Jornal Laboratório | Universidade Federal do Espírito Santo | Edição 105| Novembro de 2019
DESIGUALDADE DE RENDA VOLTA A CRESCER NO BRASIL
Em 2018 metade da população teve um rendimento mensal inferior a um salário mínimo. Economista da Ufes analisa os dados. P.6
EMPREENDEDORISMO MASCARA PROBELMAS SOCIAIS P.4
A VOLTA DO O SARAMPO E A IMPORTÂNCIA DA VACINAÇÃO P. 8
BIBLIOTECAS NOS TERMINAIS FACILITAM ACESSO À CULTURA P.3
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EXPEDIENTE EDITORES Alberto Borém Laura Conceição REPÓRTERES Alberto Borém Amanda Ribeiro Beatriz Santos Breno Alexandre Daniela Salgado Dirlan Machado Emanuela Afonso Karina Lima Laryssa Florêncio Laura Conceição Lucas Mello Ludson Nobre Mikaella Mozer Natalia Andalécio Rebeca Fagundes Sarah Mascarenhas Stella Silveira Tarcísio Ribeiro Vitor Guerra Walas Coelho PROFESSOR RESPONSÁVEL Rafael Bellan NoEntanto é um Jornal laboratório da turma de 3º período do curso de Comunicação Social/Jornalismo, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). CONTATO NO ENTANTO noentanto.ufes@gmail.com
EDITORIAL
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turma do 3° período de Jornalismo da Universidade Federal do Espírito Santo apresenta a edição de número 105 do jornal NoEntanto, disciplina laboratorial do curso. Em mais uma edição, os alunos trazem, com uma posição contra-hegemônica, reportagens de cinco editorias. Em sociedade, uma reportagem sobre a chamada ideologia empreendedora e seus impactos em nosso cotidiano. Dando continuidade, na editoria de economia, o Professor de economia da Ufes Rafael Moraes, comenta sobre os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), analisando o desenvolvimento socioeconômico do país. Além disso, na editoria de saúde, uma reportagem que aborda um estudo internacional conduzido por pesquisadores da Universidade de Harvard, onde é evidenciado o poder de destruição do sistema imunológico pelo vírus do sarampo. Na editoria de esporte, uma máxima da prática esportiva mais popular do mundo, não é só futebol. Em cultura, o foco é o projeto feito pela Secretaria Estadual de Cultura, que tem a iniciativa de levar bibliotecas para os terminais urbanos da Grande Vitória, incentivando o acesso a leitura. Por fim, a crônica “Nas Garras do Medo”, que retrata as aflições de uma mulher. Deste modo, se encerra mais uma edição do jornal NoEntanto.
Turma de Jornalismo 2019/2
NO ENTANTO NAS REDES fb.com/jornalnoentanto @jornalnoentanto @noentantojornal
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CULTURA ,
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POLÍTICA
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SECRETARIA DE CULTURA DO ESTADO INCENTIVA A LEITURA NOS TERMINAIS Iniciativa da Biblioteca Pública Estadual permite que mais usuários tenham acesso ao acervo Por Breno Alexandre
Foto: Breno Alexandre
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Bibliotecas nos terminais facilitam acesso à cultura. s bibliotecas surgiram eficiente para mim, pois não no ano de 2007 e hoje há nenhuma biblioteca onde contam com mais de moro”, conta. Assim como ela, 20.000 usuários ativos nos muitas outras pessoas usam nove terminais da Grande Vi- esse recurso como uma distratória. Apesar disso, o número ção para as viagens. é relativamente pequeno, levaA acessibilidade é um fado em consideração o volume tor diferencial. Para Victória, a de 15,5 milhões de pessoas necessidade de projetos como que circulam nos coletivos de esse se faz necessária na soVilha Velha, Serra e Cariacica, ciedade atual, pois garante segundo dados da Companhia que um grande contingente Estadual de Transportes Cole- de pessoas seja atingido por tivos de Passageiros do Estado tal atitude. Segundo ela, “foi do Espírito Santo (CETURB/ES). muito mais fácil ter no meu caA estudante de arquitetura minho um acervo como esse, e urbanismo Victória Ramos e como no terminal circulam realiza empréstimos sempre milhares de pessoas, tem um que pode. “É muito prático impacto social grande.” para mim. É rápido, e como Entretanto, mesmo com preciso sempre usar o ter- um elevado número de passaminal, aproveito para ler en- geiros, a quantidade de leitoquanto volta para casa. É mais res não chega a 1% do total.
