FASCÍCULOS DE JORNALISMO - COMPREENDER A PROFISSÃO
Fórmula infalível?
Elaborar o lead (quem, fez o quê, quando, como, onde e por quê?) de uma notícia e redigi-la no formato da pirâmide invertida. São algumas das primeiras lições que o jovem estudante de jornalismo aprende. São técnicas clássicas e necessárias, mas não são insubstituíveis ENTREVISTA
Audálio Dantas defende: “Nenhuma técnica de redação dispensa a qualidade e a clareza”
REPORTAGEM
Na era digital, o texto para a Internet privilegia o coloquial e a agilidade
Apresentação | Caro leitor
Expediente
Técnicas tradicionais
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fascículo Lead e Pirâmide Invertida apresenta aos estudantes de jornalismo as regras clássicas para se escrever uma boa notícia. Como é possível conquistar a atenção para um determinado assunto? O Lead (resumido pela fórcula 3Q+CO+PQ) e a Pirâmide Invertida são as técnicas de auxílio mais conhecidos para o jornalista, especificando locais, pessoas e fatos, em ordem decrescente de importância, para envolver o leitor na notícia. Neste fascículo, mostraremos a importância dessas duas técnicas do ponto de vista dos mais importantes veículos e mídias nacionais. Contaremos um pouco da longa história delas, além de como influenciaram na produção de diversas notícias, seja no jornal, rádio, TV, revista e, não menos importante, na tecnologia da Internet. Vamos embarcar no conhecimento de jornalistas especializados nesse assunto que sabem como poucos determinar a importância dessas regras para a história do jornalismo. E, como eles, esperamos que este fascículo aumente o seu interesse para a busca e o estudo mais avançado sobre a importância do Lead e da Pirâmide Invertida.
Seção | Conceito “É o relato sintético do acontecimento que deve estar já no primeiro parágrafo e que responde às perguntas básicas do leitor: o que, como, onde, quando, quem e por quê. Tais perguntas são as ferramentas básicas para a criação de um bom lide. Ele deve conter todas ou pelo menos boa parte delas – alguns autores dizem de três a quatro; contudo, eu prefiro deixar em aberto, já que nem sempre a pergunta pode ser respondida ou, outras vezes, é irrelevante perante outras informações. Fazendo uma relação, poderíamos entender como pode ser organizado, onde deve ser escrito, quando é pertinente usá-lo, quem normalmente o escreve e por que da sua necessidade.” Beto Pacheco, blog RedatorWeb (http://redatorweb.com/slide/como-escrever-lide)
Chanceler Alzira Altenfelder Silva Mesquita Reitor José Reinaldo Altenfelder Silva Mesquita Pró-reitor de Graduação Luis Antônio Baffile Leoni Pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Alberto Mesquita Filho Pró-reitoria de Extensão Lílian Brando G. Mesquita Diretor da Faculdade de LACCE Rosário Antonio D’Agostino Coordenação do Curso de Jornalismo Anderson Fazoli
Dois Pontos é um projeto experimental dos alunos de jornalismo (3ACSNJO e 3MCSNJO), desenvolvido na disciplina Jornalismo Impresso, em 2013. Orientação e Coordenação editorial Profa. Jaqueline Lemos (MTB 657/GO) Revisão Profª. Maria Cristina Barbosa Diagramação e Capa Alexandre Ofélio (MTB 62748/SP) Redação
“Alguns aceitam a tese de que a ‘pirâmide invertida’ surgiu por uma deficiência técnica, um acaso que contemplou, ao mesmo tempo, o comodismo dos leitores e o interesse dos jornais em suprimir os parágrafos finais quando chegava um anúncio de última hora. A narração cronológica – diz Eleazar Diaz Rangel –, que dominou o que poderia chamar-se toda uma primeira etapa na evolução da notícia, respeitava a ordem em que se sucederam os fatos e era necessário ler todo o relato para inteirar-se do que havia ocorrido. Para os novos leitores que a imprensa conquistou, resultava muito mais prático essa estrutura da ‘pirâmide invertida’. Mais adiante, o autor complementa que o leitor, assim, informa-se brevemente e não pergunta pelas circunstâncias dos fatos. Essa nova estrutura da notícia não foi planejada para chamar o leitor à reflexão, mas apenas ‘para informá-lo superficialmente, para adormecê-lo, fazê-lo indiferente e evitar que pense’. [...] Deixemos de lado o simplismo da tese segundo a qual a ‘pirâmide invertida’ teria nascido de uma circunstância tecnológica e se generalizado por comodismo ou para impedir a consciência crítica dos leitores”. Adelmo Genro Filho, O segredo da pirâmide - para uma teoria marxista do jornalismo, Editora Tchê, pág. 183. 2 | DOIS PONTOS
Editor assistente Bruno Brito (RA: 201114967) Repórteres Amanda Ataíde (RA: 201103938) Amilly Ribeiro (RA: 201100546) Bruno Camanho (RA: 201100512) Matheus Nascimento (RA: 201100548) Nurielly Farias (RA: 201103301) Vitor França (RA: 201101506)
Pingue-Pongue | Audálio Dantas
“O lead não deve ser uma camisa de força” Profissional com décadas de experiência no jornalismo, Audálio Dantas fala sobre a importância da precisão e da concisão na notícia e defende que o repórter desenvolva seu próprio estilo ao redigir reportagens
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Por Nurielly Farias le nasceu em Alagoas e é um dos mais premiados jornalistas brasileiros. Começou sua carreira em meados dos anos 1950. Assumiu a presidência do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo em 1975. Foi repórter de diversos jornais e revistas, entre os quais Folha da Manhã, O Cruzeiro, Quatro Rodas e Realidade. Atualmente é diretor executivo da revista Negócios da Comunicação. Áudálio Dantas é também autor de diversos livros. Nesta entrevista ele fala sobre sua experiência profissional e comenta a importância do lead e da pirâmide invertida.
