FASCÍCULOS DE JORNALISMO - COMPREENDER A PROFISSÃO
Criatividade e imersão
O Jornalismo Literário (JL) reúne os princípios essenciais do jornalismo – informar e narrar relatos de ocorrências sociais – com os recursos narrativos da literatura. Apresenta textos sofisticados e aprofundados que trazem um olhar integrado sobre a realidade ENTREVISTA
Edvaldo Pereira Lima alerta: “Só é possível compreender a realidade quando se pratica uma interação sólida com os personagens, os espaços e as ações”
REPORTAGEM
Revista Realidade e Jornal da Tarde nos anos 1960/1970; Trip, Brasileiros e Piauí na atualidade. São algumas das publicações que mostram textos lapidados com maestria
Apresentação | Caro leitor
Expediente
Jornalismo profundo e humanizado
O
fascículo Jornalismo Literário (JL) apresenta aos estudantes de jornalismo os conceitos, a história, as técnicas e várias obras que abordam essa fascinante vertente do jornalismo. Aqui, o leitor encontrará informações sobre o percurso histórico do JL, o desenvolvimento de várias técnicas, a relevância de algumas obras que marcaram a história do jornalismo. Como dizem muitos autores, é um tipo de jornalismo que explora todos os sentidos: o tato, olfato, visão, audição, paladar... Além disso, o leitor poderá conhecer jovens jornalistas que buscam escrever nesse estilo. Também vai revisitar publicações históricas que marcaram a memória de muitos leitores como a revista Realidade e o Jornal da Tarde. O objetivo é permitir ao leitor conhecer e entender como funciona o JL. Como suas técnicas e formas de narrar possibilitam tratar do real de forma literária, com aprofundamento das informações e de modo refinado, apurado, detalhado e humanizado
Seção | Conceito
Chanceler Alzira Altenfelder Silva Mesquita Reitor José Reinaldo Altenfelder Silva Mesquita Pró-reitor de Graduação Luis Antônio Baffile Leoni Pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Alberto Mesquita Filho Pró-reitoria de Extensão Lílian Brando G. Mesquita Diretor da Faculdade de LACCE Rosário Antonio D’Agostino Coordenação do Curso de Jornalismo Anderson Fazoli
“Estilo diferenciado da prática de reportagem e do ensaio jornalístico, o jornalismo literário ocupa um lugar especial na cultura contemporânea.”
Dois Pontos é um projeto experimental dos alunos de jornalismo (3ACSNJO e 3MCSNJO), desenvolvido na disciplina Jornalismo Impresso, em 2013.
Edvaldo Pereira Lima, Jornalismo Literário para Iniciantes, Edusp, pág. 11
Orientação e Coordenação editorial Profa. Jaqueline Lemos (MTB 657/GO)
“O Jornalismo Literário é um gênero fronteiriço, que tira partido das técnicas literárias e dos elementos básicos jornalísticos, como levantamento de informações, para produzir um texto bem apurado e escrito.”
Revisão Profª. Maria Cristina Barbosa
Monica Martinez, Jornalismo Literário: a realidade de forma autoral e humanizada, revista Estudos em Jornalismo e Mídia, UFSC, pág 71, jan/jun 2009 “New journalism quer dizer apenas escrever bem. É um texto literário que não é inventado, não é ficção, mas que é narrado como um conto, como uma sequência de filme. É como um enredo dramático digno de ser levado aos palcos e não apenas um amontoado de fatos, fácil de ser digerido.” Gay Talese, em entrevista ao Jornal do Brasil, 2000 “É um tipo de jornalismo em que, basicamente, leva-se em consideração a imersão do repórter na realidade, a precisão de dados e observações, a busca do ser humano por trás do que se deseja relatar e a elaboração de um texto (para jornal, revista, internet, televisão ou cinema) que permita que a história venha à tona por meio de uma voz autoral e de um estilo.” Denise Casatti, Viagem ao outro: um estudo sobre o encontro entre jornalistas e fontes, Dissertação de Mestrado (ECA/USP)
Diagramação e Capa Alexandre Ofélio (MTB 62748/SP) Redação Editora assistente Mayara Aguiar (RA 201102194) Repórteres Aline Aparecida de Araujo (RA 201108399)
Inesquecíveis e emocionantes
É improvável falar em uma “data de nascimento” do Jornalismo Literário no Brasil. Entretanto, é possível destacar alguns autores e obras nacionais que abriram caminhos. São nomes que inspiram as novas gerações
Por Thainan Bitti
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onhecido também como Literatura de Não-ficção, Nãoficção criativa, Literatura da realidade, Jornalismo de Autor ou Jornalismo Narrativo, o Jornalismo Literário é contemplado por uma escrita leve e clara e é a junção do jornalismo e a arte da literatura. Tem o objetivo de mostrar um lado do jornalismo diferente do que se é visto nos noticiários, revelando uma visão minuciosa da realidade, o estilo de escrita também faz com que o leitor se sinta parte da história que está lendo. Atualmente é possível ver o JL como parte da grade curricular do curso de jornalismo e muitas faculdades incentivam que os alunos experimentem essas técnicas narrativas diferenciadas, especialmente na elaboração de reportagem-perfil e de livro-reportagem. “As técnicas do JL são muito bem recebidas pelos estudantes e, pela minha experiência, percebo o quanto ajudam os alunos nas suas produções e no seu crescimento,” comenta a jornalista Sandra Mathias. Ela é autora de um livro-reportagem (O poder do perdão – a história da família Ota, editora Isis), que nasceu como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), quando ela fez jornalismo na UniSant’Anna/SP. Depois de graduada, e com uma especialização em Jornalismo Literário, ela também foi professora e orientadora de TCCs na mesma instituição. Percurso Se o JL é parte do cotidiano das faculdades hoje, o caminho até aqui foi longo e os desbravadores foram importantes nessa história no Brasil. Um dos nomes pioneiros sempre lembrados pelos pesquisadores do JL
