Jornal No Entanto - Edição 104

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Jornal Laboratório | Universidade Federal do Espírito Santo | Edição 104| Outubro de 2019

AMÉRICA DO SUL EM RISCO: AS INCERTEZAS DE UM CONTINENTE TURBULENTO Conflitos nos países da região provocam uma crise generalizada no continente.

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CAPITAL TEM SEGUNDO MELHOR PISO SALARIAL PARA PROFESSORES, MAS INTERIOR SOFRE COM ABANDONO P. 3 EVENTO EM BRASÍLIA ATRAI 5 MIL PESSOAS PELA CAUSA ANIMAL P. 10

ATLETA MIRIM GABRIELLA CAZOTI DESPONTA E CONQUISTA PÓDIOS P. 5

PROJETO BUSCA INCENTIVAR PARTICIPAÇÃO DE MULHERES NAS CIÊNCIAS EXATAS P. 6

EQUIPE FEMININA DO SERRA FC ENFRENTA DIFICULDADES NO MEIO ESPORTIVO P. 4


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EXPEDIENTE EDITORES Amanda Ribeiro Dirlan Machado REPÓRTERES Alberto Borém Amanda Ribeiro Beatriz Santos Breno Alexandre Daniela Salgado Dirlan Machado Emanuela Afonso Karina Lima Laryssa Florêncio Laura Conceição Lucas Mello Ludson Nobre Mikaella Mozer Natalia Andalécio Rebeca Fagundes Sarah Mascarenhas Stella Silveira Tarcísio Ribeiro Vitor Guerra Walas Coelho PROFESSOR RESPONSÁVEL Rafael Bellan NoEntanto é um Jornal laboratório da turma de 3º período do curso de Comunicação Social/Jornalismo, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). CONTATO NO ENTANTO noentanto.ufes@gmail.com

EDITORIAL

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s assuntos do universo contemporâneo em torno das discussões de novas tendências e vertentes artíticas e culturais despontam nesta edição 104 do jornal No Entanto. O grande desafio da atualidade é exteriorizar a partir dos fatos noticiosos, elencados em uma interpretação válida e critica, tudo o que ocorre à nossa volta. Por isso, esta publicação traz um pouco sobre os últimos balanços da economia e política de nossos vizinhos sul-americanos, a importância da conscientização ambiental e da não exploração animal a partir de hábitos de vida sustentável como o veganismo - incluindo uma matéria sobre o tema em nosso site, o teatro como forma de entretenimento ancestral pouco difundido e valorizado na cultura local, a presença e importância das mulheres na ciência e nos esportes e a desvalorização de antigos e novos docentes no mês do professor. E por falar em veganismo, o ator e vegano Joaquin Phoenix ganha espaço em uma abordagem crítica sobre as questões psicossociais do seu personagem no longa Coringa. Para fechar, uma crônica argumentativa sobre empatia. É com enorme satisfação que chegamos a mais uma edição dispondo da sua total confiança e cooperação. Boa leitura! Turma de Jornalismo 2019/2

NO ENTANTO NAS REDES fb.com/jornalnoentanto @jornalnoentanto @noentantojornal

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EDUCAÇÃO POLÍTICA

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EM MÊS DE COMEMORAÇÃO, PROFESSORES ENFRENTAM DESCASO

Profissionais antigos trabalham com remuneração abaixo do piso salarial. Novos profissionais já entram em sala de aula com baixo salário. Por Walas Coelho Foto: Maria Alice Costa e Daniela Salgado

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egundo informações disponibilizadas pela Prefeitura de Vitória, a capital tem o segundo maior piso salarial para professores, em suas diversas categorias. Mas em muitas outras cidades do estado, essa regulamentação não é respeitada. Alguns professores do interior do Espírito Santo dizem ir às escolas para dar aula devido a sua forte ligação com os alunos, e por acreditarem que são modificadores de um futuro que não favorecem os jovens de renda inferior a dois salários mínimos. Professora na Escola Estadual Pastor Antonio Nunes de Carvalho há mais de 2 anos, Joice (nome fictício), preferiu não se identificar. Ela conta que a vida do professor em Alto do Rio Novo não é nada fácil. “É quase impossível de manter as necessidades básicas de um ser humano, a prefeitura não realiza a manutenção desses recursos e não há previsão de reajuste do piso. Imagino que se acontecer uma greve, eles começam a nos ouvir”, afirma. A Lei 11.738, sancionada em 16 de julho de 2008, institui o piso salarial dos profissionais do magistério público da educação básica. Esta Lei também regulamenta o valor do piso de acordo com a jornada de trabalho de cada servidor. A atual situação deste cenário, despertam dúvidas e incertezas em jovens que buscam na profissão, seu futuro. Brunielly Corrêa é estudante do 6º período do curso de Letras da Universidade Federal do Espírito Santo, e conta sobre sua experiência em sala e barreiras