Dois Pontos: Em trabalhos nas faculdades há muita ênfase ao uso do lead e da pirâmide invertida. Em uma redação é dada a mesma importância para essas técnicas? Audálio Dantas: O lead é importante em notícias, quando são colocadas as informações essenciais no início da matéria, o que permite ao leitor ter conhecimento do fato, mesmo que não tenha tempo para ler todo o seu conteúdo. A pirâmide invertida consiste em hierarquizar a informação, descrevendo-se um fato a partir do dado mais importante. Mas o lead não deve ser uma camisa de força, principalmente em reportagens nas quais deve prevalecer o estilo do repórter. Dois Pontos: Um texto muito longo acaba perdendo as informações se elas não forem bem encadeadas. Neste caso, como o repórter deve se organizar para que isso não aconteça? Audálio Dantas: O importante, em notícias, é a precisão e a concisão do texto. Os parágrafos que se seguem imediatamente ao lead devem acrescentar informações que encaminhem o leitor para a compreensão do assunto tratado. Dois Pontos: Sua carreira no jornalismo começou em meados de 1950. De lá para cá, o texto jornalístico passou por transformações? Audálio Dantas: Ocorreram transformações importantes. Nos anos 1950, o noticiário, mesmo nos jornais importantes, era recheado de clichês do tipo “pavoroso incêndio” ou o uso de expressões como “precioso líquido” (para água), “nosocômio” (hospital),“necrópole” (cemitério), “causídico” (advogado). Dificilmente um acontecimento era noticiado de outra forma senão que “ontem, às tantas horas, em tal lugar, realizou-se”. Faço parte de uma turma que, em meados dos anos 1950, chegou à Folha com a pretensão de inovar. Daí para frente houve profundas mudanças editoriais e gráficas nos jornais, no caso do Jornal do Brasil, no final da década de 1950, e na própria Folha, no começo dos anos 1960. Os anos de 1960 foram marcados pelo surgimento de publi-
Nivaldo Silva
cações como o Jornal da Tarde e a revista Realidade que inovaram a reportagem no Brasil com textos que, depois, seriam considerados como de “jornalismo literário”. Atribui-se essa renovação ao chamado new journalism, que sacudiu as redações nos Estados Unidos, naquele período. Mas isso é discutível, pois muito antes disso tivemos exemplos de grandes reportagens no Brasil e em outros países. Dois Pontos: Você já enfrentou situações nas quais os manuais de redação implantaram “uma camisa de força” na hora de redigir um texto? Audálio Dantas: Não tive muitos problemas com os manuais, principalmente pelo fato de que fiquei pouco tempo fazendo noticiário, que ainda se prendia ao lead. Voltei-me desde o início para a reportagem, produzindo textos, digamos, mais livres. Mas não me livrei de broncas por tentar escapar de regras que, muitas vezes, não estavam nos manuais, mas na cabeça de alguns chefes. Dois Pontos: Na hora de redigir uma reportagem, como você se planeja para elaborar a abertura do texto? Você pensa no leitor? Audálio Dantas: Em geral, elaboro, mentalmente, um “plano”. Mas, muitas vezes na hora de redigir sigo por caminho totalmente diferente do previsto. Preocupo-me, claro, com o leitor. Trato de escrever de modo que ele se interesse pelo assunto, que seja atraído para a leitura. Dois Pontos: Você já redigiu centenas de reportagens, alguma é mais marcante na sua memória? Audálio Dantas: É difícil “escolher” a matéria mais marcante. Algumas, porém, são inesquecíveis, às vezes por um detalhe, por uma cena que persiste na memória. Por
Audálio avalia as mudanças que ocorreram no texto jornalístico
exemplo, fiz uma reportagem sobre um hospital de sangue em Honduras, durante a chamada “Guerra do futebol”, em 1969. Eram jovens soldados estendidos na grama, alguns em agonia, à espera de um atendimento que, muitas vezes, não chegava. Outro exemplo foi uma reportagem sobre mortalidade infantil, para a revista Realidade. A cena que me marcou foi a de um jovem pai que, sozinho, leva na cabeça o caixão do filho morto para o cemitério. Dois Pontos: O que o repórter pode fazer para melhorar o desenvolvimento de um texto jornalístico? Audálio Dantas: Na notícia é necessário privilegiar a informação em seus aspectos mais relevantes sem, contudo, ficar preso à rigidez do lead. Nenhuma técnica de redação dispensa a qualidade e a clareza do texto.
