Fascículo 06 off the record

Page 1

FASCÍCULOS DE JORNALISMO - COMPREENDER A PROFISSÃO

Confiança e sigilo

O jornalista pode publicar uma informação relevante sem explicitar a sua fonte? O off the record é uma prática que exige muitos cuidados e requer atenção especial do profissional na checagem dos dados apurados ENTREVISTA

O professor Bernardo Kucinski, um crítico feroz do jornalismo contemporâneo, fala sobre ética e verdade

REPORTAGEM

Fonte secreta que revelou o Caso Watergate ganha identidade 33 anos depois da publicação do escândalo nos EUA


Apresentação | Caro leitor

Expediente

Não conte a ninguém

O

fascículo Off the record apresenta aos estudantes de jornalismo quais são as diversas situações do sigilo na profissão; quais são os mecanismos e os procedimentos que envolvem o tema. Apresentamos conceitos, casos, aspectos éticos, opiniões de profissionais da área, além de professores que formam os futuros jornalistas. A preservação da identidade da fonte da informação é ponto forte do off the record. Se ele pode ser quebrado ou não é um assunto que geralmente vem à tona quando a notícia já foi publicada. Não existem regras formais para definir quando a informação é caracterizada como off. As situações mais comuns são: 1 – quando a fonte pede ao jornalista sigilo sobre sua identidade para revelar algo; 2 – quando a fonte pede que o repórter não divulgue determinada informação. Se o jornalista concordar, ele estabelece um “pacto” com a fonte. A reflexão sobre cada caso é única. Por meio deste fascículo você poderá fundamentar sua opinião sobre o uso do off the record (mas não conte a ninguém que nós te falamos isso. Rsrsrs). Boa leitura!

Seção | Conceito “Quer os jornalistas gostem ou não, o off faz parte da profissão. Concordo que temos ânsia em divulgar as informações, mas existem momentos em que é preciso cautela. A expressão em inglês off (significa "desligado", em português) é usada para saber quais declarações podem ser publicadas ou divulgadas (on) e quais devem ser mantidas em sigilo ou melhor apuradas antes de irem ao ar (off).” Leandro Martins, jornalista e apresentador da TV Câmara de Guarulhos, no artigo O jornalista deve saber usar o off. “Há tempos o uso do off perdeu seu real sentido e necessidade no meio. Antes de propriedade exclusiva do jornalista, era ferramenta de trabalho dos grandes repórteres. Uma forma de convencer, seduzir as fontes na conquista da informação. Hoje essa prática infestou o jornalismo, e quem domina seu uso não são os jornalistas e sim as fontes, que, outrora passivas, preferiam revelar sem aparecer. Agora, essas mesmas fontes manipulam a informação, por vezes criando a notícia e usando o off para se esconderem.” Andréia Moura, no artigo Off virou sinônimo de irresponsabilidade, Observatório da Imprensa em 04/07/2006, edição 388.

“Off the record descreve uma situação em que o jornalista, devidamente identificado, recebe, de qualquer maneira, uma indicação clara, explícita ou implícita, de que não deve divulgar as informações que lhe são prestadas. A análise distingue à partida três elementos: a fonte, a informação (a matéria) e o jornalista. O jornalista não deve publicar aquilo que lhe é comunicado off the record. Trata-se de um princípio bastante consensual e que geralmente só é questionado quando infringido. As infrações mostram que o consenso sobre esse princípio é tão frágil quanto a situação é complexa. Uma reflexão ética sobre o princípio em causa exige uma análise rigorosa, mesmo que breve, desta situação.” Antônio Fidalgo, professor na Universidade da Beira Interior, no artigo A ética e o off the record. 2 | DOIS PONTOS

Chanceler Alzira Altenfelder Silva Mesquita Reitor José Reinaldo Altenfelder Silva Mesquita Pró-reitor de Graduação Luis Antônio Baffile Leoni Pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Alberto Mesquita Filho Pró-reitoria de Extensão Lílian Brando G. Mesquita Diretor da Faculdade de LACCE Rosário Antonio D’Agostino Coordenação do Curso de Jornalismo Anderson Fazoli

Dois Pontos é um projeto experimental dos alunos de jornalismo (3ACSNJO e 3MCSNJO), desenvolvido na disciplina Jornalismo Impresso, em 2013. Orientação e Coordenação editorial Profa. Jaqueline Lemos (MTB 657/GO) Revisão Profª. Maria Cristina Barbosa Diagramação Alexandre Ofélio (MTB 62748/SP) Redação Editora assistente Karen Bezerra (RA: 201110386) Repórteres Amanda Beatrice (RA: 201110416) Bárbara Soares (RA: 201110081) Davi Vieira (RA: 201110105) Capa Alexandre Ofélio

Pingue-Pongue | Bernardo Kucinski

“A verdade no jornalismo é um imperativo categórico” Sem papas na língua, professor afirma que o cenário jornalístico brasileiro é péssimo e fala sobre os interesses mútuos estabelecidos entre repórteres e suas fontes de informação

Por Davi Vieira Se passar uma toalha no rosto do Kucinski e espremer, aposto que sai vinagre”, disse certa vez o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, referindo-se à personalidade ácida de Bernardo. Conhecido por ser polêmico e briguento, Bernardo Kucinski é Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). Militante estudantil foi preso e exilado durante o regime militar. Teve que sair do país após participar da apuração e publicação de duas reportagens na revista Veja sobre o mapa da tortura no Brasil. Viveu quatro anos (1971 a 1974) na Inglaterra, onde trabalhou como produtor e locutor da rede de televisão BBC, além de ser correspondente da Gazeta Mercantil. Ganhador do Prêmio Jabuti em 1997, com a obra “Jornalismo Econômico”, escreveu 15 livros. Conhecido por abordar questões éticas, Kucinski concede entrevista exclusiva ao fascículo Dois Pontos.

