NO ENTANTO Jornal Laboratório - UFES | edição 101 - julho - 2019
Esporte
estereótipos não impedem o pole dance de crescer como esporte p. 12
alzheimer deve crescer com envelhecimento da população de vitória De acordo com profissionais, a prática de exercícios físicos e uma alimentação saudável podem ajudar na prevenção da doença
sOCIEDADE
pessoas surdas tem dificuldades para ir ao cinema em vitória p. 3
A orla da Praia de Camburi é um dos principais lugares para se exercitar na capital do Espírito Santo, Vitória
Educação
políticas de cortes de gastos afetam as instituições federais p. 10
saúde
falhas podem ser comuns em diagnósticos de tdah p. 8
Cultura
cenário drag cresce na grande vitória Porém, alguns obstáculos ainda são visíveis para quem quer se montar e praticar a arte na região p. 6
Crônica: “o homem invisível”
por joão paulo rocha
p. 13
ex-domésticas relatam constrangimentos p. 12
Expediente edição, arte e diagramação Beatriz Heleodoro Gabriela Brito Eduardo Carvalho Esther Mendes Hérick Coutinho Marcus Vinícius Reis Newton Assis Rafael Sguerçoni
Redação Esther Mendes Gabriela Brito Hérick Coutinho Izabela Toscano João Paulo Rocha João Vitor Castro Luisa Cruz Marcus Vinícius Reis
digital e mídias sociais Aline Almeida Anderson Barollo Andressa Antunes Arthur Chiesa Beatriz Bessa Beatriz Heleodoro Camila Borges Eduarda Moro Isadora Fadini Mylena Ferro Myllena Viana Newton Assis Noélia Lopes Rafael Sguerçoni Teresa Breda
logo Gabriel Moraes
Professor orientador Rafael Bellan
editorial
Em março deste ano, a turma 2018/1 iniciou mais um ciclo no Jornal No Entanto. O terceiro período do curso de Jornalismo experimentou um pouco da rotina de uma redação - a correria, o deadline, a pauta que caiu, a ideia de pauta que não vinha… Essa turma experimentou o aprendizado, a paciência, o medo e a recompensa de saber que cresceu um pouco a cada edição que finalizava. O 2018/1 também teve a oportunidade de, além de fazer parte, contar a história do nosso querido “NoE”. A revista comemorativa de 100 edições do jornal trouxe de volta universitários que já passaram por aqui e professores que lutaram para criar e manter o No Entanto. Além de uma série de fotografias dos momentos mais marcantes do ano até agora, como as manifestações de maio. A Edição 101, última do semestre, traz pautas nas editorias de saúde, educação, sociedade, meio ambiente, cultura e esportes com matérias sobre a incidência de Alzheimer no Brasil, o aumento do uso da ritalina e possíveis descuidos no diagnóstico de TDAH e como algumas propostas do governo podem afetar o ensino nas instituições federais. Além de um balanço das questões de meio ambiente nos primeiros meses do ano e matérias sobre a relação entre empregadas domésticas e empregadores, a falta de acessibilidade dos cinemas para surdos e o crescimento da procura do pole dance como atividade física. Para finalizar, gostaria de me dirigir diretamente à nossa redação e agradecer a cada um que deixou um pouco de si no No Entanto. E corrijo: em março deste ano, o Jornal No Entanto iniciou um novo ciclo na turma 2018/1. Nós o convidamos, leitor, a finalizar este ciclo com a gente e esperamos que você continue aqui naquele que vem. Seja bem vindo! Turma de Jornalismo 2018/1
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No Entanto
Jornal laboratorial produzido pelos alunos do 3º período do curso de Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo , da Universidade Federal do Espírito Santo. Av. Fernando Ferrari, 514, Goiabeiras | Vitória, ES Email: noentanto@gmail.com Telefone: (27) 4009-2603
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Pessoas surdas enfrentam dificuldades para frequentar cinemas em vitória Sem os recursos necessários, filmes são inacessíveis para surdos e deficientes auditivos Por gabriela brito
