FASCÍCULOS DE JORNALISMO - COMPREENDER A PROFISSÃO
Extravagante e exagerado
Nos EUA ele nasceu com o singelo nome Yellow Press. Aqui no Brasil foi apelidado de Imprensa Marron. Não importa a cor, mas elas dizem a mesma coisa: sensacionalismo. É um jornalismo que usa e abusa dos adjetivos e que se pauta pela espetacularização da notícia ENTREVISTA
Cristina Barbosa alerta: “A produção de uma matéria sensacionalista não contextualiza os fatos”
REPORTAGEM
Notícias Populares, jornal já falecido, sumiu com o rei Roberto Carlos e fez nascer um bebê-diabo
Apresentação | Caro leitor
Expediente
A notícia como espetáculo
O
fascículo Sensacionalismo apresenta aos estudantes de jornalismo a linha tênue que delimita o mau uso do jornalismo, quando o exagero entra em pauta. Às vezes, é simples definirmos o que nos parece ser uma notícia transformada em espetáculo: o exagero, a invasão, a exploração do drama humano. Entretanto, nem sempre essa linha divisória fica clara. Mesmo em uma apuração mais séria, o veículo pode “carregar” no tom. Esclarecer o que é sensacionalismo não é simples e objetivo. Uma das grandes questões: essa é uma prática associada sempre ao jornalismo mais popular? Veremos. Neste fascículo vamos conhecer as facetas que o sensacionalismo pode ter no jornalismo. Vamos abordar as questões éticas que entrelaçam o tema. Vamos buscar esclarecer o surgimento do termo Imprensa Marrom. Vamos ver como o sensacionalismo aparece no rádio, televisão, impresso e internet, identificando as formas de manipulação presentes na mídia. O sensacionalismo geralmente está associado à busca busca de audiência, com uma carga emotiva meramente apelativa.
Seção | Conceito “O grau mais radical da mercantilizarção da informação: tudo o que se vende é aparência e, na verdade, vende-se aquilo que a informação interna não irá desenvolver melhor do que a manchete. Esta está carregada de apelos às carências psíquicas das pessoas e explora-as de forma sádica, caluniadora e ridicularizadora. (...) No jornalismo sensacionalista as notícias funcionam como pseudo-alimentos às carências do espírito (...) O jornalismo sensacionalista extrai do fato, da notícia, a sua carga emotiva e apelativa e a enaltece. Fabrica uma nova notícia que a partir daí passa a se vender por si mesma" Ciro Marcondes Filho, O Capital da Notícia, Editora Ática, pág 66 " O modo sensacionalista de construção do fato, então, escolhe aspectos representáveis da vida porque precisa suscitar interesse e estimular a atenção do leitor, o qual deve ser orientado na sua simpatia e emoções, supostamente já conhecidas. Por essa razão, os aspectos temáticos valorizados são sempre coloridos pela emoção [...] Esse modo de cativar/seduzir/encantar o leitor é buscado no efeito de fantástico (que inspira admiração, medo, curiosidade pelo real exagerado e engendrado discursivamente como extravagante, mas verossímil)." Rosa Nívea Pedroso, A construção do discurso de sedução em um jornal sensacionalista, Editora Annablume, pág 112 "Como mostra Brasil Urgente, o telejornalismo dramático afasta-se do telejornalismo tradicional pela performance de José Luiz Datena. Os apresentadores dos telejornais tradicionais procuram estabelecer distanciamento das notícias, o anúncio das matérias é preparado, transmitido pelo teleprompter e impresso, caso haja alguma falha no equipamento. Já em Brasil Urgente, quando anuncia os casos, Datena traz outros conteúdos para a construção de sua fala, encenada de maneira espontânea e improvisada." Lígia Lana, Para Além do Sensacionalismo, Editora E-papers, pág 76
Chanceler Alzira Altenfelder Silva Mesquita Reitor José Reinaldo Altenfelder Silva Mesquita Pró-reitor de Graduação Luis Antônio Baffile Leoni Pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Alberto Mesquita Filho Pró-reitoria de Extensão Lílian Brando G. Mesquita Diretor da Faculdade de LACCE Rosário Antonio D’Agostino Coordenação do Curso de Jornalismo Anderson Fazoli
Dois Pontos é um projeto experimental dos alunos de jornalismo (3ACSNJO e 3MCSNJO), desenvolvido na disciplina Jornalismo Impresso, em 2013. Orientação e Coordenação editorial Profa. Jaqueline Lemos (MTB 657/GO) Revisão Profª. Maria Cristina Barbosa Diagramação e Capa Alexandre Ofélio (MTB 62748/SP) Redação Editor assistente Yago Lozano (R.A. 201104221) Repórteres Larissa Lima (R.A. 201010452) Luana Hoepers (R.A. 201110141) Monique Ronqui (RA 201010403) Tatiane Teixeira (R.A. 201110057) Taynara Cristhine (R.A. 201106968) Zenildes Mota (R.A. 201110040)
2 | DOIS PONTOS
Pingue-Pongue | Cristina Barbosa
A exposição da vida privada
Indiscreto e inconveniente, são duas das características existentes na prática jornalística que preza por notícias violentas, exageradas ou desagradáveis
C Por Larissa Lima
onhecido também com o sugestivo nome de ‘’jornalismo do horror’’, essa é uma prática que está presente na maior parte das notícias de caráter catastrófico e em veículos de comunicação mais populares. Entretanto, podemos encontra-lo sutilmente nos veículos tradicionais e sérios. A professora Maria Cristina Brito Barbosa é formada em jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo e Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ela estudou o sensacionalismo na sua dissertação de mestrado. Nesta entrevista para o fascículo Dois Pontos, ela procura fazer uma síntese do tema.