é o do jornalista João do Rio [ver mais sobre ele no Fascículo 2 desta coleção], cujos trabalhos são principalmente da primeira década do século XX. Outro autor relevante é Joel Silveira, dono de um dos textos mais densos do jornalismo brasileiro. Falecido em 2007, aos 88 anos, dos quais a maior parte dedicados à reportagem, Silveira publicou dezenas de livros, mas dois deles são essenciais para conhecermos o talento desse repórter [ver box nesta página]. Seus textos começaram a circular na imprensa nos anos 1930. “O JL não tem uma fórmula mágica e nem uma receita que se possa seguir. Para ‘apreendê-lo’ é preciso se despir dos preconceitos, ter um coração aberto, gostar de gente, ser ético e verdadeiro, compassivo e generoso,” recomenda Sandra. Sem dúvida, a leitura constante ajuda os novos autores a se inspirar. “Quanto mais leitura de livros e da vida, quanto mais sensibilidade, maior a possibilidade de sucesso para produzir histórias envolventes e interessantes. A importância desse aprendizado é o crescimento como profissional e, sobretudo, como ser humano”, diz. Outro autor clássico, que se tornou refência quando o assunto é um texto diferenciado, marcante e criativo é Marcos Faerman. Falecido em 1999 aos 55 anos, Faerman foi um dos repórteres mais talentosos do Brasil. “Nenhum jornalista brasileiro chegou tão perto da emoção nacional com ele. O seu texto tem sido para nós o estabelecimento dos ritmos do coração, o registro do som que bate nas veias da nossa gente. Frase a frase, o seu texto compõe-se de uma visão dolorida do real”, escreveu Jacob Klintowitz na contracapa do livro Com as mãos sujas de sangue, de Marcos Faerman.
SUGESTÕES DE LEITURAS
Caroline Paula de Sá Costa (RA 201115357) Gabriela Oliveira Souza (RA 201103135) Guilherme de M. Corrêa (RA 201101671) Henrique R. Alves (RA 201113180) Thainan Gomes Bitti (RA 201114957)
2 | DOIS PONTOS
Reportagem | Pioneiros
Com as mãos sujas de sangue, de Marcos Faerman (Global Editora, 1979)
A milésima segunda noite da Avenida Paulista, de Joel Silveira (Companhia das Letras, 2003)
O inverno da guerra, de Joel Silveira (Objetiva, 2005)
DOIS PONTOS | 3
Reportagem | Imersão
Reportagem | Clássicos
Vivenciar junto, de corpo e alma
Impossível não falar deles
Por Aline Araújo
Por Henrique Rodrigues
O mergulho intenso na realidade é uma das técnicas mais importantes para o Jornalismo Literário
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A imersão é vital”, é o que defende Edvaldo Pereira Lima no livro Páginas Ampliadas – o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura (editora Manole). Lima esclarece no livro que “com o propósito-motriz do jornalismo literário é a compreensão da realidade, só há uma maneira de um bom repórter aquilatá-la melhor: mergulhando na própria. O autor precisa partir a campo, ver, sentir, cheirar, apalpar, ouvir os ambientes por onde circulam seus personagens. Precisa interagir com eles. Deve vivenciar parte da experiência de vida que eles vivem”. O mergulho na realidade tem que ser bem dimensionado e planejado. É preciso revelar para as fontes o que será feito. Quando se faz um trabalho de imersão, o jornalista tem que fazer a escolha de um tema com o qual ele se identifique. Algo que o mova e ao mesmo tempo consiga lidar com a realidade exposta. “Fiz meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) com uma ex-presidiária. Ela tinha ficado 18 anos na cadeia e estava em liberdade condicional. Nossos encontros aconteciam no local que ela queria, não íamos para a casa dela. Sempre se reuníamos em lugares públicos e ficávamos horas e horas conversando. Eu tive a oportunidade de ir à casa da irmã dela e conhecer seus sobrinhos”, explica Denise Casatti, jornalista e professora universitária, mestre em Ciências da Comunica-
ção pela Universidade de São Paulo. Denise esclareceu que a convivência com a sua personagem foi fundamental para que o texto transmitisse a realidade com densidade. Mas não podemos confundir a imersão com um texto necessariamente longo. Essa técnica de apuração pode ser usada inclusive para elaboração de matérias mais curtas. Denise lembra, por exemplo, do caso da coluna A vida que ninguém vê, da jornalista Eliane Brum, publicada no jornal Zero Hora, em 1999, e depois reunida em livro [ver box]. Os textos da coluna são curtos, mas nem por isso deixam de ser profundos. A mesma ponderação faz outro professor. “Existe, entre nós, ainda, a crendice de que o jornalismo literário só pode ser praticado em textos longos, de grande fôlego. Era assim, de fato, nos anos 1960, mas isso não quer dizer que tenha que ser sempre assim. Poderíamos ter matérias curtas, imediatas, sob o mesmo prisma”, diz Renato Modernell, escritor e jornalista, atualmente é professor da Universidade Mackenzie e da Academia Brasileira de Jornalismo Literário (ABJL). Na obra Livro-reportagem, o jornalista Eduardo Belo escreveu: “mergulhar na realidade é quase fazer parte dela. [...] Funciona muito bem quando o jornalista se aproxima do objeto de seu relato. Ao tratar de um fato, convém entender qual a conjuntura em que ele se deu, quem são, como agem e vivem seus protagonistas”.