Com muitos anos dedicados ao ensino, professores sofrem desvalorização.

já encontradas para sua inserção em sala. “Desde pequena escuto meus pais falando sobre ser professor, mas mesmo com toda dificuldade, eles sempre me apoiaram. Quando você é estudante de um curso elitizado, sendo negra e periférica, você entra não pelo salário”, afirma. A estudante participou do Projeto Monitoria, que foi desenvolvido pela Secretaria Municipal de Educação em parceria com a UFES e coordenado pela Comissão de Estudos Afro-Brasileiros (CEAFRO). Esses estudantes eram selecionados através de editais lançados pela Secretaria de Inclusão da Universidade. Ex-coordenadora do projeto e também formada em pedagogia pelo Instituto, Claudia Soares relembra a necessidade de inclusão de jovens nesse mercado. “O projeto foi importante para que o jovem já tenha esse primeiro contato com a sala de aula. Não somente com alunos,

mas também com todas as dificuldades do que é ser um professor em uma sociedade em que valoriza as profissões técnicas do que as formativas”, se referindo a atual onda de impulsos do Governo Federal para cursos técnicos. A coordenadora do curso de Licenciatura em Pedagogia, Drª Margarette Goés, avalia o quadro como precário, e almeja um futuro com valorização da categoria e salário justo. “Além de uma carga horária que muitas vezes não favorecem os professores, a projeção dos próximos anos da profissão não agrada muito”, afirma. A pedagoga alerta sobre a condição de trabalho abaixo do piso salarial. “Não podemos aceitar receber menos do que previsto, o recomendado é o servidor procurar a superintendência de ensino e os órgãos responsáveis da sua região. Ele pode executar essa denúncia de forma sigilosa, caso preferir”, explica. 3


EDUCAÇÃO ESPORTES

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ATLETAS ENFRENTAM DIFICULDADES NO FUTEBOL CAPIXABA FEMININO PROFISSIONAL

Diversão, amor e profissionalismo fazem parte do vocabulário das mulheres do futebol capixaba. Diretor do Serra FC aponta dificuldades Por Karina Lima

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anos, além de trabalhar para se manter. Mesmo com as dificuldades, ela não desiste do sonho e acredita na prática profissional do Clube, mesmo sem receber para jogar. Assistir aos jogos de futebol é uma prática comum no cotidiano dos brasileiros quando se trata de futebol masculino. Em contrapartida, o futebol feminino carece de apoio popular. A Copa do Mundo é um dos maiores exemplos disso, tanto que a modalidade feminina foi transmitida pela primeira vez na Tv aberta em 2019. O mundial feminino desconstrói estruturas anos estabelecidas e traz um novo viés de visibilidade para as atletas. Domingo (20) o Serra FC goleou por 5x0 o time do Vilavelhense. A torcedora do Serra, Jussara dos Santos, de 18 anos, contou que acompanha a equipe sempre que pode e acredita no potencial das meninas para serem

campeãs. Segundo ela, há uma grande diferença nas arquibancadas em relação aos jogos do masculino, mas há expectativas otimistas para o futuro. O secretário geral e diretor do departamento de futebol feminino do Serra FC José Alves, o Zezinho, acredita que a maior dificuldade para manter o campeonato capixaba é o apoio financeiro. Para ele, a relação com os patrocinadores para a competição é muito complexa, pois, as empresas capixabas alegam não conseguir visualizar retorno e benefícios ao apoiarem campeonatos femininos. Hoje, o apoio da equipe é recebido por amigos ou pequenas empresas que acreditam na prática. Zezinho levanta também questões sobre a falta de incentivo da imprensa capixaba e afirma que o trabalho jornalístico torna-se indispensável para a visibilidade das meninas.

Foto: Karina Lima

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país do futebol ainda caminha lentamente quando o assunto é o profissionalismo do futebol feminino. Uma pesquisa realizada pela Unisinos, divulgada no ano passado, aponta que apenas 2,7% da cobertura midiática brasileira é destinada ao futebol feminino. Essa ausência de visibilidade e dificuldade com patrocínios são reflexos de uma estrutura social patriarcal que serve de mecanismo para legitimar a falsa superioridade do futebol masculino no Brasil. No Espírito Santo, está acontecendo o Campeonato Capixaba 2019, e após ter apenas três times participantes no ano passado, a competição conta com a presença de nove times, sendo que cinco são estreantes. A equipe do Serra FC contou um pouco da experiência e das dificuldades presentes ao participar do torneio. A zagueira e volante do profissional, Ester Rufino, de 15 anos, afirma que o clube incentiva e apoia muito as meninas na competição e se houvesse um salário fixo para as atletas, assim como acontece com o time profissional masculino, as meninas teriam um incentivo a mais para se dedicarem aos treinos e a carreira. “Uma de nossas atletas trabalha em dois empregos para conseguir se sustentar. E, nós, só treinamos uma vez por semana, com o apoio financeiro, teríamos mais tempo para treinar”, conta. A atacante do time, Alciene Maria Alves, de 31 anos, também acredita que se houvesse um salário fixo para as jogadoras, o foco seria maior. A esportista tem um filho de 11

Vilavelhense x Serra FC.


