FASCÍCULOS DE JORNALISMO - COMPREENDER A PROFISSÃO
Jornalismo & Ciência Pesquisa, inovação, debate, reflexão, avanços, método, visão de mundo, análise, informação, paradigmas... Você gosta de ciência? Então, entre neste fascículo. Venha conhecer os detalhes da imprensa que cobre esta área: a opinião de importantes profissionais, a história de grandes veículos e as tendências do mercado de trabalho para futuros jornalistas
Apresentação | Caro leitor
Expediente
Assuntos surpreendentes e inovadores
O
fascículo Ciência apresenta aos estudantes de jornalismo uma área caracterizada por descobertas e pelo debate. Aqui você compreenderá como o jornalista atua no universo da ciência e vai descobrir os detalhes do trabalho de apuração de reportagens. Você ficará por dentro das opiniões de leitores e de profissionais, além de entender um pouco mais sobre como é o dia a dia de quem tem o privilégio de trabalhar com assuntos tão surpreendentes e inovadores. Nós daremos dicas de veículos impressos, radiofônicos, televisivos e online por meio dos quais os leitores poderão obter as melhores informações e acompanhar a cobertura jornalística de ciência. Em um cenário em que tantas descobertas acontecem, o papel do profissional de comunicação é imprescindível e para você que quer ingressar neste ramo, saiba como se preparar e entenda qual é o panorama atual do mercado de trabalho. A ciência avança a cada dia e você está convidado a fazer parte disso, levando informações por meio do dom de comunicar.
Seção | Depoimento “Cobertura diferenciada e mais intelectualizada” “Eu sou Osmar Toledo Lozzano, tenho 50 anos e sou formado em biologia. Adoro ler sobre ciências e tudo que envolve o tema. Sou leitor das revistas Galileu, Superinteressante e eventualmente a Fapesp. Desde muito novo esse universo de descobertas, aprendizagem e renovação, que é a ciência, sempre me fascinou. Lembro-me de que quando eu era criança vivia fazendo experiências malucas, dissecava sapos e colocava sal em lesmas. Sempre tive muita curiosidade em saber qual é o funcionamento das coisas e a ordem que cada ser possui dentro desse ecossistema tão extenso que é a vida. Leio com frequência muitos textos sobre a vida no espaço e na Terra. Interesso-me também em ler assuntos referentes às descobertas de novos vírus, vacinas ou temas relacionados à nossa cadeia evolutiva, como novos minerais e o ecossistema. Entretanto, sinto que a cobertura da impressa nesse segmento é um tanto quanto confusa, salvo essas revistas que eu citei. Os profissionais que cobrem essa área parecem não entender do assunto e acabam confundindo mais o leitor. A impressão que eu tenho é que nem eles mesmos entendem o assunto. Os textos das assessorias de imprensa dos laboratórios, por exemplo, são pobres e carecem de mais informação e são publicados na íntegra em algumas revistas. A imprensa de um modo geral deveria achar um meio termo entre a linguagem coloquial e a culta, uma vez que o cidadão comum não lê artigos desse tema. O nicho é bem pequeno, então merecemos uma cobertura diferenciada e mais intelectualizada, afinal de contas, temos um senso crítico maior. A cobertura tem que ser feita por especialistas e não por leigos. Deveria haver uma comunhão entre os cientistas e os jornalistas para que os textos esclareçam, além de serem mais atrativos para a leitura e cheios de informações relevantes.” Depoimento apurado pelo repórter Fernando S. Santos
2 | DOIS PONTOS
Chanceler Alzira Altenfelder Silva Mesquita Reitor José Reinaldo Altenfelder Silva Mesquita Pró-reitor de Graduação Luis Antônio Baffile Leoni Pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Alberto Mesquita Filho Pró-reitoria de Extensão Lílian Brando G. Mesquita Diretor da Faculdade de LACCE Rosário Antonio D’Agostino Coordenação do Curso de Jornalismo Anderson Fazoli
Dois Pontos é um projeto experimental dos alunos de jornalismo (3ACSNJO e 3MCSNJO), desenvolvido na disciplina Jornalismo Impresso, em 2013. Orientação e Coordenação editorial Profa. Jaqueline Lemos (MTB 657/GO) Revisão Prof. Daniel Paulo de Souza Diagramação Alexandre Ofélio (MTB 62748/SP) Redação Editor assistente Leandro Teciano (RA: 201101999) Repórteres Fernando Silva (RA: 201115270) João Vale (RA: 201114602) Karina Silva (RA: 201114502) Rafael Barbosa (RA: 201105621) Capa Produção e foto: equipe de redação
Pingue-Pongue | Gláucia Leal
“Sempre vamos aprender com os outros” A revista Mente & Cérebro é um dos veículos mais tradicionais sobre ciência no Brasil. Em seu comando editorial, está uma jornalista e psicóloga que já passou pela equipe de reportagem do grupo Estado e valoriza a humildade como requisito profissional
Por Rafael Barbosa
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tilizar a mídia para informar sobre evoluções e descobertas científicas sempre teve importância dentro da imprensa mundial. Mas, eis a questão: como o jornalismo brasileiro transforma a linguagem científica em um texto palatável para o entendimento do público? A reportagem do fascículo Dois Pontos conversou com a Gláucia Leal, editora da revista Mente & Cérebro, sobre os meandros de uma das áreas mais complexas para o jornalista cobrir.