Dois Pontos: Pode-se dizer que essa prática ganhou força devido à competição existente entre os veículos de comunicação? Cristina Barbosa: Podemos. O sensacionalismo é uma técnica jornalística. Mesmo como linguagem, que alguns jornalistas chamam de ‘’aprimoramento da linguagem jornalística’’, podemos dizer que o intuito é vender. Mas o que vemos hoje é uma generalização da prática. É uma questão muito mais ligada aos tipos de temas e à forma de colocar as notícias. Esse é um seguimento que simplesmente carrega no tom. A produção de uma matéria sensacionalista não contextualiza os fatos. Outra questão é que ele a personaliza.
“
A TV consegue potencializar o sensacionalismo porque ele dá Ibope
”
Dois Pontos: Notícia ruim vende mais? Cristina Barbosa: Cria-se o hábito no leitor, principalmente no telespectador, porque a imagem pesa demais. A televisão consegue potencializar o sensacionalismo e ao longo dos anos isso foi se acentuando. Por quê? Porque ele dá Ibope!
Larissa Lima
Dois Pontos: Quando uma notícia deixa de ser informação para se tornar sensacionalismo? Cristina Barbosa: Na minha avaliação, ela deixa de ser notícia quando simplesmente não tem informação. Acredito que a produção da notícia deixou de ser importante. Porque hoje não se trabalha mais a informação. Dois Pontos: Existe alguma maneira de acabar com o sensacionalismo? Cristina Barbosa: A maneira de mudar está na mão da nova geração de jornalistas, que tem muito mais condições de começar a reverter tudo isso. Afinal, esse não é um padrão muito aceito pela maioria.
Professora de Ética analisa as facetas do sensacionalismo
Dois Pontos: A população consegue contribuir para essa mudança? Cristina Barbosa: Tivemos uma época de sensacionalismo muito forte no jornal impresso. E isso foi se amenizando. Hoje não temos mais um jornal como o Notícias Popu- as que só são lembrados pela cobertura jorlares. E não sei se é por que a televisão está fa- nalística nos casos de tragédias e catástrofes. zendo esse papel (risos). Eu espero que não. Dois Pontos: É possível definir o significado Dois Pontos: O sensacionalismo expõe mais de sensacionalismo? as pessoas com menos recursos financeiros? Cristina Barbosa: É uma mercadoria que Cristina Barbosa: Por exemplo, as cidades vende! E se ela vende, continuará a ser propobres só aparecem nos programas sensa- duzida. Pode ser sutil, muito presente nos cionalistas. Ficam esquecidas e só aparecem jornais que se dizem sérios, ou não. Afinal, quando alguém foi estrangulado. Existem essa é uma prática que varia de intensidade. determinados grupos sociais, regiões ou áre- Essa é a única diferença, a intensidade. DOIS PONTOS | 3
Reportagem | Ondas sonoras
Reportagem | TV
O clássico apelativo
O preço do sucesso
Da redação
Por Tatiane Teixeira
Veículo de comunicação que durante décadas foi o mais popular no Brasil, o rádio é também um tipo de mídia que tem exemplos vários de práticas sensacionalistas
E
le está presente em 88,1% dos lares brasileiros brasileiros. De acordo com dados da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e do Ministério das Comunicações, o rádio só é menos popular que a TV, que tem penetração em cerca de 97% dos domicílios. As informações apuradas em 2013, ainda mostram que o país tem cerca de 9,4 mil emissoras de rádio em funcionamento, incluindo aquelas comerciais (AM e FM) e as comunitárias. O número de aparelhos de rádio ultrapassa 200 milhões, além de 23,9 milhões de receptores em automóveis e do acesso por aparelhos celulares, que somam cerca de 90 milhões. Dá para perceber que o rádio é, de fato, um veículo popular e de forte presença na vida da maioria dos brasileiros. Entretando, ser popular não é sinônimo de sensacionalismo. Um aspecto importante é a linguagem utilizada. De acordo com Danilo Angrimanni, autor do livro Espreme que sai sangue (ver referências na pág 11 deste fascículo), a forma como a informação é passada é uma das principais características do tom sensacionalista. “No rádio, o programa sensacionalista não pode se limitar a informar que Fulano de Tal matou Sicrano por ciúmes. É importante entrevistar o assassino para que ele descreva detalhadamente como foi o crime, quantas facadas deu no rival, se está arrependido ou se faria de novo”, esclarece Angrimani no livro. O autor continua: “A edição deve ser nervosa. Mesclar depoimentos e a narração de um locutor experiente em dramatizar a notícia. [...] A tendência do programa sensacionalista de rádio é intercalar a opinião de um comentarista com o depoimento do criminoso. Como se fosse em capítulos, o assassino conta como agiu e, em cada interrupção da edição, entra o comentarista xingando, vociferando, exteriorizando e socializando a repulsa do público.” Angrimani analisa os detalhes do processo de edição de um programa sensacionalista. “O comentarista diz aquilo que o ouvinte gostaria de estar dizendo para o criminoso. O ouvinte não sabe que se trata de um trabalho de edição. Imagina que o comentarista e o assassino estão face a face. Isso dá mais satisfação ainda aos ouvintes que sentem inveja da coragem do comentarista em desafiar um criminoso confesso.”