Dois exemplos distintos A imersão no jornalismo pode significar uma apuração de longo tempo ou uma apuração menos demorada. O que importa realmente é o quanto o repórter consegue tocar na essência do tema. Aqui no Brasil temos dois exemplos de autores que já utilizaram o tempo de forma muito distinta, mas cujos resultados foram de muita densidade. Um caso é o livro A vida que ninguém vê, de Eliane Brum, da Arquipélago Editorial. A obra é uma coletânea de breves reportagens-contos publicadas semanalmente no jornal Zero Hora, de Porto Alegre. Outro exemplo que destacamos é O nome da morte, de Klester Cavalcanti, publicado pela Planeta. O livro é resultado de uma imersão de sete anos do autor no tema, por meio de contatos regulares com o personagem central da obra. Klester apurou a história de um matador de aluguel, Julio Santana. Ambos e, cada um a seu modo, com seu tempo específico de imersão, elaboraram relevantes obras jornalísticas. 4 | DOIS PONTOS
A revista Realidade e o Jornal da Tarde são ícones da experimentação no texto jornalístico. Nenhum dos dois circula mais, entretanto são sempre lembrados como exemplos de JL
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ma revista mensal que circulou por 10 anos e morreu em 1976. Um jornal diário que circulou por mais de 45 anos e morreu em 2012. O que eles têm em comum? Muita coisa, ou melhor: o Jornalismo Literário. Cada um dos dois a seu modo deu uma importante contribuição para a publicação de alguns dos mais memoráveis textos que a imprensa brasileira já divulgou. Vamos conhecer um pouco da história da Realidade e do Jornal da Tarde (JT). Criada em 1966 pela editora Abril a revista Realidade em pouco mais de três anos de circulação já havia conseguiu se tornar uma lenda do jornalismo brasileiro. Com dinamismo, ela trabalhava com uma narrativa que se assemelhava ao ficcional, mas tinha na sua concepção traços próprios do jornalismo. As pessoas compraram e gostaram do projeto que lhes eram apresentados. Falavam dos padrões de comportamento, das atitudes políticas e traçava perfis. “O público leitor da revista aceitava a maneira como ela abordava esses temas”, diz José Salvador Faro, professor da PUC/SP, formado em história pela Metodista e autor do livro Revista Realidade, 1966-1968 - tempo da reportagem na imprensa brasileira. Partindo do princípio que havia liberdade e respaldo para os repórteres produzirem textos investigativos e críticos ao mesmo tempo, a revista passou a ter um estilo solto e uma narrativa autoral. As reportagens descreviam cenas e permitiam doses de subjetividade por parte do jornalista que buscava ser criativo e fazer fronteira com a narrativa literária. Faro afirma que a revista era muito mais que um estilo. “Ela favorecia o jornalismo investigativo e critico. Por ser um período de criticas, de contestações de valores. A revista surgiu quando havia um clima de insatisfação com o regime militar que estava se tornando cada vez mais autoritário”, analisa. As matérias sobre discussão social despertavam nos leitores a curiosidade de saber mais sobre as manifestações sociais internacionais e também dividia os leitores. A revista não se intimidava e colocava em pauta assuntos como o fim do celibato na igreja católica, homossexualidade, preconceito racial. A revista provocava. Em 1967, uma edição que retratava a mulher brasileira foi censurada por um juiz do Rio de Janeiro, que considerou o períodico uma afronta aos bons costumes da família.
De acordo com a análise de Faro, com a instauração da censura prévia nas redações a partir de 1968, a revista perdeu fôlego. O clima criado de repressão, medo e incerteza levaram a um declínio jornalístico na sua qualidade de informação e no seu padrão gráfico. Mas, ainda assim, a Realidade trouxe para o público reportagens que são relembradas até hoje. Jornal da Tarde O Jornal da Tarde pertenceu ao grupo Estado e se manteve por 46 anos, de 1966 até 2012. “O jornal era, de fato, um novo conceito de comunicação, de certa forma misturando notícia e ensaio, este mais ou menos erudito, ou ‘profundo’. Mas tudo isso era apresentado por meio de uma diagramação embasada no conceito Gestalt, ou seja, tudo tinha a ver com tudo (a visão do todo é diversa da soma das partes)”, lembra o jornalista Fernando Portela, que trabalhou como repórter no jornal. De acordo com Portela, o jeito literário de escrever não era o único atrativo do JT. “O editor sempre desenhava suas páginas; nesse desenho já ia integrando forma e conteúdo; se fosse uma matéria opressiva, de polícia, ele escolhia uma fonte mais encorpada para o título, uma diagramação, digamos, sombria; no caso de uma matéria leve, o desenho da página acompanhava o assunto – delicado, requintado; a fonte dos títulos era quase sempre ‘ornamental’. Quando você batia o olho nas páginas do JT, já mergulhava, de cara, na mensagem proposta”, analisa Portela. Hoje, o jornalismo literário permanece nos veículos de comunicação, porém, não com a mesma intensidade e espaço que me-