Dois Pontos: Como você chegou ao jornalismo científico? Gláucia Leal: Eu sempre tive um interesse maior por psicologia. Primeiro fiz jornalismo e logo estagiei na Agência Estado. Fazia matérias sobre comportamento, tinha contato com psicólogos e depois, decidi fazer psicologia. Como fazer a junção das duas profissões eu não sabia, mas as coisas foram se encaminhando e cheguei aqui em 2006, como editora assistente. Seis meses depois, me tornei editora da revista, mantendo uma postura de humildade, porque eu penso que devemos aprender com os outros, pois não sabemos de todas as coisas e tudo na vida é aprendizado.
No artigo, damos o espaço aos especialistas para falar com o nosso leitor e orientamos a não escrever como se tivessem conversando com colegas acadêmicos. A ideia é que o conteúdo seja absorvido por um público que normalmente não teria esse acesso.
Dois Pontos: O jornalismo brasileiro cobre o tema ciência com a devida importância? Gláucia Leal: Depende. Se você pegar um grande jornal que aborde vários temas, não vai dar o mesmo enfoque. A Mente & Cérebro mostra o contrário disso, porque é um trabalho específico, sério e corajoso, porque mistura psicologia, psicanálise e neurociência, três olhares diferentes para o ser humano e as pessoas gostam, embora seja segDois Pontos: Como funciona a produção mentado, é claro não vamos vender como de textos e conteúdo da revista? uma Superinteressante, porque a proposta é Gláucia Leal: Fazemos parte do grupo outra também. Scientific American International o que possibilita a troca de matérias com veículos par- Dois Pontos: Para um jornalista que acaba ceiros. Existe um cuidado com a linguagem de sair da faculdade e quer trabalhar com dos textos, pois cada um dos três segmentos jornalismo científico, quais dicas você daria? possui tipos distintos. Produzimos matérias Gláucia Leal: Vai encontrar dificuldades, de níveis diferentes para que o leitor não pois o mercado está exigente, tem que saprecise ler na íntegra, porque o essencial é ber mais, se informar melhor, ir além do a pessoa ver aquilo que ela julga importante inglês, mas algo que eu julgo como o mais e que o conteúdo a informe. As edições são importante em um profissional no início de mensais, temos um espaço de dois meses carreira: não entre na arrogância! Não ache de antecedência. Temos os especiais, como que você sabe tudo, isso atrapalha demais. a série “Biblioteca Mente & Cérebro”, que Nariz em pé para mim é a pior coisa. Temos já está no volume quatro e nela utilizamos que ter consciência de que as coisas passam uma linguagem menos técnica, mas os conceitos são mantidos. Dois Pontos: Qual o maior desafio da revista hoje para levar a informação científica com transparência ao leitor? Gláucia Leal: Tudo que nós escrevemos é baseado em estudos, nunca é no “achômetro”. Procuramos falar de um jeito amigável, ou seja, escrever de uma forma que não seja inacessível, mas ao mesmo tempo a pessoa deve perceber que não está lendo algo raso. No caso de uma reportagem, é mais fácil porque tem uma seleção dos estudos que vamos apresentar, enfim, uma pauta a ser seguida.
Reprodução
Capa da revista Mente & Cérebro, sob o comando da jornalista e psicóloga Glaucia Leal e saber que sempre vamos aprender com os outros. O que faz a gente ser diferente da média é sermos abertos para tudo, é achar que a informação e o aprendizado podem vir de qualquer lugar e pessoa.