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, ATLETA ACUMULA PÓDIOS ENQUANTO BUSCA PATROCÍNIO

Gabriella Cazoti, de 14 anos, representará o Brasil no Sul-Americano de atletismo, mas a ausência de patrocínio preocupa

Foto: Vitor Guerra

Por Alberto Borém e Vitor Guerra

O sorriso de Gabriella esconde a preocupação com a falta de patrocínio.

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s pés se arrastam, os dardos são lançados e os obstáculos superados, são nas pistas de atletismo do IFES que muitos se lançam em busca de um futuro promissor. Atleta de 14 anos, Gabriella Cazoti Barcelos se destaca com medalhas, convocação para a seleção nacional e o melhor, por ter a oportunidade de um futuro promissor. Os passos largos para o lançamento do dardo já a levaram para lugares inimagináveis. A atleta do núcleo de atletismo da Prefeitura de Vitória no Instituto Federal do Espírito Santo, que pratica a modalidade há menos de dois anos, atrai olhares, mas vive em busca do patrocínio. Moradora do Romão, bairro da periferia de Vitória, Gabi começou no atletismo a convite de um amigo. Desde então, foram conquistas atrás de conquistas. Hoje, campeã dos Jogos Escola-

res da Juventude e campeã brasileira, o próximo voo do dardo já está marcado para novembro, quando viaja para Blumenau-SC em busca de uma vitória nos Jogos Escolares. A atleta, que no início da carreira não via o esporte com grandes pretensões, conta hoje com o incentivo dos colegas para seguir na prática. Natan Viana, mais experiente e companheiro de treinos da Gabi, é um dos que apoiam a esportista diariamente. “Fico muito lisonjeado vendo a Gabi evoluir. Eu cheguei pra ela dizendo que se ela quisesse ser alguém na vida, teria que focar no atletismo, focar no sonho. Estou aqui para ajudá-la”. A rotina de treinos é dividida com o oitavo ano do ensino fundamental. Segundo ela, o rendimento escolar melhorou após ter começado a praticar profissionalmente o esporte. Com as conquistas, recentemente, Gabi foi convocada para a seleção brasileira e representará a amarelinha no Paraguai em novembro, quando acontece o Sul-Americano de atletismo. Ansiosa para mais uma viagem, a primeira com a equipe nacional, a atleta disse que não esperava a convocação, e que recebeu a notícia do professor Fernando Paes. “Fiquei muito alegre, nem esperava por essa notícia (convocação). O professor reuniu todo mundo na roda e disse que eu tinha sido convocada. Comecei a chorar de felicidade, estou feliz até hoje “. Ao mesmo tempo em que sobe degraus na modalidade, Gabi convive com a preocupação de não ter

um patrocínio. As medalhas, convocação para a seleção e quebra de recordes não foram suficientes para garantir o apoio financeiro por parte de um patrocinador. Enquanto busca outras saídas, a esportista conta apenas com o auxílio do Bolsa Atleta, pago pela Prefeitura de Vitória.Eu quero um patrocínio, pra me fortalecer. Eu preciso. A maioria dos atletas tem pra ajudar, pra dar um apoio. A quantia que recebo não é suficiente para um atleta de alto rendimento”, disse Gabi. Instrutor de atletismo no projeto, o professor Fernando Paes, conta que, no início da carreira, muitos atletas têm dificuldades com a ausência de patrocínio. Ainda segundo o professor, a cultura e a estrutura esportiva nacional não colaboram para que os atletas tenham uma carreira contínua. “Ela é uma atleta muito jovem, que está conseguindo resultados expressivos muito rápido, o que significa que vão aparecer apoios para ela. disse Paes. Além dos resultados obtidos pela Gabi, Fernando chama atenção para a união entre os jovens da equipe. O grupo, que conta com mais de 100 meninos e meninas, é, além de um local para a prática do esporte, um centro de convivência. Neste cenário, Gabriella Cazoti segue com a rotina diária de treinos visando os dois próximos campeonatos. No dia 18 de novembro, no sul do país, Gabi disputa o brasileiro. No fim do mês, a atleta estreia no Sul-Americano vestindo as cores do Brasil. 5


