Fascículo 08 charge e caricatura

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FASCÍCULOS DE JORNALISMO - COMPREENDER A PROFISSÃO

Feras do traço

A charge e a caricatura fazem parte do jornalismo opinativo e estão presentes cotidianamente na imprensa. O humor, a acidez e a ironia são algumas das características dessas ilustrações, que são capazes de sintetizar fatos e personalidades em riscos precisos ENTREVISTA

Márcio Baraldi diz: “A matéria-prima para o chargista é a noticia”

REPORTAGEM

Advogado aposentado guarda preciosidades e tem uma coleção com centenas de charges publicadas em jornais brasileiros


Apresentação | Caro leitor

Expediente

Desenho, crítica social e humor

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fascículo Charge e Caricatura apresenta aos estudantes de jornalismo o criativo mundo do humor e do traço. Vamos abordar as várias facetas do tema de maneira versátil, inteligente e simples. Temos aqui a missão de levar a arte da charge e da caricatura e as histórias de grandes artistas ao futuro profissional de jornalismo. Apesar de utilizarem uma outra linguagem – a do desenho – charges e caricaturas não deixam de ser um gênero jornalístico de grande importância, por isso há séculos permanecem estampadas nas páginas de jornais e revistas. Atualmente elas existem também na internet e na televisão. O objetivo é mostrar que tanto a charge quanto a caricatura precisam contextualizar os leitores, para mostrar o seu verdadeiro significado. São imagens que reinterpretam os fatos e personagens do cotidiano. A crítica social e o humor são dois elementos fundamentais para que uma charge ou uma caricatura cumpram plenamente sua função jornalística.

Seção | Conceito “A exacerbação no traço e nas ações que compõem perfil político e psicológico de suas ‘vitimas’, permite à charge expor as peças da personalidade, objetivos, desvios de informação que o enfocado queira manter em segredo. Nas ditaduras, comumente elimina-se a charge e o incômodo que ela pode causar aos ditadores [...] Em sociedades democráticas, a charge é um importante instrumento de expressão da heterogeneidade cultural e de pensamentos, pois ridiculariza o comportamento político dos ‘donos do poder’ e compõe novas cenas no espetáculo político.” João Elias Nery, Charge e caricatura na construção de imagens públicas, Tese de Doutorado PUC/SP, pág 9 “Especificamente, a caricatura é a representação da fisionomia humana com características grotescas, cômicas ou humorísticas [...] Retrato humano ou de objetos que exagera ou simplifica traços, acentuando detalhes ou ressaltando defeitos. Sua finalidade é suscitar risos, ironia. Trata-se de um retrato isolado [...] Genericamente, significa a forma de expressão artística através do desenho que tem por fim o humor.” José Marques de Melo, Jornalismo opinativo: gêneros opinativos no jornalismo brasileiro, Editora Mantiqueira, pág. 167

“A arte da caricatura é geralmente considerada como um dom perigoso, mas próprio a tornar seu possuidor mais temido do que estimado; [...] ela é um dos elementos da pintura satírica e que, como a poesia desse gênero, é talvez empregada com maior êxito em vingar a virtude e a dignidade ultrajadas, apontando os culpados ao público, único tribunal a que eles não podem fugir; ou fazendo tremer à simples ideia de ver suas loucuras, seus vícios, expostos à ponta acerada do ridículo.” Francis Grose , Rules for Drawing Caricatures, with Essay on Comic Painting, pág. 5

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Chanceler Alzira Altenfelder Silva Mesquita Reitor José Reinaldo Altenfelder Silva Mesquita Pró-reitor de Graduação Luis Antônio Baffile Leoni Pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Alberto Mesquita Filho Pró-reitoria de Extensão Lílian Brando G. Mesquita Diretor da Faculdade de LACCE Rosário Antonio D’Agostino Coordenação do Curso de Jornalismo Anderson Fazoli

Dois Pontos é um projeto experimental dos alunos de jornalismo (3ACSNJO e 3MCSNJO), desenvolvido na disciplina Jornalismo Impresso, em 2013. Orientação e Coordenação editorial Profa. Jaqueline Lemos (MTB 657/GO) Revisão Profª. Maria Cristina Barbosa Diagramação Alexandre Ofélio (MTB 62748/SP) Redação Editora assistente Marina Bitencourt (RA: 201013658) Repórteres Bruno Paredes (RA: 201013977) Paulo Franco (RA: 201000951) Taciana Rodrigues (RA: 201005116)

Capa Alexandre Ofélio

Pingue-Pongue | Marcio Baraldi

O desenhista do rock and roll A charge vista pelos olhos de um mestre dos quadrinhos brasileiros contemporâneos

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Por Bruno Paredes

árcio Baraldi é cartunista e chargista desde os 14 anos. Consagrou-se com publicações voltadas para o público roqueiro com personagens como “Roko-Loko e Adrina-Lina”. Ele se define como um autodidata, mas fez faculdade de Artes Plásticas. É ganhador de prêmios importantes como “Angelo Agostini”, “Hezorg” e o “Humor Popular”. Para Baraldi, o bom chargista deve ser uma pessoa bem-informada, sempre conectada com o que está acontecendo no mundo.

