FASCÍCULOS DE JORNALISMO - COMPREENDER A PROFISSÃO
OOOOpppppppssss!!!
O pior vexame que um veículo de comunicação pode passar na vida é publicar uma “barriga”, uma notícia inverídica. O tombo é feio. A credibilidade fica comprometida. É uma falha grave, geralmente decorrente de uma apuração equivocada ENTREVISTA
Moacir Assunção alerta: “Um erro grave pode causar danos para o resto da vida de uma pessoa”
REPORTAGEM
Ao publicar uma retratação, o jornalista Ricardo Noblat recomenda que é necessário fugir da arrogância e admitir o erro
Apresentação | Caro leitor
Expediente
A problemática
O
fascículo Barrigas apresenta aos estudantes de jornalismo um tema que gera muitos constrangimentos. Quando digitado no Google e diretamente ligado ao Wikipédia, o termo “barriga” leva o interessado à pesquisa, a saber, mais sobre o Senhor Barriga, personagem do seriado mexicano Chaves. Entretanto, o conteúdo apresentado nas próximas páginas tem como objetivo apontar as barrigas atuais e históricas no mundo jornalístico. E, é claro, o que é possível aprender com isso. O termo barriga, no jargão jornalístico, significa um erro, uma falha de apuração acarretando uma publicação com dados inverídicos. Por exemplo, um telejornal reportar que um avião caiu, sem que ele tenha caído. As consequências de tal publicação podem ser as piores possíveis àqueles que assinam a matéria, ao veículo e até mesmo a uma relação diplomática entre países. Vivemos um tempo no qual a internet é parte do cotidiano de todas as redações, que estão cada vez mais enxutas. Uma pergunta que aflige o cenário atual jornalístico é: com mais recursos de pesquisa e tecnológicos, por que as barrigas continuam a serem publicadas?
Reitor José Reinaldo Altenfelder Silva Mesquita Pró-reitor de Graduação Luis Antônio Baffile Leoni Pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Alberto Mesquita Filho Pró-reitoria de Extensão Lílian Brando G. Mesquita Diretor da Faculdade de LACCE Rosário Antonio D’Agostino Coordenação do Curso de Jornalismo Anderson Fazoli
Dois Pontos é um projeto experimental dos alunos de jornalismo (3ACSNJO e 3MCSNJO), desenvolvido na disciplina Jornalismo Impresso, em 2013.
Seção | Conceito "Barriga, em jornalismo, quer dizer publicar um fato falso, mas sem intenção de enganar o leitor. Uma mancada, informação errada, uma autotraição. Geralmente, o erro cai no ridículo, fica circunscrito aos limites do vexame, mas há casos nos quais a barriga assume dimensões sérias." Editorial da revista Caros Amigos, novembro 2004 "Diferentemente do que foi publicado à pág. 1-5 (Brasil) de 6/6, o nome do prefeito de Araxá não é Geová Pereira da Costa, mas Jeová Moreira da Costa. Seu partido não é o PFL, mas o PL. O nome da secretária municipal de Educação é Romalia Porfírio, não Porfíria. O instrutor-chefe do Tiro de Guerra na cidade é o primeiro-sargento José Roberto Montandon, não tenente Montanom. O nome correto da escola municipal de Araxá é Escola Municipal Dona Gabriela. Os cerca de cem atiradores que reforçaram a segurança do presidente Fernando Henrique Cardoso na cidade não são de elite." Seção “Erramos” do jornal Folha de S.Paulo – 16 de junho 1995 “Em 1984, o jovem repórter Eurípedes Alcântara caiu numa pegadinha de primeiro de abril e acreditou numa reportagem de uma revista científica sobre o cruzamento genético entre o boi e o tomate; o caso "boimate", levado às páginas de Veja, se consagrou como a maior "barriga" jornalística de todos os tempos, mas não impediu que Eurípedes se tornasse diretor de redação da revista da Abril; nesta semana, Veja diz que a presidente Dilma "pisou no tomate" e que o alimento virou piada nacional; tabelinha entre Abril e Globo é mais um momento baixo do jornalismo brasileiro, em sua campanha para disseminar terrorismo, pedir juros altos e combater o PT.” Nota do site Brasil 247 – 14 de abril de 2013
2 | DOIS PONTOS
Chanceler Alzira Altenfelder Silva Mesquita
Orientação e Coordenação editorial Profa. Jaqueline Lemos (MTB 657/GO) Revisão Profª. Maria Cristina Barbosa Diagramação Alexandre Ofélio (MTB 62748/SP) Redação Editor assistente Gilmar Junior (RA 201105501) Repórteres Ana Cláudia Spedaletti (RA 201010049) Fernando Francisco (RA 201107681) Monique Ronqui (RA 201010403) Thiago Nascimento (RA 201110499) Zenildes Mota (R.A. 201110040) Capa Alexandre Ofélio
Pingue-Pongue | Moacir Assunção
A barriga quase sempre é coletiva
Sem papas na língua, professor e repórter afirma que o cenário jornalístico brasileiro é péssimo e fala sobre os interesses mútuos estabelecidos entre repórteres e suas fontes de informação
Por Fernando Francsico
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om quase 25 anos de carreira jornalística, ele acumula passagens por alguns dos principais veículos do País, tem nove livros publicados e muitas histórias para contar. Nesta entrevista, Moacir Assunção comenta sobre o assassinato do caráter, a falta experiência nas redações e o trabalho do editor-chefe para falar sobre uma das falhas mais graves do jornalista: a barriga. Como é uma atividade humana, o jornalismo está sujeito ao erro, mas os profissionais da área devem sempre buscar evitá-lo.