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mas, porque só vendo a imagem a gente não garante a emoção, o sentido e a qualidade da produção. Se for, por exemplo, um filme que é comédia, acaba perdendo o humor porque não há a comunicação”. Para o professor do Departamento de Línguas e Letras da Ufes Leonardo Lúcio Vieira Machado um lugar que não tenha mobiliário ou vias de acesso adequados às diferenças, não foi pensado para determinado grupo de pessoas, pois “não é seu público”. “Essas pessoas ficam excluídas dos espaços de cultura, de informação, de formação, de lazer, logo, sem cidadania plena”, aponta. Segundo Vieira Machado, a legenda normal não sanaria essa questão. Para ele, é preciso um processo de ensino-aprendizagem eficaz para que isso acontecesse. “O processo de escrita fonográfica para um surdo é semelhante. Não dá pra querer que ele tenha uma memória/ imagem acústica de uma palavra escrita apenas ao olhar”, explica. Para Raphaella, é preferível que o filme tenha uma janela com a imagem de um intérprete. “Com a legenda, eu ainda consigo entender, dá pra contextualizar com a imagem, mas eu gostaria que houvesse um tradutor”, completa. Para o professor, há avanços
se comparados há 5 ou 10 anos, mas ainda é pouco. Ele, além de formar tradutores intérpretes de Libras-Português na UFES, atualmente oferece formação para professores bilíngues da capital como parte de um projeto de extensão “Elaboração de vídeos em Libras com conteúdos escolares para alunos da rede municipal”. Para ele, ações assim, se multiplicadas por outras prefeituras e até escolas particulares, podem gerar efeitos positivos em mais espaços, o que beneficiaria mais pessoas. “É nisso que acredito: acessibilidade linguística para todos e todas (em Libras e com legenda)”, conclui. Infográfico: Gabriela Brito
esmo garantido por lei, deficientes auditivos encontram dificuldades para frequentar cinemas que exibam filmes com libras e legendas descritivas para surdos. De acordo com o IBGE, existem 10.977 pessoas com alguma deficiência auditiva na cidade de Vitória. No entanto, nenhum dos principais cinemas da cidade possui sessões com recursos de acessibilidade. Quando se trata de filme nacional, nem a legenda comum é ofertada. Essa realidade é incoerente com o que a Constituição propõe. O artigo 215 da Constituição Federal diz que “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional”. O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), determinou em janeiro de 2016 um prazo máximo de 4 anos para que as salas de cinema ofereçam recursos de acessibilidade. Ou seja, os cinemas têm até janeiro do ano que vem para providenciar. A estudante surda de Letras Libras da Ufes Raphaella, por meio de Adriana, intérprete de Libras da Ufes, disse que ainda não encontrou uma sala acessível equipada no Espírito Santo. “Os surdos já começaram a pedir por acessibilidade nos cine-
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Mudança na pirâmide etária do brasil pode influenciar na incidência de Alzheimer Prática de exercícios físicos e alimentação saudável ajudam na prevenção da doença Por luisa cruz ribeiro
Crédito: Luisa Cruz Ribeiro
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ados do IBGE mostraram que a pirâmide etária do Brasil mudou entre 2012 e 2017, acompanhando o aumento da qualidade e expectativa de vida dos brasileiros. A população idosa cresceu em 18%, passando dos 30,2 milhões. Segundo o neurologista Ronnyson Grativvol, com a previsão do aumento do número de idosos, aumenta também a incidência de demências, como o Alzheimer. A Doença de Alzheimer é uma patologia neurodegenerativa progressiva relacionada à idade que afeta o sistema nervoso e causa a morte das células. Atualmente, a Associação Brasileira de Alzheimer estima que a doença atinja mais de 1,2 milhões de famílias brasileiras. A família da aposentada Meiri Toscano viu sua rotina mudar em 2005, quando o pai dela, Ormã Toscano, começou a recontar histórias e passou a não reconhecer mais o local onde morava como sua casa. Os exames realizados entre 2005 e 2010 não mostraram indícios de Alzheimer, que só foi diagnosticado pelos médicos em 2016. O atendimento inicial era feito através da rede privada, mas a família não encontrou orientações suficientes para manter os cuidados do idoso dentro de