rece. “A ausência nos jornais não tem a ver com a incapacidade dos jornalistas escreverem bem. É que, hoje em dia, não tem mais o espaço físico que nós sempre tivemos”, critica Portela. Reprodução
Capa a edição número 1 da Realidade, que circulou em abril de 1966 Reprodução
Capa da derradeira edição do Jornal da Tarde, que circulou no dia 31 de outubro de 2012
SUGESTÕES DE LEITURAS
Realidade, 1966-1968: tempo da reportagem na imprensa brasileira, de José Salvador Faro, AGE (1999)
Realidade Re-Vista, de José Hamilton Ribeiro e José Carlos Marão, Realejo (2010)
A história da revista que virou lenda, de Mylton Severiano, Insular (2013) DOIS PONTOS | 5
Pingue-pongue | Capa
A arte de contar histórias
Livro orienta os passos dos iniciantes
Com a capacidade de descobrir o mundo, autores produzem narrativas elegantes e humanizadas. Nesta entrevista conversamos com um dos maiores estudiosos do Jornalismo Literário no Brasil, o professor Edvaldo Pereira Lima
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Por Mayara Aguiar
m homem de voz serena e pausada, o escritor e jornalista Edvaldo Pereira Lima nasceu em Columbia, um vilarejo no interior do Paraná. Seu sonho era ser piloto de avião, mas teve que desistir quando descobriu aos 15 anos que tinha miopia. Apesar disso, também sempre foi apaixonado pela escrita. Encantou-se pelo jornalismo quando conheceu a revista Realidade, aos 17 anos, mas primeiro se formou em Turismo pela Universidade Anhembi Morumbi em 1975. Anos mais tarde, se graduou em Jornalismo pela Universidade Metodista de São Paulo. É mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP e fez o pós-doutorado na Universidade de Toronto, no Canadá. Professor aposentado da ECA/USP, atualmente ministra, com uma equipe, um curso de pós-graduação (especialização) em Jornalismo Literário. O curso existe desde 2005. É autor de diversos livros sobre teorias e técnicas de escrita. Também produz livros-reportagens e escreve para uma revista de aviação nos EUA há 26 anos. Mesmo com tanta produtividade, Edvaldo é a expressão da calma e da tranquilidade. (www.edvaoldopereiralima.com.br) Frances Lotus
Dois Pontos: Na sua concepção, qual a definição de jornalismo literário? Edvaldo Pereira Lima: É a arte da não ficção, que integra os princípios essenciais do jornalismo, que são informar e narrar relatos de ocorrências sociais. Ele absorve também recursos narrativos da literatura de ficção e emprega argumentos mais sofisticados, muito dos quais não se precisa no dia a dia, além de um propósito mais aprofundado e uma compreensão integrada da realidade.
sistêmico e integrado. Há um arsenal de técnicas a serem empregadas. Enquando que no factual, quase sempre, os recursos narrativos são muito pequenos.
Dois Pontos: O que um estudante deve fazer para se envolver com o tema? Edvaldo: Conhecer mais o segmento e compreender. Esse é um campo repleto de estratégias que é preciso entender e dominar para poder trabalhar ele bem. Além disso, descobrir e tentar estudar o que já existe de maDois Pontos: Esta forma de narrar se dife- terial conceitual e teórico sobre o assunto e, rencia do jornalismo convencional? também, captar como os grandes autores e Edvaldo: As diferenças começam no que se autoras praticam o JL no Brasil e no exterior. refere ao grau de aprofundamento da cobertura do real, ao propósito, aos procedimentos e Dois Pontos: Onde encontramos textos liprincípios. O convencional cumpre um papel terários não ficcionais na mídia impressa? social muito importante de relatar o aconte- Edvaldo: De vez em quando na reviscimento de uma forma rápida. O jornalismo ta Piauí e na revista Brasileiros. Em jorPara Edvaldo o JL é “a arte da não ficção, literário parte desse ponto e vai aprofundar e nais, na Folha de S.Paulo. No Estado de S. que integra os princípios essenciais compreender de um modo mais contextual, Paulo, em especial no caderno “Aliás”. No do jornalismo”
Correio Brasiliense, de Brasília; no jornal Zero Hora, de Porto Alegre e na Gazeta do Povo, de Curitiba. Porém, especialmente, há muito Jornalismo Literário nos livros -reportagens.
recursos narrativos para que o texto se torne fiel à característica do acontecimento e para que o leitor não se canse. Dois Pontos: Há uma presença forte de escritores desta área em outros países? Edvaldo: Sempre houve público que queria uma narrativa do fato verídico mais empolgante e interessante. Os países, com suas diversas culturas, responderam a essa demanda. Contudo, ele é mais forte nos Estados Unidos, pois é onde as primeiras manifestações se consolidaram. Também há uma universidade na Colômbia chamada Antioquia, cujo jornal laboratório é puramente jornalismo literário. Porém, a Espanha, o Chile e a Argentina também praticam esse estilo.