Dois Pontos: Qual a sua visão sobre a barriga e como classifica esse tipo de episódio na carreira de um jornalista? Moacir Assunção: Como qualquer atividade humana, a do jornalista também está sujeita ao erro. Algum nível de erro é natural, mas é claro que depende da extensão disso. Uma barriga grave pode prejudicar alguém e quando isso acontece passa a ser um problema muito sério a ser combatido pelos veículos. É o que se chama de assassinato do caráter. Jornalista não mata, mas pode assassinar o caráter de alguém, como no episódio da Escola Base [ver texto na reportagem principal e também na página 11 deste fascículo]. Um erro grave pode causar danos para o resto da vida de uma pessoa.
Fernando Francisco
que o erro seja publicado. Mesmo nas matérias menores existe o risco. Diz aquele velho ditado que “o diabo mora nos detalhes”, ou seja, em matérias mais simples também são cometidos erros graves.
Dois Pontos: O senhor já cometeu essa falha durante sua carreira? Moacir Assunção: Sim. Em uma matéria que eu não dei a menor importância e talvez tenha sido um dos meus principais erros no jornalismo. Era um evento em que íam plantar pés de limão no Bairro do Limão, em São Paulo. No fim do texto, para dar uma melhorada na história, eu disse que “foram distribuídas sementes da fauna brasileira”. O certo seria da flora brasileira. Às vezes você escreve uma coisa pensando em outra, e essa foi uma Dois Pontos: Quais os principais fatores matéria que eu escrevi com grande displique levam o jornalista à barrigada? Moacir Assunção: Pressa, falta de cuidado e desqualificação. Em alguns casos a pessoa não está qualificada para apurar determinado tema ou é muito jovem para pautas complexas. As redações hoje em dia têm muitos jovens inexperientes e não existe mais a figura do profissional com mais bagagem, que era referência para os novos e uma espécie de “professor informal”. Com o esvaziamento das redações esse problema tende a acontecer mais vezes. Na internet, por exemplo, há uma quantidade incrível de erros graves, e é o meio no qual há mais chances de errar, por conta de sua característica de notícia rápida e instantânea.
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Dois Pontos: Como deve ser o trabalho do editor-chefe para evitar esse tipo de erro? Moacir Assunção: Os editores devem sempre ler o texto com muito cuidado antes que o material siga para a publicação, pelo menos as matérias principais. São escolhidas as reportagens que têm mais chances de gerar processos contra o veículo, e se forem detectados problemas serão chamados o editor e o repórter para entender o que está acontecendo. É muito mais barato evitar
Em alguns casos a pessoa não está qualificada para apurar determinado tema ou é muito jovem para pautas complexas
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Para Moacir, o jornalista precisa demonstrar grandeza e reconhecer o erro, quando ele acontecer
cência. Fui chamado pelo diretor do jornal e tomei uma bronca. “Poxa, você é ‘macaco velho’. Como deixa passar uma coisa dessas?”. Tomei uma pancada. Dois Pontos: O que o jornalista deve fazer depois do erro cometido? Moacir Assunção: Ele precisa se justificar. Demonstrar grandeza e reconhecer seu erro. Isso é perfeitamente natural, pois todas as profissões têm seus níveis de falha. Ele tem que assumir o erro e pedir desculpas, é esse o procedimento. O jornal também vai assumir a responsabilidade solidariamente, pois também foi culpado por a matéria passar batida entre várias revisões. A barriga quase sempre é coletiva. DOIS PONTOS | 3
Reportagem | www
Reportagem | Internacional
Um rastilho de pólvora na internet
Mentira com cara de verdade
Por Monique Ronqui
Da redação
Jornalista conta experiências não muito agradáveis de erro de apuração no universo virtual. Nas redes sociais, as barrigas se espalham em uma fração de segundos
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ma “barriga” jornalística é sempre um erro, mas pode ser mais grave ainda, quando o jornalista vê o equívoco se espalhando rapidamente na internet. A imagem e a credibilidade de quem fornece a notícia ficam comprometidas. Uma informação mal apurada e divulgada também pode prejudicar o cotidiano de leitores. Jorge Fernando Jordão, jornalista e músico de 44 anos, não escapou desse pesar na profissão. Atuando na área de comunicação da Ouvidoria da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), Jordão escreve, edita e publica várias matérias diariamente. Por duas vezes cometeu “barrigas”. Há dois anos e meio, o jornalista desempenha trabalhos junto às redes sociais da empresa. Ele atribui o imediatismo das publicações e a falta de uma apuração mais rígida como os grandes inimigos na hora dos erros. “Estou na profissão há 17 anos e já me acostumei com as adversidades de um cotidiano maluco. Confesso que ainda tenho pouca familiaridade com as redes sociais, a rapidez com que as notícias devem ser dadas, e o pouco tempo para a utilização de recursos que ajudem numa checagem mais detalhada,
Renato de Azevedo
Jorge conta suas vivências com as “barrigas” publicadas no ambiente das redes sociais 4 | DOIS PONTOS