“Não entre na arrogância! Não ache que você sabe tudo, isso atrapalha demais”
DOIS PONTOS | 3
Reportagem | História
Reportagem | Rotina
Compromisso com o conhecimento
Como se relata uma descoberta?
Crianças e adultos são inseridos no mundo da ciência há mais de trinta anos por meio de uma revista que já é um clássico no jornalismo impresso
O dia a dia na redação, as dificuldades para apurar e como são pensadas as publicações sobre ciência no Brasil
Por Leandro Teciano
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Por João Vale
revista Ciência Hoje, mantida pelo instituto de mesmo nome, é a publicação de divulgação científica mais antiga do Brasil. Criada em 1982, foi a primeira a assumir o compromisso de levar esse tema para o maior número possível de leitores. O surgimento da Ciência Hoje abriu caminho para que novos veículos começassem a cativar o público, não só na mídia impressa, mas também em outros meios como a televisão, o rádio e a internet. Além disso, incentiva a formação de profissionais para que atuem, principalmente, com jornalismo científico. Desde o início, são divulgados temas de relevância, como novos adeptos da área e o modo em que a tecnologia é aplicada nas novas ferramentas científicas. Assim como nas outras publicações, ela possui entrevistas com pessoas influentes e com experiência na área, reportagens, textos de opinião, colunas, resenhas e inova com a presença de debates. Em dezembro de 2013, a publicação chegou a sua 310ª edição. “Os assuntos divulgados pela Ciência Hoje ajudam a esclarecer dúvidas que são importantes para o meu crescimento e compreensão de algumas questões. De uma maneira geral, a revista foi importante por levar este tema à população, mas hoje, não vejo mais essa exclusividade, pois os tópicos Reprodução
Primeira capa da Ciência Hoje, publicada em 1982 4 | DOIS PONTOS
Os textos têm uma linguagem que pretende facilitar a compreensão do leitor já estão presentes também em livros, blogs, programas de televisão e outras mídias”, explica Fabiano Monaco, administrador, graduado em Letras pela Universidade São Marcos e mestre em Educação pela Universidade Nove de Julho. Em suas edições, os textos têm uma linguagem que pretende facilitar a compreensão do leitor em temas que parecem ter alta complexidade. Otto Heringer, que cursa o bacharelado em Química na Universidade de São Paulo, dá a sua opinião sobre a linguagem do veículo. “Não que a Ciência Hoje seja superformal, mas falta a ela ter uma postura mais jovem, que explore mais a ‘ciência do dia a dia’, relacionando-a com o que existe de ‘quente’ na academia, economia e política, sem perder, é claro, o rigor”, comenta. Outro marco na história do Instituto foi a criação da Ciência Hoje das Crianças, em Reprodução
Edição comemorativa de 30 anos da Ciência Hoje
1986, primeira revista totalmente produzida para o público infantil, que aborda essa temática. Cinco anos depois, a publicação foi vencedora do Prêmio José Reis de Divulgação Científica e atualmente possui uma tiragem mensal de 380 mil exemplares. “Achei a ideia sensacional! A Ciência Hoje tem que aproveitar mesmo. Essa nova geração é completamente diferente da visão pessimista que tenho das gerações anteriores sobre criatividade e curiosidade, principalmente por causa da internet. Olha o mundo em que essas crianças caíram!”, diz Otto. O Instituto também atua no Programa de Ciência Hoje de Apoio à Educação (PCHAE), criado em parceria com o Ministério da Educação, que capacita os docentes de escolas de vários estados para informar a pesquisa e a ciência da melhor maneira possível aos alunos. Mais de 11 mil professores já foram contemplados com o programa. Inovando mais uma vez, foi criada uma rede social exclusiva para os leitores infantis, chamada Clube do Rex, onde as crianças podem aprender ainda mais com jogos, vídeos e diversas outras atividades. A página da Ciência Hoje no Facebook faz muito sucesso. Atualmente, mais de 54 mil perfis curtem o veículo na rede social. A maioria do público está nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro e tem entre 18 e 24 anos de idade. Reprodução
Edição 226 da Ciência Hoje das Crianças, que aborda métodos de investigação
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realidade das revistas científicas não é muito diferente do cenário enfrentado por outras editorias. Tendo que lidar com pautas mais intricadas que exigem mais tempo de apuração, equipes reduzidas dificultam o processo jornalístico. Correria, jornalistas pendurados nos telefones, livros e artigos complexos espalhados por todos os lados e a tensão do fechamento, parecem não fazer parte do cotidiano dos profissionais que trabalham nessas publicações. Um dos exemplos do quadro enfrentado pelos profissionais dessa área é a revista Galileu, da Editora Globo. Com mais de 60 anos de história, hoje conta com uma redação composta por dois editores de texto, um de arte e dois assistentes. Um grupo pequeno que responde por todo o projeto editorial. “Houve um momento em que contávamos com repórteres contratados, mas depois de uma série de enxugamentos de equipe, tivemos que aprender a trabalhar com menos gente. Eventualmente, conseguimos deslocar alguém para fazer matérias fora, mas a maioria dos nossos colaboradores são externos”, conta Alexandre Matias, diretor de redação da publicação.