Dois Pontos: Qual é o conceito do off the record jornalístico? Bernardo Kucinski: O off jornalístico é uma informação dada sob a condição de sua fonte não ser revelada. No entanto é comum a fonte permitir a sua qualificação, mesmo sem ser nominada. Por exemplo: “segundo um alto funcionário da administração” ou “segundo um membro do segundo escalão” ou ainda “segundo um especialista”. Essa qualificação é altamente desejável. Dois Pontos: Como é possível confiar em um off? Bernardo Kucinski: A confiabilidade da fonte geralmente é aferida após um relacionamento longo, durante o qual outras informações que foram dadas por essa fonte mostraram-se verazes. Em se tratando de um primeiro contato desse tipo, é aconselhável tentar corroborar informação junto a outra fonte independente da primeira. Dois Pontos: Até onde é saudável uma relação entre fonte e jornalista? Bernardo Kucinski: Toda fonte só dá a informação que lhe interessa dar, ou que ela é obrigada a dar por ser essa sua função. Quando a informação é dada na condição de off, deve ser recebida com mais cuidados do que o usual. Por outro lado, por ser em princípio exclusiva e importante, é a matéria-prima por excelência, do bom jornalista. Só os bons jornalistas têm fontes exclusivas e estas, em geral, dão a informação em off. Dois Pontos: O jornalista deve questionar o porquê a fonte está dando um off? Bernardo Kucinski: Deve pensar nos motivos da fonte para se assegurar de que a informação não está por demais distorcida ou unilateral; mas não deve condicionar sua divulgação aos eventuais motivos da fonte.

Alexandre Novaes

Dois Pontos: O que o Código de Ética do jornalista diz sobre o off? Bernardo Kucinski: Os princípios básicos de todos os códigos de ética jornalística é a busca da verdade de interesse público; não importa se a fonte dessa verdade é uma fonte que não quer ser identificada; apenas importa a veracidade da informação.

Dois Pontos: Ao receber um off de um crime, corrupção, ou que coloque a vida de alguém em risco, por exemplo, o jornalista não publicando pode se tornar cúmplice por omitir um fato de relevância social? Bernardo Kucinski: Dilemas éticos desse tipo, entre o valor verdade e o valor vida, só podem ser resolvidos caso a caso, dentro das especificidades de cada situação. O princípio geral é o de que o valor verdade e o valor mentira (ou omissão da verdade) não se situam no mesmo plano epistemológico. O jornalista não é responsável pelas consequências da verdade que publica, mas se torna Kucinski alerta que o Off the record corresponsável pelas consequências de omitir a verdade. A verdade no jornalismo é um exige um cuidado redobrado do jornalista imperativo categórico. Dois Pontos: Existe a possibilidade de a fonte fazer com que o jornalista se torne uma marionete dele? Bernardo Kucinski: A relação é de uso recíproca. Um está usando o outro. Se o resultado é mais informação relevante e de boa qualidade para o público, não importa. Contudo,

o jornalista não deve aceitar a pré-condição do off se a fonte é também protagonista importante do acontecimento em questão. Dois Pontos: O que você acha do jornalismo atual brasileiro? Bernardo Kucinski: Péssimo.

“Só os bons jornalistas têm fontes exclusivas e estas, em geral, dão informação em off” DOIS PONTOS | 3


Reportagem | Orientações

Reportagem | Direitos

Manuais de redação têm regras para o off the record

Protegidos pela lei

Cautela, cuidado, zelo. Esse é o tom dado nas orientações sobre o uso da ferramenta que permite o sigilo da fonte no jornalismo

