FASCÍCULOS DE JORNALISMO - COMPREENDER A PROFISSÃO
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Indecifrável. Impronunciável. O Gonzojornalismo é um furacão que provoca o caos. É um tipo de texto marcado pela impressão do repórter, impregnado da vivência do autor. Um estilo que desperta paixões e ódios ENTREVISTA
Artur Veríssimo faz uma reflexão: “A forma como eu abordo o meu jornalismo é com antropologia. Conhecer os costumes, hábitos e tendências”
REPORTAGEM
Hunter Thompson foi uma criança rebelde que depois criou um jeito próprio de fazer jornalismo
Apresentação | Caro leitor
Expediente
Liberte-se das regras
O
fascículo Gonzojornalismo apresenta aos estudantes de jornalismo um mundo indefinível e fascinante. Aqui a regra é não ter regras. Pelo menos neste fascículo. Ele será pura ironia, sarcasmo, críticas, imersão e, principalmente, subjetividade. Sim, o Gonzo é contra todas as regras criadas para adestrar o leitor. Você está convidado a conhecer essa forma de escrever e criticar o que está errado na sociedade. Podemos afirmar que a maioria se lembra das regras clássicas que aprendemos nas primeiras aulas do curso de jornalismo: “Para se ter uma boa matéria, é preciso responder a cinco perguntas básicas no primeiro parágrafo do texto: quem? quando? como? onde? e por quê?”. O jornalismo não é mais o de 20 anos atrás, está mais entregue às novas plataformas tecnológicas. As notícias são transmitidas em velocidade praticamente instantânea ao ocorrido. E quem paga o pato são os repórteres, que têm menos tempo para escrever e precisam de tudo “para daqui a dois minutos.” Quer outra vida? Quer outra realidade? Venha conhecer o mundo Gonzo!!
Seção | Conceito “O Jornalismo Gonzo é a prática mais subjetiva de jornalismo, ou aquela que assume essa objetividade com mais contundência. Por causa dessa subjetividade extrema, pode-se dizer que o Gonzo é a mais sincera das categorias de jornalismo (...) o relato de um fato sob a perspectiva declarada do repórter, sem omitir que aquilo é uma interpretação sua, dá (...) muito mais credibilidade a uma notícia.” André Gomes Julião e Renan Magalhães, Caminho Iluminado: trilhando a rota do jornalismo Gonzo, livro-reportagem PUC/Campinas, pág.73-74
“O termo Gonzo nos dias de hoje se refere a esse tipo de jornalismo, mas também se desprendeu do seu significado estrito e pode servir para designar algo louco, selvagem, bizarro. Pode-se ver o uso do termo na música, nos esportes radicais, e até na culinária.” Christine Othittis, The Beginnings and Concept of Gonzo Journalism, publicado em http://www.gonzo.org/articles/lit/esstwo.html, 1994
“Gonzo requer os talentos de um mestre do jornalismo, o olho de um artista/fotógrafo e os colhões firmes de um ator. Porque o escritor precisa participar da cena enquanto escreve sobre ela – ou pelo menos gravá-la, ou mesmo desenhá-la. Ou as três coisas. Provavelmente a analogia mais próxima do ideal seria um diretor/produtor de cinema que escreve seus próprios roteiros, faz seu próprio trabalho de câmera e de algum modo consegue filmar a si mesmo em ação, como protagonista ou pelo menos um dos personagens principais.” H. S. Thompson, A Grande caçada aos tubarões: Histórias estranhas de um tempo estranho, Editora Conrad, pág 47
Chanceler Alzira Altenfelder Silva Mesquita Reitor José Reinaldo Altenfelder Silva Mesquita Pró-reitor de Graduação Luis Antônio Baffile Leoni Pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Alberto Mesquita Filho Pró-reitoria de Extensão Lílian Brando G. Mesquita Diretor da Faculdade de LACCE Rosário Antonio D’Agostino Coordenação do Curso de Jornalismo Anderson Fazoli
Dois Pontos é um projeto experimental dos alunos de jornalismo (3ACSNJO e 3MCSNJO), desenvolvido na disciplina Jornalismo Impresso, em 2013. Orientação e Coordenação editorial Profa. Jaqueline Lemos (MTB 657/GO) Revisão Profª. Maria Cristina Barbosa Diagramação Alexandre Ofélio (MTB 62748/SP) Redação Editora assistente Raíssa Germano (RA: 201102343) Repórteres Bruna Molina (RA: 201107544) Bruna Porto (RA: 201110075) Luana Figueiredo (RA: 201110213) Renata Figueiredo (RA: 201008901) Capa
Patrick Hoesly / Flickr Creative Commons 2 | DOIS PONTOS
Pingue-Pongue | Arthur Veríssimo
Observar, refletir e escrever
No jornalismo atual, as chances de se engessar e seguir um padrão são tentadoras. Por sorte sempre existem aqueles que preferem seguir os seus instintos e fazer o melhor do seu jeito.
V
Por Renata Figueiredo
ocês, caros leitores, nem imaginam os labirintos e as a desventuras que eu passei para enfim encontrar o tão requisitado Arthur Veríssimo. Foram semanas de espera e várias trocas de e-mails. Mas... Surpreendentemente por uma ajuda inesperada do destino nossas agendas bateram. No meio de tantas viagens e compromisso inadiáveis, Veríssimo abriu as portas do seu amplo apartamento na Lapa para me receber e jogar conversa fora. Jornalista explorador, repórter excepcional da revista Trip há mais de 20 anos, é um dos poucos que se aventuram a fazer gonzojornalismo no Brasil. Confira a entrevista feita para o fascículo Dois Pontos.
