Jornal Laboratório | Universidade Federal do Espírito Santo | Edição 102 | Setembro de 2019
UFES SUSPENDE MAIS 225 BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA Apenas 108 alunos foram beneficiados e após restrições orçamentárias os demais aguardam a liberação dos recursos. P. 4 CORTE DE VERBAS PREJUDICA PRODUÇÃO CIENTÍFICA P. 3 NOVO LONGA DA NETFLIX REACENDE O EMBATE ENTRE STREAMING E CINEMA P. 10 ALUNOS SE MOBILIZAM CONTRA O POSSÍVEL FECHAMENTO DA ESCOLA VIVA P. 8
NÚCLEO DE PARADESPORTO CAPIXABA É REFERÊNCIA NACIONAL EM NATAÇÃO P. 6
ESTUDANTES DA UFES ELABORAM PESQUISA CONTRA O CÂNCER P. 5
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EXPEDIENTE EDITORES Ludson Nobre Karina Lima REPÓRTERES Alberto Borém Amanda Ribeiro Ana Aline Lemos Beatriz Santos Breno Alexandre Carla Bianca Daniela Salgado Dirlan Machado Eduardo Carvalho Emanuela Afonso Gabriel Tozzi Karina Lima Laryssa Florêncio Laura Conceição Lucas Mello Ludson Nobre Mikaella Mozer Natalia Andalécio Rebeca Fagundes Sarah Mascarenhas Stella Silveira Tarcísio Ribeiro Vitor Guerra Wallas Coelho PROFESSOR RESPONSÁVEL Rafael Bellan NoEntanto é um Jornal laboratório da turma de 3º período do curso de Comunicação Social/Jornalismo, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). CONTATO NO ENTANTO noentanto.ufes@gmail.com
EDITORIAL
A
turma de Jornalismo 2019/2 da Universidade Federal do Espírito Santo apresenta a Edição 102 do No Entanto, jornal laboratório produzido pelos alunos do 3° período. Mesmo em formação, os discentes revelam-se aptos para apurar, traduzir e divulgar informações com função social, não apenas para a comunidade acadêmica, mas também para o público em geral. Na atual conjuntura de desmantelamento da Universidade pública e de aparelhamento Institucional ideológico, fruto de um processo muito mais amplo e global, de dissolução de prerrogativas essenciais para o exercício da cidadania. Nesse contexto, encontra-se em xeque o próprio conceito de verdade factual, que é o objeto de trabalho do Jornalismo. Torna-se, portanto, necessário demonstrar o valor dos nossos projetos acadêmicos. Dessa forma, a Edição 102 do No Entanto traz uma abordagem contra-hegemônica para a atividade jornalística. Em um momento no qual há forte polarização da informação, potencializada pelas novas tecnologias e pela lógica do mercado, o jornal laboratório surge como uma alternativa, dentro de um contexto acadêmico e sem fins lucrativos. Conduziremos nossas atividades buscando uma releitura do tradicional, por meio da plataforma impressa, e também o resgate de valores essenciais no que diz respeito a apuração dos fatos noticiosos dentro das plataformas digitais. Turma de Jornalismo 2019/2
NO ENTANTO NAS REDES fb.com/jornalnoentanto @jornalnoentanto @noentantojornal
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POLÍTICA
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CORTE DE VERBAS PREJUDICA PRODUÇÃO CIENTÍFICA MEC bloqueia parte do orçamento de 63 universidades públicas e instituições federais Por Laryssa Florêncio e Amanda Ribeiro sas correntes, destinadas a serviços fundamentais para a comunidade universitária, e as chamadas despesas de investimento que são utilizados para obras universitárias é compra de equipamentos. Uma das pessoas afetadas pelo contingenciamento, a universitária Aline Almeida conta que o fato de não receber mais a bolsa vai lhe atrapalhar bastante, pois ela contava com aquela renda para suas atividades. “Porém há pessoas que serão muito mais afetadas que eu, pois tenho o privilégio de morar perto da universidade, então não preciso pagar passagem e posso comer em casa”, comenta. Aline participa do projeto de Extensão Afrodiáspora,
dentro da Rádio Universitária da UFES. O programa conta com produções de segunda à sexta, feita exclusivamente por alunos de diversos cursos da Universidade. Ela ainda conta que continuará no projeto de extensão como voluntária.“Seremos resistência principalmente quando querem derrubar a universidade. Os projetos são fundamentais para a formação acadêmica do estudante é a bolsa não é apenas, para muitos é necessidade, é o que os mantém na universidade”, diz Aline” Patrícia Rufino ainda corrobora que “é que preciso investir em educação, pois um país que não investe em educação é um país fadado ao fracasso”.
