Fascículo 13 jornalismo em quadrinhos

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FASCÍCULOS DE JORNALISMO - COMPREENDER A PROFISSÃO

Linguagem inovadora Híbrido, misturado, mesclado. O Jornalismo em Quadrinhos (JHQ) reúne duas narrativas aparentemente antagônicas, mas dessa união nasce uma nova forma de se passar a informação ENTREVISTA

Deise Cavignato, mestre em Comunicação Social, defende que o JHQ pode conquistar novos leitores para a imprensa

REPORTAGEM

Augusto Paim, HQ-repórter, põe a mão na massa! Além de pesquisador, ele tem várias reportagens em quadrinhos já publicadas


Apresentação | Caro leitor

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Expediente

A vida real em quadrinhos fascículo Jornalismo em Quadrinhos (JHQ ou JQ) apresenta aos estudantes de jornalismo uma das experiências mais híbridas do jornalismo. O que é? Como é feito? Qual a diferença das HQs e principalmente como é a vida dos repórteres que praticam essa linguagem inovadora? Na comunicação pós-moderna há uma frenética exposição de imagens que bombardeia as pessoas todos os dias. As mídias buscam uma forma de noticiar grandes matérias sem perder a qualidade e principalmente prender o interesse do leitor. O Jornalismo em Quadrinhos surge como uma alternativa para um formato textual diferente e prático, interagindo texto e imagem. O trabalho do jornalista não muda, a preocupação com a apuração e veracidade da notícia é a mesma. Diferente da história em quadrinhos, na qual existe uma forma gráfica que permite ao autor liberdade de interpretação, as reportagens em JHQ exigem que texto e imagem componham um quadro diferenciado da realidade. Você vai acompanhar nas próximas páginas o mundo do jornalista que faz suas reportagens em quadrinhos. Venha conosco!!!!

Seção | Conceito “Engana-se quem pensa que, para trabalhar com JQ, tem de saber desenhar. Basta que o jornalista conheça as vantagens e desvantagens da linguagem, de forma a orientar o trabalho do quadrinista. Dan Archer diz que uma das virtudes do gênero é “a habilidade de condensar notícias áridas em uma forma visualmente atraente e fácil de compreender”. Ele lista outras vantagens: “Colocar o leitor dentro do personagem, ver os acontecimentos sob sua perspectiva; colocar visualmente lado a lado fatos sobre um mesmo evento, ou mesmo sobre dois períodos distintos; e incorporar elementos como diagramas e gráficos no contexto da narrativa.” Augusto Paim, Jornalismo em Quadrinhos: os filhos de Joe Sacco, publicado no site www.revistadacultura.com.br, em março 2011 “Para a construção de uma reportagem em quadrinhos, é indispensável o uso de ambientação ou referência histórica, como recurso para auxiliar na compreensão do contexto em que a história se desenvolve. Dando sequência a narrativa, é importante também apresentar os personagens que dão o ritmo da história. Todas as histórias prescindem de personagens, já que estes estabelecem os principais vínculos entre o leitor e as histórias em quadrinhos, prendendo a atenção e estimulando o interesse pelo roteiro. Por último, o escritor deve ter a liberdade para construir um texto leve, mais elaborado, sem se prender excessivamente às regras jornalísticas que primam pela objetividade total, ainda que este seja um conceito superado por muitos profissionais e estudiosos da comunicação.” Fabiano Messias e Rafael Baldo, Jornalismo em quadrinhos: uma análise do uso da nona arte como suporte para a narrativa jornalística, monografia, UNB, 2003, pág 131 “O jornalismo em quadrinhos surge da interseção entre a comunicação e a arte, uma resignificação do próprio fazer jornalismo. […] O jornalismo em quadrinhos traz um quê de novidade, e percebe-se nele [...] um hibridismo comunicacional que converge diferentes linguagens a favor da informação”. Iuri Barbosa Gomes, artigo Jornalismo em Quadrinhos: território de linguagens, Intercom 2009 2 | DOIS PONTOS

Chanceler Alzira Altenfelder Silva Mesquita Reitor José Reinaldo Altenfelder Silva Mesquita Pró-reitor de Graduação Luis Antônio Baffile Leoni Pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Alberto Mesquita Filho Pró-reitoria de Extensão Lílian Brando G. Mesquita Diretor da Faculdade de LACCE Rosário Antonio D’Agostino Coordenação do Curso de Jornalismo Anderson Fazoli