Dois Pontos: Quando o jornalismo surgiu na sua vida? Arthur Veríssimo: Bom, sempre foi fácil escrever. O primeiro jornal que eu participei foi no colégio quando eu tinha 12 anos de idade. Eu era editor do jornal e tive muita ajuda do meu pai, que sempre foi ligado a esse meio.
Dois Pontos: Como são definidas as pautas na Trip? Arthur Veríssimo: Agora que a Trip se tornou uma revista direcionada a temas específicos, definimos por períodos e eu procuro me ajeitar. Às vezes dou uma sugestão, mas vai muito de acordo com o redator.
Dois Pontos: O mundo das artes sempre fez parte da sua vida? Arthur Veríssimo: Desde cedo por influência do meu pai eu tive contato com literatura. Minha mãe era professora de dança, o que me deu essa consciência de corpo. E tinha os meus primos do Rio de Janeiro que sempre traziam discos para mim. Boa parte dos movimentos de contracultura eu conheci por eles.
Dois Pontos: E quando foi o momento em que você percebeu que era o gonzo o caminho? Arthur Veríssimo: O grande start foi em uma matéria no ano de 1991, chamada “Um dia a casa cai”. Eu e um fotógrafo ficamos quinze dias no edifício São Vito, em São Paulo, mais conhecido como Treme-Treme. Fizemos um raio-x, escaneamos tudo o que acontecia no local.
Dois Pontos: Como é o seu processo na hora de escrever? Arthur Veríssimo: A princípio quando eu tenho uma matéria procuro escrever de manhã. À tarde eu não consigo, só quando estou com a corda no pescoço aí sento e me concentro naquilo. Mesmo que os meus textos tenham uma levada de humor eu procuro ter muito cuidado. E sempre tem que ter um lide incrível. Não pode iniciar morno, tem que começar porreta. O final é o final, você pode ter várias opções, mas se você já tem a abertura o texto sai.
Dois Pontos: E por que o Gonzo? Arthur Veríssimo: Essa coisa de Gonzo eclodiu mesmo em 1998, quando escrevi uma matéria sobre o meu primeiro Khumba Mela [é um festival hinduísta], na Índia. Para ser sincero eu faço um jornalismo narrativo inspirado nos grandes exploradores do século 17. Tento passar uma mensagem e as pessoas falam que isso é gonzojornalismo. Até tenho uma afeição com o estilo do Thompson, mas não tem relação. Eu vou mais para o sutil humor da vida, para o lado espiritual. Esse é meu universo, é tentar despertar a consciência.
Dois Pontos: Existe um processo de apuração de pauta antes de você iniciar efetivamente a cobertura? Arthur Veríssimo: Sim. Tudo é pesquisado. Eu observo o comportamento das pessoas, o ambiente. A forma como eu abordo o meu jornalismo é com antropologia. Conhecer os costumes, hábitos e tendências. Geralmente quando eu vou para um país, vejo o que está rolando na televisão. Assisto documentários. Em alguns casos leio livros sobre o tema.
Dois Pontos: E o que você acha que precisa para ser um bom gonzojornalista? Arthur Veríssimo: O jornalista precisa ser multifacetado, estudar e pesquisar. Ser um leitor compulsivo. Ser disciplinado também. Grande parte dos meus livros tem bordas, entrelinhas porque eu penso que pode ser uma fonte de inspiração. O importante é se antecipar. Ler sobre o tema e também assuntos paralelos. Aí vem a inspiração, a eureka!
Alexandre Novaes
Veríssimo, espírito inquieto e observação constante
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O jornalista precisa ser multifacetado, estudar e pesquisar. Ser um leitor compulsivo. Ser disciplinado também
DOIS PONTOS | 3
Reportagem | Apuração
Reportagem | Thompson
Observar, participar e narrar
Dr. Gonzo cria um estilo peculiar
Por Bruna Porto
Por Raíssa Germano
O método usado no jornalismo gonzo que dá ao repórter o direito de participar de sua obra
I
magine que do dia para noite você pode se transformar em motociclista, mendigo, presidiário ou pertencer ao cotidiano de qualquer outro grupo social. Por que isso? Simples, para fazer parte do que será reportado. Participar, narrar e observar são os verbos mais importantes para o jornalista que faz uso da metodologia de observação participante. “O jornalista deixa de ser um mero mediador entre o fato e o receptor, ele se envolve com o objeto que observa. Geralmente desempenha um papel central na obtenção de dados, impressões e informações ao viver uma experiência na própria pele”, conta André Czarnobai, jornalista e autor de uma monografia sobre o gênero criado pelo jornalista Hunter Thompson, dos EUA. André apresentou o trabalho Gonzo – o filho bastardo do New Journalism em março de 2003, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para concluir a sua graduação em jornalismo. A observação participante é usada no jornalismo gonzo para permitir ao narrador total liberdade para se tornar um dos personagens da obra. O ambiente onde o repórter se encontra influencia o material que ele irá colher, e tem mais importância que o fato em si. Segundo André, quanto maior a aproximação com os grupos sociais mais o jornalista entenderá as novidades que se apresenta para ele. “Ao mesmo tempo, sendo o jornalista em última análise um grande filtro generalista, quanto mais realidades diferentes ele conhecer, melhor ele conseguirá entendê-la e relatá-la para os demais, de modo que é sempre importante se abrir para o novo”, explica An-
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dré, criador do blog Cardosonline e praticante do jornalismo gonzo. A ideia do método, no caso do jornalismo, é entrar em outra realidade, de preferência sem disfarce, desde que o objeto de estudo não corra risco de ser comprometido. Esse processo pode ser distanciado e rápido ou integrado e intenso. E caso o repórter encontre dificuldades em pertencer ao grupo, ele precisa ser breve no seu processo de investigação. O entrevistado esclarece que a observação participante é uma prática opcional do jornalismo. “O gonzo é um jornalismo de perfumaria, que funciona em narrativas longas como livros, revistas, suplementos culturais de jornais ou documentários. O processo de observação é válido para esta técnica alternativa, mas não é essencial para o jornalismo quando pensado de
uma forma mais ampla”, completa. A metodologia usada no jornalismo gonzo desperta uma discussão moral com defensores do jornalismo tradicional, que priorizam uma ideia de neutralidade e a objetividade como fundamentos éticos para o comunicador. As questões levantadas são: até que ponto a presença do repórter na condição de observador participante é jornalismo? Não estaria implícito aí a negação da sua própria realidade profissional? Por outro lado, adeptos do gonzo acreditam que o repórter é uma pessoa formada de referências, ideias e opiniões, e que não está ileso de fazer filtros pessoais em determinado acontecimento. Nesse contexto, consideram que a observação participante é mais honesta e verdadeira com leitor, telespectador ou internauta.