4 | DOIS PONTOS
Apelo popular Os radialistas Gil Gomes e Afanásio Ja-
zadji são dois exemplos de pessoas que fizeram fama no mundo do rádio em São Paulo ao comandarem programas sensacionalistas que cobriam temáticas do campo do jornalismo policial. Nos anos 1980, eles passaram a apresentar programas com narrativas teatralizadas de crimes que ocorriam nas regiões periféricas da cidade de São Paulo. Gil Gomes, que iniciou sua carreira no rádio mas depois foi para a TV, há anos não atua mais como apresentador ou repórter. Ele sofre de Mal de Parkinson. Já Afanásio Jazadji chegou a ter mais de 1 milhão de ouvintes na cidade de São Paulo no auge da sua carreira. É um recorde obtido em agosto de 1983 quando ele apresentava o programa Patrulha da Cidade pela Rádio Globo de São Paulo. Mais tarde, em 1987, Jazadji trabalhava na Rádio Capital, quando um justiceiro chamado Chico Pé de Pato, prestes a ser preso pela polícia concordou em se entregar, mas só o faria desde que o radialista estivesse junto. As entrevistas que o radialista fez com o justiceiro tiveram ampla repercussão. Chico Pé de Pato era uma espécie de “herói popular” no Jardins das Oliveiras, na Zona Leste de SP, pois assassinava criminosos que agiam no bairro. Da visibilidade na cobertura policial, Afanásio Jazadji saltou para a política. Foi deputado estadual em São Paulo por cinco mandatos consecutivos, em partidos distintos incluindo o antigo PFL. SUGESTÃO DE LEITURA
Narrativas Do Medo - O Jornalismo de Sensaçoes além do sensacionalismo, de Leticia Cantarela Matheus, Editora Mauad X, 2011
A procura desesperada por audiência na televisão pode levar ao telespectador o que ele supostamente quer, mas não o que ele precisa
O
s telejornais brasileiros são feitos para diferentes tipos de público, entre eles temos alguns para as camadas mais altas da sociedade, que buscam passar informações relevantes para o grupo, e outros voltados para blocos com menos poder aquisitivo, os programas direcionados para os grupo C, D e E são voltados para a venda de espaço publicitário, ou seja, priorizando a audiência, um jornal televisivo que possuí essa linha de raciocínio transforma as notícias em um espetáculo de emoções. O telejornal no padrão sensacionalista traz muito dinheiro e espectadores para as emissoras e tem se tornado corriqueiro na luta pelos investimentos publicitários. “O sensacionalismo na televisão brasileira em geral é um jornalismo que vive de matérias factuais, bordões e carregado de opiniões e adjetivos. E quase sempre é muito parcial, vivendo da interpretação dos fatos a partir dos olhos do apresentador”, é o que diz José Dacauaziliquá (Dacau), produtor do programa Conexão Repórter do SBT. Esse tipo de telejornal pode transformar a notícia em um show, o público fica submetido a notícias enganosas e mascaradas. “O público da televisão brasileira em sua maioria é formado pelas camadas mais simples e com um nível de escolaridade menor. Por isso acredito que essa parte da população se identifica com o conteúdo dos produtos sensacionalistas, outro motivo seria a identificação com o apresentador que é um porta-voz, já que a população se sente desamparadas de alguma fora pelo Estado”, afima Dacau. O produtor esclarece que esse telespectador mais simples busca se reconhecer os jornais de caráter espetaculoso. Adaptação A TV Globo decidiu, em 2011, transformar o Bom dia Brasil em um produto jornalístico para a cobiçada classe C, uma tática para atrair mais audiência, que desde 2003 vinha caindo, a queda foi de 15,2 % das TV’s ligadas assistindo o programa. (Pesquisa apresentada pela Folha de São Paulo em 17 de julho de 2011). Hoje o programa traz mais notícias para a classe C e tem como apresentador Chico Pinheiro que é em rosto conhecido pelos telespectadores. A TV Globo perdeu audiência, no horário matutino, para o programa Fala Brasil, da Record, que tem um caráter mais emocional. Por exemplo, no dia 3 de junho de 2013 o
jornal mostrou, o caso do menino de 2 anos que morreu em um incêndio em Santa Catarina, e mais outras 5 notícias de caráter emocional. “Desde que a audiência, infelizmente, virou padrão de qualidade, quem se preocupa muito com números acaba recorrendo ao sensacionalismo, mas esquece que é melhor ter pouca audiência falando sobre algo interessante, que mude alguma coisa, do que mostrar somente notas apelativas”, diz Mauricio Meirelles, repórter do programa CQC da Bandeirantes. “Se o programa que usa e abusa de conteúdo sensacionalista existe é porque as pessoas querem assistir. O dia que a fórmula cansar e não der mais audiência, esse tipo de programa acaba”, defende Dacau. Ele acredita que o fim do sensacionalismo televisivo só virá se houver uma mudança do comportamento do público. Análise do fenômeno A pesquisadora Lígia Lana concluiu sua dissertação de mestrado em 2007 na Universidade Federal de Minas Gerais com a análise do programa Brasil Urgente [ver sugestão de leitura nesta página]. Ao remontar um breve histórico do telejornalismo dramático no Brasil, a autora escreve: “Desde a segunda metade da década de 1990, a televisão brasileira não é mais a mesma. O fenômeno da programação popular trouxe para as telas personagens e temas antes restritos a algumas raras emissões, como era O Homem do Sapato Branco. Pessoas comuns começaram a ganhar cada vez mais a atenção dos programas televisivos, que passaram a apresentar em seus quadros histórias íntimas, dramáticas e reais. Os desastres e acidentes, as emoções e intimidades espalharam-se por diferentes programas da TV, não constituindo um gênero específico, mas definindo uma mudança nos padrões da programação. Com suas próprias histórias, anônimos e desconhecidos tornaram-se fundamentais em programas de auditório dominicais, telejornais ‘policiais’, reality shows e programas de aconselhamento psicológico”. Lana continua sua análise na pesquisa: “Ainda que acusados de sensacionalismo, os programas populares alcançaram sucesso e altos índices de audiência desde seu surgimento. Ao mesmo tempo, sofreram muitas críticas e diferentes setores da sociedade que, em defesa de uma TV de qualidade, pressionaram as emissoras e, em certa medida, obtiveram sucesso, já que alguns programas foram retirados do ar e a programação teve seu
desenho levemente modificado. Contudo, o debate em torno da questão e os próprios programas ainda permanecem em pauta. Tanto os programas, que trazem imagens de um Brasil carente e desigual, quanto a mobilização da sociedade mostram que o fenômeno midiático ‘programas populares’ representa um marco para a televisão brasileira”.