Dois Pontos: Como foi que você começou sua carreira e descobriu que podia viver dos seus desenhos? Márcio Baraldi: Essa é uma profissão que você não precisa de faculdade pra exercer. Geralmente começa desde pequeno, por vocação mesmo. Meus primeiros trabalhos foram na imprensa sindical. Iniciei profissionalmente aos 14 anos no Sindicato dos Químicos do ABC, em Santo André. Depois de adulto fiz faculdade de Artes Plásticas, mas a maior parte da minha formação foi autodidata. Com o passar do tempo fui expandindo meu trabalho para outras mídias e veículos, desenhei para diferentes públicos e para centenas de publicações.

Acervo pessoal

e Adrina-Lina em janeiro de 1996 para a revista Rock Brigade. Eles são um casalzinho roqueiro que se mete em altas confusões, sempre na companhia de bandas que existem de verdade, como Iron Maiden, Queen ou Rolling Stones. Faltavam personagens bacanas com quem o público roqueiro pudesse se identificar. Por isso, quando eles surgiram, imediatamente fizeram sucesso, conseguindo inclusive agradar outras pessoas, como as crianças, por exemplo. Os personagens já existem há 17 anos, renderam quatro livros, um videogame, além de camisetas e bonecos. Se quiserem conhecer mais sobre meus quadrinhos acessem o site (www.marciobaraldi.com.br).

Dois Pontos: Para você, qual a relação entre o jornalismo e a charge? Márcio Baraldi: Ela também é um elemento do jornalismo, tanto quanto a foto ou o texto. Seu nome vem do francês e quer dizer "carga", no sentido de "bomba". Então, quando os jornais franceses queriam "detonar" algum politico soltavam uma charge nele. Este tipo de desenho sempre será uma piada politica, pois foi criada justamente para ridicularizar e criticar os políticos, personalidades famosas ou situações da conjuntura político-social. Há casos extremos em que o chargista chegou a ser assassinado pelo “chargeado” como aconteceu com o irmão Dois Pontos: Como é o seu processo de criação? do dramaturgo Nelson Rodrigues em 1929. Márcio Baraldi: A matéria prima para o chargista é a noticia, tudo que estiver acon- Dois Pontos: O público é o mesmo dos leitecendo pode render uma charge. Por isso, o tores dos textos jornalísticos? chargista deve sempre estar bem-informado. Márcio Baraldi: A charge é muito apreciaGeralmente quem define qual vai ser o as- da nos jornais, pois ela sintetiza em poucos sunto da charge é o editor, daí então, eu crio traços uma situação que poderia precisar de a partir daquele determinado assunto. Eu de- muitas laudas de texto pra ser explicada, além senho no papel, depois escaneio, pinto a arte de ser de entendimento imediato. Uma boa no Photoshop e, por fim, mando por e-mail. charge, sem balões de texto, por exemplo, pode ser compreendida até mesmo por uma pessoa Dois Pontos: Como você criou o Roko-Loko? analfabeta. Isso tudo exemplifica o poder de Márcio Baraldi: Eu criei o casal Roko-Loko comunicação rápida e sintética da charge. Dois Pontos: Ser desenhista sempre foi seu sonho? Márcio Baraldi: Com certeza! Desde muito pequeno eu já gostava de desenhar, criar personagens e histórias doidas. Eu lia gibis de autores nacionais e sonhava em ser como eles quando crescesse. O tempo passou e eu consegui me tornar um profissional como meus "mestres" da infância. Além disso, me tornei amigo real de muitos deles. Continuo adorando minha profissão até hoje. É uma grande alegria realizar seus sonhos e poder passar a vida inteira vivendo do que você realmente gosta.

Baraldi, um chargista roqueiro irreverente

Tudo que estiver acontecendo pode render uma charge. Por isso, o chargista deve sempre estar bem-informado

DOIS PONTOS | 3


Reportagem | Liberdade de Expressão

Reportagem | Herança

Polêmica e charge andam de mãos dadas

Traços que passam de pai para filha

Os desenhos que são capazes de abalar e comover o mundo podem virar sérias discussões no mundo do jornalismo

O que começou com uma brincadeira sem planejamento, hoje é uma coleção histórica de charges

Por Marina Bitencourt

Por Marina Bitencourt

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e não tem polêmica, não é charge. Esta é uma das explicações da maioria dos artistas para uma das principais características desse gênero do jornalismo. Baseadas em temas reais e da atualidade, nos meios de comunicação elas estão sempre ligadas a reflexões do cotidiano e principalmente com a política, o que reforça a possibilidade de se tornarem mais polêmicas. Um caso que ficou bastante conhecido no mundo inteiro em 2012 foi a charge sobre o profeta Maomé, que saiu na revista francesa Charlie Habdo, uma publicação conhecida pelo seu tom satírico. Uma das charges mostra um judeu ortodoxo empurrando um homem de turbante sentado em uma cadeira de rodas e outras caricaturas do Profeta, entre elas algumas em que ele aparece nu. A publicação dos desenhos aconteceu em uma época em que havia uma indignação geral sobre o filme Inocência dos Mulçumanos, que circulou na internet. Outro caso que ganhou notoriedade ocorreu em 2005, quando o jornal Jyllands-Posten, da Dinamarca, também publicou