Foto: Ludscon Nobre
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m abril deste ano, o governo federal anunciou um bloqueio de verbas em alguns ministérios incluindo o da educação. De acordo com o ministro da educação Abraham Weintraub, os cortes na educação de R$926 mil foram realizados na verdade para repassar a deputados emendas parlamentares. Em declaração à Folha de São Paulo, o ministro disse que o recurso seria necessário para a aprovação da reforma da previdência. Já a declaração oficial diz que essa determinação foi tomada porque a arrecadação de imposto não atingiu o esperado. Desta maneira, setores básicos e essenciais para o pleno funcionamento se encontram em estado crítico. Segundo a diretora de políticas extensionista da pró-reitoria de Extensão Universitária (Proex), Patrícia Rufino, a principal função das bolsas é manter o encaminhamento das pesquisas atuais e futuras, que a médio e a longo prazo influenciam na colocação da UFES no ranking mundial das melhores universidades. Além disso, o contingenciamento proposto pelo atual governo federal afirma que as despesas não obrigatórias também podem sofrer cortes. Existem dois tipos de gastos as chamadas despe-
Universidade Federal do Espírito Santo. 3
EDUCAÇÃO
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UFES SUSPENDE MAIS 225 BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA Apenas 108 alunos foram beneficiados e após restrições orçamentárias os demais aguardam a liberação dos recursos Por Ludson Nobre
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Foto: Ludson Nobre
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bloqueio da verba destinada às universidades e institutos federais continua afetando a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). O Ministério da Educação (MEC), anunciou mais cortes, e por meio de nota oficial no dia 02 de setembro de 2019 a UFES comunicou a suspensão das bolsas vinculadas à iniciação científica. O estudante João cursa ciências sociais na universidade, realiza uma pesquisa voltada para a sub-representação política de minorias e foi um dos prejudicados com o contingenciamento de gastos e afirma, “estávamos acostumados com o corte nas bolsas desde 2015, o que muda agora é que veio um corte de 100% e acredito que nenhum aluno estava esperando”, e reitera, “sou do interior do estado do estado e o impacto pra mim é que a bolsa era renda”. A UFES disponibilizou apenas 108 bolsas para os mais bem colocados no edital PIIC/PRPPG/UFES 2019-2020, os demais alunos têm a opção de permanecer em seus projetos de pesquisa como voluntários enquanto aguardam o desbloqueio orçamentário da universidade. A Presidente do Diretorio Central dos Estudantes
Manutenção da Universidade fica comprometida após sucessivos cortes. (DCE), Bia Kizomba, em fala exclusiva, enfatiza a importância das bolsas na permanência dos estudantes, “muitos estudantes não tem tempo de pesquisar porque isso demanda trabalho, tempo e dedicação. Muitos estudantes não tem esse tempo
porque tem que trabalhar para ajudar nas contas de casa”, a aluna ainda afirma que a retirada dessas bolsas basicamente expulsa as pessoas da universidade ou as exclui do espaço da pesquisa.