A vida na prisão
Antropólogos e sociólogos
Mulher, crime e castigo é o título da reportagem de capa publicada na revista Veja em 7 de junho de 1995, edição n01395. O texto da jornalista Dorrit Harazim é fruto de uma apuração feita com a observação participante (mas neste caso, não é um exemplo de gonzo e sim apenas da utilização da técnica). A repórter passou oito dias vivendo na prisão Talavera Bruce, no Rio de Janeiro. O texto pode ser acessado no acervo digital da revista: http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx
O método da observação participante é utilizado em diversas áreas de pesquisa, em especial nas ciências sociais. Na antropologia e na sociologia, por exemplo, há décadas, pesquisadores se envolvem de forma intensa com seus “objetos” – no caso, comunidades ou grupos sociais. Um autor importante nessa metodologia é William Foote Whyte, com a obra Sociedade de esquina: a estrutura social de uma área urbana pobre e degradada, publicada no Brasil em 2005 pela Jorge Zahar. Whyte estudou um grupo de jovens moradores de uma área pobre em Boston, nos EUA, nos anos de 1930, e conviveu intensamente com o grupo.
Jornalista que escreveu seu próprio destino sem regras e medos é lembrado como criador de um gênero jornalístico com uma narrativa singular
H
unter Stockton Thompson nasceu na cidade de Louisville, no estado de Kentucky, EUA, no dia 18 de julho de 1937. Sua mãe, Virgínia, era bibliotecária e seu pai, Jack, era agente de seguros. Viveu em uma família considerada de classe média baixa. Thompson tinha amigos de todos os tipos: desde traficantes até o filho do prefeito. Ainda na infância mostrou traços de forte rebeldia e começou a demonstrar o que ele viria a ser no futuro, inclusive na sua carreira jornalística. No seu livro Reino do Medo, relata um questionamento às autoridades o porquê eles o acusavam de um delito. “Quem? Perguntei. Que testemunha? Não era nada demais para perguntar naquelas circunstâncias [...] e me denunciado a esses mal-encarados, a esses brutamontes pomposos e lambe-botas com seus distintivos de plástico guardados na carteira [...]” (Thompson, 2007, p.35). Esse trecho demonstra claramente a determinação e a falta de medo do jovem com apenas 9 anos que conseguiu convencer os agentes do FBI a irem embora e o deixarem em paz. Com inteligência e astúcia, o rapaz continuou com a prática de pequenos crimes. Em 1960, era um período pré-movimento contracultura e Thompson já se negava a se enquadrar em regras e normas de uma cultura dominante. “Sempre imaginei que viveria nas margens da sociedade, como parte de um segmento” (Thompson, 2007,p.42). Para o jornalista Ismael dos Anjos não existe jornalismo imparcial. “O repórter não é uma figura invisível e o Hunter chutou para longe essa crença dos ‘idiotas da objetividade’, da qual todos os jornalistas fazem parte por um tempo, mas descobrem que o que importa mesmo é contar uma boa história”, analisa. Vida sem regras Por comprar bebidas alcoólicas e se envolver em brigas foi preso, mas logo foi solto. Por um acaso entrou no ramo jornalístico, inclusive já havia textos publicados em jornais da sua cidade, porém não era nada sério, como a maioria das coisas em sua vida. Arrumou um emprego em uma loja de carros, ia tudo bem até que bateu o carro do dono, decidiu sair e sem planejar se alistou na Força Aérea do EUA, lá se tornou editor de esportes no jornal da base, o Command Courier. A partir daí passou
pela revista Time, sua função era entregar voltou para o seu país de origem, onde se jornais e cópias deles para os editores. casou com Sondi Wright. Dessa relação, que durou 17 anos, tiveram Juan. Traços únicos O criador do gonzo possuía caracterísEm toda a sua existência, detestou ficar ticas que se tornaram sua marca registrada bastante tempo em um só lugar. Mudou-se como o uso frequente de drogas lícitas e ilípara San Juan, em Porto Rico, para trabalhar citas. Tinha um verdadeiro fascínio pela deem uma revista de esportes denominada de cadência da sociedade dos EUA. Thompson El Sportivo, foi nessa época que o autor es- andava na contracorrente da sociedade, dicreveu a obra Rum: Diário de um jornalista zia verdades sem medo de ser censurado ou bêbado. reprimido. O jornalista, inconformado todo Depois dessa experiência foi corres- o sempre, se matou em 20 de fevereiro de pondente na América do Sul. Em 1963, 2005 no estado do Colorado. MD Carchives/Own vorrk - Creative Commons
Hunter durante a Feira Internacional do Livro, Miami, em 1988
Ele, por ele mesmo Em 2007, dois anos depois da sua morte, chegou às prateleiras das livrarias do Brasil, editado pela Companhia das Letras, Reino do Medo, a autobiografia de Thompson. Originalmente o livro foi publicado nos EUA em 2003 e traz um conjunto variado de documentos selecionados pelo jornalista. São entrevistas, fotos, cartas, artigos organizados em colagens que ele mesmo fez. Ele disse: “Minha vida foi o polo oposto da segurança, mas me orgulho dela e meu filho também, e para mim isso basta. Faria tudo de novo sem alterar a batida.” DOIS PONTOS | 5