ESPORTES SOCIEDADE

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PODCAST TRAZ O OLHAR DAS MULHERES SOBRE O QUE É FAZER CIÊNCIA NA UFES O Projeto do Centro de Ciências Exatas é inspirado no movimento de equidade de gênero que aconteceu este ano durante a Copa do Mundo de Futebol Feminino Por Stella Sampaio

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diferente do meu desde dentro de casa, de falar que “isso não é pra ela”, que “ela deve ficar dentro de casa”, acredito que nosso trabalho sirva para dar coragem. Para que meninas que tem interesse pela ciência, de fato venham a ser cientistas”. Priscilla ainda acrescenta sobre a importância do projeto: “vejo que a gente pode transmitir também que nós somos igualmente capazes. Acredito que o “Ciência por Elas”, com o amadurecimento do projeto, pode trazer esse sentimento de autoafirmação da escolha. Para que a escolha pela ciência aconteça e que não haja abandono depois. Meu principal papel é fazer as meninas se enxergarem aqui dentro. Ajudar mulheres a se enxergarem cientistas”, pontua. O lançamento do podcast do “Ciência por Elas” será divulgado nas redes sociais do projeto instagram.com/cienciaporelas. Para Dra. Luz, o desafio é criar ambientes mais igualitários e trazer os homens para conversa. A professora celebra a resposta masculina positiva sobre o projeto e a possibilidade sensibilizar esse gênero. “A visão não é de tomar o lugar, nem excluir, mas de dividir o espaço e caminhar junto. Ter pluralidade de ideias, valorizando a potencialidade de cada um. Ninguém é melhor do que ninguém. Nenhum gênero é melhor que outro. Nenhuma profissão é meProjeto Ciência por Elas promove discussões sobre ciência por lhor que a outra”, conclui.

Foto: Arquivo pessoal

m junho de 2019, mulheres estudantes da Ufes tiveram a ideia de produzir algo para incentivar outras mulheres a conhecer o universo feminino na ciência. Assim nasceu o projeto de Extensão “Ciência por Elas”. As estudantes estão produzindo um podcast, arquivo digital de áudio transmitido através da internet, que trata de ciência por viés de gênero, abordando temas como maternidade, como ingressar e como se manter na Ufes. Hoje o podcast do Projeto “Ciência por elas” está em fase de pesquisa e preparação, em parceria com o curso de Comunicação Social da Ufes. A professora de Comunicação Patrícia Cardoso D`Abreu e estudantes de Comunicação têm auxiliado nas questões técnicas do programa, definição da linha editorial e no refinamento das ideias. As estudantes de química têm realizado oficinas de locução, onde as professoras orien-

viés de gênero

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tam sobre os aspectos científicos e comunicacionais. A professora de Química Priscilla Paiva Luz, que é pesquisadora na área de Compostos Inorgânicos Fluorescentes, atualmente é a coordenadora do projeto. Essa experiência mudou a forma como a docente observava a questão de gênero. “Nunca tinha parado pra pensar sobre isso. Sempre fui uma mulher inserida nesse universo masculino e nunca tive grandes problemas. Comecei a notar mais quando assumi a presidência de uma comissão e era muito difícil impor o respeito. Agora sinto que isso poderia ser machismo”, compartilha. A pesquisadora afirma que seu despertar para ciência foi muito natural e que também sempre teve apoio da família, mas ao acompanhar outras mulheres percebeu que nem todas tiveram essa mesma trajetória. “Para meninas que tiveram um processo


Foto: Arquivo pessoal

, IMPORTÂNCIA DO ACESSO A analista Marinês Rocha, capixaba de 23 anos, é um exemplo de como as meninas precisam apenas ter acesso ao conhecimento para que descubram seu potencial nas ciências. Foi através da participação no projeto de Introdução à Computação e Programação de Computadores (Introcomp) na Ufes, que ela descobriu sua paixão pela área e depois ingressou na graduação em Engenharia da Computação. Ali ela percebeu a falta de mulheres no curso e no mercado de trabalho. A analista compartilha que durante a graduação já houve vaga de estágio sendo divulgada onde um dos pré requisitos era ser homem. As alunas se organizaram e entraram em contato com a empresa para descobrir a relação entre o órgão sexual masculino e a habilidade para programação, mas não obtiveram resposta da empresa. “A área da tecnologia é a que mais cresce e tende a continuar crescendo no futuro. Tem profissões que nem conhecemos ainda que vão surgir daí. E as mulheres querem e podem estar nessa! É benéfico à nós, é benéfico à empresa e à sociedade no geral. Aprender a programar é tão mágico que ninguém devia ser privado de ao menos conhecer”, defende a programadora. Atualmente Marinês trabalha na área de Computação e sonha em incentivar mais meninas a conhecerem esse universo.