Dois Pontos é um projeto experimental dos alunos de jornalismo (3ACSNJO e 3MCSNJO), desenvolvido na disciplina Jornalismo Impresso, em 2013. Orientação e Coordenação editorial Profa. Jaqueline Lemos (MTB 657/GO) Revisão Profª. Maria Cristina Barbosa Diagramação Alexandre Ofélio (MTB 62748/SP) Redação Editora assistente Jeniffer Barros (RA 201107370) Repórteres Lucas Donini (RA 201100381) Moisés Canton (RA 200911077) Roberto Gozzi (RA 201114554) Vitor Serafim (RA 201113948) Vinicius Fidelis (RA 201104051) Capa/Ilustração: Marcio Andrade

Pingue-Pongue | Deise Cavignato

Uma união inovadora e criativa Ela fez uma pesquisa no mestrado sobre as possibilidades de inovação de linguagens que o jornalismo em quadrinhos experimenta. Nas considerações finais do trabalho, Deise Cavignato afirma: “As duas linguagens têm seus méritos próprios, no entanto a HQ apropria-se de elementos do jornalismo literário, transformando as histórias em quadrinhos em fontes de conhecimento como as que são encontradas em livros-reportagens”

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Por Roberto Gozzi

eise Cavignato é mestre em comunicação social, concluiu seu mestrado em 2013 na Universidade São Caetano do Sul com o seguinte trabalho: O jornalismo em quadrinhos como inovação do fazer jornalístico. Uma leitora contumaz das histórias em quadrinhos, quando iniciou os estudos na área de comunicação em 2005 conheceu e interessou-se pelo gênero HQ com ênfase na ficção. A graduação foi voltada ao jornalismo e tinha o sonho de unir a informação com os traços arejados do mundo dos quadrinhos, uma de suas grandes paixões. E foi no seu trabalho de mestrado que ela conseguiu juntar os dois grandes interesses. O fascículo Dois Pontos conversou com a pesquisadora.

Dois Pontos: Como esse gênero criou força no Brasil? Deise Cavignato: O conceito de combinar quadrinhos com fatos reais remonta ao século XIX, quando Ângelo Agostini, um italiano que viveu no Brasil, ilustrou situações que ocorriam cotidianamente. O desenhista contava notícias em formato de quadrinhos. Em 1885, houve um acidente na estrada de ferro de São Paulo e Agostini desenhou a queda do trem em uma vala, além da prestação de socorro aos feridos feita pelos frades de um seminário local.

nhos. No Brasil, o Correio Braziliense já publicou uma reportagem em quadrinhos sobre tráfico de crack.

Dois Pontos: O gênero em quadrinhos pode atrair o público jovem para o jornal? Deise Cavignato: Sim, o jovem brasileiro lê muito pouco jornal, e por incrível que pareça lê muitas histórias em quadrinhos, é unir o útil ao agradável, é um método interessante e que dá certo, a tendência é aumentar o número de jovens interessados em HQ. Os professores utilizam este argumento com crianças que não gostam de ler, é váliDois Pontos: Como começou a história de do, pois toda forma de incentivo só tem a quadrinhos dentro do jornalismo? acrescentar à vida acadêmica do jovem. O Deise Cavignato: As histórias em quadrinhos têm um longo histórico relacionado ao jornalismo, pois as primeiras publicações das HQs foram em jornais impressos, que inclusive utilizavam este recurso para atrair mais leitores. O quadrinho foi uma forma de linguagem que surgiu para comercializar mais jornais, principalmente com o surgimento de Yellow Kid [ver reportagem no Dois Pontos, fascículo 15, pág 6] uma história em quadrinhos que fez sucesso tendo como principal atração um garoto que usava um roupão amarelo. Com a atenção dos leitores voltada aos quadrinhos, os jornais fizeram mais sucesso e nunca mais saiu de moda.