SUGESTÃO DE LEITURA
Para além do sensacionalismo: uma análise do telejornal Brasil Urgente, de Ligia Lana Editora E-papers, 2009 DOIS PONTOS | 5
Reportagem | Capa
O peso do espetáculo O sensacionalismo, prática conhecida como Imprensa Marrom no Brasil, está presente no jornalismo desde o surgimento da profissão Por Luana Hoepers
O
estudante que pretende seguir a profissão de jornalista deve ficar atento às etapas de apuração de uma notícia, por exigir responsabilidade na veiculação das informações, que poderá atingir um grande público, dependendo do veículo. Desde o surgimento dos jornais, através da prensa desenvolvida por Johannes Gutenberg em 1442, até atualmente com o mundo das informações digitais, os acontecimentos históricos pelo mundo influenciaram a conduta ética da profissão. Mas nem sempre a ética anda de mãos dadas com o jornlismo. Uma das faces do erro é justamente o sensacionalismo. O que ele é, afinal? O próprio termo já nos dá pistas para uma resposta. Trata-se de uma estratégia editorial demarcada pelo exagero em busca de maior audiência ou leitores. É uma prática mais comum nos veículos de massa, mas não é uma “invenção” do jornalismo contemporâneo. É possível verificar exemplos do sensacionalismo desde os primórdios da imprensa, mas foi nos EUA no final do século 19 que essa estratégia editorial ganhou os contornos atuais [ver box abaixo].
De acordo com Márcia Franz Amaral, professora da Universidade Federal de Santa Maria e pesquisadora sobre jornalismo popular e sensacionalismo, a expressão Imprensa Marrom tem origem no termo imprimeur marron, utilizado na França para denominar impressores ilegais do século 19. Já Alberto Dines, jornalista e diretor do Observatório da Imprensa, conta que a expressão foi usada pela primeira vez, em 1960, no Diário da Noite (RJ), pelo chefe de reportagem Francisco Calazans Fernandes. O epísódio é narrado no verbete Imprensa marrom no Dicionário de Comnicação (Rabaça&Barbosa). Segundo conta Dines: “Estávamos preparando de madrugada a edição do Diário da Noite (DN) e a manchete tratava do suicídio de um rapaz que tinha sido chantageado por uma revista de escândalos. A manchete mencionava um ‘suicídio causado pela imprensa amarela’ (era o termo que eu conhecia, yellow press). Quando Calazans, que não conhecia os antecedentes históricos, viu a manchete, disse: ‘na minha terra, amarelo é cor alegre, põe marrom [pois é a cor dos excrementos]. O DN passou a adotar esse expressão, sendo logo seguido Amarela ou Marrom? Para designar esse tipo de prática jorna- pelos demais jornais”. lística um dos termos usados é Yellow Press. Mídias do espetáculo No Brasil, entretanto, o termo mais comum é A notícia sensacionalista aparece em toImprensa Marrom. Existem duas explicações para o uso do termo diferenciado no Brasil. dos os meios de comunicação. Moisés Ste-
A extravagância da competição De acordo com o Dicionário de Comnicação (Rabaça&Barbosa), a expressão Yellow Press “sugiu nos Estados Unidos, em fins do século 19, no auge da competição entre o jornal New York World (de Joseph Pulitzer) e o Morning Journal (de Randolph Hearst), pela conquista dos leitores novaiorquinos. Surgiram nessa fase alguns dos elementos que lançaram as bases do jornalismo moderno: manchetes garrafais, artigos sensacionalistas, seções esportivas, numerosas ilustrações etc. O jornal World, concentrando esforços sobre o suplemento dominical, passou a estampar desenhos de Outcault (Yellow Kid) impressos em cor amarela, para atrair atenção do público. Os primórdios das Histórias em Quadrinhos estão, assim, vinculados também às origens do jornalismo sensacionalista. A competição entre esses dois jornais refletiu-se em inúmeros outros órgãos de imprensa, que levaram o sensacionalismo às últimas consequências, apelando para o escândalo, a intriga política, o achaque, a chantagem etc.”