comprometem e muito um trabalho, que é diário”, afirma. Contas vencidas Em uma dessas vezes, Jordão publicou na página do Facebook da empresa que o bairro Jardim Ana Paula, na cidade de Bertioga no litoral paulista, ficaria sem água durante um período indeterminado em decorrência de contas que estariam vencidas. Imediatamente após a publicação da nota, ocorreu uma manifestação de forma contrária ao que estava divulgado, dizendo que o problema de falta de água era constante e que tinha em mãos todas as contas dos moradores pagas. De imediato, o jornalista foi apurar a notícia com a unidade responsável pelo saneamento da cidade, quando informado de que a falta de água constante e ocorria devido à baixa pressão. Após informação devidamente apurada, Jordão publicou um esclarecimento por Facebook, pedindo desculpas pela notícia errônea e relatando os fatos reais. Avenida interditada Em outro momento, publicou via rede Twitter uma nota alertando que uma grande avenida e de bastante movimento em São Paulo seria interditada durante grande parte do dia para obras de recapeamento no local, o que não aconteceu. Mais uma vez, a “barriga” gerada provocou a insatisfação de moradores e de pessoas que utilizavam a via. Mais uma retratação pelo Twitter e com uma nota oficial para a imprensa. “Foram duas ‘barrigas’ e me lembro que aconteceram bem no início das minhas atividades na coordenação das redes sociais. Hoje, fico bem mais atento a tudo, pois a atenção e a apuração são imprescindíveis no jornalismo, ainda mais quando tratamos do universo virtual”, comenta. Nos dois casos relatados por Jordão, uma nova apuração das informações e a publicação da correção dos textos foram o suficiente para resolver o problema. Quanto maior for a agilidade de um veículo de comunicação, mais cuidados precisam ser tomados. O jornalismo em “tempo real” tem como sua principal característica o imediatismo da publicação das informações. Mas é justamente por isso que é nesse ambiente que os equívocos podem ser mais frequentes. Conhece aquele ditado popular: “a pressa é inimiga da perfeição”? Pois é... Podemos adaptá-lo para o jornalismo: “a pressa é inimiga da boa apuração”.
Suposta agressão à jovem brasileira no exterior vira destaque na imprensa nacional e gera um mal-estar diplomático
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o início de 2009 uma notícia mal apurada quase se transformou em um problema diplomático entre os governos do Brasil e da Suíça. O “caso Paula Oliveira”, como ficou conhecido, entrou para a história da imprensa como mais uma “barriga” jornalística de proporções catastróficas. A brasileira Paula Oliveira, advogada, morava legalmente na Suíça e afirmou ter sido agredida por supostos skinheads em uma estação de trem nos arredores de Zurique. Segundo o relato, ela teria tido parte do corpo marcado por estilete. Em decorrência da violência, ela havia sofrido um aborto, já que estava no terceiro mês de gestação de gêmeos. Toda essa versão da história foi contestada pela polícia da Suíça. De vítima, Paula Oliveira virou alvo de uma investigação policial. Ficou comprovado que a história contada por ela não era verdadeira. Porém, antes do desmentido, a imprensa brasileira deu ampla divulgação às supostas denúncias da jovem. A primeira informação sobre o caso foi publicada às 15h52 do dia 11 de fevereiro, uma quarta-feira, no Blog Globo Online, com a seguinte manchete: “Brasileira torturada na Suíça aborta gêmeos”, seguida de várias fotos fornecidas pela família da advogada. A partir dessa notícia, ocorreu uma “barrigada” generalizada! A imprensa brasileira “comprou” a versão da família de Paula Oliveira, sem fazer nenhuma investigação mais aprofundada. Rapidamente, o caso foi transformado em manchete nos principais veículos de comunicação do País: TVs, jornais, blogs, sites, rádios. Todos trataram de noticiar a “xenofobia” dos suíços. No dia 17 de fevereiro 2009, a edição online da Folha de S. Paulo, no caderno Cotidiano, repercutiu mais uma vez o episódio e destacou a crítica da imprensa suíça à brasileira. “Como a imprensa brasileira tirou conclusões antes de saber o outro lado?”; “A credibilidade dela [Paula] ficou abalada com o exame da polícia, e a da imprensa brasileira também”, questionou o repórter Thomas Möckli, do jornal Der Lanbote para o repórter da Folha. No final das investigações Paula Oliveira foi condenada por denúncia falsa pela justiça da Suíça, em dezembro de 2009, a pagar uma multa de cerca de R$
18 mil. Em março de 2010 a jovem ad- das investigações etc. Já pecamos muito, mas acho que desta vez não: o que fazer com vogada já havia retornado ao Brasil. aquelas fotos e com as declarações desesperadas da vítima? Sonegar? É bom lembrar que As reflexões de um veterano Em 18 de fevereiro de 2009, o jornalista não se dispunha de versão oficial da polícia, Zuenir Ventura publicou um artigo intitu- só da vítima. Como suspeitar de uma pessoa lado Um caso desconcertante, no jornal O de boa reputação, sem “histórico”, profissioGlobo. Ele analisou o caso e escreveu: temos nal respeitada, funcionária por concurso (e uma das mais desconcertantes histórias que bem colocada) de uma idônea empresa dinajá presenciei em 50 anos de jornalismo. Só por marquesa? Como desconfiar de sua versão tão acaso não cometi a maior barriga de minha convincente e verossímil?. E Zuenir Ventura vida profissional. Baseado no primeiro noti- conclui com as seguintes preocupações: Não ciário vindo de lá, redigi e já ia mandar para sei que lição tirar do episódio, mas certamena redação minha coluna de sábado, quando te ele será um case nas faculdades de comuna última hora soube da reviravolta do caso. nicação e de psiquiatria. A única certeza que E, ele continuou a reflexão no artigo: Hoje tenho é a da fragilidade e inconstância da é fácil dizer que nós, jornalistas, nos preci- complexa e misteriosa matéria-prima com pitamos, que deveríamos ter esperado o fim que é feito o jornalismo: o gênero humano.