Dois Pontos: Quais os principais autores deste gênero? Deise Cavignato: Autores ao redor do mundo também produzem reportagens em quadrinhos. Alguns exemplos são Art Spiegelman [autor de Maus – A História de um Sobrevivente, obra ganhadora do prêmio Pulitzer] e Joe Kubert [fundador da The Joe Kubert School of Cartooning and Graphics]. Jornais de destaque, como o britânico The Guardian, veicularam notícias em quadri-

O conceito de combinar quadrinhos com fatos reais remonta ao século XIX

Alexandre Novaes

Pesquisadora analisa a importância do jornalismo em quadrinhos importante não é como ele começa a ler ou adquire o gosto, mas sim ele começar e com isso se adaptar a todo tipo de leitura. Dois Pontos: Qual o futuro do jornalismo em quadrinhos? Deise Cavignato: Com certeza este gênero está crescendo no Brasil, embora a passos lentos, no entanto, temos visto muitos livros de jornalismo em quadrinhos seja apenas em tradução de uma obra internacional, sejam livros escritos e ilustrados por brasileiros. Outro ponto fundamental é o aumento considerável de trabalhos acadêmicos sobre o tema que tem atraído muitos pesquisadores no assunta. Falta saber se o interesse do público está retribuindo a todos estes incentivos, creio eu que sim, mas é preciso de um material qualitativo a este respeito, entrevistando leitores em geral. DOIS PONTOS | 3


Reportagem | Origens

Reportagem | Linguagens e Pesquisas

A arte narrativa dos fatos

Cores, balões, imagens, palavras...

Além do entretenimento: o jornalismo em quadrinhos trabalha com a linguagem visual, a sequencialidade e os acontecimentos reais

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A linguagem jornalística ganhou novo formato, ficou híbrida. O jornalismo em quadrinhos provoca interesse de estudantes, repórteres e de pesquisadores

Por Jeniffer Barros o jornalismo, os veículos midiáticos trabalham com o instantâneo e o imediato. Há uma frenética profusão de imagens e textos que bombardeiam as pessoas todos os dias. O jornalismo em quadrinhos surge como uma proposta - um formato diferente do tradicional - mais atraente e inovadora, combinando linguagens diferentes em prol da informação. O livro Palestina, uma nação ocupada, do jornalista maltês Joe Sacco, publicado em 1999 nos EUA [ver resenha na página 11 deste fascículo], é um marco do estilo. O autor passou dois meses na região da Palestina e escreveu o livro-reportagem sobre conflito entre palestinos e israelenses. Outra referência importante para a prática desse gênero é Maus: a história de um sobrevivente [ver dica na página 11 deste fascículo], romance gráfico produzido pelo estadunidense Art Spiegelman que narra a luta de seu pai, um judeu polonês, para sobreviver ao Holocausto. O livro ganhou o prêmio Pulitzer em 1992. Foi a primeira vez que uma obra em quadrinhos recebeu um prêmio desse porte. Com o grande reconhecimento dessas duas obras a pesquisa na área de reportagens em HQs também cresceu. Trabalhos de Melton Prior e Constantin Guys, que cobriram a Guerra da Crimeia (1835-1856) como correspondentes do jornal The Illustrated London News passaram a serem considerados pertencentes à história do jornalismo em quadrinhos. No Brasil, um dos primeiros e mais importantes artistas desse gênero foi o italiano Ângelo Agostini (1843-1910). Radicado no Rio de Janeiro, Ângelo ficou conhecido como “repórter do lápis”. Firmou sua carreira no Brasil logo no começo da Guerra do Paraguai em 1864 e prolongou sua carreira por mais de quarenta anos, cobrindo no fim de sua carreira a queda do Império e o início da República. O nome do repórter italiano é inspiração para a Associação dos Quadrinhistas e Caricaturistas do Estado de São Paulo, que criou o Prêmio Ângelo Agostini, com o objetivo de resgatar referências aos grandes artistas do quadrinho nacional. Outra referência nas páginas de jornais brasileiros é o trabalho da repórter Patrícia Villalba, que publicou uma entrevista com Tom Zé e Otto n’O Estado de S. Paulo, em 9 de abril de 1999. O trabalho foi quadrinizado por Fábio Moon e Gabriel Bá. 4 | DOIS PONTOS