A atividade física é fator fundamental na prevenção de diversas doenças, inclusive do Alzheimer casa. “Em 2019, passamos para a Rede Cuidar, programa estadual, e o médico passou mais remédios e também tivemos mais orientação”, relata a aposentada. Ormã se encontra na fase moderada do Alzheimer, mas não é ciente de que porta a doença. Meiri afirma que o pai já perdeu a orientação dentro e fora de casa e isso gera preocupação na família. “Não aconteceu nenhum evento grave, mas temos medo que ele se perca devido a dificuldade de se orientar em relação aos espaços”, conta. Hoje, a família se reveza nos cuidados com Ormã. Um dos filhos o leva diariamente ao centro da cidade para fazer exercícios físicos e conversar com pessoas. “A família exerce um
papel fundamental no cuidado desses pacientes. As principais recomendações estão relacionadas à alimentação, higiene e segurança”, afirma o neurologista Grativvol. Os sintomas costumam aparecer após os 65 anos de idade. Segundo Grativvol, os primeiros sintomas da doença de Alzheimer é a perda de memória para os fatos mais recentes. Além disso, o paciente passa a repetir perguntas e histórias. Porém, a perda de memória unicamente não a classifica como demência, por isso é tão importante o acompanhamento médico e familiar.
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“É importante que se busque orientação médica assim que esses episódios de perda de memória, ou alterações repentinas de comportamento começam a ocorrer”, relata a professora de neurociências Juliana Custodio. A incidência da doença diminui quando o idoso mantém uma rotina da atividade física e uma dieta balanceada. De acordo com a nutricionista Deborah Cruz, estudos mostraram a importância de nutrientes, como as vitaminas E, C, D e complexo B, ômega 3, fibras e ferro na redução do risco de demência. Ela também ressalta a importância do acompanhamento profissional. “O papel do profissional de nutrição é muito importante no acompanhamento da doença, pois pode-se proporcionar mudanças nos hábitos alimentares e promover melhora na qualidade de vida”, explica. O educador físico Leonardo Vieira destaca a importância do exercício físico para a prevenção da doença. “A prática de exercícios contribui para a proteção da função cerebral e da perda da memória, que parece estar relacionada com a produção de um hormônio chamado irisina, que é diminuído em pacientes com Alzheimer”, afirma. Vieira destaca que o aumento da qualidade de vida dos idosos está relacionado ao exercício físico, mas também, à diversos fatores. “A prática de atividade física com certeza é um fator importante que contribui para o aumento da expectativa e da qualidade de vida da população. Entretanto, cabe ressaltar que
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este não é o único aspecto que precisa ser considerado, uma vez que este fenômeno é multifatorial”, conta.
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Cresce o Cenário Drag na Grande Vitória Os obstáculos para quem busca começar a se montar e praticar a arte na região Por marcus vinícius reis
Foto: Reprodução
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K’Breeta e Isabella Noire, ambas drag queens que já enfrentaram a perspectiva drag na Grande Vitória.
drag é a mais complexa de acontecer, visto que ninguém nasce sabendo como se produzir. “Quando eu comecei era difícil encontrar informação sobre como começar a se montar”, diz K’Breeta (Nicolas Paz), que fez drag na Grande Vitória por anos antes de sair do estado. Além disso, conseguir reconhecimento também é um problema, principalmente para quem está começando, as oportunidades para trabalhar como drag são pouquíssimas. Elas também apontam que não é nada fácil para achar materiais para produção (perucas, saltos de tamanho maior etc.) na Grande Vitória.
“Apenas quem é digital influencer consegue viver de drag” Isabelle Noire (Matheus Bastos), sobre a remuneração de drag queens.
FAMíLIAS DRAG
Davi Pires, ou Tara, começou a se montar com amigos durante o Ensino Médio.
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pesar de tudo, existe uma irmandade entre drags capixabas, as conhecidas famílias. É comum que grupos de amigos comecem a se montar juntos. Para Tara, por exemplo, a família começou com colegas de classe pelo receio de começarem sozinhos. Além disso, a família servia também para a segurança do grupo, que não saía sozinho.
