se interessar pelo contexto latino-americano pode desmistificar préconceitos. Por isso, buscar entender as mobilizações da América do Sul e da América Central é um bom começo. “A luta operária da COB (Central Obreira Boliviana) na Bolívia, da Frente Liberal no Uruguai, do Partido Socialista no Chile, da luta da FMLN (Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional) em El Salvador, entre outras militâncias,” sugere França. Para Eduardo Rascov, jornalista do Memorial da América Latina e redator da revista Nossa América Hoy, o repórter deve ter domínio sobre o tema para que possa ocorrer um embate transformador entre o entrevistado e o entrevistador. “O jornalista, como observador, deve se ater à essência do pensamento do entrevistado. Com isso, a entrevista pode ser substituída por uma conversa desdobrada”, expõe. América Latina hoje Na virada do milênio, a América Latina passou por uma série de ebulições políticas que chamaram a atenção da imprensa europeia e estadunidense. Por exemplo, pela primeira vez, uma pessoa de origem operária assumiu a presidência do Brasil (Lula, em 2003). Pela primeira vez, um índio governou a Bolívia (Evo Morales, em 2006). Mas para o jornalista Rascov, a região ainda é retratada de forma preconceituosa e tem pouco espaço na mídia. O jornalista, em geral, costuma desconhecer a história da América Latina. “Cabe ao jovem jornalista incitar a criticidade sobre a riqueza do continente e o histórico de luta para que o passado histórico dialogue com o hoje. O jornalista precisa esgotar as visões sobre um tema”, recomenda Rascov.
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No início dos anos 1990, a revista Veja destacou uma explosiva entrevista com Pedro Collor, irmão presidente da República e revelou esquemas de corrupção no governo federal
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lém de etapa fundamental do fazer jornalístico, o ato de entrevistar configurase também como importante oportunidade de trazer à tona verdades ocultas e de extremo interesse público. A entrevista concedida por Pedro Collor à revista Veja, em maio de 1992, entrou para a história do país por desmascarar a parceria de seu irmão Fernando Collor de Mello com PC Farias, o testa de ferro em esquemas de corrupção do então presidente da República. Na época, a reportagem de capa da revista foi responsável foi um furo jornalístico. A revista publicou uma reportagem de 17 páginas sobre a crise no governo, das quais cinco traziam uma entrevista pingue-pongue destacada na seção Páginas Amarelas, na qual foram revelados os detalhes das desavenças entre os irmãos Collor, além das denúncias feitas (toda a entrevista pode ser lida no Acervo Digital Veja). “Quando repórter e fonte estabelecem uma relação de confiança, a tendência é que a entrevista se torne uma espécie de bate-papo e que se desenrole por um tempo mais longo. Evidentemente, essa conversa terá momentos mais tranquilos e outros mais quentes, apimentados e conturbados”, expõe Moisés Barel, Mestre em Comunicação Social e professor da Universidade São Judas. Barel esclarece que o entrevistador deve deixar o entrevistado o mais à vontade possível, o que se dá com um trabalho de construção de confiabilidade entre ambos. Na medida em que o jornalista percebe que a fonte está mais solta, deve introduzir as perguntas mais ácidas ao mesmo tempo em que sinaliza a importância dessas questões para a contextualização e compreensão do fato como um todo. Na ocasião das declarações à Veja, Pedro Collor estava acompanhado da esposa e da irmã, que também se manifestaram ao longo da entrevista. Tereza, a esposa, chegou a declarar que a divergência entre os irmãos nasceu pelo interesse em controlar os negócios da família. Pedro Collor contou que Fernando sairia mais rico após o governo e que recebeu ameaças de morte dos irmãos de PC Farias, tesoureiro da campanha e que integrou o esquema de corrupção. “Quando veio essa entrevista, toda a imprensa começou a ir atrás para ver que denúncias eram essas. Foi a partir dessa matéria que as investigações se aprofundaram, começaram a levantar várias falcatruas, jogos de interesse e deu no que deu. Então, essa re-
portagem foi fundamental para mudar os rumos do país”, conta Arlete Taboada, Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e professora da Universidade São Judas. Nos quatro meses seguintes, a revista lançou mais 14 capas sobre o governo Collor, que contribuiu com o impeachment em setembro de 1992. “Na sequência, outros veículos de comunicação surfaram no desdobramento do caso após a noticiabilidade dele pela revista Veja. Até hoje, é um dos casos de corrupção ou de prática jornalística mais lembrados em nosso país”, expõe o professor Barel sobre a repercussão do caso.