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, ESTUDANTES DA UFES ELABORAM PESQUISA CONTRA O CÂNCER
A pesquisa conta com diretrizes do Ministério da Saúde/Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologia em Saúde a partir de dados extraídos do DATASUS Por Rebeca Fagundes
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nóstico tardio decorrente de dificuldades de acesso aos serviços de saúde e das limitações técnicas das equipes de saúde para realizarem a detecção precoce. O diagnóstico será realizado com informações do banco de dados do Estudo InterCHANGE e o estudo de custo norteado pelas diretrizes do Ministério da Saúde/Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologia em Saúde a partir de dados extraídos do departamento de informática do Sistema Único de Saúde do Brasil. A partir da pesquisa feita pelos estudantes, os médicos, os cirurgiões-dentistas e os agentes comunitários de saúde vão começar a receber treinamento presencial, direcionado à detecção precoce do câncer bucal e à aplicação do novo Siste-
Foto: Rebeca Fagundes
s estudantes da graduação e pós graduação de odontologia da UFES iniciaram um estudo exploratório de pesquisa-intervenção de abordagem objetiva que visa elaborar estratégias efetivas de detecção precoce do câncer bucal no Sistema Único de Saúde do ES com base no diagnóstico que estuda o grau de propagação da doença e o custo que seu combate gera. O estudo busca promover uma maior integração entre a Atenção Básica e a Atenção Especializada para o enfrentamento deste câncer no estado. Esse estudo se iniciou pelo fato do câncer de cabeça e pescoço ser o sexto mais comum mundialmente, com alto índice de pessoas mortas pelo mesmo fator. Isto deve-se ao diag-
Estudantes fornecem apoio técnico no HUCAM para novos casos de câncer bucal
ma de Estadiamento Clínico dos Tumores Malignos. Além disso, esses profissionais serão orientados a utilizar as ferramentas do telessaúde na educação continuada. Os estudantes também fornecem apoio técnico para que os casos novos de câncer bucal atendidos no Hospital Santa Rita e no HUCAM sejam submetidos à avaliação da profundidade de invasão tumoral e status da infecção.
CORTES DE BOLSAS PARA PESQUISA E EXTENSÃO Os alunos que atuam nessa pesquisa foram diretamente afetados pelo corte de bolsas para pesquisa e extensão que a universidade realizou nesse último semestre. Isso está sendo extremamente prejudicial para o andamento do estudo, pois muito tiveram que desistir de realizá-lo por falta de condições para custeamento de gasto para se manter na universidade o dia todo para executar a pesquisa. O graduando em odontologia na UFES Deyverton Mendes foi uma dos quatro alunos de graduação afetados pelo corte. Ele conta que vem sendo muito difícil permanecer na pesquisa porque a bolsa era essencial para a sua manutenção. 5
ESPORTES
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NÚCLEO DE PARADESPORTO CAPIXABA É REFERÊNCIA NACIONAL EM NATAÇÃO Centro de Treinamento da Semesp é conhecido por revelar grandes nomes da paranatação capixaba Por Dirlan Machado
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Nobre e Natália Torezani. Graças às inúmeras conquistas, a Secretária de esportes e lazer (Semesp), órgão ligado à prefeitura de Vitória, tornou-se exemplo nacional na natação e um orgulho para o esporte espírito santense. A coordenadora do núcleo de paradesporto da SEMESP, Tainá Pereira Gusmão, revela o segredo da instituição ter sido alçada a grande referência da natação adaptada no Brasil. Ela relata que a preocupação do órgão nasceu da necessidade de fazer um núcleo inclusivo com a ajuda de algumas entidades parceiras como o Álvares Cabral e
Foto: Washington Alves/EXEMPLUS/CPB
s jogos parapan-americanos em Lima no Peru se encerraram no último dia 1º de setembro com uma consagração histórica da natação capixaba. A nadadora Patrícia dos Santos, 41 anos, natural de Vitória, foi a primeira mulher do estado a conquistar uma medalha em jogos paralímpicos. Patrícia ganhou duas; o bronze nos 100m livre e a prata nos 50m livre. O núcleo do qual Patrícia faz parte é célebre por revelar outras estrelas da natação capixaba como Waldir Alvarenga Júnior, mais conhecido como “Tiozinho”, Marcos Vinicius Barcelos, Stephany
Patrícia dos Santos, com medalha de prata em Lima 6
a Associação Capixaba de Pessoas com Deficiência (ACPD). “Da ACPD saem professores muito bem qualificados e isso contribui muito com a aptidão dos atletas, além da estrutura que o próprio Álvares e o Tancredão disponibilizam”, comenta Tainá. Mas se engana quem pensa que o núcleo de paradesporto da Semesp investe apenas em atletas de alto rendimento. Muitas pessoas com deficiência, adultos e crianças, podem aprender a nadar nas dependências do centro esportivo, atendendo ao Estatuto da Pessoa com Deficiência que garante a efetivação do direito ao lazer e ao desporto. Tainá diz que não há uma seleção para fazer a natação. Até pessoas que nadavam antes de se tornarem deficientes requerem um maior cuidado inicial por parte dos professores. “Mesmo se tratando do atleta paralímpico, ele também necessita de uma atenção individual, porque há tipos de deficiência em que cada um nada de uma forma distinta”, aponta Gusmão.