Reportagem | Capa
A acidez dos textos psicodélicos Com um estilo alternativo, o repórter gonzo se torna totalmente livre e coloca seus sentimentos no texto. A objetividade vai para a lata do lixo. Aparece em cena a reportagem ultra-subjetiva Por Bruna Molina e Raíssa Germano
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A 160 km/h mal dá para enxergar, as lágrimas são jogadas para trás tão rápido que evaporam antes de chegarem às orelhas. Os únicos sons são o do vento e o zunido surdo que vem dos amortecedores. Você vê a linha branca e tenta virar junto com ela... urrando numa curva para a direita, depois para a esquerda e na longa descida para Pacifica... menos intenso agora, atento para a presença da polícia, mas só até o próximo trecho escuro e mais alguns segundos no limite...” Esse trecho é um dos momentos finais da narrativa de Hell’s Angels – medo e delírio sobre duas rodas, o primeiro livro publicado pelo jornalista Hunter S. Thompson, o Dr. Gonzo. Ele viveu junto com um grupo de motoqueiros para depois narrar a sua experiência, em 1967, de forma intensa, visceral e marcada pelas suas emoções pessoais. No limite, ou ultrapassando os limites, sempre!
A subjetividade fala mais alto O autor do texto Gonzo deixa claro que sua narrativa é marcada pela opinião pessoal, pelas impressões do repórter
Um dos pilares mais difundidos no jornalismo é o da necessidade da neutralidade e afastamento do repórter diante daquilo que ele for apurar. Segundo essa premissa, na notícia e na reportagem o jornalista deveria ser exclusivamente um transmissor da informação sem tender para nenhum lado, sem julgar, sem comentar ou mesmo interferir no fato. Entretanto, sabe-se que o jornalista reelabora a realidade que ele observou. A partir do momento em que o profissional busca as informações, ele deve decodificá-la, escrever conforme o seu entendimento, procurando contemplar as visões das fontes que vivenciaram o acontecimento. Esses processos são uma “reconstrução” da realidade. São ações demarcadas por escolhas, por pontos de vista. Portanto, carregadas de subjetividades também. “A objetividade plena é totalmente impossível de ser atingida. Por mais que um repórter seja neutro, ele ainda é humano, e funciona como um filtro entre o fato e o receptor”, diz André Czarnobai. O Jornalismo Gonzo entra na contramão desses pilares tanto da objetividade quanto da impassibilidade, ele ignora essas premissas e admite que para fazer um relato de qualquer assunto é preciso ser parcial e subjetivo, pois não dá para focar a totalidade de um acontecimento, sendo assim é preciso fazer escolhas e decidir o que vai ser escrito na reportagem. Mas o Gonzo vai além. Não só admite explicitamente a subjetividade como o repórter mergulha na história e se torna personagem dela. Thompson alegava que o Gonzo faz com que o leitor se aproxime mais da reportagem, já que os relatos são profundos e vivenciados por aquele que escreve. O escritor deixa claro em seus livros que aquela é a sua opinião, e entrega ao leitor o direito de decidir se concorda ou não com aquilo. ”Isso é mais honesto do ponto de vista ético”, completa Czarnobai. 6 | DOIS PONTOS
Para alguns estudiosos, o Jornalismo gonzo, criado por Thompson, é um subgênero do jornalismo literário. Há uma ligação direta do gonzo com movimentos de contracultura. Nesse subgênero, o repórter mescla técnicas de ficção com reportagem, se coloca na história, usa sarcasmo e ironia, não segue regras, pode inserir personagens para dar mais veracidade ao fato. Porém, assim como uma matéria jornalística tradicional, não deixa de cumprir seu principal papel, informar o leitor. Para se escrever uma reportagem gonzo é necessário que o repórter participe da ação que vai relatar. O profissional precisa ter uma experiência para que a descrição seja baseada em suas sensações, o que gera verossimilhança com a realidade. Sendo assim, um texto feito nesse estilo acaba por ser algo mais pessoal, por utilizar comentários do próprio autor. Thompson se tornou conhecido ao escrever seus artigos sob efeito de entorpecentes, muitas vezes pesados. Essa realidade nunca foi escondida em seus textos, pelo contrário, ele deixava claro que se drogava. É por conta desse fato que até hoje algumas pessoas acreditam que o gonzo está ligado ao uso de álcool e outras drogas. Erro conceitual Para André Czarnobai - jornalista e escritor, autor da monografia Gonzo – O filho bastardo do New Journalism –, a ideia de que o estilo sempre foi ligado a drogas é um erro conceitual. “O gonzo pode ser classificado como um ramo do jornalismo literário, mas há uma quebra do principal paradigma do jornalismo, que recomenda a separação entre o repórter e o fato. É um estilo ligado à personalidade do seu autor”, esclarece Czarnobai. “É um gênero ou modelo de reportagem no qual o narrador, em primeira pessoa, inclui toda e qualquer impressão pessoal que achar necessário ou que conferir mais verossimilhança ao fato narrado. Essa é uma definição mais acadêmica. Posso dizer, na minha opinião, que o gonzo é uma forma de dizer tudo o que se pensa numa reportagem sem se importar com uma suposta objetividade que o jornalismo moderno (dos jornais diários e sites noticiosos) se propõe”, relata André Gomes Julião, autor do livro Caminho Ilumi-