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Segundo a Secult, a média mensal de empréstimos é de 1.685 livros. Maria Eduarda Camilo, que também é estudante, afirma que a falta de tempo acarreta na não utilização da facilidade. “Eu passo pelo terminal todos os dias mas, por estar sempre compressa, não consigo pegar os livros que me interessam”, relata. A iniciativa de levar bibliotecas nos terminais foi da Biblioteca Pública do Espírito Santo (BPES), por meio da Secretaria de Estado da Cultura (SECULT). O objetivo é tornar mais fácil o acesso aos livros, tanto pelo alto preço para compra como pela ausência de bibliotecas comunitárias em regiões de periferia.
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SOCIEDADE
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EMPREENDEDORISMO DE NECESSIDADE MASCARA PROBLEMAS SOCIAIS Pregando o esforço pessoal e ignorando cenário econômico, ideologia empreendedora fomenta desigualdades Por Stella Sampaio
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riar negócios e ter sucesso são o propósito de vida de quem abraça o empreendedorismo como ideologia. Porém esse modo de ver a vida e operar as relações sociais, está cimentado sobre individualismo, culpabilização e desigualdade social. O número de Microempreendedores Individuais (MEI) já é de 9,2 milhões, segundo a Receita Federal, enquanto 38,763 milhões de trabalhadores estão atuando na informalidade, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No trimestre de julho a setembro de 2019, o contingente de pessoas desalentadas (pessoas com força de trabalho potencial, mas que não trabalham por diversas situações) foi estimado em aproximadamente 4,7 milhões. Para o pesquisador da Pós-Graduação em Política Social da Ufes Fagner Firmo, o ponto mais crítico dessa ideologia é que os indivíduos não reconhecem a precariedade de suas situações. O empreendedorismo não é um fenômeno novo. Segundo o pesquisador, Na Idade Média já existiam empreendedores, mas com 4
a consolidação do capitalismo, o “empreendedor” se reinventou. O desenvolvimento tecnológico permitiu que pequenas iniciativas se transformassem em grandes empreitadas, até o atual fenômeno das startups. Dessa relação, nasceu o que se pode chamar de ideologia empreendedora. “Ideologia é a ideia que surge da prática. As pessoas vivenciam determinadas práticas nas relações sociais e esse cotidiano acaba se transformando em uma visão de mundo”, explica o sociólogo. Hoje o empreendedorismo mais conhecido é a opção norte-americana: o self made man, ou seja, alguém que se fez com seu esforço e por suas boas qualidades. “Isso passou para história como a ideologia que deu certo no principal país capitalista (EUA). De uma certa forma, ela é a carro-chefe do modo de produção capitalista”, destaca Fagner. Para o sociólogo, no cenário atual de desemprego, precarização do trabalho e fim da seguridade social, a campanha pró-empreendedor self-made man “hoje em dia funciona muito mais como uma cortina de fuma-
ça”. “O empreendedorismo acaba de uma certa forma jogando todo o peso de um contexto muito maior, para um indivíduo. Assim se começa a incutir uma ideologia empreendedora, de modo a fazer com que ele busque respostas essa situação em pequenos empreendimentos”, destaca Fagner, que vê como reflexo disso o aumento no número de ambulantes, motoristas de aplicativos e entregadores. O “empreendedorismo por necessidade” se apresenta como uma saída para as pessoas que se encontram em situação precária. “Isso que é chamado de empreendimento, na verdade é obrigar que esse indivíduo, que está em uma situação vulnerável socioeconomicamente, dê uma resposta igualmente precária. A maioria esmagadora dos microempreendedores cumprem longas jornadas de trabalho e se dedicam a atividades que não tão rentáveis”, pontua o sociólogo. Fagner destaca que “estatisticamente, isso vai aparecer como algo positivo, porque essas pessoas não são contabilizadas como desempregadas. Porém, observa-se que a rentabilidade
, O PAPEL DO GOVERNO