“O importante, em notícias, é a precisão e a concisão do texto” DOIS PONTOS | 3
Reportagem | Folha
Reportagem | Estadão
Manual de redação orienta sobre elaboração do texto
Jornal diário faz recomendações sobre as aberturas de notícias
Por Amilly Ribeiro
Por Amilly Ribeiro
A Folha de S.Paulo, um dos mais importantes jornais brasileiros, esclarece como seus repórteres devem redigir um bom lead
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primeiro parágrafo de uma notícia é conhecido pelos jornalistas como lead (ou lide na sua forma aportuguesada). Ele tem a função de introduzir e prender a atenção do leitor ao texto. De acordo com o Manual da Redação da Folha de S.Paulo, o texto deve iniciar “com a informação que mais interessa ao leitor e ao debate público”. O lead “tem por objetivo introduzir o leitor na reportagem e despertar seu interesse já nas linhas iniciais”. Quando o jornalista está escrevendo uma notícia, recomenda-se que o primeiro parágrafo dê respostas às questões principais de um fato (o quê, quem, quando, como, onde e por quê). Segundo o Manual, esse tipo de abertura deve sintetizar a notícia, para que o leitor se sinta informado com a leitura do primeiro parágrafo. Patrícia Silva, assistente de conteúdo da Folha no Blog Mural, formada pela Universidade São Judas, utiliza essa técnica pois o público dos seus textos são os internautas que buscam a rapidez na informação. Vejam um exemplo claro sobre a orientação acima: Cerca de 13 mil alunos (quem) de escolas e creches públicas foram prejudicados (o que) nesta terça-feira (quando) por causa de uma série de confrontos entre criminosos de facções rivais e policiais militares (por quê) na Vila Kennedy, zona oeste do Rio (onde). Após Reprodução Reprodução
Manual da Folha traz diversos verbetes com orientações sobre a elaboração do texto jornalístico 4 | DOIS PONTOS
Primeira página da Folha traz os destaques dos principais fatos do dia na edição de 14 de março de 2013
troca de tiros durante a madrugada de hoje, a PM permanece na comunidade em busca de criminosos”. (Fonte: Folha de S.Paulo) O lead deve ser objetivo, pois a introdução da matéria não pode se tornar cansativa. É importante também que ele seja redigido de maneira direta (sujeito, verbo e predicado), para que o leitor não se confunda. O fato principal deve ser destacado e é importante evitar informações desnecessárias, que são complementares ao fato, como ambientação. Tais informações podem estar no texto, mas recomenda-se que não sejam destacadas no primeiro parágrafo. Também é recomendável evitar começar com declaração entre aspas, fórmula desgastada pelo uso indiscriminado. Reserve-a apenas para casos de declaração de impacto, por exemplo: “Não acredito na mudança do país,” disse o presidente. O Manual da Folha também recomenda que “se os fatos são urgentes e fortes, eles tendem a impor ao lide um estilo mais direto e descritivo. [...] É o que ocorre quando da morte de personagens famosos ou da revelação de um escândalo político”. Um exemplo citado no Manual: O presidente eleito, Tancredo Neves, morreu ontem, dia de Tiradentes, às 22h23, no Instituto do Coração, em São Paulo. Ele tinha 75 anos. Sua morte ocorreu 38 dias após sua internação no Hospital de Base de Brasília, na véspera da posse. A causa foram problemas cardíacos provocados e agravados por infecção hospitalar. Se o texto redigido não é factual, há menor necessidade de seguir a estrutura clássica do lead. O jornalista pode criar recursos narrativos para chamar a atenção do leitor, isto é, não sintetizar todas as informações logo de inicio. “Esse tipo de abertura dá mais certo em revistas, pois você tem mais espaço para trabalhar o texto, sem ficar preso às tecnicas”, eclarece Patrícia. A maneira como a abertura é feita pode prejudicar na continuação da noticia. Se o seu texto não avança, se limita nos primeiros parágrafos, provavelmente o problema está no lead. Isto é, a estrutura do texto foi mal feita e deve ser corrigida. De acordo com a assistente de conteúdo da Folha, o jornalista deve ter claro quais são os principais pontos da matéria e qual é o seu objetivo, para não se atrapalhar ao elaborar a abertura. “Quando o texto é extenso, o repórter deve sempre se lembrar das questões básicas: o quê, quem, quando, onde e por quê. Assim ele não perderá o foco”, garante Patrícia.
O jornal O Estado de S. Paulo detalha no seu Manual de Redação e Estilo quais as melhores formas de redigir um lead
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Manual de Redação e Estilo do Estadão tem quase cinco páginas para detalhar os tipos de bons leads e as recomendações sobre os problemas que devem ser evitados na elaboração da abertura de um texto noticioso. De acordo com o verbete, esse tipo de texto “deve incluir, em duas ou três frases, as informações essenciais que transmitam ao leitor um resumo completo do fato. Precisa sempre responder às questões fundamentais do jornalismo: o que, quando, onde, como e por quê.” No conjunto das recomendações iniciais, ainda está escrito: “o lead deve ser objetivo, completo, simples e, de preferência, redigido na ordem direta. [...] o fato que constitui o lead deve ser novo; use frases curtas; procure dar um ritmo adequado à frase e, principalmente, jamais construa leads de um único período.” Outra recomendação importante é que se as informações essenciais não couberem no parágrafo de abertura, a técnica é esclarecê-las no segundo parágrafo, ou seja, o sublead. Segundo o Manual do Estadão, as aberturas podem ser divididas em diversos tipos. Cada uma é utilizada em determinada ocasião, para mostrar ao leitor o que se quer realmente noticiar. Na sequência, reproduzimos alguns dos exemplos citados no verbete. O Manual destaca a objetividade como a maior virtude no exemplo a seguir. É um lead claro, simples e direto. As mulheres se envolvem cada vez mais no tráfico e uso de cocaína e crack em São Paulo. Os dados, divulgados ontem pela polícia paulista, revelam que, das 980 pessoas presas em flagrante no ano passado, 229 eram mulheres. ‘‘Elas começam a fumar crack ou a cheirar cocaína em festas com os amigos ou namorados”, revelou o delegado Fernando Vilhena. Muitas vezes, se o repórter não estiver atento, ele pode redigir um lead burocrático, totalmente desprovido de interesse. Um exemplo é: Policiais de Osasco, na Grande São Paulo, esclareceram ontem o desaparecimento de Margarida Almeida de Souza, de 19 anos, filha de um empresário da cidade. No começo de março, ela saiu de casa para morar com o namorado Álvaro de Andrade Silva, de 23 anos, viciado em cocaína e maconha, e não deu mais notícias. As informações não estão claras e o texto fica confuso. É necessário continuar a leitura para compreender as informações básicas do fato. Este lead deveria ser reestruturado.