Por Karen Bezerra

Por Bárbara Soares

direito de manter em sigilo a fonte e suas informações é assegurado ao jornalista pela Constituição Federal, assim como pelo Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. Em ambos, está afirmada a necessidade de proteger a identidade de quem faz declarações a respeito de fatos de grande relevância, muitas vezes envolvendo pessoas com alto poder – político ou econômico. Apesar da proteção legal, somente jornalistas em seu exercício profissional podem fazer uso da lei. Textos opinativos ou não, que trazem algum tipo de argumentação ou defesa de um assunto, publicados em regime de anonimato não se enquadram na questão do off. Este recurso serve para preservar a fonte ou alguma informação confidencial dada por ela e somente deve ser utilizado por profissionais do jornalismo. A advogada Rosana Ramires, pós-graduada em Direito Processual Civil, esclarece que proteger a fonte não quer dizer que não há chances de ocorrer um processo. “Se a parte atingida pela reportagem quiser, pode processar o jornalista e o meio de comunicação que veiculou a matéria. Não existe a ideia de impunidade ou privilégio”, acrescenta. Há também uma lei que prevê a preservação do off mesmo em ações movidas pelo Estado. Assim como aconteceu com o caso do “Senhor X” da Folha de S.Paulo, em que uma fonte gravou conversas de deputados assumindo que receberam suborno para votar uma ementa a favor da reeleição de Fernando Henrique Cardoso à presidência da República. A denúncia foi feita no ano de 1997 com uma sequência de reportagens apuradas pelo jornalista Fernando Rodrigues. Na época, a Polícia Federal requereu a busca e apreensão das fitas com as gravações, no entanto a Folha se manteve firme e não entregou as provas, alegando que dessa forma estaria quebrando o acordo de segredo feito com a fonte. No fim do caso, o Ministério Público alegou que o sigilo era caracterizado como um direito absoluto e não havia razão para revogá-lo. Somente 16 anos mais tarde, a identidade do Senhor X foi revelada: de acordo com informações publicadas no livro O Príncipe da Privataria, do jornalista Palmério Dória (Geração Editorial), o ex-deputado federal Narciso Mendes (PP/AC) é o “Senhor X” das reportagens. Quando não há o respeito ao off, o fornecedor da informação que pediu a preservação da identidade pode abrir um

T

odo jornalista sabe, desde os primeiros passos na faculdade, que a fonte será sempre sua principal aliada. É ela quem vai lhe fornecer quase todos os dados necessários para a elaboração da reportagem e auxiliar a apuração. E quando o entrevistado pede sigilo? O que fazer quando ele não quer se identificar? Os manuais de redação de alguns dos principais jornais do País têm opiniões semelhantes. Membro da Diretoria de Jornalismo do jornal O Globo, Aluízio Maranhão acredita que o off é uma ferramenta essencial para o jornalista que sabe como usá-la. “Como tudo, se mal usado, causa danos na credibilidade do veículo, o bem mais valioso de qualquer empresa de comunicação”, diz. O diretor acredita ainda que o off funciona como um jogo, no qual ambos buscam uma maneira de se beneficiar. “Fontes prefe-

4 | DOIS PONTOS

rem conversar em off para se proteger. Cabe ao repórter checar todas as informações recebidas, pois a relação com a fonte é sempre de interesse: ela quer passar informações em sigilo para atacar inimigos, se autopromover, e o repórter deseja notícia. A fonte quer usá-lo e o repórter quer aproveitar as intenções dela para dar um “furo”. Simples e ao mesmo tempo complicado”, finaliza. A postura tomada pelo O Globo com relação ao off é a mesma que se toma com dossiês: checagem aprimorada antes da publicação, e depois ouve-se também a parte atingida. O sigilo é quebrado quando, apesar da apuração, a informação se confirma falsa. A partir daí, publica-se a fonte e assume-se a falha na checagem. Há casos ainda em que as informações fornecidas não se encaixam no código de ética do jornal, e então não são publicados. Outros acabam repercutindo em processos civis, que são derrubados antes do final, já que as provas são apresentadas em forma de apuração do fato. Em seu Manual da Redação, o jornal Folha de S.Paulo especifica e divide o off em três categorias: simples, checado e total. Para a Folha, um off simples é usado em colunas de bastidores se tiver relevância jornalística, com a indicação de que se trata de informação não confirmada, e por vezes não é cruzado com outras fontes. Já o tipo checado é cruzado com a outra parte, ou pelo menos duas fontes, e aparecerá na forma de “A Folha apurou que...” ou “A Folha apurou junto a médicos...”, por exemplo. O off total é aquele em que a pedido da fonte não se revela ou publica de modo algum, mesmo que seu anonimato seja mantido. Ele só serve para direcionar o trabalho jornalístico O jornal O Estado de S. Paulo, conforme seu Manual de Redação de Estilo, não é tão favorável à utilização do sigilo das informações. Para proteger seus jornalistas, o jornal sugere que sempre que possível as fontes sejam mencionadas. Elas só poderão ser omitidas caso o repórter tenha absoluta confiança nelas e que seja conveniente que não apareçam na notícia. Ainda assim, é importante que a fonte tenha informações de onde surgiram esses dados, que saiba a procedência da informação e que a indique. Caso haja dados não confirmados em que a fonte não deseje aparecer, pelo menos os setores aos quais elas pertencem devem ser revelados. O Estadão alerta no Manual que toda cautela é pouca.