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caricaturas intituladas “Os rostos de Maomé”. Na época, quando a polêmica sobre as caricaturas ganhou visibilidade, muitos jornais europeus reproduziram as charges do Jyllands-Posten em sinal de solidariedade ao jornal dinamarquês e pela liberdade de expressão. Tanto o caso da revista francesa com o do jornal da Dinamarca impulsionaram crises diplomáticas. Chargistas brasileiros também já se viram envolvidos em polêmicas internacionais. Um caso recente foi de Carlos Latuff, que após as eleições egípcias em 2012, criou uma charge alusiva à vitória do Partido da Liberdade e Justiça (PLJ) do Egito. Os partidos que são de linha mulçumana tiveram a maioria dos votos e para retratar o acontecimento, Latuff desenhou uma espada com a escrita “slamistas” que saia de dentro de uma urna com a bandeira do país. A produção de Latuff, que é colaborador do Ópera Mundi pode ser vista no site latuffcartoons.wordpress.com. O arquiteto, desenhista e colecionador de charges, José Vinício, questiona. “Não temos liberdade de expressão? Não são países que vivem na democracia? Desenhar é um modo de se expressar, tanto quanto escrever. Ninguém é obrigada a concordar com atitudes políticas e religiosas”. As polêmicas com charges já existem há décadas e podem ser contadas a partir de vários fatos. No âmbito dos temas políticos é muito mais comum ver esse tipo de publicação. Mas, nos últimos tempos, as duas coisas - política e religião - têm caminhado juntas em algumas nações e provocada ainda mais o tom crítico de muitos artistas do traço. Para Vinício, a charge ainda é o melhor tipo de jornalismo que existe, “é uma forma sensível e ao mesmo tempo muito crítica de se expressar. Nem todo mundo gosta de ler, nem todos querem entender a história, às vezes um desenho é a maneira mais fácil de atingir a todos os públicos”. A charge sempre será usada como uma forma de protesto e por isso também gerará polêmica, muitos fatos importantes para o mundo inteiro foram registrados em uma charge que sempre será lembrada por alguém em alguma parte do mundo. “Se fossemos citar todas as charges famosas que geraram polêmicas no mundo, ficaríamos aqui horas e horas. Pesquisar e estudar a história de cada charge é mergulhar na história dos principais fatos de uma nação. Para Vinício, “charge deveria se tornar uma disciplina do curso de jornalismo”.

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osé Maria Fidelis, de 73 anos, é um senhor de Ribeirão Preto apaixonado por charges publicadas em jornais. Advogado aposentado, ele se transformou em um colecionador há várias décadas quando trabalhava em uma empresa que assinava o Diário Comercio Indústria & Serviço (DCI). Naquele período, passou a ter o costume de reparar nas charges e logo já estava observando os desenhos em todos os jornais que tinha ao seu alcance. Com o tempo, José Maria passou a guardar todas as charges que mais lhe interessavam. “Eu comecei recortando as do DCI, depois fui pegando todas que gostava. Se eu escolhia? Não, dificilmente descartava alguma”, diz o senhor orgulhoso do material que conseguiu juntar com o tempo. São centenas de imagens. Hoje, boa parte delas guardadas em pastas. Quando questionado sobre o motivo para ter iniciado a coleção e principalmente, tê-la preservado até hoje, o advogado aposentado diz que “no começo era só por causa da beleza, achava criativo, engraçado”. E completa: “depois comecei a ver que aquilo preservava o tempo. Atualmente, todas elas juntas contam uma história”. Momentos marcantes da história do País estão preservados com a coleção de José Maria. “Lembro-me de uma muito engraçada

São centenas de imagens. Hoje, boa parte delas guardadas em pastas na época da crise do petróleo que mostrava o Ministro de Minas e Energia vestido com um barril de petróleo”. Ele se recorda do quanto gostava da ironia das charges na época da Ditadura Militar. Folhear a coleção é percorrer por temas que muitos de nós já estudamos: inflação, dívida externa, política salarial, exportações, política agrícola etc. Agora a pessoa responsável por preservar o precioso acervo de ilustrações é Paula De Vincenzo Fidelis Belfort Mattos. Ela é filha do advogado, doutora em história da arquitetura e coordenadora dos cursos de arquitetura e urbanismo e design da Universidade São Judas Tadeu. “Desde criança observava o meu pai recortando os jornais. Na época não entendia exatamente o que significava, mas achava interessante ele recortar e guardar aquele material”, conta Paula. A professora afirma que apesar de ter um carinho pela coleção do seu pai, foi muito tempo depois que se apegou a ela de verdade. “Cresci, resolvi fazer arquitetura e comecei a também fazer coleção de recortes interessantes. Aos poucos passei a colecionar não só imagens de arquitetura, mas de diversas áreas de conhecimento imagético. Depois de formada, e já lecionando, um dia encontrei