Dois Pontos: No seu livro Jornalismo Literário para Iniciantes [ver box], o senhor diz que não é possível apurar as informações apenas com pesquisas na internet, por e-mail e telefone, mas que é preciso ir a campo. Isso pode ser considerado um dos principais pontos para se produzir um bom texto? Edvaldo: Só é possível compreender a realidade quando se pratica uma interação muito sólida com os personagens, com os espaços e com as ações. A internet ajuda na pesquisa de fundo, mas é imprescindível que o au- Dois Pontos: Quais as sugestões para se tor acrescente a isso um contato profundo e inscrever um texto interessante? aberto com o real. Edvaldo: Ter sensibilidade e curiosidade pelo mundo e pelas pessoas. Sem a capacidaDois Pontos: Além de autenticidade e viva- de de ter vontade de conhecer a vida do oucidade, quais outras características que o tro, fica difícil fazer jornalismo literário. Ele jornalista literário deve ter? exige que se tenha como indivíduo, um inteEdvaldo: Ele deve segurar um pouco seus resse natural pelo ser humano. Desde que a próprios preconceitos e tentar entender o pessoa invista um pouco em saber e tenha as mundo. Isso não significa que o autor não curiosidades internas dela, pode-se começar tenha uma posição com relação aos fatos, a experimentar, praticar e ver como se desenmas ele não vai julgar, condenar e idolatrar volve o seu talento nessa direção. ninguém. Vai compreender como é aquela pessoa e como se deu o episódio. Além dis- Dois Pontos: Quando o senhor comeso, é indispensável à capacidade e o domínio çou, quais eram os autores que te insde texto, para que o leitor possa ver a ação, piravam? como se estivesse junto dos personagens. Edvaldo: Dos Estados Unidos, sempre gosÉ necessário que se saiba narrar, descrever, tei muito do Tom Wolfe e do Gay Talese. No usar símbolos, metáforas, diálogos e diversos Brasil, dos autores da revista Realidade. O
Estudantes, jovens profissionais ou professores. Se vocês querem dar os primeiros passos rumo ao jornalismo literário, o livro Jornalismo Literário para Iniciantes, de Edvaldo Pereira Lima, é um ótimo ponto de partida. O autor mostra a força de um texto com as características do JL, cita vários exemplos e instiga o leitor a observar as características da narrativa em jornalismo literário. A obra é uma publicação da Edusp.
José Hamilton Ribeiro foi um dos repórteres da revista, mas ele continua trabalhando até hoje [atualmente ele é repórter do Globo Rural, da TV Globo]. Alguns já faleceram, como o Narciso Kalili e o Roberto Freire. Dois Pontos: Essa narrativa tende a crescer? Edvaldo: Com certeza. Ela não é uma obra acabada. É uma tradição que tem capacidade de se adaptar aos novos tempos. Na internet, por exemplo, os grandes jornais americanos fazem essas produções com ótima qualidade, aproveitando as características desse meio. Eles dividem o texto em capítulos, oferecem ao leitor outros recursos adicionais que a mídia impressa não tem condição, como vídeo associado à matéria, entrevista com o autor, sons e fotos interativas.
Obras inspiradoras
Selecionamos alguns livros que consideramos essenciais para quem quer conhecer melhor alguns dos vários estilos de jornalismo literário
Abusado, de Caco Barcelos (Record, 2002)
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A luta, de Norman Mailer (Companhia de Bolso, 2011)
O olho da rua, de Eliane Brum (Globo, 2008)
A mulher do próximo, de Gay Talese (Companhia das Letras, 2002)
A sangue frio, de Truman Capote (Companhia das Letras, 2002)
A vida imortal de Henrietta Lacks, de Rebecca Skloot (Companhia das Letras, 2011)
Casa de Taipa – o bairro paulistano da Mooca em livro-reportagem, organizado por Dimas Künsch (Salesiana, 2006)
Corações Sujos, de Fernando Morais (Companhia das Letras, 2000)
Estrela Solitária – um brasileiro chamado Garrincha, de Ruy Castro (Companhia das Letras, 1995)
Filme, de Lilian Ross (Companhia das Letras, 2005)
O livro amarelo do terminal, de Vanessa Bárbara (Cosac Naif, 2008)
O povo do abismo, de Jack London (Editora Fundação Perseu Abramo, 2004)
DOIS PONTOS | 7
Reportagem | Inovadoras
Reportagem | Nova geração
Para quem gosta de provocação
Os desafios do livro-reportagem
Algumas publicações editadas no Brasil apresentam aos seus leitores as facetas da realidade sob um prisma, no mínimo, arrojado. As revistas Piauí, Trip e Tpm estão fora da zona de conforto
Por Caroline Costa
“
Por Guilherme de M. Corrêa
Anonimato: qual o valor da privacidade e da discrição em tempos de fama e superexposição?” (Trip, abril/2012) “Perfeição não existe. Por que nas redes sociais fingimos que nada dá errado?” (Tpm, dezembro/2012) “Obrigação e retrocesso: Felipão e Parreira são uma dupla competente, mas encarnam um futebol que deixou de encantar” (Piauí, fevereiro/2013) Estas são algumas das manchetes já publicadas nessas três revistas. Perguntas provocativas, abordagens inusitadas. A Trip, com tiragem de 45 mil exemplares, está no mercado há quase 30 anos. A Tpm, com tiragem de 50 mil exemplares, é a irmã mais nova e veio ao mundo em 2001. Ambas são mensais, da editora Trip. A revista Piauí chegou às bancas em outubro de 2006 e tem hoje uma tiragem de 60 mil exemplares mensais. São revistas que apresentam uma abordagem peculiar da realidade para o leitor. “A gente tem uma vocação genuína para pensar sobre o ser humano, para refletir sobre a existência. Temos um nível razoável de profundidade na observação do comporta-
São revistas que apresentam uma abordagem peculiar da realidade para o leitor Caroline Costa
Um trio de revistas para deixar qualquer leitor intrigado 8 | DOIS PONTOS