A Constituição Federal e o Código de Ética dos Jornalistas garantem o sigilo da fonte

O

processo contra o delator. Neste caso, não pode haver justa causa na revelação da declaração. “Se o informante se sentir prejudicado pode entrar com uma ação, mas deverá comprovar que houve dano – moral ou material – e que a causa da quebra de sigilo não tenha sido banal. Se o jornalista estiver agindo em defesa própria ou até mesmo como testemunha de algum outro processo, por exemplo,

não pode ser acusado, já que a causa foi justa. Não há nenhuma lei específica a respeito disso, fica a critério do repórter”, afirma Rosana. As atitudes do jornalista refletirão em sua própria imagem. Um caso como este pode atingir sua credibilidade com o leitor. “São questões pessoais, o repórter pode alegar que se sentiu cumplice de determinado assunto, e revelar ao público”, argumenta Rosana. Reprodução

Edição da Folha (13 de maio 1997) abordou as denúncias do “Senhor X” SUGESTÃO DE LEITURA

Constituição Federal

Está previsto no Artigo 5º, da Constituição Federal: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.”

Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros

No Capítulo II, que trata Da conduta profissional do jornalista, o Artigo 5º diz que: “é direito do jornalista resguardar o sigilo da fonte.” DOIS PONTOS | 5


Reportagem | Capa

Quando a fonte não quer se esconder

Posso confiar em você?

Ex-agente da CIA divulga informações sigilosas do governo dos EUA e mostra a cara para o mundo

Muitas são as profissões nas quais o sigilo é parte das rotinas de trabalho. No consultório médico, na terapia, na relação entre advogado e cliente... Em todos os casos a confiança é essencial para um elo forte entre os envolvidos Por Davi Vieira

J

ornalistas, médicos, psicólogos, advogados são algumas das profissões nas quais as situações de sigilo profissional ocorrem com bastantante frequência. Em cada um desses ofícios, o tema é abordado de forma distinta e traz situações diferentes. Em todos os casos, a questão é regida pelo código de ética de cada profissão (ver também a reportagem da página 5 deste fascículo). Por exemplo, o Código de Ética e Disciplina da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) trata do sigilo profissional. No Artigo 25 está dito: “O sigilo profissional é inerente à profissão, impondo-se o seu respeito, salvo grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o advogado se veja afrontado pelo próprio cliente e, em defesa própria, tenha que revelar segredo, porém sempre restrito ao interesse da causa.” A relação de confiança entre o profissional e o cliente é sempre uma preocupação para os advogados. “Devemos sempre buscar um bom relacionamento com nosso cliente, informar logo no início do contrato que ele deve contar tudo para quem o vai defender”, esclarece o advogado Ângelo Martins.

Cuidados básicos do anonimato Apuração rigorosa é ponto fundamental para que off não se torne um problema na divulgação das informações

Por Bárbara Soares O off torna-se mais polêmico quando veículos e profissionais desonestos utilizam-se dele para inventar fontes, alegando que o anonimato foi pedido. O uso da ferramenta pode acarretar em erros na divulgação da notícia, o que, certamente, prejudica a credibilidade do veículo de comunicação e pode destruir a carreira de um repórter . Esta é a principal razão para que se tome uma série de cuidados. O debate sobre o uso do off nos Estados Unidos é crescente. Uma recente pesquisa no país revelou que os leitores demonstram queda na confiança quando são utilizadas fontes anônimas. Críticos chegam a alegar que a prática, por vezes, é usada por profissionais que desejam mascarar a preguiça, opinião ou até mesmo a invenção de informações. Entretanto, grande parte dos editores e repórteres afirma que fontes sigilosas são fundamentais para a cobertura de matérias sensíveis e que envolvem poderosos e polêmicas. Para eles, cabe ao editor assegurar que os textos contenham informações verdadeiras, que sejam precisos. 6 | DOIS PONTOS

Os médicos, independente de sua especialização, também devem manter sigilo sobre o que é dito no consultório. No Código de Ética Médica, o Capítulo IX trata do “Segredo Médico” e aborda o tema nos artigos 102 até 109. Está escrito que é vedado ao médico, por exemplo: “Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício da sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente” (Artigo 102); “Fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir pacientes ou seus retratos em anúncios profissionais ou na divulgação de assuntos médicos em programas de rádio, televisão ou cinema, e em artigos, entrevistas ou reportagens em jornais, revistas ou outras publicações leigas” (Artigo 104). No caso dos psicólogos, o Código de Ética Profissional trata do tema no Artigo 9º: “É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no exercício profissional. E também no Artigo 10: “Nas situações em que se configure conflito entre as exigências decorrentes do disposto no Artigo 9º e as afirmações dos princípios fundamentais deste Código, excetuando-se os casos previstos em lei, o psicólogo poderá decidir pela quebra de sigilo, baseando sua decisão na busca do menor prejuízo.” Segundo a psicóloga, Paloma Macedo, o paciente se sente mais confortável quando sabe que o profissional não revela o que é dito no processo terapêutico. “Quando eles nos procuram é porque enfrentam problemas. É de extrema importância que ele diga tudo, pois só assim podemos dar um diagnóstico mais adequado”, diz. Terreno nebuloso Segundo o Manual da Redação da Folha de S.Paulo, toda reportagem de forma geral visa a informação de forma exclusiva. Para conseguir uma boa fonte fixa, é importante que o jornalista esteja atento à área que ele cobre e que seja muito bem atualizado. Mas, conseguir uma notícia antes do que os outros jornais e publicá-la, é difícil, e nem todos os profissionais têm acesso a quem pode passar essas informações. Uma informação exclusiva vem somente depois de uma relação duradoura com a fonte, e com a confiança adquirida após a publicação de uma matéria, por exemplo.