Atualmente, todas as esferas do governo possuem iniciativas voltadas para o empreendedorismo, que, somados ao fenômeno dos coachs e o “mundo mágico” das startups, se tornaram canais difusores dessa ideologia. É comum ver campanhas públicas, financiamentos milionários, incubadoras e aceleradoras de negócios financiados com dinheiro público. Poucas, em número e alcance, são iniciativas de apoio ao microcrédito e voltadas para públicos mais vulneráveis. “O efeito do empreendedorismo é positivo somente para o indivíduo que dispõe de recursos. O que acaba sendo decisivo (para acessar apoio público) é justamente o desempenho econômico. São instituições que vão ser muito mais úteis para quem realmente tem condições de empreender”, ressalta Firmo. Nesse sentido, as principais universidades do país também tem criado projetos para promoção da ideologia empreendedora. Na Universidade Federal do Espírito Santo é possível observar algumas iniciativas, como a oferta da disciplina de Empreendedorismo e a incuba-
ção de empresas, em parceria com a iniciativa privada. Segundo a Ufes, o objetivo do Projeto de Empreendedorismo é criar a cultura nos estudantes. Segundo a professora da Ufes Míriam de Magdala, que ministra a disciplina de Empreendedorismo, “é a inovação que resolverá problemas sociais e ambientais na escala que precisamos requer empreendedores que façam a transformação do mundo. A Ufes entende, portanto, que a formação em empreendedorismo é elemento importante na formação dos nossos estudantes”. Já Fagner não observa esse movimento com otimismo. “O discurso que vem acoplado a ideia de empreendedorismo é muito perigoso, pois o Estado acaba, de uma certa forma, se excluindo dessa responsabilidade de incentivar uma política educacional sólida, que busque formar realmente cidadãos”, ressalta.
EMPREENDEDORISMO COMUNITÁRIO COMO ALTERNATIVA Nas comunidades que formam o Território do Bem em Vitória, uma região estigmatizada pela violência e de baixa renda, há 17 anos os moradores trabalham juntos para mudar a realidade da região, criando soluções para acesso ao crédito, capacitação e desenvolvimento econômico. O Ateliê de Ideias, organização sem fins lucrativos, atua na região como agregador das iniciativas dos movimentos comunitários e do Fórum de Desenvolvimento Comunitário do Território do Bem. O objetivo é promover o desenvolvimento local, a partir da Economia Solidária, fomentando o empreendedorismo de base comunitária. Nessa visão de empreendedorismo, a coletividade é importante e o sucesso é baseado no desenvolvimento local.
Foto: Divulgação/Ateliê de Ideias
da força de trabalho brasileira caiu e as jornadas e as atividades se tornaram muito intensas, levando essas pessoas à beira do colapso físico e mental”, conclui.
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ONG fortalece o desenvolvimento local no Território do Bem
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POLÍTICA
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PNAD MOSTRA CRESCIMENTO NA DESIGUALDADE DE RENDA NO BRASIL Em 2018 metade da população teve um rendimento mensal inferior a um salário mínimo. Economista da Ufes analisa os dados.
Arte de Sarah Mascarenhas
Por Sarah Mascarenhas
Fonte: PNAD 2019
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o dia 16 de outubro foi publicado o resultado da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad). Ela é parte definitiva do conjunto de pesquisas correntes do IBGE e destina-se à produção de informação sobre a presença da população no mercado de trabalho e ao estudo do desenvolvimento socioeconômico do país. Em sua versão mais recente, os dados da pesquisa revelaram que as pessoas que fazem parte do 1% da população com renda mais elevada (tendo rendimento mensal médio de R$ 27.744,00) recebiam em 2018 uma média de 33,8 6
vezes o rendimento de 50% da população com os menores rendimentos (tendo rendimento médio mensal de R$820,00). Este indicador estava em declínio de 2013 (31,3 vezes) até 2016 (30,5 vezes), mas em 2017 voltou a crescer, alcançando o número de 31,2 vezes. Quando pensada em termos regionais, a Região Sudeste, sendo a mais populosa, se mostrou a mais desigual, onde os 1% mais ricos apresentaram uma renda de 34,4 vezes o rendimento dos 50% com menor rendimento. Já a Região Sul foi a que demonstrou a menor razão, sendo ela de 22,9 vezes.