6 | DOIS PONTOS
Reprodução
Yellow Kid, personagem criado por Richard Outcault
fano Barel, mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, explica a influência da televisão e das novas mídias na sociedade. “A internet é uma mídia pautada pela overdose de informações e, na maior parte dos casos, quantidade não combina com qualidade”, diz. Segundo o professor, o despreparo profissional, incapacidade analítica, carência cultural, histórica e econômica são fatores que podem comprometer a seriedade do jornalista. “Não só pode influenciar os novos profissionais, como ‘fisgar’ aqueles que já atuam na profissão. Os conglomerados jornalísticos mais se parecem com empresas de entretenimento do que com grupos que vendem informações qualitativas”, complementa. Como tomar cuidado? O jornalista deve prestar atenção às regras fundamentais que envolvem o processo de apurar, redigir e editar uma informação, antes da publicação. Porém, uma prática comum dessa profissão é o sensacionalismo, que está associada a conceitos como explorações de fatos não corriqueiros, apelo emocional sobre a informação apurada e interesses mercadológicos que podem influenciar diretamente o público que vai consumir a mensagem jornalística. Para Rômulo Tondo, jornalista e consultor de Comunicação e Novas Mídias do Conselho Municipal de Santa Maria, o sensacionalismo sempre esteve presente na sociedade. “Lembro-me bem de reportagens com esse teor sensacionalista provenientes do programa Aqui Agora, do SBT, em meados dos anos 90. Muda-se a roupagem, mas matérias de violência, sangue e outros elementos dão espaço para emergir um âncora que tenha uma tendência espetacular e se sobrepõe ao caráter noticioso”, esclarece. O sensacionalismo busca uma audiência para as notícias, a fim de atrair um grande público e seu principal enfoque é atingir as classes sociais de baixa renda com notícias populares. “Estamos anestesiados com esse processo e deixamos que a mídia nos envolva com essa construção do real”, acrescenta Tondo. Características Em busca da audiência, de mais visibilidade, de mais leitores, o sensacionalismo
apela para as emoções de forma exagerada, omite alguns fatos e, ao mesmo tempo, dá atenção demasiada a outros. Dados são deturpados ou exagerados. O drama e a dor são elevados ao foco da notícia. Na mídia impressa (jornais e revistas) o uso de letras destacadas (manchetes garrafais no jargão jornalístico), o abuso de adjetivos e as cores chamativas são algumas das caracterísiticas desse tipo de publicação. Outro
aspecto importante do sensacionalismo é a sua tendência à simplificação da realidade, com o uso de recursos típicos do senso comum, o que facilitaria a compreensão de temas mais densos, como política e economia, por exemplo. O tom apelativo da notícia com o claro intuito de ganhar a atenção do leitor, é o principal objetivo dos veículos de comunicação que são sensacionalistas.
SUGESTÕES DE LEITURA
Showrnalismo - a notícia como espetáculo, de José Arbex Jr., Editora Casa Amarela
Comunicação e sociedade do espetáculo, de Claudio Novaes Pinto Coelho e Valdir Castro / Paulus Editora DOIS PONTOS | 7
Reportagem | História
Reportagem | NP
A razão de viver de Samuel Wainer
No mundo das notícias bizarras
Por Taynara Cristhine
Por Zenildes Mota
Ultima Hora foi um jornal que conseguiu reunir um time seleto de repórteres, colunistas e cronistas. Também soube explorar pautas de interesse popular e com forte apelo emocional
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Reprodução / Arquivo Público do Estado SP
Reprodução / Arquivo Público do Estado SP
opular, vibrante e ousado. Assim foi a Ultima Hora, um jornal que nasceu em 1951 e trouxe inovações relevantes para a imprensa brasileira. “Uma revolução azul. A Última Hora foi um divisor de águas, a mais importante das revoluções que Samuel Wainer fez ao longo da sua vida. [...] O vespertino Última Hora antecipou os anos dourados de JK, combinou um jornalismo vibrante, popular, com sofisticação cultural, colocou Nelson Rodrigues ao lado de Vinicius de Moraes, uma dupla impossível e impensável”. “O grande triunfo deste repórter-estrela, que tornou-se dono de uma cadeia de jornais, foi justamente a razão de sua queda: os barões da imprensa não queriam um intruso, sobretudo sendo filho de imigrantes judeus,” definiu Alberto Dines no editorial do Observatório da Imprensa na TV (OI-TV)em 22 de novembro de 2011, quando o programa fez um especial sobre os 60 anos de fundação da UH. Uma das maiores inovações do jornal foi justamente na diagramação. As manchetes com letras garrafais, as fotos amplas que ocupavam até 50% da primeira página, o logtipo azul foram algumas das novidades que a UH trouxe para a imprensa da época. O periódico tinha apelo popular. No seu auge, décadas de 1950 e 1960, circulava em todo o Brasil e mantinha sede própria em diversos estados - Rio de Janeiro, Minas Manchetes garrafais da Ultima Hora em Gerais, São Paulo, Paraná, Pernambuco e Rio Grande do Sul. dois momentos cruciais da política Domingos Meirelles, ex-repórter da Úlbrasileira: o suicídio de Vargas (1954) tima Hora, relatou para o Observatório da e o governo Jango (1961) Imprensa que a redação do jornal tinha um
time de primeira de repórteres, colunistas e cronistas. Ao mesmo tempo, “a Última Hora conseguiu reproduzir os sentimentos do cidadão comum, as suas queixas, as suas aflições. A Última Hora era um espelho da realidade brasileira que você não encontrava em outros jornais,” analisou Meirelles no Observatório. Na edição de lançamento do jornal, em 12 de junho de 1951 no Rio de Janeiro, o jornal publicou uma carta de Getúlio Vargas na qual ele, então presidente da República, saudava o nascimento da UH. A proximidade do jornal com o governo Vargas foi outra característica do periódico. Talvez por isso, as questões populares tinham espaço garantido no jornal, que mantinha colunas voltadas para o trabalhador e tratava problemas como o preço de alimentos em destaque. O futebol foi outro tema relevante nas edições do jornal. “A meu ver, as capas do jornal Última Hora eram sim apelativas e sensacionalistas (a julgar pelas manchetes principais ‘estouradas’), lembrando que o jornal era a favor do governo de Getúlio Vargas. Mas para os padrões da época, o jornal trouxe inovações técnicas e gráficas”, diz Maurício Domingues, da Editora Abril. Coleção digitalizada O governo do Estado de São Paulo foi responsável por transformar as edições da Última Hora em arquivo digitalizados para consulta e análise pública no portal Arquivo Público do Estado de São Paulo. O acervo é composto por 166 mil fotografias, 600 mil negativos, 2.223 ilustrações e uma coleção de edições da UH. O acesso ao material pode ser feito no endereço http://www.arquivoestado.sp.gov.br/uhdigital.