Reprodução

As Aventuras de “Nho-Quin” ou impressões de uma viagem à corte é referência como a primeira HQ elaborada no Brasil. O trabalho é de Ângelo Agostini, conhecido como o “repórter do lápis”, foi publicado na revistaVida Fluminense em 1868 Foi a primeira entrevista em quadrinhos do jornalismo brasileiro. Características O jornalista e escritor Augusto Paim organizou e foi curador do I e II Encontro Internacional de Jornalismo em Quadrinhos, respectivamente em 2010 e 2012. Para ele, uma reportagem em quadrinhos deve articular em sua pauta importantes características como noção de sequencialidade e relação entre desenho e memória. “Uma reportagem em quadrinhos não será autêntica se não tiver esses elementos fundamentais. Um HQ-repórter, tem que saber andar entre a linha tênue desses dois campos: o dos quadrinhos e o do jornalismo, articulando-os com sabedoria”, esclarece Augusto Paim. As relações entre as linguagens do jornalismo e do quadrinhos são algumas das preocupações do professor Aristides Correa Dutra. Ele fez sua dissertação de mestrado, em 2003 na UFRJ, sobre essa ligação (Jornalismo em quadrinhos: a linguagem jornalística como suporte para reportagem na obra de Joe Sacco e outros autores). “Uma fotorreportagem é, na verdade, uma reportagem em fotos. A caricatura e a charge são reportagens gráficas. O infográfico, o mapa cronológico e até a publicidade utilizam recursos quadrinísticos. E, no jornal, assim como na HQ, o objeto do discurso (no jornal, o cotidiano) é dividido em blocos (as matérias) que são justapostos nas páginas. Ambos são diagramas espaço-temporais.”

SUGESTÕES DE LEITURA

Muito além dos quadrinhos: análises e reflexões sobre a nona arte, de Paulo Ramos e Waldomiro Vergueiro (org.), Devir (2009)

Quadrinhos e a arte sequencial princípios e práticas do lendário cartunista, de Will Eisner, WMF Martins Fontes (2010)

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Por Cristian Zucatelli Brum linguagem híbrida é uma das principais características do jornalismo em quadrinhos. Apuração, pesquisa, entrevistas, observação in loco. Narração sequencial, desenhos, cores, planos pictóricos, onomatopeias, balões. Tudo isso faz parte do jornalismo em quadrinhos. Mas não é nada simples escrever uma reportagem ou uma entrevista em quadrinhos. Essa nova linguagem tem provocado o interesse de muitos estudantes de jornalismo, leitores e pesquisadores da comunicação. Para quem quer se aventurar na prática da reportagem experimentando novas linguagens é mais que recomendável estudar, compreender o que é essa linguagem híbrida. “O JHQ, como prática experimental da comunicação, cria um campo novo de linguagens e se destaca no campo jornalístico. Não como salvação, como a panaceia para a crise que aflige os jornais impressos ou o que mais for nesse sentido, mas sim como um novo caminho que pode ser percorrido no que diz respeito a construção de uma grande reportagem que sugere novos ares à fruição de uma notícia”, escreveu Iuri Barbosa Gomes nas conclusões de sua dissertação Jornalismo em Quadrinhos: mediações e linguagens imbricadas nas reportagens Palestina Uma Nação Ocupada e em O Fotógrafo, defendida em 2010 na UFMT. Gomes é profesor da Universidade do Estado de Mato Grosso.

Universidade de São Paulo, foi um dos organizadores da Primeira Exposição Internacional de Histórias em Quadrinhos em São Paulo, em 1951. Ele também é o organizador de Shazam! (Editora Perspectiva), um livro publicado em 1970 com uma coletânea de artigos sobre a nona arte. As pesquisas sobre HQs estão espalhadas por diversas universidades no Brasil (e no mundo, claro!). Na ECA/USP existe o Observatório de Histórias em Quadrinhos, que desenvolve pesquisas interdisciplinares na área desde 1990. Entretanto, a aproximação da linguagem jornalística e dos HQs é algo Pesquisas e Grupos mais recente no mundo acadêmico. As histórias em quadrinhos já têm uma Já citamos [ver reportagem da pág 04] o tradição de pesquisa no Brasil. Por exemplo, trabalho do professor Aristides Correa DuAlvaro de Moya, professor aposentado da tra, que defendeu sua dissertação de mestra-

do em 2003 na UFRJ com o tema Jornalismo em quadrinhos: a linguagem jornalística como suporte para reportagem na obra de Joe Sacco e outros autores. É uma referência para quem deseja conhecer o assunto. Na Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (www.portalintercom.org.br) é possível acessar muitos artigos acadêmicos que abordam jornalismo em quadrinhos. Também existe um grupo de discussão que reúne dezenas de pessoas. Você pode entrar em contato com o grupo por meio do seguinte endereço: jornalismoemquadrinhos@yahoogrupos.com.br No Brasil, o termo jornalismo em quadrinhos está consolidado. Se você buscar trabalhos em língua inglesa, use as expressões comics journalism ou graphic journalism.