O professor de economia da Ufes Rafael Moraes salienta que o crescimento do índice de desigualdade no Brasil pode ser atribuído em primeiro lugar às dificuldades da economia em gerar empregos, sendo que a mesma não apresentou dinamismo suficiente na recuperação dos postos de trabalhos perdidos entre os anos de 2016 e 2017. Segundo Moraes, a existência de 13 milhões de pessoas sem trabalho fez crescer a busca por serviços informais (aqueles sem a assinatura de carteira de trabalho), o que fez com que a renda média decaísse nas camadas mais po-
, bres da população. Sobre os mais afetados pela disparidade de renda, o economista aponta que os que dependem do trabalho para sobreviver são os mais prejudicados. Neste grupo, dá destaque aos mais vulneráveis, com menor escolaridade, que vivem em condições mais precárias, baixo acesso à saúde, educação e meios de transporte. “A própria Pnad também mostra que os grupos sociais historicamente marginalizados também sofrem mais com a crise do que outros grupos, é o caso de nordestinos, mulheres e negros”, complementa Moraes. A pesquisa da Pnad confirma a fala do professor ao mostrar que o nível de instrução foi um indicador determinante do rendimento médio mensal, em uma relação em que quanto maior o nível de instrução alcançado, maior o rendimento. Dessa forma, as pessoas sem instrução apresentaram o menor rendimento médio (R$ 856,00). O Índice de Gini é outro indicador que aponta a diferença de rendimentos entre os mais pobres e os mais ricos usado na pesquisa. Em 2018 ele alcançou o maior valor na linha histórica desde 2012, tendo ficado em 0,509. Entre 2012 e 2015 ele havia passado por um declínio de 0,508 para 0,494. O relatório A Distância que nos Une, da OXFAM Bra-
sil, organização não governamental que tem como objetivo a eliminação das causas da pobreza, publicado em setembro de 2017, traz alguns dados que se destacam. No relatório é apontado que Levaremos 35 anos para alcançarmos o atual nível de desigualdade de renda do Uruguai e 75 anos para chegarmos ao patamar atual do Reino Unido, mantido o ritmo médio de redução anual das desigualdades de renda observado desde 1988. Nele também se destaca a situação da mulher no mercado de trabalho quando afirma que uma trabalhadora que ganha um salário mínimo por mês levará 19 anos para receber o mesmo que um super-rico recebe em um único mês. Outro dado resume como as desigualdades se manifestam de diversas formas ao mostrar que em Cidade Tiradentes, bairro de periferia de São Paulo, a idade média ao morrer é de 54 anos, 25 a menos do que no distrito de Pinheiros, onde ela é de 79 anos. Pensando formas de reverter esse quadro de desigualdade, Rafael Moraes pondera que já ficou comprovado que o dinamismo econômico, alimentando a geração de empregos formais, aliado a políticas sociais, como transferência de renda e investimentos em saúde, educação e infraestrutura contribuem para a
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redução da pobreza absoluta e da desigualdade de renda entre os mais pobres. Contudo, a questão é mais profunda. “A concentração de renda no Brasil tem elementos estruturais muito mais complexos, relacionados à própria concentração da propriedade rural e do capital.”, adverte o economista. Moraes considera a desigualdade de renda um problema por si só e afirma que essa implica em questões como a violência, o baixo acesso à cultura, à educação, à saúde, dentre outros. No entanto, o professor menciona que para alguns economistas a desigualdade não deve ser considerada um problema, tendo em vista que ela refletiria decisões tomadas pelos indivíduos.
O coeficiente de Gini varia de zero a um, algumas vezes sendo representado de zero a cem. O valor zero representa a situação de igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda. O valor um (ou cem) está no extremo oposto, isto é, uma só pessoa detém toda a riqueza. Na prática, o Índice de Gini costuma comparar os 20% mais pobres com os 20% mais ricos. Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) 7
CIDADES
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VÍRUS DO SARAMPO AFETA O SISTEMA IMUNOLÓGICO, DEMONSTRAM ESTUDOS Em meio ao ressurgimento de casos de sarampo no Brasil, o resultado das pesquisas ressalta a importância da vacinação. Por Lucas Mello
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SOCIEDADE
um anticorpo específico. O vírus do sarampo pode afetar e destruir essas células, comprometendo o sistema imunológico do indivíduo infectado. O trabalho divulgado na Science, analisou amostras de sangue de 77 crianças antes e depois da infecção por sarampo, revelando uma perda de em média 20% de seu repertório de anticorpos, chegando até 73% em um caso específico. O outro estudo, publicado na Science Immunology, reforçou o resultado da pes-1° fase da campanha de vacinação quisa anterior e constatou pecialistas, se deve a neglique o vírus também afeta a gência da vacinação contra o capacidade do organismo de vírus por parte da população, responder a novos patógenos como defende a infectologisdesconhecidos. Além das ta Suzanne Pereira. células B de memória, existem “O sarampo voltou justambém as que nunca tiveram tamente por conta da sua contato com o antígeno e são erradicação. As pessoas utilizadas na defesa contra um pensam que, por isso, não micro-organismo novo. precisam mais se vacinar. O resultado constatou Erradicação não significa que o sarampo, além de que o vírus desapareceu, afetar a memória de defesa mas sim que não houve do organismo, pode afligir mais registro de casos com também essas células, rehumanos” afirma. O goververtendo o sistema imunono federal iniciou em outulógico ao estado de bebê, no bro uma campanha nacional de qual o organismo tem uma vacinação contra o sarampo digama limitada de anticorpos vidida em duas fases, a 1° teve o e a capacidade de responder foco voltado em crianças e ena novas infecções é comprocerrou no dia 25 de outubro. metida. O ressurgimento do sarampo, segundo es-