SUGESTÕES DE LEITURA
Minha razão de viver , de Samuel Wainer (org. por Augusto Nunes), Editora Planeta do Brasil, 2005 8 | DOIS PONTOS
Populismo nacionalista nas páginas de um jornal, de Antonio Hohlfeldt e Carolina Buckup, Editora Sulina, 2002
A Ùltima Hora (como ela era), de Pinheiro Júnior, Editora Mauad X, 2011
Durante quase quarenta anos (1963 até 2001) o lendário Notícías Populares (NP) despertou paixões e ódios. Ignorá-lo? Impossível!!
“
Desapareceu Roberto Carlos. Velhinha morreu na onda. Vampiros sugam 3 crianças. Esquartejado com facao e pé-de-cabra. Bebê-diabo nos telhados das casas do ABC. ‘Vou comer 23 sapos se o Corintians ganhar’. Papai Noel assassinado no pacotão do governo. Lula e Brizola: briga de foice pelo 2o lugar. Aumento de merda na poupança. Todo santo dia é dia de chacina.” Essas são algumas das milhares de manchetes do Notícias Populares, que nasceu em 1963 com a missão de conquistar os leitores da Última Hora (UH) [ver reportagem na página ao lado]. Incomodado com a influência política do jornal de Samuel Wainer, os criadores do NP Jean Mellé e Herbert Levy resolveram atingir as camadas mais populares mas com um foco ideológico distinto da UH. Como eles consideravam o periódico de Wainer “comunista”, assim nasceu um jornal conservador-popular. Além do exagero Durante os primeiros anos, o NP destacava manchetes de temas políticos. Quando o jornal foi comprado por Octávio Frias e Carlos Caldeira Filho, em1965, a linha editorial ganhou outras feições. Os novos proprietários mantiveram Mellé como editor-chefe do jornal e transformaram toda sua estrutura para priorizar os acontecimentos do cotidiano e dar aspecto de popularidade ao jornal. “O leitor do Notícias Populares pertencia à larga massa dos brasileiros que são quase-consumidores e quase-cidadãos. O lado do cidadão, enquanto detentor de direitos, no NP se traduzia em outra figura: a da vítima fosse ela o inocente fuzilado, o policial morto em serviço, o ladrão torturado pela polícia, o trabalhador atigido pelos planos econômicos, o aposentado desservido pelo governo. O lado do consumidor, no NP, transmutava-se também em outra coisa: o voyeur, atendido pelas fotos de belas mulheres, pelas notícias bizarras, pelos escândalos e fofocas de TV”, escreveu Marcelo Coellho no prefácio do livro Nada mais que a verdade, a extraordinária história do jornal Notícias Populares. Assim, o sensacionalismo vai tomando conta do jornal. Entre os exageros de Mellé está na memória o desaparecimento do cantor Roberto Carlos, notícia inventada e manchetada em 1968. Os fãs do cantor foram à loucura em busca de novas informações. Outro destaque da invenções do jornal (já sob o comando do editor Ebrahim Ramadan) foi a notícia sobre o nascimento de um “bebê-
-diabo”, que sustentou a capa do jornal por 27 dias, entre maio e junho de 1975. “A linguagem adotada pelo NP era um atrativo certo, mas o que mais cativava os leitores do jornal era o serviço local, mesmo extrapolando nos limites em busca do sensacionalismo,” explica Maria Ângelo Franco, jornalista do Diarinho. Com a chegada do jornal Agora em 1999, o NP perdeu prestígio e sem recursos financeiros, foi fechado em 2001. “Eu precisava conhecer o NP para melhorar a minha missão de trabalho hoje no Diarinho, queria saber o que deu certo por lá e me afastar do que o prejudicou, aprendendo com a experiência”, complementa Maria Ângelo.
Para lembrar dos velhos tempos Reprodução
Uma edição especial do NP voltou a circular em 24 de maio de 2013. Na realidade era uma camanha publiciária da AgênciaClick Isobar para divulgar o lançamento do filme Faroeste Cabloco, de René Sampaio, inspirado na música do Legião Urbana. Reprodução
Três exemplos de capas do NP ao longo das quase quatro década de circulação em São Paulo. Crimes, futebol e sexo eram os assuntos mais abordados nas manchetes
Meia Hora de puro humor
O tabloide carioca Meia Hora foi lançado em setembro de 2005, com preço de capa a R$ 0,50 e uma tiragem inicial de 70 mil exemplares. Planejado para as classes C e D, as manchetes humoradas do jornal permitiram que ele também atingisse leitores da classe B. As capas do jornal são frequentemente ironicas, com metáforas, brincadeiras, jogos de palavras ou duplo sentido. Com notícias sobre crimes, futebol, sexo e serviços, o jornal logo se consolidou como um sucesso editorial. Em 2008 o Meia Hora era o sexto jornal diário mais lido no Brasil, com um circulação média/ dia de mais de 231 mil exemplares, quando atingiu seu ápice de vendas. Com o tempo o jornal perdeu leitores, mas de acordo com dados da Associação Nacional de Jornais, em 2012, o Meia Hora estava entre os 10 mais vendidaos do Brasil, com uma circulação média/dia de quase 120 mil exemplares.