Essa falta de pessoal não atinge apenas a Galileu. A revista Mente e Cérebro, da Editora Duetto, conta com um quadro fixo com cerca de cinco pessoas, um déficit de pessoal que também é suprido com a terceirização de serviços. Apesar das dificuldades, os jornalistas que trabalham com esse nicho, afirmam que o seu papel é fundamental para trazer ao leitor assuntos que por mais que pareçam fora da sua rotina, influenciam diretamente no seu dia a dia e por isso o cuidado com o texto é fundamental. “Nós podemos falar com qualquer um, não tem um corte etário ou social, por isso temos que ter a preocupação de não sermos tão didáticos a ponto de ofender um especialista, nem tão rasos ao ponto de não conseguir oferecer para o leitor, que nunca ouviu falar daquele assunto, o fio da meada”, diz Alexandre. A necessidade de buscar novas tendências e abordar assuntos variados norteiam as reuniões de pauta nessas revistas. Em geral, a editoria de ciência trabalha com assuntos “frios” – que não estão na ordem do dia –, por isso as matérias são pensadas com antecedência. Na Galileu, por exemplo, as reuniões ocorrem uma vez por mês, já na Mente e Cérebro, que trabalha com uma folga entre uma publicação e outra, a flexibilização para a escolha é
maior. “A gente tem um fechamento mensal, mas trabalhamos com certo prazo de antecedência. Hoje já estamos pensando no que vai para banca daqui a dois meses”, afirma Gláucia Leal, editora chefe da revista. Cientistas e professores são constantemente consultados para falar sobre os mais diversos temas, mas nem sempre essa consulta é fácil. Para o redator chefe da Galileu, Tiago Mali, principalmente no Brasil, o acesso aos cientistas é bastante complicado. “Muitas vezes é mais fácil falar com um cientista de Harvard, do que um professor da USP. Aqui no país, o acesso às pesquisas é mais burocrático e, muitas vezes, o próprio cientista não gosta de falar com a imprensa sobre a sua pesquisa”, conta. Curiosamente, boa parte dos jornalistas que cobre ciência não tem uma especialização na área. Atualmente, o profissional tem que ser capaz de se adaptar às mais diferentes redações, por isso é comum ver repórteres acostumados a cobrir outros temas, atuando nessa editoria. “Não é necessária ter uma formação como psiquiatra, físico ou biólogo para trabalhar nessa área, basta estar aberto para aprender coisas novas. Se o repórter tiver uma especialização, melhor, mas o necessário é gostar do tema e estimular a curiosidade jornalística”, afirma Tiago.