Foto Valter Campanato/ Agência Brasil
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m estudo realizado por pesquisadores da Escola Médica de Harvard e publicado nas revista Science e Science Immunology em outubro apontam que uma infecção por sarampo pode comprometer o sistema de defesa do organismo, causando uma “amnésia imunológica”. O vírus apaga a memória das estratégias adquiridas pelo corpo de combate a outros micro-organismos já conhecidos, tornando-o assim mais suscetível a novas infecções. O Brasil tem o maior programa de vacinação gratuita do mundo através do SUS. Contudo, segundo dados do Ministério da Saúde a taxa de vacinação contra a doença passou de 96%, em 2015, para 57% das crianças até outubro de 2019. Foram confirmados quase 10,5 mil casos de sarampo no país desde o início do ano. O sistema imunológico, ao entrar em contato com um agente invasor, cria estratégias para combatê-lo e guarda uma memória que é armazenada caso o organismo tenha que lidar com o mesmo patógeno no futuro. Essa memória é parcialmente registrada nas denominadas células B, especializadas na produção de
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ESPORTES
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ALUNOS DA ESCOLINHA DE LAGOA DE JACARAÍPE VISITAM KLEBER ANDRADE Alunos puderam assistir o jogo do Mundial Sub-17, no Kleber Andrade
Alunos da “Amigos da Lagoa de Jacaraípe” assistiram às partidas entre Espanha x Tajiquistão e Camarões x Argentina
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Estádio Estadual Kleber Andrade, localizado em Cariacica, está sendo um dos palcos da Copa do Mundo Fifa Sub-17, que teve início dia 26 de outubro e vai até 17 de novembro. Com jovens talentos de 24 países, o Mundial fomenta os ânimos dos iniciantes no futebol. E não seria diferente para os crianças da escolinha dos “Amigos da Lagoa de Jacaraípe”, que na quinta-feira, 31 de novembro, foram assistir as partidas entre Espanha x Tajiquistão e Camarões x Argentina. O fundador da escolinha, José Correa Miguel, de 47 anos, trabalha voluntariamente com meninos e me-
ninas, de seis a dezessete anos. Ele promove treinos e jogos de futebol, no bairro Lagoa de Jacaraípe, na Serra. Fundada há seis anos, o projeto comandado por José se atende as crianças da região, visando o desenvolvimento social e esportivo dos alunos. Segundo ele, o tempo que as crianças ficavam na rua chamava atenção. “Tinham várias crianças nas redondezas do bairro que não ficavam muito ocupadas com escola ou outra coisa, passavam o tempo na rua, assim tive a ideia de criar o projeto. Sempre cobrei disciplina, desempenho na escola e respei-
Foto: Emanuela Afonso
Por Emanuela Afonso
to entre eles. Todos eles são bons na escola ,e, claro, bons de bola”, disse Correa. O organizador da escolinha acrescenta também que o projeto não conta com nenhum apoio da prefeitura da cidade.“Em alguns dias eles chegam dizendo que não vão ir jogar por causa da falta de dinheiro para custear a viagem. O governo não dá nenhum suporte, muito pelo contrário, às vezes eu tiro o dinheiro do meu bolso para pagar passagem deles”, contou o professor. O mundial que acontece no Brasil, e tem como uma das sedes o Espírito Santo, reúne talentos que dividem 9
talentos em campo. Com idade próxima a de muitos atletas do Mundial, que permite jogadores com até 17 anos, Christoffer não esconde sua vontade de se tornar um atleta. “Jogar assim é um sonho realizado, uma Copa do Mundo, legal demais. Na escolinha, em dia de treino a gente sempre chega mais cedo, eu sou o primeiro a tá lá. Nós sempre ganha todos os jogos, mas eu quero alcançar mais, o futebol de base e o profissional”, disse o participante do projeto. As ações de José Correa frente ao projeto, evidenciam que o futebol não é apenas um jogo. Gisela, mãe do Arthur, de 11 anos, um dos alunos mais assíduo do projeto, conta como a es-
colinha teve uma influência positiva na saúde do filho. “O projeto na vida dele é muito importante, por ele ter problema de hiperatividade e déficit de atenção, isso acalma, faz ele gastar bastante energia. Melhorou no desenvolvimento dele com outras pessoa, na comunicação e no entrosamento dele com as outras pessoas”, declarou a mãe. Sobre o projeto Amigos da Lagoa de Jacaraípe, ela ressaltou a importância para as crianças no âmbito social. “O tempo é sempre fora dos horários de aula, então o tempo que eles teriam pra tar correndo na rua, ele está lá no projeto. Todos os garotos são bem cuidados e tratados lá”, declara Gisela.