Capa da revista Veja em 27 de maio de 1992 DOIS PONTOS | 9
Resenha | Destaque
Reportagem | Segurança
Jornalistas e fontes se arriscam ao pautar realidades violentas Entrevistas polêmicas desencadeiam consequências inesperadas: repórteres e entrevistados ficam expostos após denúncias
Por Talita Alessandra
A
elaboração de reportagens traz a possibilidade de realizar diversas entrevistas. Na cobertura investigativa, em especial sobre direitos humanos, as fontes muitas vezes são complexas. Ao lidar com questões cotidianas que envolvam pessoas ligadas ao poder público, o jornalista pode se deparar com situações controversas. Em setembro de 2012, a repórter Tatiana Merlino, então colaboradora da revista Caros Amigos, publicou uma matéria intitulada Em cada batalhão da PM tem um grupo de extermínio, na edição 186 da revista (veja, ao lado, as imagens da capa e da página inicial da reportagem). O foco é o relato de ilegalidades cometidas por policiais militares, assim como os castigos impostos àqueles que se negaram a participar dos abusos. A reportagem apresenta detalhes das ações praticadas. As graves denúncias foram feitas por um policial civil que não compactua com os crimes cometidos por membros
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da corporação em que trabalha, através de entrevista. “Esse funcionário continua vivo, mas teve várias tentativas de homicídio contra ele, que está afastado do serviço. É uma pessoa muito ameaçada por denunciar a violência dentro dos órgãos de segurança pública. Ele diz que, dentro da PM, há pessoas que tentam não virar matadores, mas quem tem essa postura é punido, então é muito difícil estar na pele dessa pessoa. Eu temo pela vida dele”, relata Tatiana. A jornalista, graduada pela Faculdade Cásper Líbero, trabalha hoje na Comissão da Verdade Rubens Paiva - do Estado de São Paulo. Ela é uma das fundadoras da Agência Pública de Jornalismo Investigativo e é ganhadora de quatro prêmios Vladimir Herzog de Jornalismo. “O bombardeio de informações aliena e impede reflexões mais profundas, tanto sobre a tortura como outros temas. O jornalismo precisa ser mais analítico do que objetivo”, opina. Tatiana conta que a reportagem publicada desagradou demais a PM. “Recebi uma tentativa de indimidação por parte de um assessor da Secretaria de Segurança Pública, quando pedi esclarecimentos para a PM sobre as denúncias que eu iria fazer na reportagem. Esse assessor queria de qualquer jeito que eu informasse quem era a minha fonte e pedia insistentemente que eu mandasse os documentos que eu citaria na matéria”, relembra Tatiana. Na cobertura investigativa, sobretudo com temas relacionados aos direitos humanos, um dos cuidados necessários por parte dos repórteres é em relação à segurança dos entrevistados. Em algumas situações, conforme diz Tatiana, é conveniente que os nomes das fontes pemaneçam em sigilo (off the record) para que a identidade física ou o trabalho dos denunciantes não sejam atingidos de alguma forma. “No caso dos policiais citados na matéria Em cada batalhão da PM tem um grupo de extermínio, por exemplo, eles estavam ameaçados de morte. Os jornalistas não podem esquecer que ao fazer denúncias podem colocar em risco a vida das pessoas. Por isso, é fundamental ter muito cuidado para não expor as fontes. O jornalismo tem vários casos conhecidos nos quais as fontes foram mortas depois de terem suas denúncias publicadas, comenta Tatiana.
Mosaico com sábios, poderosos, artistas e celebridades
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Por Aline Oliveira
ma antologia que reúne 48 entrevistas feitas por jornalistas brasileiros e de diversas outras nacionalidades. Organizadas de forma cronológica, a primeira delas está datada de 1823, com Jose Bonifácio de Andrada e Silva; a última, realizada em 2000, com o então candidato à presidência do Brasil Luís Inácio Lula da Silva. Sob organização de Fábio Altman, jornalista que começou na Veja e acumula na carreira a cobertura de diversos períodos históricos; acompanhada de ilustrações de Cássio Loredano, desenhista que trabalhou, dentre outros veículos, nos jornais O Pasquim e Opinião; o livro A Arte da entrevista faz um recorte de importantes fatos mundo afora. Dentre os 34 relatos internacionais, estão presentes personalidades como Leon Tolstói, Adolf Hitler, Benito Mussolini, entre outros; além de Karl Marx, citado como “um sonhador que pensa e um pensador que sonha”. Grandes nomes das artes – cinema, literatura, música e pintura - também são lembrados, como Ernest Hemingway, John Lennon, Greta Garbo e Pablo Picasso.
Destaque para a última entrevista da vida de Marilyn Monroe, concedida à revista Marie Claire, em 1960. Mais semelhantes a um monólogo ou a um desabafo da atriz, as declarações sobre sua profissão e vida pessoal são carregadas de originalidade. Das 14 entrevistas realizadas com brasileiros para publicações nacionais, todas se destacam seja pelo entrevistado ou pelo assunto abordado. Leila Diniz, com seus 73 asteriscos publicados em O Pasquim substituindo os palavrões ao longo da conversa com os jornalistas; Getúlio Vargas, que ganhou impulso para voltar ao poder após ser entrevistado por Samuel Wainer, foram sabiamente lembrados na antologia. No campo político, cabe ressaltar as declarações de Pedro Collor à Veja em 1992. Pelo estilo e literalidade da narrativa, vale a leitura da entrevista de Dom Hélder Câmara, com introdução que lembra um perfil jornalístico. Todos os textos contam com ilustrações que ironizam ou destacam pontos marcantes dos entrevistados. Agradável leitura e boa fonte de pesquisa não só a jornalistas, mas a interessados na história mundial.