nado: trilhando a rota do Jornalismo gonzo. Esse gênero, apesar de fugir às regras de objetividade e deixar a opinião e visão de mundo do repórter explícitas na reportagem, convive bem com o jornalismo tradicional. No entanto, não se misturam e, justamente por serem coisas distintas, não há competição entre os dois. “Alguns temas servem mais para as técnicas de gonzo, outros menos, e há espaço para ambos”, esclarece Czarnobai. Pelo fato do gonzo não ser um estilo muito divulgado, Czarnobai fala que é difícil introduzir esse gênero tanto na história do jornalismo quanto na da literatura e, assim, “passa longe da maioria das faculdades. Não sei se isso é bom ou ruim. Difícil dizer. No mercado, por outro lado, o preconceito não existe”, ressalta. No que diz respeito às regras, para o gonzo “as questões éticas são as mesmas do jornalismo objetivo”, alega Julião.
Reprodução
No Brasil, poucos aventureiros Com pouca expressão no país, o estilo é tratado como subjornalismo e possui poucos profissionais especializados
No Brasil, são poucos os profissionais que se atrevem a entrar no mundo gonzo. A figura brasileira mais conhecida é o repórterArthur Veríssimo, que trabalha na revista Trip [ver a entrevista com na página 3 deste fascículo] e se inspirou nos primeiros anos da sua carreira nas obras de Thompson. Ele viaja pelo mundo como repórter especial em busca de histórias, e as conta segundo suas experiências. Sempre diz que para ser um jornalista gonzo é preciso ter uma investigação apurada e aprofundada do tema. Nas universidades, ainda há estudantes interessados no assunto. Muitos deles escrevem monografias e livros. É o caso de André Gomes Julião, um dos autores da obra Caminho Iluminado: Trilhando a rota do Jornalismo Gonzo. “A experiência de escrever usando gonzo foi a melhor possível, tínhamos liberdade, pudemos pôr no papel todas as ideias”, afirma Julião.
DOIS PONTOS | 7
Reportagem | Mente inquieta
Reportagem | www
Devaneios de Foster
Nas ondas do mundo virtual
O escritor que deixou romances inacabados ao se suicidar aos 46 anos é frequentemente associado ao gonzo, mas o tradutor André Álvarez rejeita classificar o autor “dentro de uma caixinha”
Por Luana Figueiredo
N
ão só na ficção, mas também na vida real, David Foster Wallace, ou DFW para os adoradores do jornalista, escritor, professor e, para alguns, até filósofo, abandonou a potente carreira e dois amores (a esposa e um livro pela metade, um romance que se passa na Receita Federal dos EUA, The Pale King) ao se enforcar em 2008, no jardim de sua residência na Califórnia. Aos 46 anos Foster enfrentava, mais uma vez, o ápice da depressão que o atormentou quando mais jovem. “Talvez Foster seja o mais talentoso, virtuoso e errático autor dessa geração. Em 1996, ele se consagrou, definitivamente, quando lançou Infinite Jest (significa Zombaria Infinita). O romance é um catatau que definiu claramente o estilo e o potencial do autor, tanto com seu público quanto com a crítica da época”, destaca Andre Álvarez, escritor e tradutor que aprecia e estuda DFW. Os textos de Foster ficaram conhecidos por seus insights e o excesso de detalhes presentes nas amplas divagações sobre uma infinidade de assuntos. Por esse motivo, ele é tão frequentemente associado ao Jornalismo gonzo. O estilo revolucionário de escrever o tornou em um dos últimos cumes do filho bastardo (e mais caótico) do New Journalism. Engana-se quem acredita que é unânime a opinião a respeito do estilo literário de Foster. “O sujeito tinha uma mente brilhante e inquieta, era uma esponja de informação. Não é correto classificá-lo como Gonzo, pois Divultagação/Hachette Book Group
Foster se destacava pelo estilo alternativo e solitário 8 | DOIS PONTOS
Terreno fértil para as produções jornalísticas independentes, a internet é um espaço para a experimentação de técnicas narrativas
A
Por Bruna Porto o termo é uma subdivisão do New Journalism bem específica ao Hunter Thompson. A voz do DFW é muito pessoal, por isso é difícil colocá-lo numa caixinha e classificá-lo num estilo específico”, explica Álvarez. As particularidades “A característica principal do DFW é explorar cada um dos seus assuntos até o mínimo detalhe. Cada aspecto de uma situação leva sua narrativa para outro tema, e daí para novos detalhes e assim por diante. Daí a quantidade de notas de rodapé que pode deixar qualquer desavisado maluco. As digressões dele são longas e fascinantes, oferecem um retrato de como funciona uma mente inquieta e curiosa ao nível da agonia”, conclui Álvarez. Até 2013, apenas duas obras de Foster foram traduzidas para o português, são elas: Breves Entrevistas com Homens Hediondos e Ficando Longe do Fato de Já Estar Meio que Longe de Tudo. Apesar de já ter mais de 40 anos, o