Se está cada dia mais escasso ter um bom informante é importante manter os que já foram conquistados. A confiança tem um papel fundamental nesse processo para que o off seja obtido de forma rápida e eficaz. O sigilo no jornalismo é algo a ser guardado a sete chaves. “Temos que demonstrar a nossa confiança com a fonte e certamente ela retribuirá com mais informações, mas se não mostrarmos que existe uma relação estável ela pode passar uma informação falsa e quem perde a credibilidade é o repórter”, afirma a jornalista Isabella Villalba. Com a escassez de fontes, muitos jornalistas têm utilizado fontes anônimas que podem mudar seu discurso facilmente. O maior problema delas é que ninguém as conhece, o que pode gerar uma perda de credibilidade dos jornalistas e dos veículos. Grandes jornais e emissoras de televisão dos Estados Unidos, como The New York Times, Usa Today, CNN e CBS News, já adotaram mudanças em suas diretrizes visando diminuir o uso de fontes anônimas em suas reportagens, após uma polêmica com a revista Newsweek (em maio de 2005 dois repórteres contaram uma situação de violência envolvendo interrogadores dos EUA na Baía de Guantánamo. A informação era baseada em relatos de uma fonte que pediu anonimato. A revista precisou se retratar na semana seguinte porque a fonte voltou atrás e afirmou não ter certeza do que havia dito). Mesmo com uma informação importante dada por uma fonte considerada confiável, deve ser checada novamente antes de ser publicada e se possível deve ser confirmada com outra pessoa, a fim de conseguir uma matéria mais correta possível para o leitor.

Por Davi Vieira Em junho de 2013 o mundo teve acesso às informações de ações do governo Obama (EUA). As informações secretas foram vazadas pelo ex-agente da CIA Edward Snowden. No dia 5 de junho, o jornal The Guardian, britânico, publicou a primeira reportagem com as revelações sobre espionagem e coleta de dados sobre ligações telefônicas de milhões de cidadãos americanos. Dois dias depois, The Washington Post resolveu publicar dados entregues por Snowden, também sobre os esquemas de espionagem e vigilância do governo. Snowden inicialmente entrou em contato com o repórter do The Washington Post Barton Gellman, via internet usando um apelido. Depois de fazer denúncias, Snowden pediu garantias de que a matéria seria publicada em até 72 horas, com texto completo e todas as apresentações de slides enviados pelo ex-agente. O repórter, no entanto, disse que o The Washington Post não daria nenhuma garantia. Mesmo em contato com jornal dos EUA, Edward também procurou o The Guardian, que aceitou divulgar o material em primeira mão. Então, no dia 9 de junho o jornal britânico revelou ao mundo a identidade da sua fonte, em reportagem: “Não tenho nenhuma intenção de me esconder porque sei que não fiz nada de errado”, disse Snowden. Horas depois, The Guardian postou em seu site um vídeo mostrando o ex-agente, e minutos depois, o rosto de Snowden estava espalhado nos principais portais de internet e redes de televisão ao redor do mundo.

DOIS PONTOS | 7


Reportagem | Cárcere

Reportagem | Sigilo

Quem te disse?

Anote tudo, exceto o...

Uma jornalista foi ao extremo e enfrentou até mesmo a prisão para proteger seu off. A repórter Judith Miller, nos EUA, ficou presa por 85 dias

Por Amanda Beatrice

N

o jornalismo uma das grandes preocupações dos profissionais é conseguir publicar uma reportagem reveladora, que seja capaz de ajudar a mudar o rumo da história. Não é raro que as pessoas capazes de passar informações muito relevantes tenham receio de “aparecer”. Aí pode entrar o off. Obter informações confiáveis e verídicas, com fontes privilegiadas, mas que não podem ser explicitadas. Até onde vai o jornalista para manter o sigilo? O jornalista deve confiar na sua fonte a ponto de ser preso para protegê-la? Em 2005, a então jornalista do jornal The New York Times, Judith Miller, ficou presa por se recusar a colaborar com a justiça no caso denominado Valerie Plame. Em suas reportagens, a jornalista afirmou que o Iraque tinha armas de destruição em massa – informação que se confirmou falsa tempos depois. Judith Miller foi então acusada de ser favorável à guerra e aos interesses de George W. Bush (presidente dos EUA na época), além de ignorar o parecer do diplomata Joseph Wilson que, enviado ao Oriente Médio, negou que existissem armas químicas e biológicas no país. Vazou então na imprensa americana que sua mulher, Valerie Wilson, era agente secreta da CIA. Judith era uma das jornalistas que sabia da verdadeira identidade de Valerie. Como se recusou a revelar a fonte, ela permaneceu presa durante 85 dias, sendo libertada apenas quando seu informante, Lewis Libby, chefe de gabinete do vice-presidente, Dick Cheney, finalmente autorizou a di-

8 | DOIS PONTOS

Estudantes de jornalismo são guiados para identificar se a declaração da fonte é realmente sigilosa e se vale a pena publicar