, Nota de Esclarecimento
Durante o processo da produção e posterior término do fechamento desta matéria, ocorreram alguns desdobramentos a respeito do exame antidoping realizado na atleta citada nesta reportagem, Patrícia Pereira dos Santos. O resultado deu positivo sucedendo a retirada das medalhas da nadadora. Patrícia, em nota oficial, disse que pode ter se tratado de um doping involuntário devido a um procedimento de drenagem linfática realizado antes da competição. Mesmo comprovado este fato, o Código da WADA apontará negligência por parte da atleta e a suspenderá por um ano, impedindo sua participação nos jogos paraolímpicos de Tóquio em 2020. Fica nosso esclarecimento, respeitando a integridade e o respeito à informação clara e objetiva deste veículo de comunicação.
Marquinhos e Tainá exibem as últimas conquistas do atleta
Foto: José Tarcisio
Um grande exemplo de êxito na natação e posteriormente no triatlo é o atleta Marcos Vinicius Barcelos, o Marquinhos. Ele diz que a transição para o triatlo não foi fácil, porque necessitou da ajuda de patrocínio e também do Governo do Estado para compra de equipamentos cujo valor é alto. “Para minha surpresa já estou entre os 3 melhores no ranking nacional. Meu objetivo é subir de nível e competir em um sul americano ou em uma paraolimpíada”, relata Marquinhos.
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O que diz a lei? O Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei 13.146 diz em seu artigo 8 que é dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência o direito ao desporto. Isso significa que tal lei é uma garantia consti-
tucional ao princípio da igualdade. Sendo assim, através da prática esportiva, o deficiente consegue superar muitos obstáculos, transpor barreiras através da inclusão social e efetivar a equidade na vida cotidiana. 7
SOCIEDADE
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ALUNOS SE MOBILIZAM CONTRA O POSSÍVEL FECHAMENTO DA ESCOLA VIVA Estudantes elaboram formulário com possíveis soluções e ideias para manter a escola de tempo integral
Foto: Daniela Salgado
Por Daniela Salgado e Emanuela Afonso
Resumo do atual momento que a Escola Viva de São Pedro se encontra.
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ecentemente, os alunos da Escola Viva de São Pedro, em Vitória, lutam pela continuidade do projeto na instituição. A Escola Viva é um programa estadual de ensino que propõe um diferencial para os alunos desde 2015. O intuito é aumentar a permanência dos estudantes no ambiente escolar, com o objetivo de proporcionar desde conhecimentos técnicos e obrigatórios à experiências diversas. A Secretaria afirma que o governo desembolsa, em média, 1,6 milhão por ano com aluguel e manutenção do
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prédio onde funciona a instituição. Outro motivo que está sendo posto em pauta para o fechamento da Escola Viva de São Pedro, é a quantidade de alunos matriculados. De 600 vagas, apenas 240 são ocupadas - de acordo com o balanço apresentado pela SEDU.