Página do site G1 com a manchete sobre o caso, divulgada no dia 11 de fevereiro às 19h15
O Jornal Nacional destacou na edição do dia 11 de fevereiro: "Barbárie na Suíça: brasileira é torturada por uma gangue e tem a gravidez de gêmeos interrompida". A reportagem durou 2min24s
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Reportagem | Capa
Como evitar o escorregão no jornalismo Ir até o local dos acontecimentos, buscar documentos, entrevistar fontes, confrontar informações, checar, checar e checar... São métodos eficazes para que o repórter fique mais próximo de chegar à verdade dos fatos. Falhar nesse processo pode fazer a diferença entre o excelente e o vergonhoso
Por Fernando Francisco e Thiago Nascimento
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as aulas de jornalismo pressupõe-se que seja passado aos futuros focas a importância da apuração e checagem de uma informação que poderá ser publicada. Também, aos aspirantes à profissão, o conceito de investigação deve nortear seus trabalhos dali para frente. A falta de cuidado com esses preceitos pode ocasionar uma grande furada – e não um “furo” – em sua carreira: a famosa “barrigada”. Toda a teoria e recomendações entretanto não dão ao jornalista a “vacina” para evitar o erro. No vocabulário do jornalista, entende-se como barriga toda informação noticiada de maneira equivocada, sem veracidade, e sem o devido respeito à apuração. Um erro contra
o fato. Uma mancada. Traçando um paralelo com seu dia a dia, é como jogar a culpa no irmão mais novo pela morte do peixinho beta da família, sem antes confirmar se ele ( o irmão) estava em casa na hora do acidente. Por exemplo: em 1994, a população da cidade de São Paulo, enfurecida, pichou e destruiu uma escola, após a mídia veicular declarações de um delegado que acusava seis pessoas, entre elas os proprietários, de pedofilia. O “Caso Escola Base”, como ficou conhecido, é um dos principais exemplos claros de “barrigada” resultante de má apuração e também fruto de muito sensacionalismo. A imprensa, desde os primeiros indícios, fortaleceu a tese de que, de fato, eram todos culpados, mesmo sem nenhuma prova concreta.
O caso Escola Base Um erro generalizado da imprensa brasileira que até hoje é apoio para discussão sobre apuração jornalística
O ano de 1994 entrou para a história do jornalismo brasileiro pela porta dos fundos. Naquele ano, as vidas dos donos e profissionais que se dedicavam à Escola de Educação Infantil Base, localizada no bairro Aclimação, em São Paulo, foram destruídas, após a sequência de erros cometidos por boa parte da mídia atuante à época, tornando-se o principal exemplo de má apuração na imprensa nacional. Duas mães, após notarem comportamento estranho de suas crianças, denunciaram que eles participavam de orgias promovidas na casa dos pais de outro aluno da escola. Em seguida, entrou em cena o delegado Eldécio Ramos, que, seduzido pelos holofotes da imprensa, divulgou informações sem provas concretas da culpa dos acusados. Isso foi suficiente para convencer a população da cidade de que todos eram criminosos, o que foi comprovado – tarde demais – não ser fato. Para o editor do site Casa dos Focas, Emilio Coutinho, a principal falha em todo o caso descrito acima foi a falta de questionamento dos editores responsáveis pela cobertura da notícia. “Não houve sequer uma busca por dados concretos. Os editores abraçaram as informações checadas por uma única emissora e fizeram disso uma verdade absoluta”, comenta. De positivo sobre a atuação da imprensa, Emilio ressalta a postura adotada pelo Diário Popular, que preferiu não alardear o caso antes de maior checagem: “Surgiram especulações sobre um acordo firmado entre o jornal e a escola, porém a cautela em divulgar informações eximiu o jornal do erro generalizado”, ressalta. 6 | DOIS PONTOS
O que leva ao erro? Mas quais são os motivos que levam o jornalista responsável por relatar um acontecimento, seja ele qual for, a cometer uma falha como essa? Pressa, acúmulo de demandas por conta do enxugamento das redações, a busca pelo furo? Para Amauri Terto, editor de conteúdo do site Catraca Livre, o erro ocorre por um misto de todos esses pontos. “Hoje as redações não comportam mais grandes equipes. O jornalista já tem que chegar ao mercado multifacetado. Porém, a universidade ainda coloca no mercado profissionais com pouca prática”, explica. O processo de apuração envolve um importante fator que, em alguns casos, é ignorado pelo jornalista: o cruzamento de informações entre fontes, no qual se aplicam algumas regras de acordo com a categoria do informante. Porém, para Terto, outros macetes desse procedimento não recebem a devida atenção do repórter: “Faz-se necessário o uso de outros recursos: telefonemas, verificação de documentos, visitas in loco. Tudo de acordo com a necessidade da matéria”, frisa. De acordo com Terto, nos meios online um grande causador de barrigadas é a busca incessante pelo furo, que diferencia o veículo de seus concorrentes. Em contrapartida, há também a reprodução de informações divulgadas por outros, o que facilita a propagação de um erro. “As duas ações, se realizadas sem a devida apuração e indicação de fontes, acabam se tornando prejudiciais para o leitor, porque