Foto: Reprodução
om maquiagens ousadas e roupas extravagantes, as drag queens saem por aí como personagens com o objetivo de entreter as pessoas, como DJ’s e performers. Contudo, a realidade do dia a dia das queens tem um pouco menos de glamour. Aqui no estado, por exemplo, elas encontram muitas dificuldades que precisam driblar para começar ou continuar a praticar a arte drag. O Espírito Santo é um estado bem limitado com relação a oportunidades para drags fazerem aparições. Não tem muito lugar para as transformistas no estado e as casas noturnas são limitadas a um mesmo dono, o que serve como agente limitador para o aumento da remuneração pelas performances. Em Vitória, existem apenas três casas noturnas com esse tipo de atração, restringindo ainda mais os espaços de trabalho. “Não tem como sustentar peruca com o ganho que é ganho por performance”, diz Tara (Davi Pires), estudante de enfermagem e drag queen. Contudo, é comum que as queens não se montem com o objetivo de ganhar dinheiro, mas sim por amor, uma vez que é impossível viver apenas das performances na Grande Vitória. “Tem drags que se montam apenas pela arte e glamour, outras apenas como fonte de renda extra”, comenta Isabella Noire (Matheus Bastos), auxiliar administrativo e drag queen. No estado, o transformismo se faz por amor e não por necessidade. Como dificuldade é possível citar, ainda, o obstáculo de começar a se montar. A primeira vez de
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Ex-domésticas relatam constrangimentos sofridos no trabalho Segundo ex-domésticas até a comida que se alimentavam era diferente do que os patrões comiam
Crédito: João Paulo Rocha
Por joão paulo rocha lopes
“A empregada doméstica não tem voz, ela fica só ouvindo calada”, Joelma Ferreira, ex doméstica.
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mpregadas domésticas que trabalharam nas casas de membros da elite, relatam ter sofrido situações desagradáveis e quase desumanas nas mãos de seus ex patrões, como tratamentos abusivos, horários irregulares e salários insuficientes. Basta uma conversa rápida com alguém que tenha trabalhado como empregada doméstica há pelo menos 15 anos que é possível constatar relatos chocantes de como eram tratadas pelos patrões. Muitas mulheres começaram jovens na profissão, e pela falta de uma casa precisavam morar com os patrões, o que podia resultar na época em cargas horárias excessivas. É o caso da balconista Roselangela Bessa, teve seu primeiro emprego como doméstica há cerca de 20 anos,
ela conta que trabalhou 5 anos como empregada. Teve seu primeiro emprego na função aos 23 anos. e conta que, por ter vindo do interior, precisava de um emprego e de um lugar para morar. Por isso, foi morar na casa dos primeiros patrões, onde passou por situações traumatizantes. “Não tinha folga. Levantava às cinco e tinha que ficar acordada até meia noite, esperando o patrão chegar pra oferecer a janta”, conta. Segundo Roselangela, o salário que recebia na época não correspondia a todas as funções desempenhadas por ela, pois além de ter que cuidar de toda a organização de uma casa muito grande, com 7 banheiros, a doméstica ainda cozinhava e cuidava dos dois filhos do casal para quem trabalhava. “Quando eu fui pra lá tra-
balhavam na casa duas empregadas, os patrões mandaram embora todas e eu fiquei só”, completa. A vendedora Joelma Ferreira também relata algumas experiências da época em que era empregada doméstica. Segundo ela, o assédio moral era algo comum neste período, pois por estar hierarquicamente em uma posição mais baixa, muita coisa acaba sendo descontada em cima dos funcionários. “A empregada doméstica não tem voz, ela fica só ouvindo calada”, explica. Joelma conta que também já chegou a dormir na casa em que trabalhava, e por conta disso já precisou trabalhar além do horário estipulado. Ela explica que por conta da troca de turnos no local muitas vezes ela precisava trabalhar mais, devido a atrasos dos colegas. “Minha hora de saída era às 7h da manhã, mas na maioria das vezes eu saía 9h ou 10h, nessa faixa”. Tanto Roselangela, quanto Joelma relatam uma situação muito comum vivida por empregadas domésticas: a de não poder sequer se alimentar com a mesma comida que os patrões. “Em uma das casas em que eu trabalhei, a refeição dos empregados era diferente, inclusive o horário de se alimentar, que também era outro”, diz Joelma.