Estante fundamental Entrevista – O diálogo possível, de Cremilda Medina (Ática) “Para aprender a fazer entrevista como um diálogo que tem um foco preciso. Não é a entrevista pela entrevista nem a entrevista espetáculo. É aquela que desenvolve o assunto, colocando entrevistado e entrevistador como duas pessoas que conversam.” Carmen Lúcia José, Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP, professora na Universidade São Judas.
Serviço A arte da entrevista, organizado por Fábio Altman com ilustrações de Cássio Loredano (2005), Boitempo Editorial.
As 30 melhores entrevistas de Playboy, edição de Luís Rivorio (Abril) “Dá pra fazer uma revista para o público masculino que fale de um alto estilo de vida e com ótimos entrevistados. As entrevistas abordam pessoas de grande notoriedade pública e fogem daquele estilo picante e empobrecedor.” Warde Marx, Mestre em Ciências da Comunicação pela USP e professor na Universidade São Judas.
As Melhores Entrevistas de Época, edição de Aida Veiga (Globo)
A Arte de Entrevistar Bem, de Thaís Oyama (Contexto)
“Ressalta opiniões de personagens atuais que marcaram a história. A edição celebra a entrevista, porta fundamental para o aprendizado da Comunicação. Em suma, essa seleção reflete o pensamento vivo de gente que em cada segmento faz a diferença.”
“A obra é um guia para entrevistar bem. A Thaís mostra no livro como abordar a fonte, detalhes de como ir vestido, com quanto tempo de antecedência chegar, em qual local marcar. Depois ela exemplifica com casos positivos e negativos de jornalistas conhecidos.”
Anderson França, diretor de Jornalismo da Rede Iguatemi de Rádio, formado em jornalismo pela Cásper Libero.
Daniel Lopes, jornalista formado pela Universidade São Judas e estudante de História na Universidade Cruzeiro do Sul. DOIS PONTOS | 11
Crônica | Relato poético
Um possível (des)encontro Por Aline Oliveira
J
12 | DOIS PONTOS
á separados gravador, caneta e bloco de anotações, tudo pronto. Na verdade, nem tudo. Terreno de instabilidades e surpresas, quando chega esse momento, ai de ti jornalista! Aprenda a planejar o imprevisível e dele conseguir sair ileso, porém alterado – diga-se de passagem. Se é difícil prever nossos próprios comportamentos, não o queira fazer quando se está diante do outro. Essencial que se prepare muito, mas esteja pronto para descontruir tudo o que fora pré-determinado. Há quem diga que entrevistar é fácil, pode ser que um dia acredite, não hoje. Instruções não faltam. São livros e mais livros sobre a entrevista, como entrevistar, o entrevistado, antes e depois, o que fazer, o que não fazer, dicas, sugestões, erros, ideias, exemplos, ufa! (a lista não acaba por aqui) E claro, não deixe de lado o meu bom conselho: leia todos, observe, analise, entenda e, por fim, tente descobrir por si mesmo o que é, afinal, esta aventura. Depois me conte como foi. Por enquanto, conto aqui algumas experiências. Sim, estava tudo certo, todos os detalhes, a hora e o lugar, até que o entrevistado desistiu. De uma hora para outra, sem mais nem menos, cancelou o compromisso. Tudo bem, ao menos ele ligou e avisou com antecedência. Não, o mundo não está perdido, não é verdade? Pois é, agora só é preciso arranjar outra pessoa, refazer as perguntas, marcar novamente um horário e torcer para que nada dê errado, pois a entrega é para amanhã e o seu chefe foi bem claro, “quero tudo pra ontem!”. Às vezes a sorte nos sorri. O entrevistado está ali, cara a cara. E ele responde tudo. Não fosse o fato de suas respostas serem totalmente inesperadas e fugirem da pauta, seria perfeito. Se tudo que vai, volta, voltemos ao momento de preparar tudo novamente, não tem outra solução. Mas calma, existem exceções. Não há melhor sensação do que o alívio pós-entrevista acompanhado do êxtase porque o encontro entre o eu e o tu,
após tantos desencontros, enfim aconteceu. E não dá para descrever muito bem, só mesmo vivendo para se ter uma ideia do que seria “a” entrevista em vez de apenas mais uma delas. Por isso, não se desespere. Acostume-se com a ideia de descobrir os sabores e dissabores desta etapa da reportagem. É preciso curiosidade, saber falar e, primordialmente, saber ouvir. Longe de qualquer pretensão que nos faça estabelecer uma definição fechada do que é entrevistar, é mais sábio escolhermos a dúvida. O jornalismo está cheio delas. Perguntas podem estar pré-pautadas, mas abertas a alterações. Transmitir e ganhar a confiança; dar margem ao subjetivo sem largar a objetividade; perder-se e encontrar-se: eis aqui o mérito da entrevista: não é do entrevistador nem do entrevistado, mas do encontro entre eles. Bem diria Eliane Brum: “É entrega. A gente volta transformado; mais do que isso, volta transtornado”.
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É mais sábio escolhermos a dúvida. O jornalismo está cheio delas
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