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Analista Marinês e Professora Doutora Denise. Mulheres que instiram outras mulheres a conhecerem as ciências

Federal do Espírito Santo (Ufes) tem a presença feminina superior à masculina, tanto em sala de aula e como área administrativa. Em 56% dos cursos, o número de estudantes mulheres é maior que o de homens. No entanto, nas Ciências Exatas e da Terra e nas Engenharias os homens estão em maior número. Nesse cenário, atualmente a Professora Denise Assafrão é a única mulher docente da graduação de Física. A presença de estudantes e docentes mulheres na Universidade está mais atrelada aos cursos das áreas de Humanas e Saúde, atividades historicamente ligadas ao cuidado. Por exemplo, no curso de licenciatura em Pedagogia (matutino) elas são 93% dos estudantes: 293 mulheres e 22 homens. Na Ufes, o curso de Física é majoritariamente masculino. Pesquisadora na área de Física Atômica e Molecular, Denise também atua como Coordenadora do curso. Ela percebe que “em algum momento o mundo começa a separar os meninos e as meninas, até chegar na profissão”. Para amenizar essa difeMULHERES E HARD SCIENCES renciação, muitas mulheres que Segundo o relatório “Gênero in the Global Resear- atuam nas chamadas Hards ch Landscape”, publicado em Sciences (traduzido por ciências junho de 2017, a Universidade pesadas), que englobam, por

exemplo, física, matemática e engenharias, passam por um fenômeno de “masculinização”. “Posso falar por mim, a gente acaba se masculinizando muito nesse meio, talvez para ser inserida mesmo. As meninas em outros cursos são mais femininas, já as meninas da física tem vergonha de usar materiais mais delicados por exemplo. Eu passei por isso, então pra estar no meio dos homens e não ser diferente a gente se torna igual a eles. Eu mesma fui recuperando minha feminilidade com o tempo e com a maturidade”. A representatividade é um fator chave para que mulheres se aproximem e se desenvolvam no campo das ciências. “Conversando com alunas eu observo que elas percebem que elas poderão chegar no mesmo lugar que eu cheguei. Não é o fato de ser mulher que terão que parar no caminho. Se uma chegou, todas podem chegar, desde que queiram e se esforcem nesse objetivo”, pontua Denise. A pesquisadora defende que “homens e mulheres são diferentes, mas não são desiguais. Se todos tiverem as mesma condições de oportunidade essa desigualdade não ocorrerá. Gênero não pode definir carreira”. 7


POLÍTICA

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MAPA DA CRISE: EM TODA A AMÉRICA DO SUL EXPLODEM CONFLITOS

Protestos em Quito no Equador deixaram um saldo de sete mortos e cerca de 500 feridos

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s conflitos dos países sul-americanos, embalados por instabilidades políticas e econômicas, revelam uma crise generalizada no continente. O Brasil assiste de perto estes desdobramentos, imerso em um cenário preocupante de caos e ruptura. Colômbia, Equador, Peru, Venezuela, Argentina e Chile passam por momentos delicados de grave turbulência. Na Venezuela fala-se nos noticiários internacionais de uma crise humanitária, política e social. A crise petrolífera levou o país ao colapso, aumento da fome, violência nas ruas e uma ineficiente gestão dos serviços públicos. A Argentina sucumbe no final do governo Macri a altos índices de inflação, aumento da dívida externa e desvalori8

zação da moeda. O Peru e Equador encontram-se em uma situação bastante fragmentada. Este último decretou estado de exceção na última semana para conter os protestos violentos em consequência aos acordos com FMI em um contexto de desequilíbrio econômico, eliminação de 100% do subsídio do petróleo e elevação no preço dos combustíveis. No Peru o presidente, Martín Vizcarra, dissolveu o congresso em um embate forte e polarizado contra a oposição em meio a um histórico sistematizado de casos de corrupção no país. O caso da Odebrecht e as investigações do antecessor de Vizcarra, Pedro Pablo Kuczynski, aumentou as tensões entre o parlamento e o poder executivo. Recentemente o

Foto: REUTERS/Henry Romero

Por Dirlan Machado e Tarcísio Ribeiro

presidente do Chile, Sebastián Piñera, afirmou em declaração em rede nacional que o país sofreu uma série de manifestações violentas que deixou uma margem de quinze mortos, além de 1500 pessoas detidas. A justificativa dos protestos foi o aumento da passagem do metrô e uma crítica aos poucos investimentos sociais realizados pelo governo. O CONTEXTO BRASILEIRO A conjuntura da crise de nossos vizinhos não é nova, ela remonta há mais de uma década – vinda da recessão norte americana de 2008 - o Brasil se apresenta no centro dessa estagnação em um dos piores cenários econômicos da sua história republicana. O diretor do centro de ciências jurídicas e