Eles estão na estrada há pouco tempo e se encantaram pelo Jornalismo Literário. Buscam inspiração nos grandes mestres quando vão escrever seus textos
mento humano A gente consegue formular boas perguntas”, comenta Paulo Lima, editor e fundador da Trip e Tpm. Lima argumenta que suas publicações buscam fazer algo original, autêntico. Ao mesmo tempo, questões semelhantes às levantadas por Lima estão presentes na Piauí. “A revista não tem a pretensão de explicar o país. Não precisamos cobrir os grandes temas nacionais, podemos ficar no micro. Por exemplo, ao invés de fazer a matéria definitiva sobre violência, preferimos publicar o diário de um policial. Podemos escapar inteiramente de temas chatos. Do jeito que a Piauí está imaginada, temos muita liberdade para improvisar”, esclarece João Moreira Sales, documentarista e um dos fundadores da revista. Lima comenta que uma característica essencial das suas duas publicações é procurar se antecipar, estar antenado às “migrações de comportamento da sociedade”. A Trip e a Tpm, segundo Lima, fazem perguntas profundas aos leitores. “A revista [Trip] inspira uma comunidade de leitores de mente aberta, o não preconceito e a postura positiva e construtiva diante da vida,” é o que está escrito no material institucional da publicação. A originalidade da abordagem dos temas é uma preocupação na redação da Piauí. Sobre a forma de construção das pautas, João Moreira Sales diz que elas são pensadas anarquicamente. Na revista “cabe tudo: de arqueologia a odontologia. Nenhuma pauta é imprescindível. O que importa é que a história seja bem escrita e que o conjunto seja interessante: temas mais sérios ao lado de histórias em quadrinhos, brincadeiras tolas com matérias apuradas ao longo de meses, textos breves ao lado de textos longos. O segredo está nessa combinação de assuntos e tons. Queremos um equilíbrio entre humor e gravidade, texto e ilustração/quadrinhos”. Sales arrisca dizer que talvez a maior inovação da revista seja o tempo dado ao repórter para a apuração. “Nossas matérias não são datadas e procuramos dar a ela o espaço que o tema exigir e também ao repórter tempo suficiente para que um determinado assunto seja coberto com a maior eficiência possível. Assim, não temos prazos predeterminados para nada.” Apesar de serem frequentemente associadas ao jornalismo literário, nem João Moreira Sales, nem Paulo Lima consideram que suas revistas possam ser demarcadas nesse campo. Para eles, o importante é ter histórias bem apuradas e bem escritas.
Quando um estudante de jornalismo entra na faculdade a primeira lição relacionada ao texto jornalístico é o tradicional lead e a pirâmide invertida. Tempos depois (ou melhor, semestres depois) é que ele vai descobrir outras possiblidades. E, geralmente, as descobertas passam pelo encontro com o jornalismo literário. Uma das melhores alternativas do estudante experimentar um tipo de texto diferenciado é quando ele vai elaborar um livro -reportagem. Leandro Machado, repórter do jornal Folha de S.Paulo, formado pela Universidade São Judas, teve esta oportunidade em 2010, quando concluía o curso. Banho de lua – uma crônica da rua Augusta é o título do seu livro-reportagem sobre as rotinas de um salão de cabeleireiro em uma das mais fervilhantes ruas de São Paulo, a Augusta. Para fugir do clichê do que sempre é noticiado na imprensa, ele focou no salão que recebia uma grande quantidade de pessoas. “Durante o dia, o salão tinha clientes de um perfil: donas de casa da região, comerciantes, pessoas que trabalhavam em escritório etc. No período da noite, porém, o perfil mudava: eram prostitutas, gente que ia para a balada, seguranças de casas noturnas”, diz Leandro. Foi essa mistura que despertou o interesse do repórter. “A ideia do livro era mostrar a diversidade da rua Augusta a partir do que acontecia dentro do salão. O próprio local, inclusive, era muito diverso: a dona era uma travesti que morava e se prostituía na Itália, os cabeleireiros eram travestis ou ex-prostitutas, também havia uma manicure evangélica recém-chegada do nordeste, ” comenta. Outro ex-aluno da Universidade São Judas também fala sobre o processo de elaboração do livro-reportagem. Victor Bin, freelancer e colaborador do site Jornalirismo, foi um dos autores de Um novo olhar, uma coletânea de 10 perfis de pessoas sem visão. O livro foi elaborado em 2012 por um grupo de cinco alunos de jornalismo. O tema foi o maior desafio. “Exigiu muito de nós por ser uma realidade completamente contrária à nossa. Ninguém do grupo convivia com deficientes visuais. Não sabíamos como tratá-los, nem como era a sua realidade. Então foi incrível. Tudo era novo”, lembra Victor. Ele escreveu dois perfis: de uma senhora de 79 anos que ficou cega aos 3; e de uma jovem de 30 anos que perdeu a visão já adulta, quando estava na faculdade. Um dos aprendizados que Victor destaca é que o livro-reportagem
permitiu que o grupo passasse a lidar com a realidade de forma diferente. “Pensamos além do umbigo, olhamos para pessoas e situações parecidas com as que observamos no livro e aprendemos a não estereotipá -los”, analisa Victor. Tanto Leandro quanto Victor são leitores contumazes. Se for para falar jornalistas inspiradores, eles citam uma lista quase sem fim. Leandro destaca Eliane Brum, Laura Capriglione, Klester Cavalcanti, Ricardo Kotscho e os clássicos: Gay Talese, Norman Mailer e Tom Wolfe. Para Victor é fundamental que o estudante leia autores como Marcos Faerman, José Hamilton Ribeiro, Joel Silveira, Rodolfo Walsh e Fernando Morais. Ele também cita gente da nova safra como Christian Carvalho e Ivan Marsiglia.