João Vale
João Vale
Equipe de jornalistas que trabalha na redação da revista Galileu
DOIS PONTOS | 5
Reportagem | Olhar Crítico
Reportagem | Mercado de Trabalho
A inovação nos blogs de ciência
Nas entrelinhas das pautas de ciência Ser um leitor contumaz, buscar cursos extras e se aprimorar são tarefas para quem deseja cobrir esse segmento
Artigo de pesquisadoras da Universidade Federal de Pernambuco apresentado no Congresso da Intercom discute o princípio colaborativo na cultura digital
Por Karina Silva
Por Fernando S. Santos
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om o tema Comunicação científica e cultura da participação: análise de blogs de ciência, as pesquisadoras Isaltina Mello Gomes, Viviane Toraci e Natália Flores, da Universidade Federal de Pernambuco, apresentaram um artigo no Congresso da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação), realizado em 2012, em Fortaleza. Com o artigo, elas discutem “o processo de transmutação da comunicação científica de uma cultura científica impressa para uma nova cultura científica digital e participativa”. Elas avaliam que “a base de formação de escrita do cientista na cultura impressa, antes individual e formal, adquire um caráter cada vez mais informal e colaborativo na cultura digital”. O objeto de análise das pesquisadores foi um conjunto de blogs de ciência. O fascículo Dois Pontos conversou com uma das pesquisadoras para compreender melhor o debate proposto pelo artigo apresentado. Viviane Toraci é formada em Publicidade e Propaganda, mestre em Comunicação pela UFPE (2004) e doutoranda na mesma instituição com a pesquisa Ciência e colaboração em redes digitais: desenho de uma plataforma de conhecimento para a ciência brasileira. Na análise que fizeram, as pesquisadoras traçam um paralelo da evolução humana desde a prensa de Gutenberg, que disseminou o saber até os dias atuais, momento no qual cada vez mais as pessoas querem ter acesso
à informação e buscam isso nos ciberespaços. O conhecimento sempre foi algo muito valioso e motivo de diversas guerras durante toda a história do mundo. Quem possui esse elemento está em vantagem sobre os demais. Esse aprendizado já foi representado pela produção de fogo e a escrita, por exemplo. No século XXI, com o surgimento de blogs segmentados, esse tipo de informação passou a ser difundida por especialistas, pessoas que estudam o tema e por amadores que estão em busca de aprendizagem. Assim surge um novo ambiente da comunicação científica apresentado pelas novas mídias. Nesse novo contexto, os profissionais se expressam de maneira informal e mais próxima do público. “Esse tipo de sistema tem criado novos caminhos para a comunicação, permitindo ao cientista um canal direto com o público e formando assim uma via de mão dupla bem interessante em termos de pesquisa, uma vez que ele não dependerá mais de terceiros para divulgar as suas descobertas”, esclarece Viviane. Anteriormente, a lógica impressa da disseminação do conhecimento científico tinha como característica principal a produção capitalista de periódicos e livros. Agora, essa lógica acaba sendo subvertida para a lógica digital. “Os próprios impressos estão perdendo espaço, tanto que muitas revistas e jornais possuem blogs segmentados”, afirma a pesquisadora. A internet, com suas diversas ferramentas, oferece ao público características antes
restritas aos profissionais da comunicação, ou seja, o conteúdo uma vez divulgado pode ser lido por qualquer pessoa e a publicação permanece naquele endereço eletrônico por tempo indeterminado. “É impossível prever onde esses blogs de ciência vão chegar, mas é evidente que há um movimento forte crescendo. As pessoas sentem necessidade de ter uma expressão individual em rede, seja por meios de mídias sociais ou blogs. Entretanto, isso não é o mais importante dentro desse processo, e sim que estamos desenvolvendo uma cultura de comunicação científica diferente da anterior”, defende Viviane. Nesse cenário, surge uma cultura de participação, uma vez que a interação é total entre cientistas e amadores. A rede Science Blogs é um exemplo dessa nova plataforma. No mundo existem outros exemplos como a Around the clock, Science online, Scientific American, entre outros. “Os cientistas sempre tiveram o interesse de terem suas descobertas veiculadas para o grande público, e com auxílio de outras ferramentas como os blogs, mídias sociais, Google Docs e até o próprio e-mail, tem obtido êxito dentro desse processo”, esclarece a pesquisadora. Atualmente, existem 96 blogs ligados à ciência no Brasil, 29 escritos pela imprensa e 69 por não jornalistas. Esses dados foram divulgados pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
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Página da rede Science Blogs do Brasil que abriga mais de 40 blogs de ciência 6 | DOIS PONTOS
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Página do blog RNAm criado por dois pesquisadores brasileiros