, O CASO ARGENTINO E VENEZUELANO A Argentina de Mauricio Macri, alinhada politicamente ao governo Bolsonaro e parceira econômica no Mercosul, traduz essa derrocada com rebatimentos na esfera política. “ A Argentina exporta em um setor onde a concorrência global aumentou muito e o país tem dificuldades de exportar a preços relativos que sejam interessantes. A reserva cambial não é suficiente, recorrendo-se ao FMI”, esclarece Faleiros. No caso da Venezuela, a questão é um pouco mais problemática. O professor explica que as exportações são o grande trunfo da economia no país, pois a Venezuela é altamente dependente da comercialização de petróleo e possui uma estrutura especializada na produção do óleo bruto de modo que o país também importa bens necessários para a sua sobrevivência como creme dental, produtos de higiene, alimentos processados, etc. “Então quando se tem a atuação norte-americana e a derrocada do preço do barril de petróleo, a economia venezuelana passa a enfrentar muitas dificuldades”,

analisa Faleiros. Junto a sofreu a desvalorização isso há algo mais comple- cambial e com a alta inxo no “jogo de mercado”. flacionária por não cumO professor diz que há prir a agenda liberal. “A nações que formam um Argentina desde os anos eixo contra a hegemonia 2000 não saiu da crise. norte americana no co- O que o Macri que se diz mércio petrolífero, dentre liberal, tenta fazer são: elas, a própria Venezuela. desburocratização, priva“Os países contrários são tizações, reformas admiRússia, Irã, Venezuela e nistrativas e tributárias, a China. Os norte-ame- todas com insucesso. Inricanos perceberam que dependente do lado ideológico que a Argentina se para desarticular esse encontra, desde o início eixo, eles teriam que do século XXI, o país perpromover uma baixa manece na mesma formasistemática do petrótação”, comenta. leo desses países.” Para o especialista em Relações Internacionais, geopolítica e doutor em história pela Ufes Helvécio de Jesus Júnior a crise na América do Sul tem uma origem histórica. “Os governos durante a história mantiveram a população em um status quo de pobreza, isso é algo que ocorre com frequência ainda nos dias atuais. Enfim, uma linha histórica que infelizmente é difícil de ser superada”, diz Helvécio. O professor comenta que o caso da Venezuela é peculiar e a crise está instalada desde o governo de Hugo Chavéz. “O país vive a “Maldição do Petróleo”, explicada no livro do Michel L. Ross, onde fala de um país de recurso abundante e de uma elite política que se apropria disso para permanecer no poder, o chavismo criou uma certa “cleptocracia” em torno do petróleo” , polemiza. Protestos em Quito no Equador deixa Segundo o en- ram um saldo de sete mortos e cerca de trevistado a Argentina 500 feridos

Foto: Dirlan Machado

econômicas da UFES, Rogério Naques Faleiros, exemplifica o porquê isso ocorre. “Mesmo durante a grande depressão de 1929, o Brasil nunca havia crescido negativamente por dois anos seguidos como aconteceu em 2015 e 2016. Consequentemente a América do Sul está envolta nesse turbilhão de mudanças, ocasionadas pela recessão de 2008 nos EUA.”, explica.

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COMPORTAMENTO CULTURA

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VEGFEST: EVENTO REÚNE 5 MIL PESSOAS O maior evento sobre veganismo na América Latina foi realizado em Brasília

Foto: Sociedade Vegetariana Brasileira

Por Amanda Ribeiro

Evento reuniu mais de 5 mil pessoas em uma universidade em Brasília.

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Vegfest, festival que promove palestras sobre veganismo voltadas a diversas áreas como gastronomia, direito e medicina, reuniu 5 mil pessoas entre os dias 10 e 13 de outubro. O grande número de pessoas reafirmou o interesse dos brasileiros pelo movimento, demonstrado na última pesquisa realizada pelo Ibope em 2018. O levantamento apontou um crescimento de 75% no número de autodeclarados vegetarianos nos últimos 6 anos, chegando a 14% da população. O festival é realizado todo ano pela Sociedade Vegetariana Brasileira (organização sem fins lucrativos que promove a alimentação vegetariana como uma escolha ética, saudável, sustentável e

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socialmente justa). Esta edição do evento teve como objetivo quebrar mitos relacionados ao movimento, como o de que ser vegano custa caro, explicou Ricardo Laurino, presidente da SVB. A capixaba e estudante de nutrição Dayane Damm, participou do evento e conta que ficou surpresa pela abordagem que o evento proporcionou, utilizando temáticas como sustentabilidade, e maternidade. Ela afirma que voltou transformada. “Mesmo sendo vegetariana há quase 3 anos, eu tive conhecimento sobre coisas que eu nem imaginava. Foi muito mais profundo do que eu esperava”, aponta Damm. Segundo Laurino, o evento possibilita os participantes o contato com diversas pautas do movimento, de justi-