guardado em uma estante da casa de meu pai as charges que eu o via recortando na minha infância”. Paula agora tem um projeto que está tocando aos poucos com José Maria. “Já havia passado então uns 30 anos e verifiquei que as charges representavam as críticas a um período complicado para a história política e econômica do país e do mundo”. Hoje ela organiza todas as charges em pastas e propôs ao pai que ele escrevesse textos que revelassem qual era o cenário daquele dia. Ela também pretende procurar as datas de todas as publicações e montar um material oficial com todas aquelas lembranças recortadas por seu pai para deixar tudo catalogado. Para José Maria é um orgulho se envolver nesse projeto. “Passei tudo para minha filha, ela sempre foi muito estudiosa e agora tem interesse em mexer nisso. É muita coisa e vou resgatar muito mais. Estou sempre disponível para ajudar, viu?”, diz o senhor simpático e feliz por contar a história que começou com uma simples mania. Paula também se sente orgulhosa. “É importante para que ele veja que aquele hábito dele sempre teve uma observadora com muita vontade de aprender”.

Renata Belfort

Renata Belfort

Advogado aposentado no interior de São Paulo tem acervo com centenas de charges publicadas em jornais brasileiros ao longo de várias décadas. Ainda hoje é um leitor atento às imagens, sejam charges ou caricaturas. DOIS PONTOS | 5


Reportagem | Capa

Um passeio pela história da charge e da caricatura Desde os egípcios até os tempos atuais, os desenhos de humor agradam milhares de leitores mundo afora Por Taciana Rodrigues

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harge vem da palavra francesa charger, que significa carga, exagero. Mas mais do que isso, os desenhos vieram como um importante registro histórico e inicialmente para criticar os políticos e os governos. O pesquisador José Marques de Melo define – no livro Jornalismo Opinativo – que a charge “ contém a expressão de uma opinião sobre um determinado acontecimento”. Já a palavra caricatura, vem do italiano caricare (carregar, no sentido de exagerar, aumentar algo em proporção), o que nos traz a lembrança da palavra charge. Mas a caricatura utiliza o exagero nas caracterís-

ticas físicas de uma pessoa, não sendo necessariamente um fato, podendo ser uma simples piada. Entretanto, ambas cumprem papeis semelhantes. Segundo Melo, charge e caricatura “só adquirem sentido no espaço jornalístico, porque se nutrem dos símbolos e valores que fluem permanentemente e estão sintonizadas com o comportamento coletivo”. No inicio da história da charge e da caricatura, elas eram vendidas sozinhas, avulsas, era possível comprá-las em lojas. No Brasil, foi somente em 1844 que a revista Lanterna Mágica começou a publicar charges regularmente. Nascia então, o primeiro impresso de humor político da imprensa brasileira.

E depois muitas outras revistas surgiram: a Semana Ilustrada, a Vida Fluminense e a Comédia Social. Certa vez no Egito, o Faraó Ramsés II foi retratado com orelhas de burro. Já em Roma, pinturas de Pompéia e Hércules foram ridicularizadas. Assim, não é de hoje que a caricatura existe, mas de forma mais oficial, foi na Renascença, com Annibale Carracci, que surgiu o primeiro exemplar, um desenho que representa um casal de cantores italianos, feito em 1600. A caricatura e a charge só foram amplamente divulgadas com a invenção da litografia. Antes disso, o desenho era gravado em folhas soltas, dificultando a divulgação, sen-

A crítica e a ironia ao poder Manoel de Araújo Porto-Alegre (1806-1879) foi um pintor, arquiteto, autor, poeta e diplomata. Nasceu no Brasil e foi à Europa para estudar. Passou pela França, Itália, Inglaterra e outros países, mas foi no Rio de Janeiro que ganhou fama. Em 1837 publicou no Jornal do Commercio a primeira charge brasileira, que criticava Justiniano José da Rocha, político da época, que foi denunciado por receber propinas. A charge mostrava Justiniano de joelhos recebendo um saco de dinheiro. A charge apareceu como uma estampa avulsa e foi exibida pelo Jornal do Commércio do Rio de Janeiro, nº 277, de 14 de dezembro de 1837, mas não foi assinada (sua autoria só foi reconhecida posteriormente) e veio com um texto: “saiu à luz o primeiro número de uma nova invenção artística, gravada sobre magnífico papel, representando uma admirável cena brasileira”. Apesar de especialistas atribuírem a primeira charge a Manoel de Araújo Porto-Alegre, o historiador Luciano Magno, no livro A história da caricatura brasileira contesta essa informação e mostra que em 1822, 15 anos antes, foi publicada no periódico pernambucano O Maribondo uma charge que retratou um corcunda (representando os portugueses) pulando acossado por um enxame de marimbondos (os brasileiros). Reprodução