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ressupõe-se que a cobertura jornalística na área cientifica é um campo que tem como um de seus pilares principais, a divulgação de pesquisas, de descobertas, de novos modos de pensar as evoluções humanas e tecnológicas. O jornalista deve realizar a intermediação desse tema com a sociedade. A partir dessa constatação, é possível notar o quão fundamental é a atuação dos jornalistas nessa área. Os profissionais que optarem pela cobertura do tema ciência, não apenas irão promover a democratização e a difusão do conhecimento, como também serão os responsáveis por fornecerem ferramentas, ou melhor, subsídios ao leitor adote uma posição crítica e reflexiva sobre os temas. O jornalista Luiz Fernando Dal Pian Nobre, formado pela UFRN e doutorando na ECA/USP, fala sobre a importância dos cursos de especialização na área. “O jornalista, durante a graduação, é capacitado a tratar de temas das mais diferentes áreas, inclusive científica (pelo menos deveria). Mas, quanto mais especializado ele for, maiores condições de fazer uma leitura abalizada e crítica do tema científico ele terá. O meu mestrado foi feito num programa de Meio Ambiente, numa linha de pesquisa sobre Comunicação e Educação Ambiental. Hoje, me sinto muito mais preparado para fazer coberturas qualificadas, do que quando me formei na graduação”. Um dos pioneiros a atuar efetivamente na área de divulgação científica no Brasil foi o médico, pesquisador e jornalista José Reis (1907-2002), que é considerado um dos maiores nomes do segmento no país. A partir de iniciativas de José Reis e de outros cientistas, formou-se em 1941 o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), contribuindo para o crescimento da ciência e para o acréscimo do jornalismo científico no país. A década de 80 caracteriza um marco para o jornalismo científico no Brasil. Nesse período, houve o lançamento de importantes revistas segmentadas, como o caso da Ciência Hoje e Ciência Ilustrada. Já na década de 90, há o surgimento de uma das revistas tidas como referência na área, a revista Fapesp, que é editada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Além de revistas segmentadas, houve ainda nos anos 90 um significativo crescimento na área de jornalismo científico, por conta do aumento
de cursos de especialização nesse ramo. Após esse período, houve uma baixa na área por conta principalmente dos avanços tecnológicos e a redução das redações especializadas, possivelmente devido ao custo para manter uma edição científica. Apesar dessa queda, os profissionais têm conseguido se adequar aos poucos a nova situação do mercado. Houve a ascensão de blogs e sites especializados na divulgação científica, em muitos casos financiados por instituições privadas ou públicas. São elas as responsáveis pela maior oferta de oportunidades de estágio ou de empregos nesse campo e não os veículos grandes, como comenta Luiz Fernando, “Nos grandes veículos de comunicação, muito poucos oferecem vagas. A maior oferta fica por conta de institutos (públicos ou privados) científicos, mas nesse caso, é um trabalho muito mais de comunicação institucional, de assessoria de imprensa/relações públicas, do que de jornalismo científico”. O mercado editorial deste segmento tem buscado se incrementar, oferecendo mais livros traduzidos de autores internacionais. Há também o crescimento de novos escritores que abordam o tema para um público amplo, a modo de disseminar a ciência. Para o estudante recém-graduado que se interessa pela cobertura jornalística na divulgação científica, o ideal, como ponto de partida, seria uma especialização na área, como comenta Luiz Fernando. “Sempre é bom fazer cursos de capacitação, ou mesmo uma pós-graduação. De fato, as opções não são muitas, mas existem algumas possibilidades. O Labjor da Unicamp é uma referência interessante. Estar sempre acompanhando as mídias especializadas sobre ciência e tentar um contato inicial com jornalistas que atuam na área também é fundamental”, afirma.
Jota Martins
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Seção | Sugestões & Dicas
Para ler Revista FAPESP
Ciência Hoje
Editada pela Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo, divulga dos resultados das produções científicas e tecnológicas no Brasil.
A revista é vinculada à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, foi uma das pioneiras na área de divulgação científica no Brasil.
Scientific American Brasil É a edição brasileira de uma das mais conceituadas revistas de divulgação científica do mundo, a Scientific American.
Para navegar
Unesp Ciência unesp.br/revista
ScienceBlogs scienceblogs.com.br
Com Ciência comciencia.br
O site é a versão on-line da revista Unesp Ciência. Traz o acervo da revista e blog com comentários ou matérias adicionais.
Uma das maiores redes de blogs de Ciência do mundo, com mais de 129 blogs em inglês e duas redes parceiras.
Revista eletrônica do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Globo Ciência – TV Futura Mostra como descobertas científicas e tecnologias representaram verdadeiras revoluções para o nosso modo de vida.
Ciência em Casa National Geographic Channel Mostra que a ciência está mais perto do que se imagina e que pode ser algo muito divertido de se fazer.
Ritmos da Ciência Rádio UFMG Educativa
Unifei Ciência - Rádio Universitária Unifei
Pesquisa Brasil Rádio USP
O ouvinte tem a oportunidade de aprender um pouco mais sobre ciência e ouvir uma boa música.
Divulga descobertas científicas e projetos de pesquisas de universidade e centros de ensino em todo Brasil.
Apresenta as novidades da ciência brasileira trazendo todas as semanas um pesquisador como convidado.
Para assistir
Viver Ciência – TV UFG Faz parte de um Projeto de Extensão da Universidade Federal de Goiás (UFG) e traz relações entre o mundo científico e a vida cotidiana.
Para ouvir
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