Reprodução
O humor das capas do Meia Hora. A imagem é da edição de 06 de jan/2009 DOIS PONTOS | 9
Reportagem | Mundo
Resenha | Destaque
As façanhas antiéticas dos tablóides
“Moralmente indefensável”
A família real e as celebridades sofrem com a imprensa marrom na Inglaterra, mas não é somente lá. Outros países da Europa também têm jornais sensacionalistas
Por Monique Ronqui
Por Yago Lozano
livro O Jornalista e o Assassino da jornalista dos EUA Janet Malcolm retrata os trâmites de dois casos jurídicos, sendo o principal envolvendo o também repórter Joe McGinniss. “Qualquer jornalista que não seja demasiado obtuso ou cheio de si para perceber o que está acontecendo sabe que o que ele faz é moralmente indefensável. Ele é uma espécie de confidente, que se nutre da vaidade, da ignorância ou da solidão das pessoas”, é o que afirma a autora logo no início da obra. É, sem dúvida, a tese principal do livro. Janet escreveu a respeito da relação entre McGinniss e o médico Jeffrey MacDonald, condenado por três assassinatos. O conflito se deu porque o jornalista se propôs a defender o médico e resgatar sua imagem. Mas acabou fazendo o contrário. McGinniss apresentou MacDonald como um assassino, um psicopata, um narcisista patológico. Jeffrey MacDonald, um ex-médico militar, foi acusado de matar sua esposa grávida e duas filhas. No primeiro julgamento, a defesa conseguiu inocentá-lo. Enquanto aguardava o segundo julgamento, ele foi procurado pelo
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m dos países mais famosos e ricos do mundo, a terra da rainha Elizabeth II, é também a terra dos jornais mais sensacionalistas. Os abusos cometidos resultaram na morte um centenário jornal. Em julho de 2011 o News of the World foi fechado e cerca de 200 jornalistas foram demitidos. O veículo pertencia ao grupo News Corporation, de Rupert Murdoch, magnata australiano dono de outros jornais, dentre eles The Sun. Além do fechaReprodução mento da publicação e das demissões, sete pessoas, dentre elas a ex-editora Rebekah Brooks e o ex-editor Andy Coulson, foram acusadas de invasão de privacidade. O News of The World era o mais vendido aos domingos na Grã-Bretanha, com uma circulação média de quase 2,8 milhões de exemplares. O jornal News of The World estava na mira da polícia desde 2005, quando surgiram as primeiras suspeitas sérias de que o tablóide agia incorretamente. Em 2007, Clive Goodman, editor de assuntos da realeza do jornal na época, ficou preso por quatro meses acusado de promover escuta ilegal. Novas denúncias viream à tona em 2009 por meio reportagens publicadas no diário Guardian. A prática do News of The World era contratar detetives para grampear celulares de celebridades e acessar dados pessoais confidenciais. “Esses veículos são a prova maior do jorReprodução nalismo transformado em mercadoria. Com o disfarce da informação, criam fatos e notícias apenas pensando nas vendas de suas revistas ou jornais. O que é noticiado não corresponde necessariamente à realidade. O dano já está dado por si só, mesmo que sejam realidades, apelam para o sensacionalismo e para a exposição da vida privada”, alerta Marcos Horácio Dias, sociólogo e professor universitário. As investigações policiais foram tomando corpo e foi possível descobrir o jornal teria inclusive pago propinas a servidores públicos. De acordo com reportagem do The Guardian, foram centenas de pessoas vítimas dos grampos. Quando as escutas foram reveladas, foi possível saber, por exemplo, que o News of the World contratou um detetive para interceptar ilegalmente o celular de Milly Dowler, uma garota de 13 anos que Capas das duas últimas edições do jornal desapareceu em 2002 e foi encontrada morta News of the world em julho de 2011 depois. O detetive apagou mensagens do telefone, o que acabou prejudicando as investigações feitas pela polícia. “As recentes alegações no escândalo de grampos telefônicos no tabloide britânico da
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O jornal contratava detetives para grampear celulares de celebridades e acessar dados pessoais confidenciais News Corp o elevam a um novo nível. Não se trata mais de jornalistas infringindo a privacidade de celebridades para divulgar fofocar sobre elas. Ao interceptar as mensagens de voz de uma estudante assassinada, Milly Dowler, como o News of the World teria feito, o jornal potencialmente obstruiu uma investigação criminal. Se for verdade, não é apenas algo errado e ilegal; revela uma ausência fundamental de decência humana”, afirmou o jornal Financial Times em editorial no dia 5 de julho de 2011.
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jornalista McGinnis para uma entrevista. O médico simpatizou-se com o repórter que lhe entrevistara e propôs um acordo. McGinniss ficaria responsável pela publicação de uma obra na qual retrataria MacDonald de forma positiva, o que facilitaria sua defesa. Para isso, contou com uma gama de informações pessoais do depoente, bem como acesso irrestrito aos bastidores de sua defesa. O jornalista ganhou confiança da fonte, compartilhou de suas convicções, concordou com a sua inocência. Mas acabou escrevendo um livro condenando o médico. Malcolm descreve em seu livro a malícia de McGinniss pelas cartas que o jornalista escreveu para o médico, firmando assim uma estreiteza de relações, pelo teor das mensagens escritas. Malcolm considera as cartas de McGinnis “um registro escrito da sua má-fé.” Sobre esta postura profissional, a autora escreveu: “Os jornalistas justificam a própria traição de várias maneiras: os mais pomposos falam de liberdade de expressão e do ‘direito do público, a saber’; os menos talentosos falam sobre a arte; os mais decentes murmuram algo sobre ganhar a vida”.