acabam não informando e sim confundindo”, conclui Amauri Terto. Como o jornalismo deve ser? Apurar bem uma reportagem ou uma notícia requer um conjunto articulado de cuidados. Cada veículo de comunicação pode estabelecer alguns procedimentos básicos aos quais os repórteres devem se submeter. Entretanto, antes de ir à prática cotidiana vale a pena retormar uma pergunta essencial: quais são os princípios básicos do jornalismo? É possível encontrar muitas respostas 8 - O jornalismo deve apresentar as noti- nove pontos correspondem aos elementos do para esta pergunta. Aqui vamos retomar os cias de forma compreensível e proporcional; jornalismo que nos ajudam a atingir a prinprincípios explicitados na obra Os elementos 9 - Os jornalistas devem ser livres para cipal finalidade desta atividade profissional: do jornalismo - o que os jornalistas devem sa- trabalhar de acordo com a sua consciência. “fornecer informação às pessoaspara que esber e o público deve exigir, de Bill Kovach e De acordo com Kovach e Rosenstiel, esses tas sejam livres e capazes de se autogovernar.” Tom Rosenstiel (Geração Editorial). Para os autores, são nove pontos que devem nortear a prática jornalística: 1 - A primeira obrigação do jornalismo é com a verdade; 2 - Sua primeira lealdade é com os cidadãos; 3 - Sua essência é a disciplina da verificação; Suposto acidente aéreo era, na verdade, um 4 - Seus praticantes devem manter indeincêndio ocorrido em uma fábrica de colchões pendência daqueles a quem cobrem; 5 - O jornalismo deve ser um monitor independente do poder; Às 17h17 do dia 25 de maio de 2008, a Globo News entrou 6 - O jornalismo deve abrir espaço para a para a história do jornalismo brasileiro de forma negativa ao nocrítica e o compromisso público; ticiar uma falsa queda de avião em bairro próximo ao aeroporto 7 - O jornalismo deve empenhar-se para de Congonhas, em São Paulo. O canal pago apontou a Infraeapresentar o que é significativo de forma inro (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária) como teressante e relevante; fonte para confirmar o fato, que na verdade não passava de um incêndio em uma fábrica de colchões. Durante seis minutos a notícia alardeou os paulistanos, traumatizados após o maior desastre aéreo da história do país – ocorrido 10 meses antes. Sites como UOL, IG, Folha Online e Estadão seguiram a deixa dada pela Globo News e publicaram manchetes e textos sobre o falso acidente. O fato repercutiu até na imprensa internacional, nos sites da Reuters, CNN e Sky News. A informação de que não havia nenhum avião envolvido no acidente só foi corrigida após a Infraero e a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) comunicarem que se tratava de um incêndio em uma fábrica de colchões que deixou dois feridos.
Globo News “derruba” avião
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Reportagem | Retratação
Reportagem | Cinema
“Me desculpe”, disse o jornalista
O abraço que arranhou a reputação da imprensa
O papel das erratas no jornalismo. Elas existem para que os prejudicados sejam ressarcidos noticiosamente
Por Gilmar Junior
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roporcionar ao leitor um furo jornalístico é quase que um prazer do repórter. Entretanto, quando o “tiro sai pela culatra”, ou seja, o que foi publicado como uma denúncia em destaque, na verdade, não passa de uma ficção, o que fazer? De acordo com o artigo 12º, parágrafo IV do Código de Ética Jornalística, elaborado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) em 2007, “o jornalista deve promover a Folha de S. Paulo / Reprodução retificação das informações que se revelarem falsas ou inexatas e defender o direito de resposta às pessoas ou organizações envolvidas ou mencionadas na matéria.” Aí entra em cena a “errata”, que é o reconhecimento do erro e correção da informação passada. No jornalismo diário é mais frequente e é um empecilho para as redações. No dia 3 de agosto de 2000, o jornal Correio Braziliense, com sede em Brasília, publicou uma reportagem de capa, com a principal manchete destacada Os negócios de Jorge. Na oportunidade, o repórter Alexandre Machado reportou que o ex-secretário da Presidência da República Jorge Caldas teria um envolvimento, no mínimo suspeito, com o Banco do Brasil. Um dia seguinte, do mesmo modo, o jorO erro e o pedido de desculpas: capas das edições dos dias 3 e 4 de agosto de 2000, nal postou a seguinte manchete O Correio no Correio Braziliense errou, também na capa do jornal com igual Silvio Tanaka / TV Cultura / Creative Commons
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destaque da manchete do dia anterior. Em seguida era possível ler o texto de retratação do repórter e do então diretor-chefe da redação, Ricardo Noblat. A matéria tinha sido publicada com base em informações concedidas pela única fonte que o profissional apurou, conforme admitido pelo repórter. A reportagem tinha muitos erros, até mesmo a grafia de uma sigla que dava o nome de uma das empresas relacionadas com o suposto caso. O ato de assumir o erro de forma tão destacada resultou em duas premiações para o jornal naquele ano: na categoria Melhor Contribuição à Imprensa, pelo Prêmio Esso e um Prêmio Claudio Abramo. “Não há como fazer jornalismo sem erros. Em um jornal de grande porte equivale fazer um livro diário. É essencial admitir, se desculpar e aprender com eles”, diz Noblat. Errar e acertar Em seu livro A arte de fazer um jornal diário (Contexo), Ricardo Noblat fala do episódio que ocorreu em Brasília: relata sua satisfação com a decisão tomada perante a falha e disse que foi prazeroso ver o resultado. O jornalista, atualmente colunista d’O Globo, comenta alguns dos motivos que levam periódicos a ignorarem