ESTUDANTE
A aluna do terceiro ano da Escola Viva de São Pedro, Izadora Coutinho (18 anos), em contraponto, alega que uma das questões e possíveis soluções que estão sendo debatidas é a inserção do ensino
fundamental II na escola. Assim, as vagas seriam preenchidas e incluirão mais estudantes da região. Coutinho disse também que, além das manifestações na rua, a escola está servindo de local para reuniões com os alunos e diretores a fim de compreender os próximos passos desse processo avaliativo e os possíveis reflexos na vida dos estudantes caso a escola seja fechada. “O impacto vai ser muito grande porque o bairro de São Pedro é uma região periférica, e a escola naquele lugar foi um
, Pedro, Deborah Sousa (16 anos), faz parte do movimento de alunos que estão à frente da defesa do instituto e afirma que neste formulário existem algumas opções de transferência para outras escolas que os estudantes estão levando em consideração, junto com mais duas possíveis opções de permanência na instituição. Neste formulário contém quatro opções de realocações dos alunos para escolas de tempo integral na Grande Vitória: em Vila Velha, Cariacica, Serra e em Vitória. Além disso, o primeiro ano do ensino médio teria a opção de ir para a escola
Major Alfredo Pedro Rabaioli, no bairro Mário Cypreste. Esse colégio, em 2020, terá a implantação do estudo em tempo integral acompanhado de um curso técnico. SEDU Procurada para esclarecimento sobre a possível criação de novas escolas e o futuro dos alunos, a Secretaria do Estado da Educação (SEDU), apenas respondeu por meio de uma nota: “A Secretaria de Estado da Educação (Sedu) informa que está discutindo, junto aos Superintendentes Regionais e Diretores Escolares, o planejamento da Rede para o ano letivo de 2020”.
Foto: Izadora Coutinho
grande avanço e uma ajuda enorme para as pessoas daquela poderem estudar tão perto”, disse Izadora. A aluna comenta em defesa da escola em tempo integral que a instituição ensina muitos alunos à formarem caráter e a entender a importância do estudo em sua vida. Com intuito de fomentar um debate, um formulário com sugestões vindas dos alunos para manter o instituto funcionando está sendo preenchido pela comunidade escolar e será enviado ao secretário da educação Vitor de Angelo. A aluna do segundo ano da Escola Viva de São
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Escola Viva de São Pedro, em Vitória (ES). 9
CULTURA
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NOVO LONGA DA NETFLIX REACENDE O EMBATE ENTRE STREAMING E CINEMA O filme “The Irishman”, dirigido por Martin Scorsese, tem seu lançamento no dia 1 de novembro e estará disponível na plataforma digital a partir do dia 27 Por Lucas Mello
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Netflix anunciou no dia 27 de agosto que não realizará uma estreia geral do longa “The Irishman” (“O Irlandês”) em cinemas estadunidenses, optando por um lançamento restrito a alguns cinemas independentes ainda não revelados. A decisão se deu após um impasse entre a empresa de streaming e as grandes redes de cinema, que exigem uma janela de exibição de 90 dias antes que a película possa ser disponibilizada para distribuição em massa. O filme narra um episódio marcante na história contemporânea de Nova York a partir da vida do ex-sindicalista Frank “The Irishman” Sheeran (Robert De Niro) suspeito de ser um assassino de aluguel contratado para assassinar o líder sindical Jimmy Hoffa (Al Pacino). O elenco ainda contém figuras como Harvey Keitel, Joe Pesci e Anna Paquin e apresenta-se como forte candidato a premiação do Oscar de 2020. O fato remete a polêmica decisão tomada pela Netflix no ano passado de restringir a exibição nos cinemas do longa “Roma” de Alfonso Cuarón, vencedor
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do Oscar de melhor filme estrangeiro, a um período de apenas 23 dias antes de ser disponibilizada na plataforma. Dessa forma foi considerado por alguns como um “TV Movie”, um filme feito para a televisão, tornando-se, portanto, elegível apenas ao Emmy, premiação da indústria da televisão nos Estados Unidos. VELHOS HÁBITOS MORREM LENTAMENTE Embora as plataformas de streaming, como a Netflix, venham conquistando cada vez mais espaço e reconhecimento no mundo do entretenimento, o costume de ir ao cinema não só continua presente no cotidiano das pessoas como, para alguns, ainda é a melhor forma de se ter uma experiência plena do filme assistido. A estudante do curso de Cinema e Audiovisual da Ufes, Lilian Cordeiro, 19 anos, defende que um filme tem mais a oferecer a quem assiste quando exibido em uma sala de cinema. “Algumas pessoas não concordam, mas eu sinto que faz uma diferença muito grande, o tamanho da tela influencia, o som e