estilo DFW ainda é visto como algo moderno e inovador. Abaixo, leia um trecho de Isso é água, um dos textos mais famosos de DFW, feito para um discurso de formatura, quando ele foi paraninfo de formandos do Kenyon College (Gambier/Ohio, EUA), em 2005. “Boa parte das certezas que carrego comigo acabam se revelando totalmente equivocadas e ilusórias. Vou dar como exemplo uma de minhas convicções automáticas: tudo à minha volta respalda a crença profunda de que eu sou o centro absoluto do universo, de que sou a pessoa mais real, mais vital e essencial a viver hoje. Raramente mencionamos esse egocentrismo natural e básico, pois parece socialmente repulsivo, mas no fundo ele é familiar a todos nós. Ele faz parte de nossa configuração padrão, vem impresso em nossos circuitos ao nascermos. Querem ver? Todas as experiências pelas quais vocês passaram tiveram, sempre, um ponto central absoluto: vocês mesmos. O mundo que se apresenta para ser experimentado está diante de vocês, ou atrás, à esquerda ou à direita, na sua tevê, no seu monitor, ou onde for. Os pensamentos e sentimentos dos outros precisam achar um caminho para serem captados, enquanto o que vocês sentem e pensam é imediato, urgente, real. Não pensem que estou me preparando para fazer um sermão sobre compaixão, desprendimento ou outras “virtudes”. Essa não é uma questão de virtude [...]. Significa optar por me libertar desse egocentrismo profundo e literal que me faz ver e interpretar absolutamente tudo pelas lentes do meu ser.”
tualmente a internet é a grande vitrine para quem realiza produções alternativas. Sejam elas interessantes ou não, a rede é democrática, tem espaço para todos. O jornalismo gonzo parece ter encontrado seu lugar na jovem mídia. “A internet, pelas grandes possibilidades de se fazer um jornalismo independente, mesmo por não jornalistas, é o terreno mais fértil para o desenvolvimento do gonzo, em comparação com as mídias impressas”, diz Victor Viana, jornalista e blogger que pratica o gênero na internet e no tablóide O Perú Molhado (o jornal existe desde 1981 na versão impressa). No seu blog, Victor cita num post de 26 de outubro de 2012 sua relação com o jornal: “O gênero gonzo tinha apenas 20 anos quando o Perú começou sua louca historia Nesses trinta anos o Perú – que é o mais antigo jornal de interior em atividade no Brasil – conquistou fãs e inimigos na mesma proporção. Intencional ou não, o Perú realmente parece beber da fonte do jornalismo gonzo é fácil ver os traços desse gênero – que os mais conservadores nem consideram jornalismo – em suas notícias cheias de opinião e textos, nos quais muitas vezes o repórter e mesmo o editor falam de si mesmo e de suas aventuras.” A técnica O gênero possui como marca registrada o humor, a sátira e a liberdade, e não tem a menor pretensão de ser objetivo. Faz com que a ação narrativa se misture com a opinião do jornalista que está ali para isso mesmo: participar de sua obra, de cara limpa ou não. O estilo narrativo tem a ver com o mundo virtual, no qual vale a máxima de que se pode tudo. Esse é o típico jornalismo que se faz por conta própria e deixa os críticos inquietos. Os blogs são vistos como o formato ideal para explorar essa participação nas histórias. A plataforma gratuita e a liberdade na escrita também ditam essa marcação de espaço. A maioria dos sites e blogs que fazem uso da técnica costuma ter uma pegada divertida, com histórias inusitadas e engraçadas. E faz com que se tornem divulgadores do gênero. Em alguns, o internauta pode publicar seu diário virtual, matérias jornalísticas e crônicas. Por trás de numerosos sucessos no YouTube, o gonzo no formato vídeo caminha desde os anos 80. As denúncias online, a
desmoralização no perfil de um político, um trends topic ou uma gravação exibida em praça pública, tem o poder de perturbar e potencializar a solução de problemas. Os usuários que utilizam o gênero com intenção têm conhecimento do estilo de texto que abordam. Consideram mais vantajoso a ideia de escrever na internet, pois a linguagem é mais compreensível para o leitor “comum”. Porém, existem os que fazem uso e não sabem do que se trata. Buscam apenas humor e liberdade na narrativa, e o resultado é jornalismo gonzo, sem noção alguma de que isso exista e do que seja. No Brasil, são poucas as mídias impressas que adotam o uso da técnica. Na revista Piauí, por exemplo, em algumas matérias é possível observar o gênero sendo utilizado. A Revista Trip é uma referência de como a técnica ousada pode dar certo, mesmo com o advento da web. “A Trip é um bom modelo de jornalismo gonzo no impresso, visto que o gênero também implica em grandes reportagens em campo, ela costuma custear as viagens de seus repórteres, isso ajuda bastante”, conclui Viana.
Capa da primeira edição d’O Perú Molhado
Jornalismo gonzo encontra seu espaço na web. E um dos exemplos é o tabloide O Perú Molhado, que também é editado no formato impresso há mais de 30 anos DOIS PONTOS | 9
Reportagem | Produto x ideias
Resenha | Destaque
Procuramos independência!