Para Moacir Assunção, jornalista, professor da Universidade São Judas e ex-repórter do Estadão, esse tipo de abertura é a pior, por não conter informações e deixar a leitura maçante. Segundo Moacir Assunção, um bom lead é aquele que conquista o leitor para a matéria e deve conter as principais informações simplificadas. Outra situação que merece cuidado é quando o repórter vai redigir textos que são repercussões (suítes no jargão jornalístico) de um fato já noticiado. A recomendação é que a frase deve iniciar com os acontecimentos importantes e, apenas no final do lead pode-se citar o que repercutiu ou a situação que ocorreu. Por exemplo: O deputado Luciano Machado (PDV-SP) propôs ontem o bloqueio dos bens e a prisão administrativa
dos responsáveis pela construção da Hidrelétrica de Mata Cerrada. O parlamentar tomou a decisão como consequência das denúncias do Estado, publicadas ontem, de que parte do equipamento veio de uma usina desmontada dos Estados Unidos. É uma noticia de impacto, que conta o processo dos fatos sem que o leitor se perca. Um grave problema nos lead são os parágrafos que pecam nas informações por resumirem demais as circunstâncias. Vejam a seguir: Ontem à noite, depois de uma reunião de quatro horas, a direção do Sindicato dos Trabalhadores em Hotéis de Foz do Iguaçu aceitou uma contraproposta do sindicato dos empresários que poderá evitar a greve da categoria que paralisaria a cidade que, nesta época do ano, recebe milhares de turistas.
Se o repórter não estiver atento, ele pode redigir um lead burocrático, totalmente desprovido de interesse Reprodução
Reprodução
Capa do Manual de Redação e Estilo d’O Estado de S. Paulo
Capa do Estadão em 20 de agosto de 2013 DOIS PONTOS | 5
Reportagem | Capa
Duas técnicas e a síntese da informação no jornalismo d n
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cada momento da história surgem técnicas de redação no jornalismo. Algumas podem servir apenas de modismos, mas outras podem se consolidar na imprensa. É o caso do lead e da pirâmide invertida. De acordo com o jornalista e pesquisador Luiz Costa Pereira Júnior, no livro A apuração da notícia – métodos de investigação na impren-
Inspiração nos Estados Unidos Por Nurielly Farias O Diário Carioca, jornal que nasceu em 1928 e parou de circular em 1965, cumpriu um papel relevante na história da imprensa brasileira especialmente porque implantou o primeiro manual de redação jornalística do País. Muitos historiadores consideram que o Diário Carioca contribuiu fortemente para a modernização da imprensa ao promover inovações especialmente quanto à forma de elaborar os textos. Lançou o primeiro manual de redação jornalística em 1950 e introduziu o lead nas matérias, inspirado no que já era uma realidade das redações jornalísticas nos EUA. Depois daquele momento, a ordem foi que constassem os fatos principais no primeiro parágrafo da matéria. O manual trazia recomendações bem claras, precisas e, ao mesmo tempo, era também bem enxuto. Tratava exclusivamente de aspectos centrais de padronização do texto noticioso. O jornal revolucionou a história da imprensa brasileira, dando vida e objetividade aos textos, eliminando o chamado “nariz de cera”, que era a introdução do texto jornalístico (geralmente longo, vago e desnecessário). Além de impulsionar que os outros importantes jornais do Brasil também alterassem o estilo dos textos, o Diário Carioca teve uma forte influência política no governo de Getúlio Vargas e foi criado para se opor ao governo de Washington Luís, participando de fatos decisivos da história da República. Reprodução
sa, essas duas técnicas são o resultado “de experiências decantadas pelo tempo e que se cristalizaram no século 20 num tipo de texto que se tornou hegemônico entre jornalistas do mundo inteiro.” No parágrafo seguinte do livro, ele esclarece que tais técnicas “não surgiram do vento, mas foram motivadas por condições materiais muito palpáveis, antepassados e contextos identificáveis, depurações realizadas num cotidiano profissional orgânico.” No livro, Luiz Costa esclarece que até meados do século 19 os jornais no mundo tinham uma cara bem diferente do que vemos hoje. Mas a junção de três eventos (a popularização do telégrafo, a criação das agências de notícias e a Guerra Civil nos EUA) propiciou o início da elaboração de um texto formatado especificamente para o mundo jornalístico. De acordo com Luiz Costa, o telégrafo era uma tecnologia nova e como as mensagens eram interrompidas com frequência, “as agências [de notícias] decidiram mudar o método cronológico de narrar e começaram a concentrar os elementos mais importantes no primeiro parágrafo.” Ao mesmo tempo, para criar um padrão de apuração, era importante que as informações iniciais respondessem quem, fez o quê, quando, onde, como e por quê?. A Guerra Civil nos EUA (de 1861 a 1865) faz parte do contexto pois ela foi um momento histórico no qual ocorreu um aumento significativo do consumo de jornais os EUA. A busca por mais informações também contribuiu para que o estilo padronizado do texto noticioso se definisse e se universalizasse. Entretanto, tais técnicas não se tornaram hegemônicas “por decreto”. Ao longo das décadas, as redações dos jornais criaram justificativas para consolidar o estilo jornalístico. No Brasil, por exemplo, o lead e a pirâmide invertida ganharam visibilidade apenas em meados do século 20 [ver box Inspiração nos Estados Unidos]. As primeiras lições O lead é uma das primeiras técnicas que um estudante de jornalismo costuma apren-