a concentração também. Quando você se dispõe a ficar duas horas numa sala sem pausas e sem ir ao banheiro, é aquele momento, você tá ali curtindo aquele filme”, afirma. Para o professor do Departamento de Comunicação Social da Ufes, Fábio Camarneiro, a coletividade da experiência, o caráter imersivo proporcionado pelo formato da tela e a qualidade do som em uma sala de cinema também são essenciais para que o produto seja consumido da melhor forma possível. Contudo, o docente acredita que o streaming acelerou um processo histórico de quebra das barreiras entre as indústrias da televisão e do cinema, que será resolvido em um acordo entre ambas. “Tinha uma época em que fazer TV para um ator era uma coisa muito menos glamourosa do que fazer um filme. Atualmente você ser ator do Game Of Thrones as vezes gera mais repercussão do que participar de um grande filme”, destaca. Na era das plataformas digitais, segundo Camarneiro, a distinção entre as premiações
do Emmy e do Oscar, por exemplo, perde cada vez mais o sentido.“As pessoas mais radicais, que dizem fazer cinema de fato, estão apostando em formatos muito diferentes das duas horas narrativas convencionais, hoje em dia esse formato existe tanto no cinema quanto no streaming”. ADMIRÁVEL MUNDO NOVO Para alguns, o formato oferecido pelas plataformas de streaming é vantajoso tanto para o produtor de conteúdo quanto para o consumidor, como afirma o produtor de eventos e cineasta capixaba Léo Dias. “Eu não sou muito fã dessa linha muito tradicional de você ter o acesso limitado a um determinado lugar. Todo tipo de acesso democrático, fácil e que possibilite que as pessoas
possam assistir aos conteúdos de maneira mais rápida contribui muito para o alcance desses filmes”, defende. Ele acredita que a expansão desses serviços trouxe para o público uma democratização do acesso ao conteúdo uma vez que, em sua experiência pessoal, o rigor da rotina de trabalho limita muito o tempo disponível para frequentar as salas de cinema. Simultâneamente, as transformações no campo da produção cinematográfica, pelas quais o streaming é parcialmente responsável, estão criando um leque de oportunidades para o crescimento de formatos alternativos de produção audiovisual dos mais variados gêneros, como observa o historiador e curador do Festival de Cinema de Muqui (FECIM) Ériton Berçaco.
Foto: Divulgação
, Foto oficial do filme divulgada no site do “New York Film Festival”
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Ele ressalta que o FECIM já ofereceu, além do cinema tradicional, janelas de exibição de produtos audiovisuais de diversos formatos, desde webséries até videoclipes. “O olhar da curadoria do FECIM é um olhar muito mais contemporâneo, mais aberto” reitera. Para a curadoria do evento, segundo Ériton, a tendência é encarar os filmes como o resultado de um trabalho audiovisual, independente da plataforma para qual eles foram produzidos. O historiador acredita que assim como houve no passado um debate muito forte sobre o uso de câmeras digitais no lugar da película no mundo do cinema, o embate entre streaming e cinema é apenas mais uma discussão que, apesar de ser relevante, será superada. 11
CULTURA
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Foto: Divulgação
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BACURAU, SE FOR, VÁ NA PAZ
Por Laura Conceição
O filme Bacurau já está em cartaz no Cine Metrópoles, na Ufes e é a prova que o cinema pode não mudar uma sociedade, mas com certeza é um reflexo dela. Kleber Mendonça Filho ao dividir a direção com Juliano Dornelles cria uma obra que representa mais um belo feito do cinema sul-americano e que certamente já se consagra como um clássico do cinema brasileiro. A trama se passa em uma pequena cidade fictícia do sertão, em um futuro distópico, mas que diz muito sobre a realidade de todos os cantos do Brasil, ao mostrar por meio de muito simbolismo as histórias de um povo esquecido e literalmente riscado do mapa. Apesar do longa possuir nomes fortes como os de Sônia Braga e Udo Kier, o enredo não tem como apoio um único protagonista, a tela é uma genuína passarela por onde desfila um variado elen-