O

Por Karen Bezerra vulgação de seu nome. De acordo com o jornalista Moacir Assunção, a posição da repórter americana é admirável, já que a relação repórter-fonte é um relacionamento de confiança. “Minhas fontes só me dão informações exclusivas porque sabem que eu jamais as denunciaria. Em alguns casos, se eu revelasse minhas fontes, elas seriam mortas”, diz. Segundo Moacir, nos EUA não há uma legislação que proteja o sigilo da fonte, tal como no Brasil. E que no caso de Judith Miller, ela estava se preparando para questionar a determinação governamental de não se proteger fontes nos EUA. “Não se deve de forma alguma revelar o nome de suas fontes no caso de off. A jornalista norte-americana só o fez por ter sido autorizada pela própria fonte, caso contrário ela teria mantido sigilo”, comenta. De acordo com o secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de SP, André Freire, o Sindicato não tem conhecimento de nenhum caso brasileiro no qual o profissional de jornalismo tenha sido detido por recusar-se a revelar suas fontes. Freire afirma ainda que a sua posição pessoal sobre a proteção do off é a importância do sigilo da fonte a favor de uma reportagem. “Temos que defender o off a ponto de irmos presos. O jornalista que trabalha com lealdade sem revelar sua fonte é o que garante que se pode exercer a função de comunicador e formador de opinião com ética e profissionalismo. Todo jornalista deve ter plena convicção da confiabilidade do off e honrar os agentes que colaboraram com sua reportagem”, expõe Freire.

jornalista, diferente de outros profissionais, precisa de bons contatos para escrever boas matérias. Em algum caso a fonte pode soltar uma declaração e pedir sigilo de identidade, ou até mesmo para guardar segredo sobre o assunto. Eis o off! Nas faculdades de jornalismo esse tema é abordado a partir de duas perspectivas: nas disciplinas práticas, nas quais o aluno tem contato com a elaboração de reportagens e notícias e também na disciplina de Ética e Legislação. Manter em sigilo a identidade da fonte é uma prática da conduta do jornalista e um direito. Muitas vezes, se o entrevistado pede sigilo, o tema em questão é polêmico e pode render processos judiciais. Segundo a professora da Universidade São Judas, Iêda Santos, o estudante de jornalismo precisa estar bem informado sobre esse ponto. “Na faculdade temos a preocupação em abordar o uso do off the record citando toda a parte ética, teórica e a responsabilidade do repórter com esse tipo de declaração em uma matéria”, esclarece. A apuração é essencial para qualquer reportagem. Em um caso de off, se o depoimento da fonte for a única forma para obter informações, é necessário abrir o leque de entrevistados, checar com outras pessoas, ir com mais cuidado. É um processo delicado uma vez que o assunto é incerto e tratado como sigiloso. Segundo Iêda, o aluno deve tomar cuidado para perceber que a declaração não é apenas opinião pessoal do entrevistado, ou manipulação da informação. “Assim, antes de aceitar um off, ele deve ter certeza da importância e da legitimidade da declaração, conferindo todos os pontos principais”, conclui. O uso do off depende também de uma coleta de informações baseada nos aspectos éticos. O tema não pode ser tratado de forma banal apenas para tornar a matéria mais interessante ou dramática. O jornalista, quando admite sua posição, assume também o compromisso de informar a sociedade com a verdade no relato dos fatos, assim como diz o Código de Ética dos Jornalistas. Falar de assuntos confidenciais, em algumas situações, é tão complexo que a fonte pode pedir segredo sobre alguns temas abordados em uma entrevista, por exemplo. Eis que surge uma questão: o que fazer com a apuração dos fatos se a fonte lhe confidenciou que aquela informação não pode ser publicada? Muitas vezes, uma fonte confiável pode pedir sigilo de algum aspecto da infor-

mação porque ela não tem como comprovar a afirmação, porque é algo menos relevante naquela apuração etc. O importante nesses casos é o jornalista saber usar o bom senso. “O ponto mais importante é tentar evitar ao máximo o anonimato do entrevistado, e obviamente de aspectos da declaração dele, mas, se não tiver como, o estudante deve saber identificar a relevância da fonte, se realmente existe a importância do off e de aceitar não identificá-lo, para não perder a pauta”, explica a professora Iêda. Desta forma, devese analisar se a informação é de interesse público, para correr o risco de publicar, ou não, a reportagem.

DOIS PONTOS | 9


Reportagem | História

Resenha | Destaque

Fonte secreta provocou renúncia de Richard Nixon nos EUA

Uma dupla incansável e a revelação

O misterioso “Garganta Profunda” ficou mundialmente conhecido por revelar informações confidenciais que resultaram na divulgação do Caso Watergate