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Falhas podem ser comuns em diagnósticos de TDAH OMS aponta que transtorno é normalmente diagnosticado entre os 6 e 12 anos de idade e atinge cerca de 6% das crianças Por joão vitor castro Crédito: Rádio Andaiá FM
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egundo dados de 2018 da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) atinge cerca de 4% da população adulta no mundo. Para a Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA), o TDAH é um transtorno neurobiológico de causas genéticas que se caracteriza por um padrão de desatenção acompanhada geralmente de hiperatividade e impulsividade que interfere no desenvolvimento. Segundo a pedagoga Eliana Cera, orientadora educacional de uma escola particular em Vila Velha, o transtorno é frequentemente confundido com a inquietude corriqueira que as crianças vivem no mundo atual, “onde o excesso de atividades e o contexto vivido pela criança acabam a agitando naturalmente”, explica. Cera, que lida frequentemente com o problema, afirma que a criança com TDAH geralmente tenta se manter focada, mas a situação foge de seu controle, enquanto os “inquietos naturais” se mantêm atentos quando algo lhes interessa. Para a pedagoga, alguns estudantes se desenvolvem bem apenas com intervenções, psicoterapias ou simplesmente uma mudança na forma que é cobrado, enquanto outros possuem
Consumo de ritalina cresce 775% em 10 anos no Brasil.
dificuldade até mesmo com o uso de medicamentos. Algumas formas apontadas por Cera para potencializar o desenvolvimento do estudante com TDAH no processo de aprendizagem são utilizar recursos audiovisuais, leituras orais, solicitar a elaboração oral ou escrita de informações sobre as aulas, orientar a administração do tempo, evitar cópias de textos longos, manter contato visual, proporcionar um ambiente mais calmo e atribuir ao estudante ações que ele possa cumprir, visando a melhoria de sua autoestima. No entanto, o tema é alvo de debates no meio acadêmico. “Isso o que hoje chamam genericamente de TDAH é um aglomerado de sintomas presentes em toda gama de neuroses e psicoses, são respostas possíveis
inventadas pelo sujeito de se relacionar com o outro”, explica o psicólogo Murilo Kill. Kill defende que a indústria farmacêutica possui uma significativa influência na criação de novos transtornos. “O DSM (na sigla em inglês, Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, manual que lista categorias de disfunções psicológicas) é a cada edição mais recheado e flexível. Sujeitos transtornados são sujeitos medicados”, completa o psicólogo. Kill cita também o conto “O Alienista”, de Machado de Assis, ao explicar que no diagnóstico é necessário que a pessoa de até 16 anos se enquadre em ao menos 6 de 18 sintomas nas categorias de desatenção, hiperatividade e impulsividade. “Uma flexibilidade de enquadramento
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no diagnóstico bem alta, o que facilita a medicalização da vida deste sujeito, o que reflete em um crescimento de quase 800% no consumo de Ritalina em dez anos”, atesta. O dado é de 2014, parte de um estudo realizado pelo Instituto de Medicina Social da UERJ. Muitos psicólogos acreditam que esse número hoje já seja muito maior devido às pessoas saudáveis que utilizam o fármaco para melhorar o rendimento, atitude extremamente condenada pelos especialistas. “Pode acontecer o diagnóstico errado ou até mesmo o estudante simplesmente ter problemas na aprendizagem devido ao contexto que está inserido como falta de rotina de estudos, não conviver com regras ou ambiente tumultuado”, acrescenta a pedagoga Eliana Cera. O gasto brasileiro decorrente de diagnósticos errados e tratamentos inadequados a crianças com TDAH supera 1,8 bilhão de reais, segundo estudo conjunto das maiores universidades do país. Cera explica, entretanto, que o diagnóstico depende de uma equipe multidisciplinar composta de diversos especialistas, como psicopedagogos, neurologistas e psicólogos. “Quando são percebidas características que destoam, iniciamos com intervenções diárias e, caso não tenha mudança, convidamos os pais para reunião e sugerimos avaliação com neurologista” completa. Ritalina é o nome comercial do metilfenidato, remédio mais comum no tratamento do trans-