SUGESTÕES DE LEITURAS Dentre os autores e obras destacados pelos repórteres Leandro Machado e Victor Bin, selecionamos um trio de peso para você colocar na sua lista de prioridades
Entretanto, foi assim que aconteceu, de Christian Carvalho Cruz, (Arquipélago Editorial, 2011)
O super-homem vai ao supermercado, de Norman Mailer, (Companhia das Letras, 2006)
A poeira dos outros, de Ivan Marsiglia, (Arquipélago Editorial, 2013) DOIS PONTOS | 9
Reportagem | Mundo
Resenha | Destaque
Inspiração sem fronteiras
Além das páginas factuais
Instituição colombiana realiza há quase 20 anos o trabalho de aperfeiçoar as atividades desenvolvidas por jornalistas
Por Gabriela Oliveira
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Fundação para o Novo Periodismo Ibero-americano (FNPI) é um centro internacional, com sede em Cartagena, na Colômbia. Fundada em outubro de 1994, sob a liderança do Prêmio Nobel de Literatura Gabriel Garcia Marquez, também jornalista, é dedicada ao desenvolvimento profissional de jovens profissionais de países América Latina e Caribe. A FNPI não tem o objetivo de graduar um jornalista, mas sim de inspirar e melhorar – através da prática – aqueles que já estão formados. Para isso, são realizadas palestras, oficinas, debates e seminários com grupos de até 50 jornalistas e especialistas para dois ou três dias. Nos eventos os participantes cobrem e discutem temas atuais na América Latina, por exemplo: a corrupção, o terrorismo, a pobreza, as eleições. Raul Hernando Osorio Vargas, doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, é professor de jornalismo na Universidade da Antioquia, em Medellín, na Colômbia. Ele foi aluno da Fundação em 1999, em uma
Todos os semestres a Fundação abre as portas para novos jornalistas da América Latina
Obras dos mestres Eles já ministraram cursos na FNPI e podem inspirar você
Santa Evita, de Tomás Eloy Martínez (Companhia das Letras, 1996) 10 | DOIS PONTOS
Relato de um Náufrago, de Gabriel García Márquez (Record, 1996)
A Guerra do Futebol e outros relatos, de Ryszard Kapuściński (Companhia das Letras, 2008)
Por Gabriela Oliveira
oficina de reportagem ministrada pela jornalista mexicana Alma Guillermoprieto. Das lembranças como ex-aluno, Raul descreve as atividades exercidas na FNPI. “Muito trabalho de reportagem, reflexões sobre ela, e tarefas que requerem imersão. Praticamos o Jornalismo Literário com grandes mestres que são reconhecidos mundialmente por suas publicações.” Autores como Tomás Eloy Martínez, Susana Rotker e Ryszard Kapuściński (já falecidos) ministraram cursos na Fundação. Raul esclarece que uma nova geração de jornalistas tem articulado as atividades. A condução dos cursos é responsabilidade de uma equipe de profissionais com vasta experiência no jornalismo. São quase 50 repórteres de várias partes do mundo, incluindo brasileiros, que ministram as oficinas, palestras, seminários. Existem eventos que podem ser feitos pela internet. Em todos os semestres a Fundação abre as portas para novos jornalistas da América Latina. Quem quiser quer concorrer a uma vaga em um dos cursos precisa ficar atento às informações publicadas regularmente no site. A cada evento são estabelecidos critérios específicos para se inscrever e posteriormente ser selecionado. Como parte das atividades, a Fundação promove anualmente o Prêmio Gabriel García Márquez de Jornalismo. É uma iniciativa para promover a excelência jornalística e o reconhecimento de jornalistas da América Latina, Caribe e Espanha. Como está dito no site da Fundação, a proposta é incentivar o jornalismo com “a vocação pelo serviço público, a excelência ligada à ética e a qualidade narrativa, a investigação rigorosa”, que são premissas sempre defendidas por Gabriel García Márquez. Na rede O site da FNPI – www.fnpi.org – é uma rede de comunicação e de divulgação composta por milhares de pessoas que recebem informações e serviços por e-mail. Eles são jornalistas de todos os níveis e cargos, estudantes de jornalismo e professores. Os membros recebem informações sobre os próximos eventos e materiais úteis para aqueles que trabalham com o jornalismo. Anúncios de prêmios e workshops, bem como aplicações para as oficinas podem ser encontrados online. A Fundação conta também com um acervo de livros, textos, entrevistas e publicações, em geral, feitas pelos alunos e mestres que por lá passaram.
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literatura transporta o ser humano para um mundo que pode ou não ser o real. A imaginação dos escritores faz com que o leitor se veja no mundo narrado e descrito pelos autores, percorrendo ambiente, sensações, ideias, sons. A literatura faz isso com maestria. O jornalismo também pode fazê-lo, mas deve sempre estar centrado no real. De todas as formas de comunicação jornalística, a reportagem, especialmente em livro, é a que mais se apropria do fazer literário. É o que diz o doutor em Ciências da Comunicação pela USP, Edvaldo Pereira Lima, em sua tese editada em formato de livro: Páginas Ampliadas: o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura, publicado pela Editora Manole. Na obra, Lima destaca que a literatura e a imprensa confundem-se até os primeiros anos do século passado. Jornais e revistas eram espaços abertos para a publicação de folhetins e suplementos literários. No entanto, é no ambiente dos livros-reportagem que o jornalismo mais encontra espaço para incorporar a liberdade autoral e de estilo da qual a literatura usufrui.
No início do século XX, a imprensa começou a dar mais destaque aos textos/assuntos factuais, começou a se pautar pela agilidade da divulgação da informação. O factual mesclado com a agilidade colocam amarras para o aprofundamento da apuração e para a elaboração de um texto mais autoral. A tarefa mergulhar no real para coletar dados e retratá-los, adaptando-os e transformando-os não é muito fácil. “Num primeiro movimento, o jornalismo bebe da fonte da literatura. Num segundo, é esta que descobre, no jornalismo, fonte para reciclar sua prática, enriquecendo-a com uma variante bifurcada em duas possibilidades: a de representação do real efetivo, uma espécie de reportagem – com sabor literário”, Lima escreve em sua obra. O gênero da reportagem em livro permite ao autor criatividade. Claro, não é a criatividade da ficção, mas aquela que nasce de uma apuração profunda, de um olhar sensível do repórter. Percebemos que isso leva um tempo superior para ser elaborado do que as redações do cotidiano permitem aos jornalistas. Mas se o jornalista/escritor se sentiu motivado a se aprofundar nesse universo literário, Páginas Ampliadas pode guiá-lo.