Por Bárbara Soares

U

m dos casos mais misteriosos e de maior repercussão no jornalismo americano foi “Garganta Profunda”. A fonte sigilosa com poder de confirmar e desmentir informações fundamentais sobre o Caso Watergate e o então presidente Richard Nixon ainda ganha evidência 40 anos após seu acontecimento. Tido pelo The New York Times como a fonte anônima mais famosa da história americana, W. Mark Felt manteve-se como off por 33 anos, desde 1972, quando eclodiu a notícia, até 2005, ano em que publicou um artigo na revista Vanity Fair no qual afirmava ser “o cara que eles chamavam de ‘Garganta Profunda’.” Quando o Caso Watergate veio à tona, Felt era o segundo homem mais importante do FBI com o cargo de Diretor. Mantendo seu nome em segredo, e conhecido apenas pelo pseudônimo de “Garganta Profunda”, Felt confirmava e desmentia informações sigilosas para Carl Bermstein e Bob Woodward, à época repórteres do jornal Washington Post, que investigavam a notícia. A série de reportagens foi crucial para a renúncia de Nixon e a prisão de vários assessores. Por anos, a identidade da fonte secreta foi especulada e discutida, mas os jornalistas prometeram que não a revelariam até sua morte. Contudo, após Felt identificar-se espontaneamente, Woodward admitiu, no dia seguinte, a amizade dos dois e as relações que mantinham. O jornalista afirmou que procurou o diretor da polícia federal dos EUA depois que começou, junto com Bermstein, a escrever sobre a invasão do Comitê Nacional do Partido Democrata. O crime lhes despertou

curiosidade, e eles partiram para a investigação. Em entrevista ao The Washington Post, Woodward disse: “Era um momento em que ter uma fonte ou amigo nas agências investigativas do governo era algo valioso. Eu liguei para Felt no FBI... Seria nossa primeira conversa sobre Watergate”. Segundo o próprio jornalista, neste primeiro momento Felt disse apenas que o caso esquentaria, e desligou. Posteriormente, passou a afirmar ou negar, em encontros secretos, aquilo que eles recebiam como informação de outras fontes e também dava pistas sobre o andar da história. Foi assim que a dupla descobriu uma conspiração política. Atuante na polícia federal norte-americana desde 1942, em 1973 a fonte desligou-se do FBI e tornou-se palestrante. Para o “Garganta Profunda”, encontrar uma maneira “clandestina” de vazar as informações dos interrogatórios e arquivos do FBI para o público era uma forma de proteção à Agência, e construir assim uma pressão política e pública para responsabilizar Nixon e sua equipe. O caso resultou no livro Todos os homens do presidente, que foi adaptado para cinema (ver a resenha do filme na página 11 deste fascículo). O “Garganta Profunda” foi peça fundamental para a equipe do Washington Post, que através de suas notícias desvendaram o Caso Watergate, o que resultou na primeira renúncia de um presidente dos EUA. O caso entrou para a história como o maior e mais famoso escândalo do cenário político americano dos anos 70, e junto com ele a sigilosa fonte tornou-se o personagem mais misterioso dos Estados Unidos. Felt morreu em 19 de dezembro de 2008, aos 95 anos, de causa desconhecida.

Por Amanda Beatrice

P

roduzido pela Warner e dirigido por Alan J. Pakula, Todos os homens do presidente é um clássico entre os profissionais de comunicação. A história narra a apuração de uma reportagem feita por dois jornalistas do The Washington Post a partir da invasão feita por cinco homens à sede do partido democrata norte-americano, no edifício Watergate, em 1972. Em meio à campanha de reeleição do presidente Richard Nixon, os repórteres Carl Bernstein (Dustin Hoffman) e Bob Woodward (Robert Redford) revelaram uma sabotagem, com um esquema de instalação de escutas, à sede do Partido Democrata, realizada por pessoas ligadas direta ou indiretamente ao presidente Nixon e ao Partido Republicano. O filme mostra a incansável investigação jornalística dos jovens repórteres que despertou uma incessante garimpagem de informação e checagem com fontes diversas, transformando um simples caso de assalto em uma grande história com diversos protagonistas. A persistência da dupla resultou na renúncia do então presidente Nixon. O filme ressalta a importância do traba-

lho do editor, que acreditou na relevância dos fatos descobertos pela dupla Woodstein – como ficaram conhecidos. Além do suporte dado pelo jornal, que possibilitou a continuidade da investigação e apuração jornalística. Alguns personagens foram de extrema importância para um detalhamento intensivo das informações e para encaixar as peças de um quebra-cabeça sem fim, como o “Garganta profunda”, que se encontrava com Bob Woordward em uma garagem para dar um direcionamento à reportagem e processo de levantamento de dados. Mesmo competindo entre si quanto à própria forma de escrever a reportagem, os dois jornalistas deixaram claro que para um bom jornalismo é necessário um entrosamento e ardo trabalho em equipe, além da implacável checagem de informação com fontes próximas aos fatos e personagens envolvidos. Com um grande valor histórico e jornalístico, o filme desperta ao telespectador uma forma dinâmica de conhecer o jornalismo investigativo. Além de ser um clássico do cinema foi também ganhador de quatro Oscars (direção de arte, roteiro adaptado, ator coadjuvante e som).