as “barrigas” cometidas. “É burrice, arrogância, mania de grandeza achar que o leitor não lerá mais o jornal se não admitir onde está o erro.” Na retratação do Correio Braziliense foi informado ao leitor um pedido formal de desculpas pelo jornalista e também pelo editor-chefe. Diante do fato, não há somente um culpado, mas sim uma equipe. Jornalismo é um trabalho feito a várias mãos. “Estava diante de um dilema, ou mandava meia dúzia embora, ou não mandava ninguém. Parti pelo segundo caminho. Não tinha como, o texto passou por um monte de mãos”, argumenta Noblat. O jornalista complementa que na atualidade há um conluio entre os jornalistas para não se pronunciar diante do erro, o que demonstra, para ele, arrogância. Reportagens não são de única e exclusiva responsabilidade de um repórter. Comumente na redação de um veículo outras pessoas analisam o que foi escrito, para que assim o “ok” seja dado pela publicação. “Os erros são coletivos. Uma matéria escrita pelo repórter nunca vai direto para a oficina. Antes, passa pela mão do editor. O erro é coletivo. Tanto o erro, quanto o acerto”, enfatiza Noblat.
Por Thiago Nascimento
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A vida moderna afasta as pessoas e a cura é o abraço”. A afirmação é do consultor de Recursos Humanos Ary Itnem Whitacker e foi uma das premissas utilizadas por ele para convencer pedestres, em plena Avenida Paulista, em São Paulo, a lhe darem um abraço. A ação, inspirada na campanha “Free Hugs”, foi filmada em agosto de 2006 e deu origem ao vídeo “Dá um abraço?”, visto por mais de 600 mil pessoas no YouTube. Após o sucesso repentino, Ary conseguiu manter-se em foco na mídia: ministrou palestras e cedeu entrevistas para os mais diversos veículos de comunicação a fim de divulgar uma teoria desenvolvida pela Confraria Britânica do Abraço Corporativo (CBAC), entidade da qual ele era o porta-voz no Brasil. A filosofia da CBAC, defendida e divulgada por Ary, consistia na ideia de que a prática do abraço entre colegas reduziria a distância imposta pelo mundo virtual – chamada por ele de inércia do afastamento – e melhoraria a produção e as relações no ambiente de trabalho. A Confraria tinha um site com divulgação de informações gerais sobre a instituição e uma ressalva na página virtual: que os interessados poderiam obter mais informações sobre o tema em um documento de consulta pública registrado em cartório. Em 2009, o lançamento do documentário O Abraço Corporativo, dirigido pelo estreante Ricardo Kauffman, trouxe toda a verdade à tona: a CBAC e o consultor Ary Itnem (anagrama da palavra “mentira”), eram uma invenção de Kauffman. Ou seja, tudo não passou de uma grande piada do jornalista com seus colegas de profissão e se tornou uma grande “barrigada” da mídia brasileira. Nenhum jornalista, por exemplo, foi até ao cartório verificar o teor do documento registrado por Kauffman. No documento ele contava que tudo não passava de uma “experiência” e que o personagem e a CBAC eram uma invenção. Origem do documentário “A ideia nasceu em 2004, do desejo de perguntar, compartilhado com vários amigos do meio, qual é a importância no fato de a imprensa aumentar o espaço para a publicação de notícias irrelevantes”, conta o diretor. Desde a ideia original e criação de Ary (interpretado pelo ator e dublador Leonardo Camillo) até o lançamento do filme, Kauffman investiu
Divulgação
Uma das cenas do documentário, com o personagem Ary Itnem na Avenida Paulista cinco anos no projeto. O documentário, que mostra a repercussão de Ary na imprensa, foi realizado de maneira independente e caseira. O material é incrementado com depoimentos de jornalistas e teóricos consagrados como Juca Kfouri, Bob Fernandes e Carlos Chaparro sobre o papel da imprensa na era da superinformação. Passados quase quatro anos do lançamento do filme, Ricardo não acredita que os veículos de comunicação aprenderam a lição e apuram melhor as informações que possam ser veiculadas. “Ninguém sabe como resolver esta questão neste momento, marcado pelo consumo gratuito de notícias, expansão do aumento do espaço para publicação de conteúdo jornalístico e consequente enfraquecimento comercial dos veículos e suas redações. O futuro dirá como a sociedade e instituições organizarão sua demanda por informação jornalística de qualidade, produto cada vez mais escasso no mercado” “O documentário é absolutamente necessário aos estudantes de Comunicação. Mais do que isso, acho que as reflexões provocadas pela película são necessárias a qualquer cidadão que tem interesse em compreender o modo como as notícias são construídas”, recomenda Larissa Vasconce-
los, graduada em Jornalismo pela Universidade São Judas e mestranda em História da Educação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Larissa também frisa que o filme pode ser resumido em dois pontos principais. “A violenta dinâmica das redações, que prioriza a velocidade em detrimento da qualidade da apuração, e a preguiça intelectual que vigora entre os profissionais SUGESTÃO PARA ASSISTIR Fotos: Google Imagens
Ricardo Noblat admitiu barriga na capa do jornal e ganhou dois prêmios
Documentário investiga o poder da mídia e comprova a fragilidade da apuração no jornalismo brasileiro
Documentário O Abraço Corporativo, direção e roteiro Ricardo Kauffman, produzido pela Ideia Forte, 75min, lançado em 2009 DOIS PONTOS | 9
Reportagem | Chute
Resenha | Destaque
A furada da cobertura jornalística no futebol
O julgamento midiático