Serviço O Jornalista e o Assassino, de Janet Malcolm (2011) Companhia das Letras
SUGESTÃO DE LEITURA
Estante fundamental Nada mais que a verdade – a extraordinária história do jornal Notícias Populares, de Celso de Campos Jr e outros autores (Summus)
Fábrica de mentiras, de Günter Wallraff, Editora Globo, 1990. O livro Fábrica de Mentiras conta dos bastidores da elaboração da notícia na redação do maior jornal da Alemanha, Bild. O jornalista Günter Wallraff adotou o nome Hans Esser e, disfaçado, foi contratado para trabalhar no jornal. Durante o período no qual trabalhou no Bild, quatro meses, Wallraff colecionou um variado material que mostrava como o jornal criava, recriava e inventava noticias. A partir das informações obtidas, Wallraff escreveu o livro para denunciar as práticas sensacionalistas do Bild. De acordo com dados da Associação Mundial de Jornais, o Bild está entre os 10 maiores do mundo. Em 2012, a circulação média diária do jornal foi de 3 milhões de exemplares.
“O entusiasmo pode levar os jovens inexperientes forçar a história e ir se afastando da verdade. Este livro deveria ser obrigatório na bibliografia das universidades. É o que não se deve fazer se o objetivo é ser um profissional reconhecido e confiável.” Mariângela Franco, jornalista, revisora do Jornal Estadinho.
Mídia e Violência, de Silvia Ramos e Anabela Paiva (Iuperj) “O livro tem tudo para despertar a consciência dos futuros profissionais. É um daqueles que deveria ser leitura obrigatória nas faculdades de Comunicação. Ele aborda a relação entre mídia e violência e como a temática pode interferir no ciclo social.” Fernanda Coelho da Silva, graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora.
Espreme que sai sangue, de Danilo Angrimani (Summus) “A leitura desse livro é importante para que os alunos de jornalismo possam compreender o sensacionalismo e entendê-lo como fenômeno cultural e mercadológico que está em alguns segmentos dessa prática (leitores / ouvintes / telespectadores / internautas).” Moisés Barel, Mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, professor da Universidade São Judas.
Simulacro e Poder, de Marilena Chauí (Perseu Abramo) “É uma leitura imprescindível para o estudante de jornalismo já que apresenta os meios de comunicação como processo de representação da realidade, como mediação em que a ideia de verdade dá lugar à credibilidade a partir da confiança do espectador.” Daniel Paulo de Souza, doutorando em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, professor da Universidade São Judas. DOIS PONTOS | 11
Crônica | Relato poético
Mentira lucrativa Por Tatiane Teixeira
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ou jornalista, mas infelizmente não estava ganhando muito dinheiro; e a fama que eu almejava nunca chegava. Foi então que minha vida mudou. Um dia passando em frente a um pequeno escritório estava escrito: “Fez jornalismo e não está ganhando nada? Então fale com o Marrom”. Entrei imediatamente na pequena casa. − Gostaria de falar com o Marrom. − Sou eu mesmo. − Acabei de ver o anúncio e gostaria de saber como devo fazer para finalmente ganhar dinheiro em minha profissão. − Primeiro devo perguntar se você está disposto a fazer tudo por dinheiro e fama, inclusive esquecer todos os princípios jornalísticos que lhe ensinaram na universidade? − Sim, claro que estou! − Então, já é meio caminho andado. Vamos até ao meu escritório. Caminhei até a uma pequena salinha onde havia uma mesa de reunião, lá sentamos. − Então aqui vão as dicas, para ter sucesso, você deve sempre procurar as notícias mais sanguinárias, as que mais emocionarão o público, mostrar imagens dos fatos é imprescindível para o espetáculo, se tiver a foto de um braço decepado, ou muito sangue, ou vídeos de pessoas chorando, isso é sempre muito bom. − Mas isso não vai chocar o público? − Quer ganhar dinheiro, não quer? Então não se importe com o bem-estar do público, de imediato ficarão chocados, mas a notícia vai ter repercussão. Apenas se importe com a audiência, o povo gosta do show. − Anotado. − Depois, você deve opinar muito, mantenha sempre opiniões, por mais que não sejam suas. É o que o povo pensa, sabe o povão? A partir desse momento pense igualzinho a eles, isso lhe trará muita fama. − Mas... Eles se sentirão ofendidos por não serem informados, não devo menosprezar meu telespectador, eu de-
veria informá-lo e não reafirmar apenas o que ele pensa. Isso é antiético − Ética? Continue assim e será pobre. O segredo é sempre falar o que o povo quer ouvir. Não se esqueça de frases como: “Cadeia neles” e a clássica “Isso é uma vergonha”. E claro, quanto mais depoimentos de pessoas que estão sofrendo com a situação você conseguir é melhor, fazer as pessoas chorarem durante a entrevista pode garantir muita emoção, fique atento para as perguntas que levam os envolvidos às lágrimas usando sempre interrogativas como: “o que você está sentindo?” e “o que vai ser daqui pra frente?”. − Tem certeza que vou ganhar dinheiro? − Contanto que você não faça nada que de fato leve informação ao público, seu dinheiro está garantido. Ah, e finja que você não tem consciência de que tudo isso é errado, faça parecer que para você é tudo certo, para não acabar sendo processado. Ganhará muito dinheiro meu jovem, mas deverá sempre ficar atento para não ser descoberto, todos vão te achar popular, o homem do povo. Isso é tudo garoto. − E quanto me custou essas dicas? − Fique tranquilo, o preço vem depois que você tiver fama.
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Apenas se importe com a audiência, o povo gosta do show
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