Estante fundamental

10 | DOIS PONTOS

Filme: All the President’s Men – Todos os homens do presidente (138min). Diretor: Allan J. Pakula Produtora: Warner Bros Origem / Ano: EUA/1996 Gênero: Drama Político

Sobre ética e imprensa, de Eugênio Bucci (Companhia das Letras)

A culpa é da imprensa, de Yves Mamou (Marco Zero)

“Nesta obra, podemos constatar as críticas que Bucci faz ao modo de apuração das emissoras, além do modo como elas divulgam uma notícia distorcida. Este é um ótimo livro para aqueles que buscam se aprofundar sobre ética e checagem de informações.”

“Deve ser consultado por estudantes e jornalistas sempre que se quiser saber mais sobre o poder de manipulação que um entrevistado pode ter sobre o entrevistador, dando uma informação falsa para a promoção de si mesmo ou dos fatos.”

Roberto D’Ugo, professor na Universidade São Judas e supervisor da produtora experimental de Rádio e TV da Fundação Cásper Líbero.

Fernanda Lage, jornalista e assessora de imprensa da Inbox Comunicação

Jornalismo, ética e liberdade, de Francisco José Karam (Summus)

Manchetes do jornal The Washington Post em agosto de 1974 e a repercussão da renúncia de Nixon no Brasil, nas páginas do Jornal do Brasil

Serviço

“Uma narrativa que defende a profissão, mas que ressalta a importância da prática do jornalismo ético e o interesse público. Particularmente eu gosto deste livro por deixar claro que o jornalista é um formador de opinião e que deve transmitir à sociedade uma notícia ética e verdadeira.” Marcia Veniziano, jornalista da InPrensa Comunicação

A mídia e o jornalismo fiteiro, org. por Luiz Egypto de Cerqueira (Observatório da Imprensa)

“Para mim A mídia e o jornalismo fiteiro é um clássico que deveria estar no acervo de todo jornalista. O livro relata alguns casos de mídias e veículos de comunicação que divulgaram documentos falsos, não levando em consideração que as informações transmitidas eram questionáveis e incertas.” José Maria Filho, jornalista da JM – Assessoria de Imprensa & Comunicação DOIS PONTOS | 11


Crônica | Relato poético

Minha fonte é confiável!! Por Karen Bezerra

A

12 | DOIS PONTOS

gora sim a vida de jornalista começa de verdade. Finalmente consegui o emprego que queria, na redação do jornal mais importante da cidade. Não vejo a hora de escrever matérias bombásticas, dar furo, ser capa! Eu poderia fazer tudo isso, se me dessem pautas decentes! Cotidiano, fala sério! Só trânsito, acidente, roubos no boteco da esquina, eu posso fazer mais que isso. — Carlos, o Miguel, repórter de economia, ficou doente. Eu estou atolada com o fechamento do caderno de cultura do fim de semana. Você vai entrevistar o presidente da fábrica de vidro e produzir a matéria. Eles estão passando por uma crise e querem saber o que eles vão fazer a respeito. É uma entrevista importante. — Ok, Carol, vou direto pra lá amanhã. Que lugar imenso! Quanta gente ainda mora no parque industrial da fábrica! Nunca tinha visitado a sessão administrativa. — Sr. Érico, obrigado por me receber. — De nada. Se precisar de alguma coisa posteriormente, por favor, fale com a minha secretária. Glória acompanhe o Carlos até a saída. O cara é realmente bom, disse e não disse nada sobre a crise, malditos assessores! A secretária deve saber de alguma coisa. — Glória, a senhora com certeza trabalha há muito tempo com o sr. Érico. Está sentindo efeitos da crise? — Trabalho aqui há mais de 10 anos. Sim, todas as empresas passam por problemas, mas este, acho difícil eles superarem. — Vocês estão percebendo isso? Houve demissões, a escola profissionalizante foi fechada, não há mais investimentos nos projetos sociais, os rumores de que a fabrica pode fechar estão na boca de todo mundo. Isso tem fundamento? — Olha, não foi eu que te falei e você jamais ouviu isso. As coisas mudaram muito por aqui, a Vidrex não tem mais o apoio da Prefeitura, os impostos aumentaram, o lucro caiu. É provável que

eles fechem parte do parque industrial para dar uma folga nos orçamentos. Ouvi dizer que se isso não funcionar eles pretendem mudar de cidade para tentar não fechar as portas. — O elevador chegou, tchau Glória, outra hora nos falamos. Quando o pessoal da redação souber, vai ser um choque! — Carlos, vamos conversar sobre a reportagem da Vidrex na minha sala. A secretária te disse que a fábrica vai mudar de cidade? Desde quando ela pode afirmar isso Carlos, uma secretária! — Ela não disse que era oficial, mas ela está a toda hora na sala dele, ouve conversas, sabe de tudo. — Isso é muito sério. Se isso for verdade, a cidade vai entrar em colapso. — A minha fonte é confiável Carol, pode acreditar. — Isso vai pro jornal!! Vai ser uma bomba!!! A Glória estava louca!! A Vidrex não estava fechando. Eles estavam passando por uma reestruturação interna, o parque industrial seria remanejado e, por isso, não havia investimentos lá. Confiei só na informação dada por ela e não chequei mais nada. Não apurei os fatos com outras fontes. O jornal foi processado e, claro, eu e a editora fomos demitidos.

Não vejo a hora de escrever matérias bombásticas


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.