6 | DOIS PONTOS
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O lead e a pirâmide invertida não nasceram junto com o jornalismo. Se pensarmos na trajetória da imprensa, eles são até bem recentes. Vamos conhecer um pouco dessa história Por Nurielly Farias
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der quando ele entra na faculdade. Afinal, redigir bons textos é obrigação de qualquer jornalista. “A sugestão básica ao iniciante: produza, sempre, o melhor que puder; leia, leia e releia seu texto. E todas as vezes que reler corte ou substitua palavras; tire os adjetivos e abomine o gerúndio”, sugere Francisco Ornellas, jornalista há 48 anos, ex-repórter, editor e chefe de reportagem de O Estado de S. Paulo e atualmente membro avaliador do Claep – Conselho Latino-americano de Escolas de Jornalismo e do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Débora Fôlego, 22 anos, estudante do 3° ano de Jornalismo da Universidade São Judas, comenta sobre suas táticas ao escrever uma matéria. “Começo falando do que aconteceu com quem, se o lugar é o mais importante começo falando quando e onde aconteceu e assim por diante. Mas, é bem difícil fazer a abertura do texto”, relata a estudante. Junto com a técnica do lead, o estudante também aprende o que é a pirâmide invertida. É o momento de saber que nem sempre redigir na ordem cronológica dos fatos é a melhor estratégia. O começo do texto noticioso deve trazer a informação “mais quente” e mais “relevante” do fato. “Ela facilita o trabalho de edição. Aprendi muito com um antigo companheiro de trabalho que alinhava de tal forma seu texto, que editor algum conseguia cortá-lo pelo pé. Este é o melhor termômetro da competência individual: a matéria que não dá para ser cortada”, opina Francisco em relação à técnica pirâmide invertida. O lead e a pirâmide invertida são sínteses da informação para o texto da noticia. Manter o foco não obstruindo os fatos e realmente levar o leitor para a leitura. “Há que se partir de uma premissa: o jornalismo, como de resto todas as áreas ligadas às ciências humanas, não tem em sua base fórmulas matemáticas. Assim, tanto o lead como a pirâmide invertida, foram caminhos adotados desde da segunda metade do século passado, para tentar disciplinar o texto jornalístico”, argumenta Francisco Ornellas.
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Como usar o lead e a pirâmide invertida
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Por Nurielly Farias O texto jornalístico inclui um título, um lead, que corresponde ao primeiro parágrafo de um texto, além do desenvolvimento das informações. Os subtítulos e a fotografia constituem essa construção, que deverá ter unidade, coerência e eficácia informativa. A técnica da pirâmide invertida (PI) ajuda a ordenar os elementos da notícia por ordem decrescente de importância ao longo de todo o texto. De acordo com a PI, o auge não se guarda para o fim. Logo no início, o leitor deve ter e já saber sobre a essência da informação. As seguintes perguntas devem ser respondidas na abertura (lead) do texto noticioso: O quê? A resposta relata o que aconteceu. Quem? Quem são os envolvidos no fato. Quando? O momento em que aconteceu. Onde? O local do fato ocorrido. Como? As circunstâncias do fato. Por quê? As causas (ou consequências) do fato.
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Sempre é ncessário ser claro, preciso e correto. Não se deve começar com uma negativa, nem de forma duvidosa. O lead determina sempre a construção do texto e do título da notícia. Por isso, a escolha não pode ser sem os devidos cuidados. Seja qual for o foco que o jornalista privilegie no texto, é a partir daí que o leitor deve captar o sentido global da narrativa.
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Reportagem | Estilo
Uma técnica e muitas possibilidades A fórmula do lead (3Q+CO+PQ) pode ser uma camisa de força para muitos jornalistas. Mas, mesmo dentro desse padrão, é possível construir o texto com aberturas distintas e, até mesmo, criativas. Há algumas décadas o pesquisador Fraser Bond, nos anos 1950 nos EUA, estabeleceu alguns tipos/formatos diferentes de leads (alguns exemplos têm também o sublead). Vamos ver algumas situações?