Charge de Manuel de Araújo Porto-Alegre publicada em 1837 no Jornal do Commercio 6 | DOIS PONTOS

do acessível somente por quem tivesse mais condições financeiras. A partir da litografia, foi possível uma maior popularização das ilustrações, pois elas eram reproduzidas em tiragens maiores e preços mais baixos. Traços no tempo O desenhista e caricaturista Regis Andrade conta a dificuldade de se viver do desenho. “Tive que largar a caricatura como profissão, hoje ela é apenas meu passatempo, isso pela dificuldade de ganhar dinheiro através disso. Agora, imagine quando não se tinha revista ou jornais que nos cediam um espaço, imagine como era vender um trabalho avulso. Hoje é possível usar até um tablet para se desenhar, claro que não se tem a mesma qualidade, mas é possível”. Joaquim Nabuco, anos após o lançamento da Revista Ilustrada, a chamou de “Bíblia da Abolição dos que não sabem ler”, pelo empenho das campanhas a favor da emancipação dos escravos no Brasil. Um grande nome da caricatura brasileira, no ano de 1900 foi J. Carlos que praticou todas as modalidades da caricatura - do portrait-charge à sátira política, e da ilustração à crítica social. Em 1930, novidade começou a chegar, com traços mais modernos e um jeito contemporâneo. Mas em 1937, com Estado Novo e a censura, as charges políticas no Brasil foram praticamente abolidas da imprensa. Já durante a Segunda Guerra mundial elas foram muito utilizadas para questionar os regimes totalitários. Em meados da década de 60, com a Ditadura Militar, o humor foi um dos principais pilares das críticas ao regime. Foi nesse momento histórico que o Brasil viu nascer os traços de artistas como Millôr, Ziraldo, Fortuna, Henfil entre outros. Quando questionado sobre sua maior influência, Regis disse de primeira o nome de Henfil. “Quando comecei a desenhar, tinha um olhar muito crítico para desenhos “quadrados”, daquelas pessoas que se prendem apenas a teoria. E Henfil não era assim, tinha um traço só dele, leve, sem preocupações, sem contar sua luta contra a ditadura através de charges, um exemplo para todos nós”.

Fon-Fon e Nair de Teffé com traços elegantes Nair de Teffé foi primeira-dama do Brasil (era casada com Marechal Hermes da Fonseca) e foi também uma pioneira. Uma mulher extravagante que rompeu com as tradições do início do século XX e alcançou notoriedade como uma das primeiras caricaturistas brasileiras. Para ilustrar, usava o pseudônimo de Rian, que é Nair de trás para frente. Com um olhar atento às pessoas da alta sociedade, Rian uniu as caricaturas aos costumes do Rio de Janeiro e começou fazendo retratos engraçados de pessoas elegantes da época. O primeiro desenho caricaturado de Nair teve como modelo Madame Carrier. A jovem irreverente resolveu desenhar a dama da alta sociedade como forma de protesto às suas atitudes. Depois, Nair desenhou uma freira do convento onde estudava, ganhando o apoio de seu pai, o Barão de Teffé, por seus desenhos. Em 1909, Rian teve sua primeira caricatura publicada no Brasil, na revista Fon-Fon. Foi retratada como “uma das mais distintas e espirituosas senhoritas da nossa elite”. A revista Fon-Fon foi um periódico semanal que circulou na primeira metade do século XX e tratava principalmente dos costumes e notícias do cotidiano, com grande foco em ilustrações. O nome veio do som das buzinas dos automóveis que começavam a circular pela cidade do Rio de Janeiro. A revista deixou de circular em 1958 e teve entre seus colaboradores o pintor Di Cavalcanti. Durante muitos anos, Rian foi colaboradora da Fon-Fon. Reprodução

Capa da revista Fon-Fon com ilustração de Di Cavalcanti Reprodução

Ilustração de Rian na revista Fon-Fon em 1910 DOIS PONTOS | 7


Reportagem | Criatividade

Reportagem | Web

Gargalhadas para enfrentar os desmandos do poder

Traços virtuais

Como artistas e intelectuais criaram o Salão de Humor de Piracicaba, que é editado há quatro décadas

Os meios de comunicação impressos ainda são o espaço privilegiado para a publicação de ilustrações, charges, caricaturas e HQ’s?

Por Taciana Rodrigues

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á quatro décadas ele é o ponto de encontro dos principais caricaturistas, chargistas e ilustradores do país (e de várias partes do mundo). Em 2013, de agosto até outubro, o mundo do humor tem motivos de sobra para comemorar. É o período do 40º Salão de Humor de Piracicaba, cidade do interior de São Paulo. O evento, que vai completar quatro décadas de vida, foi criado em plena Ditadura Militar e é uma referência internacional na área. O início dessa história, de acordo com o que está publicado no site oficial do evento (salaodehumor.piracicaba.sp.gov.br), aconteceu por iniciativa de um grupo de jornalistas, artistas e intelectuais piracicabanos que costumavam se reunir em um bar chamado Café do Bule. A ideia original era inserir uma mostra de humor gráfico dentro do Salão de Arte Contemporânea de Piracicaba. Então, uma trupe de piracicabanos – Alceu Marozzi Righeto, Adolpho Queiroz e Carlos Colonnese – partiu para o Rio de Janeiro e apresentou a proposta para o cartunista Jaguar, d’O Pasquim, que aprovou a iniciativa. Foram muitas conversas, idas e vindas até o evento ganhou vida