ça social, à animal. Ele também afirma a importância para a valorização do mercado vegano local, que vai da alimentação ao vestuário. A ativista Magda Caliari conta que a energia do evento é contagiante e enriquecedora. “Levamos para casa informações científicas que comprovam que a adoção de uma dieta vegana sem dúvida alguma é a melhor opção para a saúde, e a resposta mais imediata que podemos dar para as questões ambientais. Além disso, obviamente é o melhor que podemos fazer pelos animais.” A próxima edição do evento já tem data marcada. Ocorrerá entre os dias 30 de outubro a 02 de novembro de 2020, no Parque Villa Lobos, em São Paulo.


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TEATRO É AFETADO PELA FALTA DE INVESTIMENTO O teatro, uma das expressões artísticas mais antigas, busca alternativas para poder sobreviver em tempos de sucateamento Por Mikaella Mozer

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Atores Abel Santana, disse que uma das recorrentes reclamações dos espectadores são sobre o preço dos ingressos. Para ela as pessoas não param para analisar que assim como na produção de um show montar uma apresentação de uma peça também gastos elevados “só o aluguel do teatro na última peça foi R$3000 um dia, fora isso tem os figurinos que dependendo vai 200 por cada ator, tem questão de cenário também, um mais elaborado sai mais de R$2000”. Esses fatores ainda pioram quando é uma companhia da qual as pessoas vivem apenas da atuação, pois eles são pagos com a bilheteria “é realmente muito complicado e frustrante as pessoas pagarem tranquilamente mais de R$ 60 reais em uma calourada de faculdade e acharem caro um ingresso de teatro” conta Paganini. A falta de um maior incentivo do governo à cultura e do estímulo por parte do público fazem com

que o teatro entre em crise e enfrente dificuldades financeiras, o que faz com que algumas companhias fechem. “As pessoas desvalorizam o sentir, interpretar, o exercitar do pensamento, e isso tudo que o teatro é, e por isso ele é desvalorizado, porque as pessoas viraram robôs”, lamenta a espectadora Bruna Vieira. Para o ator e produtor Guy Rocha, o festivais são uma boa forma de incentivar as pessoas a frequentarem o teatro, porém ainda falta investimento, pois poucas pessoas ficam sabendo das peças. “Cadê o outdoor, uma propaganda na TV”, indaga Rocha. O ator ainda fala que muitas oficinas têm dificuldades de se estruturar para chegar a um festival, mas que sempre existirá teatro, pois tudo se dá pelo amor a essa arte. O teatro já sofreu censura da ditadura militar, mas agora a censura é econômica. Na opinião de Gustavo ferreira, “querem matar a cultura de qualquer forma”.

Foto: Mikaella Mozer

m sua 15ª edição, o Festival Nacional de Teatro de Vitória aconteceu de 13 a 21 de outubro e depois volta em Novembro, de 9 a 14. As apresentações, que são gratuitas, visam incentivar a ida aos teatros em tempos de desvalorização dessa arte que além de uma forma de arte e entretenimento é uma expressão política e social. As encenações e textos teatrais são os meios de trazer as vivências sociais levantando debates para os problemas, mesmo que implicitamente. Isso ocorre de maneira a protestar e conseguir tratar desses assuntos, de forma a estimular o pensamento e o senso crítico de quem assiste a peça. Para o diretor teatral Gustavo Ferreira “o teatro continua sendo espaço de entretenimento, mas também é espaço de reflexão e luta política”. O baixo incentivo é um dos maiores problemas para essa atividade artística. A atriz Janini paganini está a sete anos com a Oficina de

Festivais de teatro são uma forma de incentivo de idas ao teatro, porém ainda há muito o que ser feito. 11


CULTURA

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RESENHA CRÍTICA: UMA PSICOPATIA SOCIAL Por Sarah Mascarenhas o longa Coringa, Joaquin Phoenix interpreta com maestria Arthur Fleck, um palhaço agenciado por uma companhia de talentos decadente, que sonha em se tornar um comediante de stand-up e frequenta semanalmente o consultório de uma assistente social responsável por o auxiliar com seus problemas neurológicos. O cenário é uma Gotham City tomada por uma gritante disparidade social, onde em uma noite, no metrô, Arthur assassina três homens que o importunavam. Na trama é a partir deste momento que Fleck, mesmo sem saber, começa a se entender como o Palhaço do Crime e passa a ser símbolo de levantes contra a elite da cidade. Na obra roteirizada por Todd Phillips e Scott Silver, o vilão clássico do Batman ganha uma nova versão, agora mais sombria e melancólica. Seu enredo é uma história original, o que significa que a trajetória do personagem não havia sido contada dessa for-