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co de personagens que foge de ser caricato e retrata com excelência uma brasilidade que é capaz de despertar e prender a atenção de quem assiste. O roteiro nos dá tempo de conhecer os personagens e o local, onde cada um possui uma função naquele sertão. A trama parece não ter pressa e vai sendo construída gradativamente e aos poucos percebemos que a simpática Bacurau esconde uma interessante regra, matar ou morrer, pois retrata um povo querendo dialogo, mas que sem ter sucesso, precisa resistir. E que ao se conectarem entre si, com sua terra e com as suas raízes, expulsam o que não é bem-vindo. Bacurau é uma ficção científica, western, é um filme de guerra, um terror e um mistério com uma direção rica que bebe de diversas referências, tanto de enquadramentos como de músicas. Os símbolos e metáforas feitas vão
te dar a sensação de quero mais. Um filme complexo de ser realizado, com propostas muito ousadas de ação e drama. Planos abertos e longos que valorizam a cidade, a terra e nos convida a entender cada pedaço de Bacurau, ao condessar a cultura do nordeste em uma só cidade, em um só cenário. De fato, Bacurau é uma criação moldada nas resistências de seus personagens, a trama bebe da história do Brasil para chegar a alguma conclusão e por mais que muitas vezes a gente não entenda a profundidade da nossa própria história, ela está em Bacurau e pode ser revisitada em diversos momentos. Essa ficção claramente está falando de um mundo não tão distante de existir. É impressionante como a trama conversa com a realidade do mundo e é um convite para transformar o seu olhar sobre o nosso cinema e o nosso Brasil.
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, CRÔNICA: MAIS UM DIA QUALQUER Por Sarah Mascarenhas dor de balas com poucos dentes na boca, mas gargalhando das piadas num português maltratado que sua colega vendedora de paçoca proferia. Tereza observou os dois, não imaginava o quanto seu rosto expressava o desprezo que sentia. A dona pensava no que seria o jantar e na desculpa que daria para não mais emprestar seu Corolla ao filho. O ônibus não tardou a chegar, com ele mais um “pobre coitado” (nas palavras da senhora). O homem chorava e dizia para quem topasse ouvir: - Estou pedindo qualquer moeda que puderem dar. Mas não é só difícil sentir fome, é duro pedir ajuda e ninguém
ouvir, levantar o rosto para quem finge não ver a gente. Tereza até se sensibilizou, mas sua nota mais baixa era de cinco reais, não daria tanto dinheiro, pensava que aquele homem tinha mais era que trabalhar. A patroa chegou em casa, fechou a porta, os problemas do mundo ficaram para trás. Fome? Só na África, onde abutres espreitam cadáveres de pele e osso. Ali naquele prédio, na beira da praia, o jantar estava posto, a TV reverberava mais um caso distante, um escândalo envolvendo Neymar e mais uma fala incoerente de nosso querido presidente.
Ilustração: Sarah Mascarenhas
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mulher acordou bem cedo, sua empregada serviu um café fresco e puxou a cadeira para que a senhora se acomodasse na mesa. Depois do desjejum, a madame tratou de pegar um ônibus pela primeira vez na semana, já que seu filho havia saído em seu carro para impressionar a nova namorada. Pois bem, Dona Tereza esperou por pouco mais de quinze minutos no ponto de ônibus ao lado de sua casa. Tratou logo de guardar o celular e analisar o local, não queria ser assaltada. “Deus me livre de uma arma na minha cabeça!”, pensou encolhida no assento em que passou o percurso dura feito pedra. Chegando no trabalho, em sua sala na empresa da família, jogou a bolsa na mesa, ligou o ar e sentou. Não demorou para pegar o celular e entrar nos grupos do WhatsApp, onde recebeu todas as atualizações da política brasileira e replicou tudo. Compartilhou com todos as farsas dos “jornalistas que apedrejam o novo salvador da pátria”, seus últimos planos para acabar com a sujeirada no Planalto e os nomes dos “comunistas que assolam o país”. Entre novas mensagens no celular, arquivos e cafezinhos, o dia passou rápido. Cinco da tarde, Tereza se dirigiu ao ponto. Em um dos bancos estava um vende-
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