SUGESTÕES DE LEITURA

História da História em Quadrinhos, de Álvaro de Moya, Brasiliense (1993)

Desvendando os quadrinhos, de Scott McCloud, MBook (2005)

Revista 9a arte uma publicação do Observatório de Quadrinhos da ECA/USP. A publicação existe desde 2012. DOIS PONTOS | 5


Reportagem | Capa

Experimentar, ousar, desafiar... Por Marcio Andrade

6 | DOIS PONTOS

DOIS PONTOS | 7


Reportagem | Pé na rua

Reportagem | Nova geração

Profissão: HQ-Repórter

Onde encontrar o JHQ?

Por Vinícius Fidelis

Por Vitor Serafim

A trajetória de Augusto Paim, que atualmente é um dos principais desenvolvedores do jornalismo em quadrinhos no Brasil

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isseminador do jornalismo em quadrinhos no Brasil, Augusto Machado Paim começou a pesquisar sobre o tema em seu trabalho de conclusão no curso de Comunicação Social na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e desde 2007 promove a divulgação do JHQ por meio de palestras, oficinas e em reportagens. A ideia de levar os quadrinhos para as escolas surgiu após o convite da irmã de Paim que é professora. “Já tinha ministrado palestras para adultos, mas para crianças foi inédito. Foi uma experiência nova e o resultado foi um sucesso. Obras como Maus, que não são para crianças, despertaram o interesse deles.” Apesar de jovem, possui um currículo extenso, com bagagem internacional, mais precisamente na Alemanha, onde iniciou o seu primeiro trabalho de repercussão, a tradução de Johnny Cash – uma biografia do premiado autor alemão Reinhard Kleist. Apoiado pela editora 8Inverso, o jornalista pretende trazer mais obras, com o intuito de aproximar mais os brasileiros de HQs consagradas. Após o lançamento do livro, com a presença de Kleist, o “HQ-repórter”, como prefere nomear os jornalistas deste gênero,

promoveu o I Encontro Internacional de Jornalismo em Quadrinhos (EIJQ), no Instituto Goethe de Porto Alegre, que ocorreu em outubro de 2010 e teve a participação de quatro convidados nacionais e dois alemães. “Não quis convidar qualquer pessoa apenas porque trabalha com HQ’s. A ideia era gerar discussão e fazer crescer o campo desse gênero, amadurecê-lo como estilo. Trouxemos o João Spacca, que trabalha com quadrinhos históricos e também o alemão Hans Barber que trabalha com quadrinhos de vanguarda fictícios e pode dar um contraponto para as discussões sobre os limites entre ficção e não ficção”, esclarece o organizador. Quadrinho-reportagem A primeira reportagem em quadrinhos de Paim foi sobre a trajetória do Clube Juventude, de Caxias do Sul (RS). Os desenhos foram de Ana Luiza Koehler. O trabalho feito para a revista Continuum, do Itaú Cultural, foi parar no site do repórter americano Dan Archer e posteriormente foi visto por um dos editores do portal Cartoon Movement. O editor gostou da reportagem e pediu ao gaúcho para oferecer uma pauta, que sugeriu fazer o trabalho sobre a ocupação da polícia em favelas do Rio de Janeiro. “Desde 2007 eu já vinha fazendo repor-

Uma linguagem nova que ainda é pouco explorada nos cursos de jornalismo. Uma imprensa pouco disposta a propor inovações. Será que existe espaço para o jornalismo em quadrinhos nas redações?