própria e em 1974 foi realizado do I Salão de Humor de Piracicaba, com a participação de nomes como Millôr, Ziraldo, Zélio, Jaguar, Fortuna e Ciça. “Na minha opinião, todos têm um pouco de responsabilidade pela criação. O verdadeiro pai do Salão foi a união da vontade de todos: uns com as ideias, outros com ação, mobilidade e outros com a vontade de fazer. Sua permanência significará a garra e a vontade da cidade em realizá-lo cada dia melhor”, conta o ex-Secretário Municipal de Turismo de Piracicaba e um dos idealizadores do Salão, Luiz Antonio Lopes Fagundes. Mesmo com a Ditadura Militar em pleno vigor, o Salão foi um sucesso e a partir da terceira edição tornou-se internacional, transformando Piracicaba na capital do humor. O evento trouxe mais do que o ideal de liberdade para a população, trouxe também muitas gargalhadas para aqueles que puderam ver os trabalhos de Ziraldo, Henfil, Veríssimo, Angeli e muito outros gênios. Todos os anos o Salão apresenta uma mostra de trabalhos selecionados e premiados e também uma série de eventos paralelos como exposições, palestras, debates, lançamentos de livros e workshops. De acordo

O Salão valoriza a arte do desenho de humor, revela talentos e consagra nomes Reprodução

Reprodução

com a organização do evento, em 2013, foram 966 artistas, de 64 países, que enviaram trabalhos para a exposição competitiva. É um número recorde na história do Salão. Foram selecionadas para a exposição competitiva 142 cartuns, 97 caricaturas, 74 charges, 73 tiras ou histórias em quadrinhos e 53 com o tema futebol, um dos assuntos escolhidos para ilustrar a mostra de 2013. A partir desse ano, o site do Salão conta com uma ferramenta de tradução de todo o conteúdo para dezenas de idiomas. “Como vantagens, podemos citar uma maior variedade de plugins, com ferramentas e aplicativos, opção de design adaptável para smartphones e tablets, a melhoria para buscadores populares como o Google e a mesma estrutura para site e blog”, explica Mateus Piffer Jr, da Ziil Propaganda. No ano em que vai completar 40 anos, o Salão mostra sua atualidade. É considerado um dos mais importantes do mundo, valorizando a arte do desenho de humor, revelando talentos e lembrando os traços de gênios que já se foram. A aposta dos organizadores é também nas redes sociais. O diretor do CEDHU (Centro Nacional de Humor Gráfico de Piracicaba), Eduardo Grosso, diz que uma das propostas é a interação por meio de novas tecnologias. “Este ano, a intenção é fazer com que o público participe de alguma forma do Salão, utilizando essa nova perspectiva”, esclarece. Reprodução

Cartazes do Salão de Humor de Piracicaba (da primeira edição - 1974; da edição atual - 2013; e do ano passado - 2012) 8 | DOIS PONTOS

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Por Bruno Paredes iscussões que envolvem relações entre mídias impressas e digitais sempre são muito polêmicas entre os especialistas. Alguns dizem que a mídia no papel ira acabar. Outros garantem que não, ela apenas será integrada ao mundo virtual. No universo dos quadrinhos não é diferente, publicações que se consagraram em jornais, revistas boletins e outras plataformas mais tradicionais estão cada vez mais migrando para o universo virtual. O cartunista Anselmo Gimenez Mendo, autor do livro História em quadrinhos – Impresso VS. Web analisa a mudança dos HQ’s das revistas para a internet. Ele nos conta que hoje podemos encontrar publicações com muito mais facilidade do que antigamente, graças à facilidade que temos de compartilhar conteúdo na web. “Essa questão se tornou muito abrangente desde que o computador se tronou algo relativamente acessível ao público, atualmente você encontra muito mais variedade e quantidade do que nas bancas de jornal ou comicshops”, esclarece. Anselmo é mestre em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da Unesp (Universidade Estadual Paulista), trabalha como designer gráfico e ilustrador, desenvolve projetos experimentais com Histórias em Quadrinhos e animação em suporte digital. De acordo com o autor, um dos principais motivos dessa mudança é a forma como o artista e o leitor toma contato com as publicações. Quando a mídia impressa era a única disponível para ilustradores divulgarem seus trabalhos, a noção de tempo era outra. O leitor esperava a publicação ficar pronta, tinha que também que aguardar a impressão e distribuição do produto editorial. Assim, não havia instantaneidade entre a elaboração das várias formas de ilustração – charges, caricaturas etc – e o consumo do material pelo público leitor. Com chegada da era digital, muitos veículos impressos também têm sua versão virtual. Ao mesmo tempo, o mundo virtual permite que a distribuição da informação gráfica seja mais acessível. “Você não precisa nem de editor, nem de distribuidor para fazer com que sua história em quadrinhos esteja disponível para o público. Partindo dessa ideia, o céu é o limite para as HQs na internet”, explica o ilustrador. A mídia impressa deixará de existir? Muitos se perguntam se isso é algo positivo ou negativo. Grandes jornalistas já debateram o assunto, tanto os mais velhos quanto os mais jovens. Independente de qualquer visão ca-