torno, um estimulante da família das anfetaminas que tem por finalidade o aumento da concentração. “O que constato hoje no consultório é a prescrição da droga de maneira irresponsável; de um lado, escolas culpando o aluno pela incapacidade de adaptação ao método, de outro a família preocupada com o rendimento da criança”, afirma o psicólogo, que acredita que as instituições escolares possuem práticas distantes do que preconizam as teorias pedagógicas e psicológicas. “O mundo hoje nos bombardeia constantemente de informações nas telas e outdoors, exige atenção difusa nas atividades cotidianas, mas mantêm a rigidez na transmissão escolar, onde as chamadas desatenção e hiperatividade são incapazes de serem acolhidas e direcionadas para um melhor aproveitamento do estilo do sujeito”, explica Kill. Cera concorda que existem escolas que procuram fazer com que o estudante se adeque ao que é proposto, e acredita que o lado negativo da escola seja “quando colocamos os estudantes na mesma caixinha e não entendemos nem respeitamos cada criança”. A pedagoga defende que cada um tem uma forma e um tempo para aprender. “Quando pensamos em escola inclusiva, é preciso entender que cada estudante precisa ser visto na individualidade”, defende Cera.
“Sujeitos transtornados são sujeitos medicados” Murilo Kill, psicólogo.
“Cada estudante precisa ser visto na sua individualidade” Eliana Cera, pedagoga.
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POLÍTICAS DE RETENÇÃO DE GASTOS AFetam ENSINO NAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS Decisões do governo federal como a extinção de cargos e os novos decretos sobre concursos públicos preocupam setores de administração e docência das instituições federais de ensino. Por izabela toscano
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ropostas do governo visam diminuir a quantidade de servidores atuando na máquina pública, burocratizando ainda mais a criação de novos concursos públicos. A ação beneficia a política atual do Ministério de Economia, mas pode trazer mazelas ao trabalhador. Nas instituições de ensino, a falta de manutenção de professores aumenta a carga horária dos já contratados e diminui o foco desses profissionais para a área de pesquisa.
Pano de fundo - Os decretos e as falas do governo federal A fim de trazer economia para os cofres públicos, dia 12 de março deste ano, Jair Bolsonaro assinou o decreto 9.725/19 do Diário da União que extingue 21 mil cargos comissionados e funções de gratificações na esfera federal. Estima-se uma economia de R$195 milhões anuais com a medida. No Espírito Santo, isso impactou na estrutura administrativa da universidade federal como um todo, pois com a extinção de cargos houve uma reestruturação da administração geral, fazendo diversos setores deixarem de existir ou serem aglutinados
Bolsonaro comenta sobre o decreto 9.725/19. Imagem: Twitter a outros. No instituto federal (IFES), atingiu funções que estavam reservadas para cargos de coordenação impactando na abertura de novos cursos. Outra medida foi o decreto 9.739/19 do diário da União assinado no dia 28 de março deste ano que prevê mudanças nas normas de abertura de concursos públicos no âmbito da administração pública federal. Uma das medidas é a ampliação do número de requisitos (14 no total) prestadas ao Ministério de Economia para a criação de um concurso público. Dentre elas encontra-se, por exemplo, a necessidade de se comprovar que essas atividades para as quais o órgão governamental deseja novos servidores não podem ser realizadas por
terceirizados. Com mais requisitos a cumprir, aumenta-se a dificuldade de realizar novos concursos. Os representantes do governo federal, através de redes sociais, mostram o intuito de priorizar o setor econômico de modo a diminuir o número de servidores para conter os gastos públicos. O ministro da economia, Paulo Guedes, na comissão de finanças e Tributação da Câmara dos deputados, também fala sobre a diminuição da entrada de servidores colaborando com a ideia de Bolsonaro sobre “enxugar máquina pública”. “Nas nossas contas, 40% dos funcionários públicos devem se aposentar nos próximos cinco anos.
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Foto: Reprodução/Correio9
Não precisa demitir. Basta desacelerar as entradas que esse excesso vai embora naturalmente. Vamos ficar sem contratar por um tempo e vamos informatizar”, revela.