tagens sobre as favelas cariocas e queria desmistificar e problematizar a questão da ocupação do Morro do Alemão. A mídia mostra as coisas e acabamos vendo a favela à distância”, comenta o repórter. Em 2011 o jornalista passou sete dias nas favelas do Rio de Janeiro e acompanhou de perto a rotina dos moradores em parceria com o desenhista MauMau. A reportagem Inside the Favelas traz os depoimentos de moradores das comunidades, que de alguma forma agem em prol da população daquela região e conhece as dificuldades passadas nos locais durante o processo de pacificação. Conceitos O repórter e pesquisador faz questão de esclarecer que existe uma diferença conceitual entre jornalismo em quadrinhos e jornalismo de quadrinhos. No site (www. augustopaim.com.br) é possivel acessar o seu portfólio e os debates conceituais que Paim propõe. “Jornalismo em Quadrinhos é um gênero jornalístico que usa os quadrinhos como linguagem de forma original”, afirma no site. Já o jornalismo de quadrinhos seria a abordagem sobre o mundo dos HQs em qualquer tipo de mídia. Falar sobre o tema não indica que o veículo está praticando o gênero.

Reprodução: Cartoonmovement.com

SUGESTÃO DE LEITURA

Inside the favelas é uma reportagem em quadrinhos sobre a ocupação da polícia no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. A reportagem, publicada em duas partes (outubro e novembro de 2011), é de Augusto Paim e a arte é de MauMau 8 | DOIS PONTOS

Johnny Cash – uma biografia, de Reinhard Kleist (com tradução de Augusto Paim) Editora 8Inverso, 2009

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o redor do mundo, o número de jornalistas e ilustradores que se rendem ao jornalismo em quadrinhos cresce aos poucos. Mas é uma experiência ainda não muito difundinda na imprensa. Dentre alguns nomes, podemos destacar Dan Archer e Matt Bors, este último inclusive começou a trabalhar com o gênero apenas em 2010, após uma viagem ao Afeganistão. Bors é um dos editores site Cartoon Movement (www.cartoonmovemente.com), que publica trabalhos de HQ-repórteres do mundo todo. O HQ-repórter Dan Archer mora nos Estados Unidos e mantém o site Archcomix (www.archcomix.com). É um espaço para reportagens sobre questões políticas e sociais dos Estados Unidos e da América Central. No cenário nacional, há alguns destaques dessa espécie de reportagens. Um nome que vem fazendo diferença ultimamente é Alexandre de Maio. Junto com o repórter Carlos Carlos já fez diversas reportagens em quadrinhos publicadas pela Revista Fórum. Alexandre tem 35 anos, é quadrinista e falou um pouco sobre a falta de espaço para o gênero no Brasil. “Não vejo um crescimento do gênero, mas vejo ações isoladas. O jornalismo em quadrinhos tem muito espaço para crescer pois é um estilo de jornalismo como a crônica, a fotografia, a entrevista. Todo veiculo impresso deveria ter um sessão de JQ”. Outros que podem ser destacados são André Dahmer, os irmãos Fabio Moon e Gabriel Bá, além de Allan Sieber, esse último inclusive é conhecido por sua acidez. Segundo escreveu Telio Navega, autor do Blog Gibizada, “nem Hunter Thompson nem Joe Sacco. O jornalismo em quadrinhos do gaúcho Allan Sieber é diferente, não vai só na notícia, mas além, na ferida. Tão fundo que incomoda, de tão sarcástico, cruel e verdadeiro”. Sieber é autor de vários livros, entre eles É tudo mais ou menos verdade (Desiderata, 2009), que reúne reportagens em quadrinhos, histórias autobiográficas e “relatos mais ou menos mentirosos ou mais ou menos verdadeiros”. O livro traz algumas das reportagens que Sieber fez para veículos como Playboy, Piauí e Trip. “Nos Estados Unidos e em diversos países da Europa o jornalismo em quadrinhos tem um espaço maior e está mais consistente. Aqui no Brasil ainda temos que garantir esse espaço”, é o que defende Marcio Andrade, jornalista e cartunista, formado pela Universidade São Judas.