câmera) que causam uma sensação de imersão nas cenas, o longa tem direção de arte e de fotografia primorosas, com destaque também para a trilha sonora, a escolha das cores e do figurino. Certamente Coringa estará entre os concorrentes de grandes prêmios em diversas categorias. Antes mesmo de ser exibido nos cinemas, ganhou o Leão de Ouro, prêmio máximo concedido pelo Festival Internacional de cinema de Veneza. Acima até mesmo da história do palhaço, o filme é sobre uma realidade criada e mantida por uma elite, onde tudo o que é bom ou ruim se determina através da visão de pessoas poderosas, como é o caso do pai do Batman, Thomas Wayne, interpretado por Brett Cullen. Essa proposta dos roteiristas é o que torna Coringa uma obra prima e dá a ele destaque. A verdadeira psicopatia trazida no enredo é a do sistema de Gotham, não a do doente e maníaco Arthur Fleck.

Foto: Divulgação

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ma anteriormente em outras obras, apesar de a essência do personagem ter sido mantida. O coringa de Phillips é um homem atordoado psicologicamente que usa da violência da mesma forma que ri, descontroladamente, assim como os outros, mas com suas peculiaridades. Arthur é jogado à margem da sociedade e tratado como lixo por todos ao seu redor, o que parece justificar os seus atos agressivos na trama, quase dando uma visão vitimizada dele. No entanto, a insanidade do personagem é frisada a cada frame, seja por sua risada visceral doentia, seja por suas visões distorcidas da realidade, o que garante aos seus atos uma explicação neurológica, ou seja, suas experiências sociais influenciam sim, mas não são elas os fatores determinantes das atitudes de Fleck. O protagonista vive uma dicotomia entre o Arthur suicida e o Coringa homicida. Com cenários sombrios de um subúrbio surrado e travellings (passeios de

Joaquim Phoenix contou que a maior influência para sua interpretação veio do ator Ray Bolger, principalmente de seus movimentos de dança com postura arrogante. Foto: Divulgação.

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, CRÔNICA: ESSA TAL DE “EMPATIA”

A empatia é fundamental para o convívio social.

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último episódio de Black Mirror da 4º temporada, “Black Museum”, mostra Nish, uma jovem viajante que dá uma parada para recarregar o carro e entra no “Museu Negro” administrado por um misterioso ex-cientista chamado Rolo Haynes. Nesse lugar estão expostas algumas invenções de tecnologia ilícita de sua autoria. Uma dessas criações é um capacete que foi utilizado pelo Dr. Peter Dawson, um cirurgião médico. A peça é um implante neurológico cujo propósito é sentir a dor do paciente para ajudá-lo em seu tratamento por meio de um diagnóstico preciso. Sabe-se que as sensações e os sentimentos são inerentes ao ser. Este último é a emoção consciente como alegria, medo, raiva, compaixão, gratidão estimulados pelo primeiro, mecanismos cerebrais de um órgão receptor decor-

rentes de fatores externos ou internos. Ou seja, fundamentado em fatores biológicos ninguém pode sentir o que o outro sente. Entretanto, como se colocar no lugar do outro mesmo não sentindo o que ele sente? É possível? Mesmo não se tratando basicamente de seres amorais e antiéticos, rotineiramente as pessoas têm essa dificuldade intrínseca. Muitas e Muitos acham que a empatia é a busca dos iguais. Fazer o que é bom dentro do meu ciclo social de amizade, rejeitar totalmente o mundo externo e o que é diferente de mim. Nos reality shows se utiliza muito a frase “vou votar no fulano para ser eliminado por questões de afinidade”. Mas que grande motivo é esse afinal? Só é válido o ser que é combinável a mim? Suas ideias, seus preceitos, sua cultura, sua personalidade são descartados como uma escó-

Foto: Dirlan Machado

Por Dirlan Machado Junior

ria, algo sem importância. Mas entender o outro está acima de relações sociais, econômicas e de concepções religiosas. Como posso ter um sentimento de afeição por alguém que me ofende no trânsito ou como posso agir com justiça a alguém que é injusto comigo? Aí também se exercita a empatia. A empatia está além do “se colocar no lugar”, ela é fruto da consciência em mostrar ao outro a certeza da sua paz própria, mesmo ela não sendo recíproca. O ser empático está muito acima dos sentimentos ruins; do preconceito, do racismo, do ódio, da misoginia, do desrespeito. Só o ser empático pode evitar uma espécie de distopia ao exercitar a empatia, evitando materializar uma das frases do livro de José Saramago, “Ensaio sobre a cegueira”, “É desta massa que nós somos feitos, metade de indiferença e metade de ruindade.”

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