Foto: Emanuela Afonso
o mesmo sonho, ter um contrato profissional. Para isso o criador da escolinha ressaltou a importância do estudo na vida das crianças. “Primeiramente eles tem que focar na escola, porque é com os estudos que eles serão bons cidadãos e profissionais. Eu sempre falo para eles nunca desistirem do seu sonho, porque ao mesmo tempo que eles estão aqui assistindo, quem sabe daqui a cinco anos eles estão lá dentro”, declarou o pioneiro da escolinha. A cada passe, drible, virada de jogo ou escanteio cobrado, os olhos atentos de Christoffer Ribeiro, de apenas 15 anos, perpassa cada canto do gramado, do estádio Kleber Andrade, analisando as jogadas dos jovens
Arthur com seus pais. A prática esportiva atenuou os problemas de hiperatividade e déficit de atenção do filho
CULTURA
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CRÔNICA: NAS GARRAS DO MEDO Por Sarah Mascarenhas
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Arte por Gabriel Pera
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u, fantasma velho e cansado, estava carregando meu plasma pela estação de metrô de Brasília no fim da tarde quando entrei em um vagão ao acaso e atentei meus ouvidos a uma conversa que se destacou em meio a ladainha política histérica habitual. Era o vagão feminino, uma moça jovem falava com a outra: - Não aguento mais esses homens que insistem em entrar aqui, eles tem algum problema? Será que não enxergam a placa BEM GRANDE dizendo que o carro é exclusivo para mulheres? Só podem ser dissimulados! A outra moça, uns 20 anos mais velha, concordou enquanto a primeira continuou seu discurso embebido em uma raiva pulsante, porém contida: - Outro dia não me aguentei, o folgado entrou e ficou lá, com todas as mulheres em silêncio, só observando de canto de olho… Tive que falar com o bendito que aquele vagão era exclusivo em horário integral e que ele deveria na próxima estação descer para entrar em um outro. Depois de uma pausa como que para crer no que estava dizendo ela concluiu: - O que mais me entristece é ver que não há uma
mulher sequer que abra a boca para falar, nem mesmo para apoiar uma que tomou coragem. Isso é fruto desse medo que nos consome todos os dias, que nos persegue no trabalho, na volta para casa, em nosso próprio lar! É fruto dessa sociedade doente que nos ensinou a aceitar estigmas e a manter desigualdades profundas, tirando elas por menos. A mais velha ponderou por alguns segundos e disse com uma voz calma e muito sábia: - É, a mulher sofre tanto que quando está no seu trajeto diário perde até a força de gritar, minha filha., não as culpe. É por isso que você em seu esclarecimento tem que ajudar. Se passar por uma mulher está calada, mas sofrendo, dê voz a ela. Te garanto que vai te ajudar a passar por
essa realidade, compaixão e união geram força. Foi bonita a cena, uma lágrima escorreu do rosto da mais jovem, uma lágrima de dor e angústia, abraçou quem provavelmente era sua mãe e colocou um sorriso de lado. E eu, parado alí, transparente e cativado por uma dor que não me era conhecida em vivências próprias, pensei ter visto uma chama de esperança naquele sorriso, aquela moça iria lutar, diariamente. Logo depois de toda a cena, eu, que não seria capaz de fazer nada a ela mesmo que quisesse, impedido pela falta de carne e osso, me senti no dever de me retirar. Ali era espaço delas, onde por um momento no dia se sentiam seguras.
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