Como as propostas afetam as instituições de ensino federal?
Na UFES o que se tem feito é a realização de concursos como atitude preventiva. “A política que tem sido feita é essa de fazer os concursos rapidamente para não deixar vagas em aberto que possam eventualmente serem sequestradas, retomadas pelo governo federal” diz o diretor do Centro de artes, Paulo Vargas. O centro de artes em específico tem professores com carga horária elevada, uma média de 12 horas/aula, ou seja, cada professor ministra em torno de 2 a 3 aulas diferentes mais a orientação de TCC. Com isso, o professor fica mais tempo em sala de aula e não consegue se dedicar suficientemente ao setor de pesquisa, um das áreas mais importantes da universidade. Vargas aponta que isso influencia diretamente na nota obtida pelos projetos de pesquisa, que geralmente são mais baixas justamente pela falta de uma atenção maior. No IFES, a situação é a mesma. Quanto a proposta referente a manutenção dos concursos públicos, o diretor do campus de Nova Venécia, Anderson Bozzetti, afirma que já estão atuando junto ao Ministério da educação (MEC) e a banca-
O MEC previu para o campus um total de 70 servidores, mas apenas 53 vagas estão preenchidas. da de deputados federais do ES com o intuito de mostrar como essas medidas podem ser danosas para a qualidade de serviços ofertados para a população. “Existe uma grande quantidade de servidores aposentando. Boa parte das vagas de concurso são para repor estes profissionais. Qualquer ação que dificulta a abertura ou nomeação destas vagas impacta nos cursos. Em alguns casos, alunos podem ficar sem aula se não for feito concurso e nomeação.” As instituições federais de ensino baseiam suas atividades em 3 eixos: ensino, pesquisa e extensão. Quando há falta de professores, os eixos ficam debilitados: “com a falta de professor, os servidores da área param suas atividades de pesquisa e extensão visando não deixar os alunos sem aula. Essa situação é péssima para a sociedade visto
que as atividades de pesquisa e extensão têm agregado enorme valor na formação dos nossos estudantes além de ofertar oportunidades para a comunidade” constata Bozzetti.
“A política que tem sido feita é essa de fazer os concursos rapidamente para não deixar vagas em aberto que possam eventualmente serem sequestradas, retomadas pelo governo federal”. Paulo Vargas, diretor do Centro de artes da UFES.
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Estereótipos não impedem o crescimento do pole dance como esporte A procura por atividades físicas tem levado as pessoas a praticarem pole dance Por esther mendes
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Samara não pretende seguir carreira, mas acha o pole dance uma ótima forma de fazer exercícios físicos
prática da atividade no Brasil, mas, ainda assim, muitos são os preconceitos e as dificuldades enfrentadas. Muitos são os estados, por exemplo, que ainda não possuem uma federação da atividade. A professora de Pole dance Cristine da Costa revelou já ter sofrido preconceitos por praticar e dar aulas do esporte. “Acho que nunca aconteceu de falar que sou professora de pole dance e a pessoa não estranhar ou não ter no mínimo uma curiosidade”, relata. Logo quando começou a dar aulas, ela afirma ter sofrido preconceitos pela prática ser muito estereotipada e pouco divulgada como esporte. Cristine começou a praticar o esporte há sete anos quando estava na faculdade e cursava Design de Moda. Procurava alguma atividade diferente para fazer e fugir do sedentarismo. “Meu interesse pelo pole foi instantâneo, desde a primeira aula eu me apaixonei”. Pela facilidade que tinha com os movimentos, começou a dar aulas logo quando o primeiro estúdio em Vitória abriu, no ano de 2009. Hoje, sua ocupação profissional é dedicada ao Pole Dance, dá aulas todos os dias e desenha roupas para os praticantes do esporte. Por fora, Cristine também é maquiadora profissional. A estudante de publicidade e propaganda Samara de Paula