Lead condensado
É um resumo dos fatos principais de maneira clara e uniforme. Exemplo: O número de mortos na temporada de chuvas deste verão bateu o recorde histórico em São Paulo desde que os dados começaram a ser compilados pela Defesa Civil Estadual – no total, foram 78 mortes causadas por chuvas no Estado entre 1º de dezembro de 2009 e 31 de março de 2010. O número é três vezes maior que o registrado na temporada passada (24 mortes) e 80% superior às 43 mortes de 1999/2000, marca agora superada. Mais da metade das mortes (44) foi causada por deslizamentos – somente nos três primeiros meses deste ano, 24 morreram, metade do registrado em todo o ano de 1996, quando o número de vítimas de deslizamentos bateu recorde (48). O número de mortos nesta temporada na capital chegou a 18, quase cinco vezes maior do que o registrado no ano passado. O balanço da Defesa Civil de São Paulo, divulgado ontem, marcou o fim da Operação Verão 2009/2010. (Estadão, 02 de abril de 2010, pág C-07)
Lead de apelo direto
Dirige-se ao leitor, buscando o seu interesse e participação. Exemplo: Sabe aquele açougueiro bonachão, de fala grossa, que te recebia no açougue afiando a faca na chaira? Em muitos açougues de São Paulo ele sobrevive, e a faca continua afiada. O açougueiro brasileiro do século 21 não quer perder a clientela do bairro. Resistiu a crises e à proliferação de frigoríficos e butiques de carne de luxo. Está no ofício há décadas, às vezes até antes de nascer - quando é filho ou neto de açougueiro. Modernizou-se quando foi preciso, investiu. Quem não abaixou as portas teve de aprender a língua do marketing – ainda que o melhor marketing, dizem, sejam os bons cortes, o atendimento e a higiene. (Estadão, 18 de março de 2010, pág P-07)
Lead descritivo
Descreve o lugar e/ou as pessoas envolvidas na notícia. Exemplo: Gruas vermelhas se destacam entre as árvores do Hyde Park. Em Leicester Square, pedestres desviam de empilhadeiras e das obras no chão. Londres recebe os últimos retoques para uma temporada agitada – e muito. O grande evento são os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2012 (www.london2012.com), de 27 de julho a 12 de agosto e de 29 de agosto a 9 de setembro, respectivamente. (Folha, 05 de abril de 2012, pág F-04)
Lead de citação ou “entre aspas”
Começa com uma declaração ou uma citação. É um recurso considerado pobre na maioria dos manuais de redação. Usar com cautela. Exemplo: “Há muita doçura, muita tristeza, muitas texturas bonitas.” É assim que Ben Bridwell, a delicada e suave voz do Band of Horses, descreve o som da banda, uma das principais atrações do festival Lollapalooza, dona de uma base fiel de fãs. Esse séquito foi construído em mais de sete anos de carreira e três discos. O show no Brasil será um mix disso. “É nossa primeiríssima vez no continente”, diz Bridwell à Folha. “Vamos tocar todas as músicas que, esperamos, os fãs queiram ouvir.” (Folha, 04 de abril de 2012, pág E-04) 8 | DOIS PONTOS
Reportagem | Pirâmide Invertida
Atual ou desnecessária?
Em pleno século 21 o estilo do texto jornalístico ainda segue técnicas que nasceram em outro contexto do jornalismo e da imprensa
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Por Bruno Camanho m um cenário no qual o tempo real e a agilidade avançam cada vez mais, cabe questionar se o uso da pirâmide invertida se mantém atual. Manter na narrativa do texto noticioso na ordem decrescente de importância dos fatos é uma técnica ainda relevante para o século 21? É uma técnica que contribui para melhorar o acesso das pessoas às informações? A demanda por velocidade, característica fundamental do universo online, mudou a necessidade do leitor internauta? Dos veículos impressos, passando pelo rádio, pela TV e pela internet todas as plataformas ainda utilizam da pirâmide invertida como um formato hegemônico. Ela é uma ferramenta universal na prática do jornalismo. A utilização da pirâmide invertida é útil para elaborar um bom lead. É uma estrutura que possibilita, de forma gradual e decrescente, divulgar as principais informações obtidas para desenvolver uma matéria jornalística. Criada em um cenário de grandes transformações do jornalismo [ver reportagem de capa na página central deste fascículo], ela ainda é muito forte, seu uso ainda é muito constante, apesar dos novos conceitos da área. Escrever um texto e, aos poucos, revelando a essência do acontecimento, mas deixando narrada a parte principal no topo, é um ponto fundamental da pirâmide invertida. Poder estimular a curiosidade do leitor do inicio ao fim da leitura, essa era, ou ainda é a principal função de um texto. O mais importante é saber o que causou o fato, consequências e os personagens envolvidos no evento. Em uma era de abundância informativa, uma notícia só tem seu valor de uso, quando relacionada ao seu meio social, seu contexto e suas peculiaridades. Com a chegada da internet, as preocupações passaram a serem outras. O uso da pirâmide invertida como técnica de redação não é mais uma regra tão hegemônica. Percebemos que usar o mais relevante no início do texto não é ir do mais ao menos importante, mas buscar o contexto mais amplo para um fato, dado ou evento que se tornou notícia. “Sou assessora de imprensa, uso e leio muitas matérias, mas muitas delas não utilizam a pirâmide invertida, seja pela falta de tempo do leitor ou pela abundancia de espaço e estilos diferentes de leitura na internet, por exemplo. O que hoje atrai o leitor não é
o mesmo que atraia tempos atrás. Acredito que essa mudança seja gradual e ainda vamos sentir seu peso no futuro”, afirma Pâmela Benetti, executiva de comunicação e marketing na Bio Ritmo Academia A pirâmide invertida, que continua em uso em diversos veículos de comunicação, está muito ligada à preocupação em padronizar a forma de elaborar uma notícia. É uma situação que pode provocar a acomodação tantos dos veículos como dos jornalistas.O repórter precisa ficar atento. “Por maior que
seja a variedade de veículos de comunicação, dificilmente cada uma deles apresenta um ângulo diferente de uma notícia. O formato engessado da pirâmide invertida padronizou a cobertura jornalística. A sensibilidade do repórter diante de um fato e sua capacidade de analisar e transmitir suas possíveis consequências, em geral, são deixados de lado em troca do simples relatório: quem, quando, onde, como e por quê?”, argumenta Luciano Trindade, repórter de esportes do jornal Diário de São Paulo.