Estante fundamental Jornada do Herói: a estrutura narrativa mítica na construção de histórias de vida em jornalismo, de Monica Martinez (Annablume)
“Uma leitura que expande horizontes e aumenta possibilidades de fazer jornalismo de forma mais humana. No lugar de fórmulas, vemos um método narrativo que trabalha com a mitologia e a psicologia. Permite-nos narrar a realidade com a poesia do cotidiano.” Gislene Trindade, formada pela Universidade São Judas, tem especialização em Jornalismo Literário pela ABJL
Biografismo – reflexões sobre as escritas da vida, de Sergio Vilas Boas (Unesp) “O autor nos conduz para um amplo passeio teórico sobre a elaboração de biografias. É uma obra essencial para aprofundar a compreensão de métodos e técnicas utilizadas em um gênero que une Jornalismo, Literatura e História.” Renata Carraro, jornalista e escritora, professora da FIRB – Faculdades Integradas Rio Branco, mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista/SP
Serviço Páginas Ampliadas: o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura, de Edvaldo Pereira Lima (2009) Editora Manole
Radical Chique e o Novo Jornalismo, de Tom Wolfe (Companhia das Letras) “Além de alguns artigos e reportagens da década de 60 e 70, Tom Wolfe narra com detalhes um pouco da efervescência que foi o Novo Jornalismo e como suas características foram ‘invadindo’ as redações americanas e o ‘jornalismo bege’.” Camila Salmazio, jornalista formada pela Universidade São Judas, é uma das criadoras da Agência Social - a serviço da boa notícia.
Livro-reportagem, de Eduardo Belo (Contexto) “Uma boa referência para quem se interessa pelo Jornalismo Literário e quer se lançar à produção do livro-reportagem. É importante para a formação integral do jornalista, pela abordagem crítica e ética no que se refere ao exercício da profissão.” Angelita Lima, jornalista e professora de Jornalismo da Universidade Federal de Goiás, Doutora em Geografia e Literatura DOIS PONTOS | 11
Crônica | Relato poético
O encontro das 5h30 Por Guilherme de M. Corrêa
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12 | DOIS PONTOS
ra um dia rotineiro para um famoso repórter. Ele estava de saída da televisão. Eram 5h da tarde e ele iria até a cafeteria de costume. Estava apurando uma matéria no Rio de Janeiro. No corredor do estúdio parou no escritório e pegou a chave do carro. Avisou a secretária que iria tomar um café e voltaria. Final de tarde é perfeito para fazer reflexões sobre as coisas que aconteceram durante o dia. Porém, nessa tarde foi um pouco diferente. No estacionamento deixou a chave do carro com o manobrista. Entrou na cafeteria, escolheu uma mesa num canto reservado e pediu aquele café especial. O que era para ser não foi. Aproximou-se um senhor, que ele reconheceu. Era um outro grande jornalista, habituado a escrever livros-reportagem. Um profissional de grande credibilidade. E nem pediu licença para sentar-se, mas o cumprimentou com a maior educação. O repórter quebrou o gelo, iniciando a conversa: — Que surpresa encontrar o senhor por aqui, provavelmente está por aqui por causa de um trabalho. Não é mesmo? O jornalista nunca está parado... O jornalista-escritor apenas respirou fundo e respondeu sua pergunta: — É verdade, o jornalista nunca está parado. Realmente estou aqui para um encontro com o senhor, eu sei que parece estranho, peço minhas desculpas, por não ter marcado com você. O repórter continuou a conversa: — Não, tudo bem! Acabei de gravar e passei aqui nessa cafeteria para refletir um pouco. Mas me diz uma coisa, quem é a fonte que disse que eu estaria por aqui? O escritor deu uma risadinha e respondeu: — Desculpe, entrei em contato com a sua secretária e ela disse que você estaria por aqui. Sabe, estive pensando no conceito do jornalismo literário. Está mudando bastante a maneira como trabalhar um livro-reportagem, acredito que já ouviu... Afinal somos escritores também...
E continua a conversa: — Verdade meu amigo, a melhor maneira de levar o jornalismo literário para as gerações do futuro é fazê-los interessarem-se, até mesmo, incentivá-los nos estudos universitários, com todos os jornalistas que publicaram algum livro-reportagem... Animado, o repórter respondeu: — É uma ótima ideia. Vou procurar trabalhar esse tema no meu programa. Acho que você deveria investir nisso também: ser um divulgador, ajudar a conquistar novos corações e mentes. Quem sabe não contribuiríamos para o crescimento do jornalismo literário? O escritor: — É uma ótima ideia, vamos fazer isso. Espero te encontrar em breve, tenho de ir... O repórter se levanta, dá um aperto de mão e um abraço amigável e responde: — Obrigado pelo encontro inesperado. Nos veremos sim!! Também preciso voltar para o escritório. Eles foram embora. Nos resta saber como vai ser o final da história. Só penso que os dois saíram com uma esperança, um sorriso no rosto e muitas ideias na cabeça.
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O repórter quebrou o gelo, iniciando a conversa
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