Reprodução: Revista Fórum

A Revista Fórum tem uma seção de Jornalismo em Quadrinhos e frequentemente publica apurações nesse formato. Aqui temos uma imagem de parte de uma reportagem Moradia digna, direito de todos. A dupla Carlos Carlos (texto) e Alexandre de Maio (arte) tem diversas reportagens em quadrinhos publicadas na revista. Reprodução: Catraca Livre

O site Catraca Livre também publica com regularidade reportagens ou entrevistas em quadrinhos. A imagem ao lado reproduz a capa da entrevista com Zélia Ducan, cuja arte é de Alexandre Maio. Reprodução: Correio Braziliense

Em novembro de 2009, o jornal Correio Braziliense publicou uma série de reportagens sobre o crescimento do tráfico de crack no Distrito Federal e em outras diferentes regiões do país. Na imagem ao lado, a reprodução de uma página da visita da repórter Samanta Sallum ao Morro de Santa Teresa, em Porto Alegre, num local chamado de Chapaquistão. A arte é de Kleber Sales. DOIS PONTOS | 9


Reportagem | #fica a dica

Resenha | Destaque

Obras do mestre

Uma guerra em preto e branco

Por Moisés Canton

Por Lucas Donini

Impossível falar de jornalismo em quadrinhos e não fazer ampla referência ao repórter maltês Joe Sacco. Selecionamos nesta página parte das suas obras publicadas no Brasil. Algumas estão esgotadas, então a saída é garimpar em sebos, tentar em bibliotecas. Sempre vale a pena ler Joe Sacco. Ele é o repórter e o quadrinista de suas próprias reportagens. Publica tudo em preto e branco, nada de desenhos coloridos. Ele é um jornalista intrigado em desvendar como os conflitos e confrontos entre nações afetam as pessoas comuns.

Notas sobre Gaza, publicado pela Companhia das Letras, 2010

Palestina - na Faixa de Gaza, publicado pela Conrad, 2003

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alestina – Uma Nação Ocupada é um ótimo livro, pois retrata o ponto de vista do jornalista Joe Sacco sobre o conflito entre israelenses e palestinos, suas origens históricas e o momento contemporâneo. O livro aborda situações referentes aos meses em que o jornalista maltês ficou na região em conflito: foram durante dois meses entre o final de 1991 e o início de 1992. Ele tenta passar a história que viveu e conviveu, fazendo o melhor do jornalismo em quadrinhos. Com um texto ágil e ilustrações em preto e branco, o leitor pode entender um pouco mais sobre essa guerra. Sacco vai além da guerra em si e da religião. Ele traz para o leitor toda a complexidade das conflituosas relações entre os cidadãos palestinos e israelenses. Sacco passa dos dias tentando coletar informações, fotos e entrevistas com pessoas que viveram ou vivem em meio aos conflitos. A história é contada ao longo de cinco capítulos, permeados por muita tensão, situações de conflito, mas também episódios engraçados. Durante a apuração, Sacco acaba conhecendo cidadãos que contam um pouco

mais da história da “Intifada” (termo que se refere à primeira revolta dos palestinos em 1987). Em todos os locais em que o jornalista visitou para coletar informações sempre era oferecida uma xícara de chá a ele. E um banquete com diversos pratos para que ele não sentisse fome durante sua estadia. O interessante do livro é que até o leitor com pouco conhecimento sobre o conflito, ao ir passando pelos quadrinhos, começa a entender um pouco mais sobre a guerra e fatos importantes do período retratado. Joe Sacco, em 141 páginas, conseguiu abordar um tema doloroso e pesado com uma linguagem nada rígida. O livro mostra o seu olhar sobre um conflito que vem se estendendo há séculos, mostrando famílias que foram arrastadas de suas casas e tendo que viver em assentamentos. Tentou mostrar principalmente as pessoas que ainda têm um pouco de esperança. Nos EUA o livro foi publicado em 1999 pela Fantagraphics Books. No Brasil, a obra saiu pela Conrad, em 2000. A sequência, Palestina - Na Faixa de Gaza (Conrad) chegou ao Brasil em 2003.

Estante fundamental Maus – a história de um sobrevivente, de Art Spiegelman (Companhia das Letras) “Acredito que para o estudante de jornalismo é importante o observar o modo da construção de narrativa da obra de uma maneira geral: original, criativa, não abdica do humor ácido, faz uso de metáforas e ainda sim consegue passar seriedade e realismo.”

Área de Segurança - Gorazde, publicado pela Conrad, 2001

10 | DOIS PONTOS

Uma história de Sarajevo, publicado pela Conrad, 2005

Ana Carolina, estudante de Publicidade e Propaganda.