Rum, utopias e jornalismo
No pequeno mercado de contracultura, algumas revistas no Brasil são recheadas de conteúdo transgressor
Por Renata Figueiredo
A
s revistas sempre foram um veículo de comunicação mais arejado que os jornais. Já que não estão presas à rigidez do ritmo diário, as pautas e os textos podem ser mais aprofundados, mais elaborados. Mas, mesmo com menos rigidez, elas não estão fora do molde industrial empregado aos meios de comunicação. Como todo produto, segue um padrão para ser vendido. Entretanto, nem tudo precisa ser encarado como um negócio no mundo do jornalismo. As revistas independentes têm em comum seu descompromisso com o mercado. Elas literalmente “chutam o pau da barraca”. E não é raro encontrar textos altamente críticos, nada conservadores, com muito humor, daqueles bem escrachados. Aliás, se você espera encontrar a indicação do melhor sei lá o que do ano, esquece. Pois o grande triunfo está justamente no fato de elas não falarem o que todas as outras falam. Mas que se dane! A revista Vice Land, ou para os íntimos apenas Vice, é um bom exemplo disso. Sua chegada ao Brasil aconteceu em 2009, um pouco tarde já que era publicação que veiculava em 18 países. De distribuição gratuita em alguns pontos específicos da cidade, característica comum desse tipo de mídia por sinal. É bem conhecida pela sua extravagância de como relata a realidade, é pura crítica ácida. De origem Canadense, surgiu da cabeça de três amigos - Shane Smith, Suroosh Alvi e Gavin Mclnnes - que após serem demitidos foram para os EUA, especificamente Nova York, onde encontraram o seu público. É politicamente incorreta e não faz a menor questão que você pense o contrário. Além da revista, também há um portal recheado de vídeos, fotos e textos e mais textos. “O tipo de matéria escrita em revistas independentes são genéricas, não tem uma ideia específica. Eu acho que é por isso que a Vice chama tanta atenção. Ela tem uma linguagem própria, tem um estilo. Não é apenas um produto, eles vendem ideias. A Vice tem essa ousadia de colocar a pauta que faz sentido pra ela”, afirma Fernando Hisi, jornalista freelancer, leitor da Vice. Nessa revista, o jornalismo gonzo tem vez sempre!
10 | DOIS PONTOS
Faça você mesmo Um outro exemplo é a Zupi, uma revista
conhecida pelos aspirantes à arte. Criada por Allan Szacher que, apesar do nome alemão, é brasileiro, paulista. Tudo começou em seu recém-estúdio Zupi Design, em 2001. Sabe aquela coisa de “I have a dream”. Então, foi bem nesse espírito que Allan projetou a revista, que só foi lançada mesmo em 2006. A ideia era que o conteúdo fosse o que os designers querem ver. Então, o que você vai encontrar é pouco texto e muita imagem. Para os interessados, a revista é paga e é vendida em galerias e livrarias, mas você pode desfrutar um pouco do seu conteúdo e encontrar os pontos de venda no portal Zupi. As capas da revista são obras de arte cuidadosamente planejadas. “Enfrentamos dificuldades, claro. Por exemplo, achar pessoas que acreditem que arte e cultura são importantes. Mas nunca desisti, porque durante esses anos ajudamos muitos artistas a ter reconhecimento”, esclarece Allan, criador da Zupi. Outra de distribuição gratuita, assim como a Vice, é a revista + Soma. Também brasileira, desenvolvida pelo estúdio Kultur, foi crida em 2007 e desde então a cada dois meses é feita uma nova produção. Especializada em todos os segmentos de cultura. É uma revista para quem pretende conhecer novos artistas, principalmente para quem gosta de música. Tem um portal também, onde é possível ler a versão digital, além é claro, ler resenhas de shows e CDs.
Para navegar
O
Por Luana Figueiredo
longa inspirado na obra The Rum Diary, símbolo do Gonzojornalismo, Hunter S. Thompson, se passa na década de 1950 e traz Paul Kemp (Johnny Depp), como protagonista da trama. Cansado da vida nos EUA, Kemp decide tentar a vida em Porto Rico, onde recomeça do zero e consegue emprego em um jornal à beira da falência. O prepotente chefe de redação, Lotterman (Richard Jenkins), não vai com a cara de Kemp e o coloca para fazer o que menos queria: a seção de horóscopos. Com os dias regados a muito rum, Kemp passa a maior parte do tempo bêbado, o que parece ser o alter ego de Thompson. Mesmo embriagado, ele é um jornalista extremamente lúcido com pensamentos ideológicos a respeito da sociedade ideal. Entre uma confusão e outra com os companheiros de trabalho e de moradia, Sala (Michael Rispoli) e Moburg (Giovanni Ribisi), Kemp conhece Sanderson (Aaron Eckhart), um ganancioso empresário que o convida para participar, de “maneira jornalística”, de um projeto que visa transfor-
mar uma ilha do país latino em um resort de luxo para público seleto. Ao saber dos truques e planos de Sanderson, Kemp se vê num dilema: fazer o artigo (propaganda) da hospedagem, e lucrar, ou recolher informações para fazer uma reportagem denúncia. Em meio às alternativas, Kemp se apaixona pela namorada de Sanderson, Chenault (AmberHeard). O ápice da trama ocorre quando o louco jornalista (e bêbado) viaja com Sala para conhecer a tão falada Ilha e, entre uma festa e outra, briga com Sanderson por causa de Chenault e acaba por perder a parceria que o tornaria um jornalista rico, o que é quase utopia para os normais. O espectador fica quase às traças, pois mesmo sem ter contato com o livro, a impressão que se tem ao ver o começo do filme, onde Kemp acorda totalmente alcoolizado em um quarto de hotel, é que dali em diante viriam cenas agitadas e alucinantes, o que não acontece. Ainda assim, o filme é uma boa pedida para quem busca entender, e conhecer, um pouco mais sobre o estilo de Hunter e até mesmo a outra face do pai do gonzo.