Entre sites, blogs e mesmo nos impressos, a especulação sem checagem é a barriga no esporte
Bola Murcha (1989) - Vik Muniz/Divulgação
Por Fernando Francisco
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uem acompanha a mídia esportiva brasileira durante as temporadas de futebol sabe que existem épocas em que não se pode confiar plenamente em qualquer informação divulgada. Durante as famosas janelas de transferência, no início e meio de ano, é comum o torcedor ser bombardeado de especulações todos os dias. E isso incomodou tanto o leitor dos diários esportivos, que muitos deles só acreditam nas contratações após o anuncio oficial por parte do clube. Ou seja, o alto número de barrigas promovidas por veículos deste tipo é responsável por sua perda de credibilidade. Com a proliferação de sites, blogs e, principalmente, das redes sociais, o número de erros envolvendo negociações de jogadores cresce. Outro fator que contribui para que as barrigas sejam cada vez mais frequentes na cobertura futebolística é a utilização de
empresários como fonte de informação dos jornalistas. Muitas vezes esses profissionais fazem uso dos veículos de informação para aumentar a visibilidade e as cifras envolvendo seus agenciados. Para o autor do Blog do Paulinho, Paulo Prado, esse é o pior ponto a ser destacado neste tipo de cobertura jornalística. “Não é uma exclusividade do jornalismo esportivo, mas o que assusta é a ingenuidade dos editores. Ou seja, a palavra do empresário muitas vezes é publicada sem checar as outras partes envolvidas”, explica. Outra vertente para explicar tantos erros são páginas criadas pelos próprios fãs dos times. Nelas são publicadas informações e opiniões que chegam até os jornalistas como fato, o que ressalta a falta de apuração e checagem antes da publicação. “Isso é como uma bola de neve. O torcedor fica sabendo de uma especulação e reproduz. O jornalista responsável pela cobertura lê a reprodução e publica em seu veículo. Mas não sabe se é fato. É apenas um chute”, diz Paulo. Para que a cobertura sobre futebol tenha qualidade é necessário prezar por uma das principais características do jornalismo: a isenção. Fato é que, quem gosta e acompanha o futebol tem o seu clube do coração. Mas, para o profissional de comunicação, a paixão precisa ser deixada de lado. O jornalista precisa entender que é responsável por levar ao torcedor tudo o que ele precisa saber sobre o time e garantir que ele sinta-se bem informado, independente de sua torcida pessoal. Paulo enxerga poucos profissionais nos grandes veículos com essa característica. Para ele, alguns jornalistas, que declaram suas preferências, preferem fazer média com os torcedores e, com isso, se entregam ao erro. “Temos casos de grandes emissoras, por exemplo, que possuem âncoras em seus programas esportivos declaradamente torcedores de alguns clubes e, em alguns casos, eles não são jornalistas por formação. Isso compromete a qualidade da informação transmitida, pois eles não dominam as táticas de apuração”, conclui. Independente do clube, do jogador, do treinador, da torcida ou do campeonato, faz-se necessário que o comportamento do jornalista seja o mais profissional possível, para que ele não se torne um personagem caricato, perdendo a credibilidade de suas palavras e comprometendo a confiança do leitor no veículo em que trabalha.
Por Zenildes Mota
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Caso da Escola Base ocorrido em 1994, em São Paulo, marcou a imprensa brasileira pela sequência de erros cometidos na divulgação das notícias. Uma denúncia feita por uma mãe sem nenhum fundamento, um delegado interino que almejava ser promovido e uma imprensa com sede para fazer o sensacionalismo. O livro de Alex Ribeiro, Os Abusos da Imprensa, mostra toda a teia do episódio. Pessoas que construíram o sonho de uma vida, como foi o caso de Maria Aparecida Shimada proprietária da Escola Base em São Paulo e seu esposo Ayres Shimada, juntamente com seus sócios Paula e Maurício e os pais de um aluno, Saulo e Mara, viram suas vidas e conquistas destruídas. Para completar o inquérito faltava mais um acusado, o americano Richard Medicini. Lucia Eiko Tanuoe, a acusadora, induz o filho responder perguntas, obtendo da criança o que desejava. Com seu discurso montado induziu outros pais a acreditar que seus filhos estavam sendo vítimas de abusos sexuais pelos proprietários da escolinha e pelo
motorista que transportava as crianças. O delegado, que aceitou a denúncia de Lucia, não deu chance de defesa para os acusados. A partir de então, uma série de erros acontecem no decorrer do processo. Com a presença da imprensa e o favoritismo do repórter Walmir Salaro, da Rede Globo, o caso tomou notoriedade na mídia. Com exceção do Diário Popular por perceber que havia algo errado na história, não publicou a notícia. O que não isentou da culpa por não ter apontado as contradições. Por outro lado, a imprensa competitiva não questionou esse comportamento dos editores do Diário. A caçada pela divulgação ultrapassou a linha de investigação e ética do jornalismo. A denúncia, que foi noticiada antes da sua investigação, tanto por parte da polícia, como a imprensa, levou os acusados a um julgamento público. Restou aos seus advogados a missão de correr atrás de profissionais da imprensa disposto a ouvi-los. Com a missão de assessor e investigador conseguiram inocentá-los, mas os danos causados foram irreversíveis para a saúde psíquica e profissional das vítimas.