tastrófica sobre o futuro, hoje é possível perceber que o papel e o digital caminham juntos. São plataformas complementares. Para Anselmo não é diferente. Ele acredita que dentro de dez ou vinte anos produto em papel tende a sumir, porém a web pode oferecer toda e qualquer informação que exista no impresso. A única coisa que irá mudar é a percepção de tato que se tem ao ler, virar página ou até mesmo guardar e colecionar a publicação. “Me apoio no crescimento e barateamento dos equipamentos eletrônicos para pensar dessa forma. Na minha opinião, logo menos bibliotecas e livrarias, públicas ou privadas, deixarão de existir”, comenta Anselmo. Por mais que o debate sobre o futuro do impresso permaneça uma grande indagação, uma coisa é certa: o digital veio para ficar. É possível que a tendência mais forte seja a adaptação da plataforma tradicional – o impresso – ao novo – o digital. Agilidade, integração e interação podem ser as marcas também do impresso. O importante é que a função desses meios não se distorça, e seu objetivo continue a ser alcançado: informar, entreter e questionar, seja em publicações impressas ou na imensidão da web.

SUGESTÃO DE LEITURA

O livro História em quadrinhos – Impresso VS. Web, de Anselmo Gomenez Mendo, foi editado pela Unesp. Na obra, o autor faz uma reflexão sobre a linguagem das HQs com a mudança do suporte papel, passa para as páginas virtuais eletrônicas. DOIS PONTOS | 9


Imagem | Vitrine

Resenha | Destaque

O grande destaque da edição

Desde 1836, a caricatura assombra a elite brasileira

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jornalismo brasileiro registra muitos momentos de glória da charge e da caricatura. Aqui destacamos um dos episódios mais criativos da imprensa brasileira. O extinto Jornal da Tarde, ao longo de várias edições, trouxe charges de Paulo Maluf, quando ele era governador de São Paulo. No início dos anos 1980, o jornal elaborou uma sequência de capas com o nariz de Maluf crescendo tal qual ocorria com o personagem Pinóquio quando ele contava mentiras. Na época, o governador criou uma estatal – a Paulipetro – para perfurar poços em busca de petróleo no interior de SP e se impôs um prazo para cumprir a tarefa. A situação virou piada e o JT aproveitou, com brilhantismo, o momento. Os ilustradores Haroldo George Gepp e José Roberto Maia – Gepp e Maia – criaram o conceito do nariz de Pinóquio, que foi crescendo ao longo dos meses até que “estourou” na capa. Abaixo, veja dois destes destaques.

Reprodução

Reprodução

Por Paulo Franco

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m 14 de dezembro de 1837, numa época em que o país vivia situação nada confortável, e tinha D. Pedro II, com apenas 12 anos, assumindo o poder do reinado, os leitores do Jornal do Commercio, editado no Rio de Janeiro, conheceram a caricatura. Saudada como “nova invenção artística”, ela foi apresentada ao Brasil em grande estilo. O sucesso da arte europeia presente nos jornais do velho continente desembarcava no Brasil. A ilustração citada era uma litografia de Araújo Porto Alegre. Ridicularizando Justiniano José da Rocha, cujo mérito foi apenas ser a personagem inaugural da arte, o gaúcho deu início a uma nova maneira de comentar os eventos políticos e sociais no país, que até então, ainda não era o Brasil do futebol e samba. Desde então, a caricatura, como uma crítica ilustrada nunca parou de ridicularizar políticos e artistas. Getúlio Vargas sofreu desse “mal”. E é sobre isso que o livro Caricaturistas Brasileiros fala. Reunindo os 40 prin-

cipais nomes dos caricaturistas brasileiros entre 1836 a 2001, a obra de Pedro Corrêa do Lago é aquela que deve permanecer na prateleira para leitura e consulta. É uma verdadeira peça de arte e uma exímia enciclopédia do jornalismo e do humor. A obra foi pioneira em trazer ao público ilustrações e caricaturas de 1836, quando Araújo Porto Alegre debochou dos políticos brasileiros para a população parisiense. O paulista Angeli fecha o time dos 40 artistas e merece destaque pela caricatura de Fernando Henrique Cardoso, então presidente da República, feita a partir de O Grito, quadro famoso de Edvard Munch. Entre os artistas citados na obras, estão Cardoso Ayres, Belmonte, Rian, Nássara, Borjalo, Millôr Fernandes, Ziraldo, Loredano, Seth, Henrique Fleiuss e Angeli. De duas a dezoito páginas por artista, o livro conta com mais de 300 imagens acompanhadas de texto histórico e, às vezes, crítico. Zé Carioca, criado por J. Carlos, pode ter sido inspirado em Walt Disney, mas, se não adquirir a obra, vai ficar no “talvez”.

Estante fundamental História da Caricatura Brasileira, de Luciano Magno (Gala) “Impresso em papel couché e com mais de 700 imagens, o humor brasileiro é recontado por meio de análises biográficas e regionais, revelando caricaturistas pouco estudados até então, como Leopoldo Heck, Assis, Carneiro Vilella, Luiz Távora e Maurício Jobim.”