Estante fundamental Breves Entrevistas com Homens Hediondos, de David Foster Wallace (Companhia das Letras) “Encontrei neste livro uma dose de prolixidade necessária. É como se o autor se utilizasse de seu modo super detalhado de narração para incutir críticas dentro de um contexto crítico maior. A forma lembra pontos da nossa geração, fragmentada.” Vilto Reis, redator publicitário e editor do site Homo Literatus em Blumenau/SC.
Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo, de David Foster Wallace (Companhia das Letras)
http://www.zupi.com.br/revista-de-arte-e-criatividade-zupi/
“A capacidade de Foster para encontrar reflexão nos lugares mais inusitados diz muito sobre a percepção que uma pessoa pode ter da vida e de tudo o que a rodeia, mostrando que cada coisa está intimamente ligada ao que somos e ao que queremos ser.”
http://www.soma.am/
Taize Odelli, jornalista, webwriter e resenhista literária
Quer conhecer essas publicações? Navegue por aí: http://www.vice.com/pt_br/
Serviço Filme: The Rum Diary – Diário de um Jornalista Bêbado (110min) Origem / Ano: EUA / 2011 Diretor: Bruce Robinson
Hell’s Angels, de Hunter Thompson (Conrad)
“Marca a memória do leitor. Não só por mostrar uma realidade vivida de modo selvagem, mas porque Hunter conseguiu descortinar atitudes violentas em motivações complexas de indivíduos que só conseguiram alcançar um tipo de status em uma sociedade confusa e frívola: a marginalidade.” Thiago Skárnio, coordenador do Pontão Ganesha de Cultura Digital e diretor da Alquimídia.org
Rolling Stone - revista “A revista é um paralelo de épocas que resgata a música em si e seus derivados artísticos, sem esquecer-se das novidades do cenário musical. O conteúdo de qualidade é uma das características que representam a RS e a utopia de qualquer pessoa que se interesse por música.” Aline Witistophen, estudante de psicologia e social media DOIS PONTOS | 11
Crônica | Relato poético
Gonzovision Por Bruna Molina
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qui em São Paulo atualmente é o seguinte: nego quer começar um projeto que demanda uma quantia considerável em dinheiro (que ele não tem), então vai fazer a famosa vaquinha online, mas chamam de crowdfunding porque soa mais bonito. É como se estivessem pedindo uma grana no farol, entre os carros, só que na internet. Mais chique. Como a cidade é superlotada, sempre há uma boa alma para ajudar. E esse pessoal acaba por conseguir arrecadar o necessário. Um amigo meu, João Andrade, quer juntar num livro todos os textos que escreveu. Ele acessou um desses sites e criou um pedido de arrecadação, quem gostou do seu trabalho ajudou. Fácil assim. Ele já vai publicar no mês que vem. João se formou em jornalismo junto comigo. Acho desnecessário informar o ano, sinto o peso dos “enta” e começou a crise. Uns cinco anos depois de formado, ele resolveu criar um blog,
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O trabalho do meu colega, no fim, fugiu um pouco do jornalismo tradicional
12 | DOIS PONTOS
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pensava na modernidade. Bom, ele se aperfeiçoou de tal forma em webwritting e story telling (outros malditos nomes em inglês!) que hoje todos querem ler o que ele escreve. O trabalho do meu colega, no fim, fugiu um pouco do jornalismo tradicional. É muita narrativa, historinha, blábláblá... Não tem notícia. Mesmo assim o povo gosta. Devo estar velha demais pra enfiar tanta inovação na cabeça. Será que é tão difícil ser conciso, ter objetividade? Para que enrolar, encher linguiça. Só pra prender a atenção dos leitores? Eles precisam de informação! Tá legal, às vezes, eu sou dura demais. Mas não mudo minha opinião. Agora tudo tem um nome estrangeiro, o português cria palavras baseadas em outras línguas, para qualquer coisa que você imaginar tem um sistema online pra fazer dar certo. Ninguém corre atrás como antes. Com a internet e o telefone em mãos não preciso levantar a bunda da cadeira. O Andrade diz que os textos dele são jornalísticos também, se encaixam numa categoria diferente, que quase nenhum profissional usa. Por isso, o preconceito. Ele pode até acreditar nisso, porém, aquilo está longe de ser o que aprendi na faculdade. João fala que sou muito séria. É porque ele nunca trabalhou no impresso... Convidou-me para escrever um outro livro com ele, para publicar daqui a uns meses. Disse que ia pensar, mas liguei pro João e disse que não queria. Ele até já tinha feito o esquema de arrecadar fundos pela internet, com a ajuda de usuários. Mas essa ideia de contar histórias, “tudo dentro do jornalismo”, como ele gosta de enfatizar... Não sei, não. Pelo menos é uma maneira bem mais rápida de ganhar dinheiro. Não iríamos depender de editora e tal. Nós dois que escreveríamos e editaríamos tudo. Sei lá, estou acostumada às matérias que faço diariamente pro jornal. Quer saber? Depois de tanta mesmice, vou me arriscar. Andrade me ajuda, ele já está nessa área há muito mais tempo. Tô ligando pra ele agora. Não, melhor, vou mandar um recado via chat.