Estante fundamental
Serviço Os Abusos da Imprensa – Caso Escola Base, de Alex Ribeiro (1995), Editora Ática
Jornal da ImprenÇa, de Moacir Japiassu (Jornal dos Jornais Editora)
A Primeira Vítima, de Phillip Knightley (Nova Fronteira)
“Quem acompanhou a coluna de Japiassu e Janistraquis na revista Imprensa sabe como nosso jornalismo pode ser engraçado, depende de como a gente lê e isso é possível com algum treinamento.”
“Não é um livro com aspirações literárias. Desmitifica mitos. Fala sobre a guerra, mas uma guerra apresentada sem o glamour das adaptações hollywoodianas. Encontramos aqui correspondentes que retratam a coragem e o heroísmo de forma espetacular.”
Alexandre Andrevicius, estudante de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero.
João Ayres, advogado formado pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco/USP
Deus é Inocente – A Imprensa, não, de Carlos Dorneles (Globo) (Anablume)
Jornalismo e Desinformação, de Leão Serva (Senac)
“A obra permite-nos olhar para a mídia de forma crítica, percebendo que por trás de cada palavra e imagem existe uma imensa rede de poderes que direciona, seleciona, omite e deturpa as informações que são vendidas.”
“A obra traz o que de fato está acontecendo com a informação desse mundo: em que ela se oferece em uma constante riqueza de meio? A informação anda mal informada?”
Renato Prates, Bacharel em História pela USP
Jorge Jordão, jornalista formado pela FIAM-FAAM/SP DOIS PONTOS | 11
Crônica | Relato poético
A tal da obrigatoriedade da academia Por Gilmar Junior
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12 | DOIS PONTOS
á dias observava meu corpo em frente ao espelho. Notei que minha vida sedentária estava surtindo efeito. Eu e minha tremenda barriga fomos tomar café da manhã. Olhei para frente e lá estava um todinho. Decidi que era hora de pôr fim ao meu reinado de rechonchudo. Fui à academia mais próxima, ali na esquina de casa mesmo, mensalidade razoável. Matriculei-me. Primeiro dia é sempre legal, o típico da apresentação. Na verdade é a primeira semana. Tá, o primeiro mês serve para adaptação, sem pânico, não precisava conhecer tudo mesmo, afinal eu não era atleta, não é? Mas eu me orgulhava de desfilar pelo bairro com a camisa da academia. Maneiro mesmo era quando eu ia para o aparelho fazer um exercício chamado “Rosca Direta”. É um que aumenta o bíceps. Nesse exercício a academia para e todo mundo fica olhando você. Parecia até que eu estava na TV Globo. O meu instrutor era velho e me passava uns exercícios desnecessários. Eu realmente tinha que pegar tudo aquilo de peso para malhar as costas? E outra, o mundo mudou e foi comprovado cientificamente que peso em excesso gera traumas no corpo, que dependendo da gravidade são irreversíveis. Era erro atrás de erro. O instrutor cabeça-dura insistia que para eu chegar ao meu objetivo eu tinha que correr na esteira ergométrica e levantar aqueles halteres, um mais pesado que o outro. Ok, até entendo que para atletas o circuito de treinamento servia, mas para mim, não tinha sentido, porque eu ficaria lá só para pegar o meu ‘diploma de marombeiro’ – alguns se vangloriavam desse mérito –, ter o meu reconhecimento de assíduo praticante dos exercícios que meu professor old school passava na academia da esquina. Não era para mim. Creio que não precisa ser um gênio para descobrir que eu larguei a academia. Não concordava com a filosofia do meu instrutor e não entendia a razão dessa tal obrigação moral-ideológica
de que tem que fazer academia. Existem milhares de pessoas que não vão a ambientes lotados de aparelhos, mas com hábitos alimentares saudáveis e exercícios ao ar livre mantêm uma boa forma física. Não que eu ache errado frequentar uma academia, mas dependendo da qual você vai a situação fica insustentável. Certo dia, vi um dos instrutores – também ultrapassado, diga-se de passagem – em um diálogo com o seu aluno, no qual discutiam a alimentação que o segundo deveria seguir. Ouvi que o tomate tinha as mesmas propriedades da carne bovina e que assim poderia ser substituída facilmente nas refeições diárias. O aluno hesitou por um momento, parecia que iria concordar com o mais velho, mas resolveu apurar detalhes a mais e constatou que a informação não passava de uma brincadeira. Meses depois esse aluno também saiu da academia, passou a fazer suas próprias corridas ao ar livre e foi obtendo orientações com maratonistas sobre corridas de longas distâncias. Dias desses atrás, soube que ele já ganhou alguns campeonatos.
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Constatou que a informação não passava de uma brincadeira
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