Serviço Palestina – Uma nação Ocupada, de Joe Sacco (2000) Conrad Editora

O Fotógrafo – uma história no Afeganistão (3 volumes) - de Guibert, Lefèvre, Lemecier (Conrad Editora ) “Os três volumes do livro são importantes pelo valor da obra, que através do ineditismo ao mesclar diversas linguagens jornalísticas, apresenta um rico e interessante material, em que o autor soube inovar a forma com que se relatam os fatos no livro.” Talita Tristão, estudante de Jornalismo da Universidade São Judas.

Uma viagem à China, de Guy Delisle (Zarabatana Books )

Persépolis, de Marjane Satrapi (Companhia das Letras)

“É um bom livro, pois ilustra como é a China fora da metrópole. Mostra uma visão realista de um não jornalista. É uma obra importante pois traz a visão de um mundo diferente.”

“Permite perceber que é possível contar uma grande história, como a invasão do Afeganistão pela URSS. Vemos que com o uso da imagem e um texto ousado e inteligente permite contar todas as histórias do mundo.”

Ângelo Dias, jornalista formado pela Universidade São Judas.

Moacir Assunção, jornalista e professor da Universidade São Judas. DOIS PONTOS | 11


Crônica | Relato poético

As aventuras do Jornalista Mascarado Por Jeniffer Barros

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12 | DOIS PONTOS

odos os natais meus tios e avós vinham passar em casa. Mamãe fazia a ceia e papai comprava os presentes. Minha tia Matilda sempre perguntava “o que você vai ser quando crescer?” e eu respondia “o Super-Homem”, e todos riam. Aí meu primo Fausto me disse que o Super-Homem era um alienígena e usava uma cueca por cima da calça. Outro ano se passou e a mesma coisa no Natal seguinte “o que você vai ser quando crescer?” e eu respondi “o Homem-Aranha”. Aí meu primo Fausto me contou que o Homem-Aranha foi mordido por uma aranha radioativa e que eu nunca ia encontrar uma. Alguns natais e super-heróis depois eu fui para a faculdade e me formei jornalista. Comecei a trabalhar na redação de um jornal. Mal sabia eu que tudo ia mudar. Num belo dia coloquei meu all star, meus óculos. Peguei meu bloco de anotações e fui trabalhar. Depois de uma manhã atribulada e de todos os meus textos rejeitados pela minha editora, almocei e parei dez minutos para um cochilo. Acordei e tomei mais um café, só para dar aquela acordada. Comecei a me sentir estranho... Percebi que meus óculos estavam me atrapalhando e quando os tirei podia enxergar perfeitamente. Ao me olhar no espelho vi que tinha ganhado músculos. Voltei ao trabalho e tentei agir naturalmente, quando saí fui correndo para casa e percebi que poderia me mover mais rápido que o comum, quando fechei e abri os olhos já estava em casa. Tentei pensar e me beliscar, “será que é um sonho?”. Mas depois eu entendi, finalmente poderia realizar meu sonho, enfim eu poderia ser um super-herói. “Por onde começar?” Saí pela noite e fui testar meus superpoderes. Segundos depois notei que dois garotos iam cercar uma senhorinha provavelmente para roubá-la e fui rapidamente acudi-la. “POW!”, consegui jogar os dois para longe e prendê-los enquanto a viatura da polícia não chegava.

Com adrenalina a mil percebi que podia fazer qualquer coisa, salvar qualquer pessoa, evitar qualquer acidente. Os dias se passaram e eu me sentia mais poderoso e conseguia salvar dezenas de pessoas. As manchetes ilustravam: “E mais uma vez o dia foi salvo graças ao Jornalista Mascarado” (já que era o nome que assinava nos locais em que passava). Eu conseguia ser um super-herói, salvar pessoas e, principalmente, era bom no que fazia. Mas viver uma vida dupla era muito difícil. Eu não tinha inimigos poderosos que me intimidassem, mas mesmo com superpoderes eu não conseguia evitar grandes catástrofes. Dia após dia o mundo foi ficando mais de cabeça para baixo. Fome, desemprego, pobreza, catástrofes naturais. Eu não podia lutar contra isso, com ou sem superpoderes. Então eu descobri que como jornalista eu podia fazer algo que o Jornalista Mascarado não podia. Eu podia escrever. E expor os problemas da sociedade e denunciar casos de corrupção. Eu podia fazer mais. Durante o dia na redação e à noite como super-herói.

Mesmo com superpoderes eu não conseguia evitar grandes catástrofes


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