Capa do Jornal da Tarde em 5 de março de 1982

Capa do Jornal da Tarde em 18 de abril de 1983

Caricaturistas Brasileiros, de Pedro Corrêa do Lago (2002) Sextante

Imprensa, Humor e Caricatura – A questão dos estereótipos culturais, de Isabel Lustosa (Editora UFMG) “A autora apresenta um retrato das produções e publicações de humor na América Latina e na Europa, do Século XVIII ao XXI. No livro, ela analisa politicamente o contexto de charges e caricaturas na cultura dos países em que foram publicadas”.

Leonice Puccineli, jornalista, formada pela PUC/SP, produtora de esporte da TV Record.

Carla Gasparetto, jornalista formada pela Universidade São Judas, redatora da revista Dieta Já!.

Pif-Paf: 40 anos depois, de Millôr Fernandes (Abril)

Tribuna Metalúrgica – 20 anos ilustrada, uma publicação do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (1998)

“Todas as oito edições da revista Pif Paf, uma das publicações que mais influenciou a produção de humor no Brasil. Nesta caixa estão as edições com suas capas originais, permitindo a quem não conhecia, descobrir por que foi tão importante”. Wagner Hiroi, jornalista, formado pela Universidade Metodista/SP, assessor de imprensa na BRSA – Branding and Sales

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Serviço

“Neste livro as ilustrações de Henfil, Laerte, Pecê, Gilmar e outros artistas ganham força de texto jornalístico ao retratar os momentos mais importantes da história do país – dos anos finais da Ditadura Militar até a luta pela conquista da democracia (de 1978 a 1998)”. Reiko Miura, jornalista, formada pela FIAM (Faculdades Alcântara Machado). Trabalha na área editorial da Fundação Perseu Abramo. DOIS PONTOS | 11


Crônica | Relato poético

Hoje é dia de distribuir sorrisos Por Paulo Franco

B

om dia! Hoje acordei com muito bom humor, falando “Bom dia!” para todo mundo, e com um belo sorriso no rosto, mas percebi que as pessoas não estão acostumadas com isso e me responderam meio assustadas, como se a resposta estivesse escapulindo de suas bocas, como se os pegassem de surpresa. É um ato tão simples que parece ser tão nobre para alguns e não tão normal para outros. Bom humor é o que falta na selva de pedra que chamam de São Paulo. E eu gosto de pessoas que enxergam o mundo com bom humor, elas são mais inteligentes. Tenho vontade de ser amigo delas. De todas, sem exceção. Já existe tanta seriedade em coisas que não deveriam ter que as pessoas que não têm bom humor me cansam. Tenho vontade de mandá-las todas para a Nova Zelândia e deixá-las por lá. Ok, não sou tão rude a esse ponto. Mas, no contraponto da linha tênue entre humor e seriedade, eu sei onde fico, e acho que está claro. Cresci, amadureci, aprendi, me cansei e, apesar de não conseguir parar de fumar, eu sou um cara feliz. Ao abrir a página do jornal, vou direto na charge, na caricatura e no cartoon. Gosto do humor que não agride a sociedade. Chega dessa coisa de se preocupar com a capa. Eu gosto da contracapa e isso é uma conquista diária. Tudo mudou. O brilho virou gloss, a peruca virou aplique, o estádio virou arena, o ring virou octógono, a tanga virou fio dental, o CD já é MP3, que é MP4, que é iPhone... Estou por fora da geração Y, mas, graças a Deus, se é que ele existe, que o meu bom humor não mudou, só melhorou. E encarar a vida com ele de braço dado, andando feliz pelo parque, é para poucos. E essa história de que humor tem limite é balela. Cada ano, esse “limite” que a mídia impõe aumenta. É óbvio: quanto pior o governo, mais fácil a piada. A charge fica mais fácil de ser elaborada. E a caricatura, en12 | DOIS PONTOS

tão? Quer um cidadão mais fácil que o Lula, companheiro? Uma coisa que li em um lugar que não me lembro qual (pois é, tenho memória fraca), diz que vivemos na era do humor de borda. Bingo! O humor, pelo menos na minha geração, é aquele que, mais do que entreter e distrair, mais do que fazer rir, ele quer testar os limites da moral, do bom gosto, do que o público quer aceitar como humor de verdade. Fica cada vez mais claro o que chama a atenção: é a capacidade do humorista em ir mais longe no que, antigamente, se considerava politicamente incorreto, grosseiro e de mau gosto. Só consigo levar no bom humor, mesmo, o que é feito sem agredir a sociedade, que faz bem, como um “Bom dia!”. Essa é a minha ideologia de “bom humor” e “mau humor”. E, ah, antes que eu me esqueça, uma das características das pessoas com QI elevado é o bom humor. Fica a dica. Abaixo o mau humor, e dê um “Bom dia!” para alguém amanhã.

Ao abrir a página do jornal, vou direto na charge, na caricatura e no cartoon


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