Com a chegada da internet, o uso da pirâmide invertida como técnica de redação não é mais uma regra tão hegemônica
Esquema de elaboração da informação no formato da PI
(+) IMPORTANTE
(-) IMPORTANTE
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Reportagem | Revista
Resenha | Destaque
Muito além das fórmulas
Dilemas e contradições na imprensa
Com textos mais detalhados e livres, repórteres de revistas conseguem atrair a atenção dos seus leitores e criar uma relação de cumplicidade fundada na narrativa
Por Vitor França
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s leitores de revista podem ser considerados um público mais fiel do que de outros veículos impressos. Essa relação é construída por diversos motivos como o formato da publicação que permite maior portabilidade. Outro aspecto que distingue a revista do jornal é o estilo do texto. Na revista, o jornalista não está preso ao aspecto fatual da informação e pode pensar de forma mais livre ao redigir uma reportagem. De acordo com Aline Mariane Fernandes, repórter da revista Construção Mercado, existem diversas formas de se começar uma reportagem sem usar a tradicional fórmula do lead. “Acredito que as melhores maneiras
são aquelas que chamam a atenção do leitor para ele querer continuar lendo o texto. Colocar logo no abre da matéria as informações que mais se destacam ou apresentar um caso real no início da reportagem são as maneiras que mais utilizo quando escrevo esse tipo de texto”, comenta Aline. A diferença da revista para outros veículos, como o jornal, tem relação direta com a periodicidade. Nos veículos online e nos jornais é preciso produzir um texto em questões de instantes para ser divulgado, no máximo, até o dia seguinte. Na revista há tempo para elaborar um texto com possibilidade de pesquisa e informações muito maior, portanto as técnicas de construção são diferentes, possibilitando um texto mais arejado.
A agilidade da publicação da informação em tempo real não permite que o texto ganhe as riquezas de detalhes e profundidade que são necessários nas revistas. O lead é um recurso muito útil para situar o leitor o mais rápido possível sobre o que está acontecendo. No caso, a revista irá trabalhar num fato ocorrido há dias, então o texto não terá o propósito de explicar o acontecido no primeiro parágrafo e as reportagens serão sempre acompanhadas de imagens, fatos, gráficos, curiosidades e um texto mais detalhado, procurando aprofundar mais o assunto, não tendo, portanto a necessidade do lead. Confira abaixo dois exemplos interessantes de aberturas de texto diferentes utilizadas em revistas.
De volta para o futuro? Um grupo cada vez maior se veste, surfa e pensa como se fazia nos anos 70
Um moleque de cabelos e barba mal aparados e óculos escuros redondinhos chega à Praia da Joatinga, no Rio de Janeiro, pilotando uma caminhonete F100 modelo 78. Na caçamba, duas pranchas de bordas gordas: uma monoquilha 6’6 e uma biquilha 5’9. No corpo, uma bermuda mais curta e puída, um palmo acima dos joelhos, quase um short. Em uma primeira batida de olho, Peu Mello, 32 anos, poderia ter saído da turma de Pepê, Daniel Friedman e Ricardo Bocão, alguns dos garotos que desbravaram o Arpoador e o Píer de Ipanema no Rio de Janeiro dos anos 70. Podia ser mais um “vagabundo”, como eram tachados os frequentadores das Dunas do Barato, faixa de areia em frente ao Píer, por onde circulavam, envoltos pela marofa canábica, os músicos Caetano Veloso, Gal Costa e artistas como Hélio Oiticica e Regina Casé. (Trip, edição 215, outubro de 2012)
O inventor de cidades Aos 85 anos, o entusiasmado arquiteto e urbanista Jorge Wilheim completa seis décadas de carreira, marcada por obras fundamentais que deram cara nova a São Paulo, como o Plano Diretor e o lançamento da construção do Metrô
As lembranças mais antigas que o imigrante italiano Jorge Wilheim guarda do Brasil não é visual, mas olfativa. Tinha 12 anos, em 1940, quando descobriu o prazer de comer mamão e o jamais esqueceria os muitos “ajantarados” de domingo da pensão – mexido feito com sobras do almoço e do dia anterior. A família Wilheim chegava ao País, depois de passar um ano em Buenos Aires. Por ser judia, fugiu da Itália em fevereiro de 1939, seis meses depois que o regime fascista do ditador Benito Mussolini baixou uma lei racial, que oficializava a perseguição aos judeus. “Antes de decidir, papai procurou o lugar mais longínquo do mapa mundi. Concluiu pela Austrália ou Argentina.” Conseguiu os vistos com a cúria de Trieste, que deu atestado de católico para todos. Uma dívida de gratidão que Jorge faz questão de se lembrar. Em Buenos Aires, o pai não conseguiu trabalho e resolveu migrar para o Brasil. Parte dos Wilheim, na verdade, já estava em São Paulo, onde montou a fábrica de eletrodomésticos Arno. (Brasileiros, edição 70, maio de 2013) 10 | DOIS PONTOS
Por Matheus Nascimento
E
ste livro fala sobre os meandros da apuração da notícia no jornalismo, um tema dificilmente considerado por profissionais e críticos da área. Dividido em seis capítulos, o material apresenta concepções sobre os métodos de investigação na imprensa, auxiliando os estudantes que pretendem aprender mais sobre o assunto. Luiz Costa Pereira Jr apresenta um rico mosaico dos dilemas e contradições cotidianas na imprensa. O autor traz uma visão ampla sobre a seleção de fatos dentro do jornalismo. Ele fala sobre o objetivo dos fatos, e deixa explícito que o desenvolvimento do jornalismo aumenta a credibilidade comercial da imprensa. Esclarece que um trabalho jornalístico é objetivo quando garante o equilíbrio entre todos os ângulos possíveis de uma notícia, sem confundir o leitor. Em seguida, Luiz Costa Pereira Jr, que é jornalista e Doutor em Filosofia e Educação pela USP, contextualiza o leitor sobre o episodio de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos. A partir da análise sobre a cobertura
jornalística da tragédia nos EUA, o autor expõe o quando o trabalho da impressa pode ser frágil em eventos inesperados. Enfatiza quais são os passos da investigação jornalística, que começa com uma sondagem inicial para a elaboração da pauta. Um dos aspectos mais relevantes da obra é quando o autor busca remontar as origens históricas que permitiram o surgimento do lead e da pirâmide invertida. São técnicas que se consolidaram na lógica empresarial dos meios de comunicação, com a profissionalização do jornalismo na era industrial. Entretanto, o autor explica os limites contemporâneos que as técnicas clássicas têm. Luiz Costa aconselha a busca do máximo de ângulos e nuances dentro de uma apuração. Assim, ocorre uma humanização do assunto, que o torna mais próximo do leitor. Concluindo a obra, o autor disserta sobre o tema “A narrativa informada”, assim, explica que todo texto narrativo contém sua marca de origem. Luiz Costa Pereira Jr conta que este tipo de texto nasce como fonte de conhecimento, mas não é um conhecimento qualquer.