começou a praticar pole dance no final de 2016, sendo instruída pela professora Cristine. Ela afirma também já ter passado por questionamentos e estranhamentos pela prática. “O que a maioria das pessoas conhecem disso é o lado que a mídia mostra, mais o lado sensual que é muito bonito também, mas tem outras modalidades que as pessoas geralmente não conhecem”, ressalta. O pole dance conta com três estilos de prática, além do que a maioria das pessoas conhecem, que é o sensual. Existem o Pole Fitness ou acrobático, o Pole Exótico e o Pole contemporâneo. Crédito: Esther Mendes
Foto: Arquivo pessoal
pesar de não ser um esporte muito visto ou até mesmo aceito, por ser estereotipado, o Pole Dance está se tornando uma escolha frequente pelas pessoas como atividade física. Por ser uma prática comum em boates de striepes, grande é a luta dos admiradores de pole para fazer reconhecido o exercício como esporte no Brasil. O pole dance começou a ganhar espaço no país com a interpretação de Flávia Alessandra na novela “Duas Caras”, em 2007 que praticava o exercício. Em 2009, um passo foi dado ao criar a Federação Brasileira de Pole Dance, que legitima a
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CRÔNICA Bom, eu sou o homem invisível, um de verdade… isso mesmo, eu sou. Mas antes que vocês fiquem impressionados, eu preciso que entendam que não é tão legal como parece ser na ficção, e eu queria muito que fosse. Normalmente as histórias não começam assim né, você deve estar pensando: “o que esse cara tá fazendo, revelando os segredos logo no começo?”. Mas essa não é a história que eu queria fazer parte e nem o segredo que eu esperava ter. Minha invisibilidade foi adquirida há mais ou menos 2 anos. Já nem sei mais ao certo, porque pra mim parece uma eternidade. Eu era um homem comum, com um emprego legal, formando uma família, tinha acabado de dar entrada num imóvel, até que toda essa m*** começou. Do dia pra noite as coisas que eu tinha conquistado com muito suor foram sendo perdidas aos poucos, primeiro o emprego, o meu ex patrão disse que embora eu estivesse fazendo um ótimo trabalho precisaria me dispensar por que a empresa passava por dificuldades.
Charge
“o homem invisível” Eu pensei: “tudo bem, eu vou vivendo com o seguro desemprego até conseguir outro”, afinal meu currículo e minha formação como engenheiro civil me ajudariam nessa. Triste ilusão, o dinheiro foi acabando, as contas acumulando, e em 7 meses eu já me encontrava num beco sem saída, sem saber como eu faria pra pagar o financiamento da casa. O desespero tomou conta e eu extravasei na bebida, era a única coisa que me mantinha “calmo”, sem que eu percebesse, virou um vício. Numa manhã, recebemos uma carta de despejo, pois há meses não estávamos pagando as prestações da casa. Me mudei com esposa e filha pra casa da minha sogra, mas a relação não estava fácil, brigávamos diariamente, minha filha não queria mais ficar perto de mim, e eu decidi sair de casa. Como não tinha mais onde me abrigar, fui pra rua. ... E foi nesse momento que eu me tornei invisível, morando nas ruas eu percebi como não ser enxergado dói. As pesso-
POR joão paulo rocha
as passam por mim e desviam, viram o rosto, se comportam como se eu não estivesse ali. Quando eu entro em um ônibus, ou lanchonete, pedindo um trocado que for pra comprar comida, quase todos fingem não me ouvir. Outro dia eu vi minha ex mulher e minha filha na rua, aparentavam estar felizes, com sacolas, a emoção tomou conta de mim e eu tentei falar com elas, fui atrás, chamei, chorei desesperadamente e elas também não me enxergaram. Desde esse dia, eu decidi acreditar que tenho o poder da invisibilidade, por isso ninguém me vê, por isso ninguém me ouve. Esse pensamento de certa forma me conforta, eu já não peço mais nada nem conto com a compaixão dos outros, agora eu vivo no meu mundo, avulso a esta realidade, procurando comida nas lixeiras, entro e saio dos ônibus e estabelecimentos, às vezes eu até converso sozinho e da mesma forma as pessoas não me percebem ali, por que eu não faço a menor diferença para elas.
“a cor da nota”
POR gabriela brito
Jornalnoentanto.wordpress.com