Estante fundamental A arte de fazer um jornal diário, de Ricardo Noblat (Contexto) “Noblat começa o livro narrando uma história entre um cidadão e um repórter, na qual o rapaz questiona o motivo dos jornais serem tão parecidos. Nos dois últimos capítulos, são abordadas as transformações do jornalismo, a partir da experiência do jornal Correio Braziliense.” Ben-Hur Costa de Oliveira, estudante de Jornalismo na Universidade Católica Dom Bosco, de Campo Grande /MS
Serviço A apuração da notícia – métodos de investigação na imprensa, de Luiz Costa Pereira Junior (2006) - Editora Vozes
Estrutura da notícia, de Nilson Lage (Ática) “Nilson Lage busca dar noções básicas, porém importantes, de como desenvolver e estruturar um texto jornalístico. Nos três principais capítulos que compõem a obra, são intercalados teoria e exemplos práticos, o que elucida as questões para o leitor.” Ana Paula Medeiros, estudante de Comunicação Social na Universidade Federal de Santa Maria/RS
A construção da notícia, de Miguel Rodrigo Alsina (Vozes) “Na obra, Alsina mostra que para se fazer um discurso informativo, deve-se levar em conta diversas coisas, entre elas, o discurso social inserido no ambiente em que o jornalista se encontra. Produção, circulação e consumo, são as fases da construção de uma notícia.”
O segredo da pirâmide, de Adelmo Genro Filho (Tchê!)
Thais Silva, estudante de jornalismo na Fundação Cásper Líbero
Tattiana Teixeira, jornalista da revista Pauta Geral
“Nesta obra, Genro Filho escreve sem receio para “fornecer alguns elementos e indicações para a construção de uma teoria do jornalismo”. O jornalista aborda uma ampla revisão das teorias e práticas do jornalismo, mostrando as limitações dessa atividade.”
DOIS PONTOS | 11
Crônica | Relato poético
Todos contra um Por Amanda Ataide
J
á não aguentava mais aquela rotina, as novas regras ortográficas, os mesmos assuntos debatidos em sala de aula, os mesmos professores e alunos e, claro, o mesmo padrão de texto: pirâmide invertida. Essa era a minha “agitada” vida universitária, sem inovações. Lembro-me da primeira vez em que ouvi falar sobre os leads, o padrão mais conhecido para escrever algo, a tal da pirâmide invertida. A princípio gostei, facilitava iniciar o texto, mas fui percebendo que quase todos da minha classe, já no último ano do curso de jornalismo, estavam perdendo a identidade na escrita. Os textos eram breves, relatando os fatos por ordem de importância. Em meus textos eu utilizava esse padrão, mas por uma questão de interesses, pois os eles valiam uma nota alta. A primeira vez que expressei minha
“
Meu jeito de pensar não iria revolucionar a comunicação
12 | DOIS PONTOS
”
opinião sobre o assunto, meus colegas de classe me olharam como se eu fosse anormal, logo uma longa e polêmica discussão esquentou a noite daquela quarta-feira chuvosa. Desde o colegial fui um bom aluno, meus trabalhos sempre foram impecáveis, e minhas notas sempre foram boas, sempre procurava dar o melhor de mim, mas algo não estava dando certo, eu não conseguia ficar muito tempo no mesmo emprego. Certa vez, recebi um telefonema pela manhã, era de um jornal muito conhecido em São Paulo. Fui chamado para uma entrevista de emprego, logo me animei, pois meu colunista favorito escrevia diariamente para esse jornal e eu já havia lido algumas coisas sobre ele. A impressão que eu tinha era que ele pensava parecido comigo sobre a pirâmide invertida. Consegui o emprego! Tudo ia muito bem, até que um dia tive que fazer a minha primeira matéria de urgência para o jornal. Eu já estava de saída, quando um canal de notícias divulgou o nome do primeiro acusado a participar do esquema do Mensalão. Como o veículo impresso que eu estava trabalhando havia dado início às investigações e apresentou provas contra os políticos envolvidos, nós, por obrigação, deveríamos ser os primeiros a apurar o caso. Meu editor exigiu um texto breve e utilizando a pirâmide invertida. Teimoso, não fiz da maneira que me pediram e quase fui demitido. Derrubaram minha matéria. Meu colunista favorito acabou escrevendo um texto de última hora, bem depois de alguns meios de comunicação já terem noticiado. Me dei conta da realidade: era improvável que somente eu estivesse certo em meio aos grandes destaques do jornalismo. Meu jeito de pensar não iria revolucionar a comunicação, já que todos os jornalistas, inclusive o meu ídolo, tinham sucesso utilizando as técnicas tradicionais. Continuo no mesmo jornal. Escrevo todos os dias. Uso as técnicas tradicionais todos os dias! Todos os dias...