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Quebra de produção no Dão pode “andar acima dos 20%”

Arlindo Cunha, presidente da CVR Dão

Há cerca de um mês as previsões da Comissão Vitivinícola Regional (CVR) do Dão anteviam uma quebra de produção na região a rondar os 10%. Contudo, na situação excecional que vivemos fazer previsões é sempre arriscado, tendo em conta a seca extrema que atravessamos. Em conversa com a Gazeta Rural, o presidente da CVR Dão, Arlindo Cunha, admite que as perdas possam ultrapassar os 20%, mas mantem-se otimista. Se houver “alguns dias de chuva regular”, podem “salvar a vindima”.

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Gazeta Rural (GR): A estimativa de há um mês, sobre a quebra da produção na região do Dão, que apontava para perdas de 10% está ultrapassada?

Arlindo Cunha (AC): As nossas estimativas basearam-se em duas situações climatológicas bastante graves na região, que foram, por um lado, uma sequência de cinco dias com temperaturas elevadíssimas, acima dos 40’, situação que é inusitada na região e que causou um enorme stress térmico em muitas videiras, parando a maturação e matando algumas delas nas zonas mais secas. Por outro lado, a situação gravíssima de seca que atravessamos, com falta de humidade no solo, em que, uma vez mais, muitas vinhas, sobretudo as mais novas, de sequeiro, situadas em zona de encosta, sofreram bastante e estão a ter dificuldades com a maturação das uvas.

Nesta altura, há uma ou outra empresa que já começou a vindima excecionalmente, sobretudo para espumantes e da casta Jaen, nalguns sítios onde não havia problemas de água. Porém, regra geral,

na região, temos um atraso cerca de três semanas para o grosso da vindima. Quanto à estimativa da produção, fazê-la nesta situação excecional é muito difícil, mas com base nestes dados não podemos ser otimistas. Se há um mês prevíamos que era realista uma quebra de 10 a 15%, nesta altura andamos acima dos 20%, mas pouco mais podemos dizer. GR: O IPMA prevê a possibilidade de trovoadas dispersas e alguma chuva a partir do primeiro fim de semana de setembro. Teme que algum fenómeno possa acontecer? AC: Todos nós tememos essa situação e a acontecerem as trovoadas são normalmente localizadas. O que gostaríamos era que nas próximas duas semanas houvesse dois ou três dias de chuva regular, que ficaria no solo e isso era fantástico. Se as previsões que citou se confirmarem será muito bom e podem salvar a vindima.

GR: Consegue antever que vindima será esta?

AC: Não consigo fazer futurologia. No Dão temos sete sub-regiões e, em cada um delas, temos vinhas em zonas mais frescas e com melhores recursos hídricos, outras com rega, mas a maior parte não tem. Há vinhas em zonas de sequeiro e de encosta alta, que são as que sofrem mais com esta seca. Nesta altura seria especulativo prever o que vai acontecer nesta vindima, mas temos de ser sempre otimistas e esperar que ainda possa haver alguns dias de chuva regular antes das vindimas, ou pelo menos frescura noturna e nevoeiros matinais, que seria muito importantes para a recuperação das videiras e assim poderem cumprir a sua função. Vamos ser otimistas e esperar ter uma vindima mais próxima possível do normal.

Diz Miguel Ginestal, da Quinta dos Monteirinhos

“É incompreensível que se insista na tendência de preços baixos dos vinhos portugueses”

Miguel Ginestal é um defensor convicto de que os preços dos vinhos do Dão devem ser comparados à sua qualidade. O produtor da Quinta dos Monteirinhos aplicou essa máxima nos vinhos que produz na quinta situada em Moimenta da Maceira Dão, no concelho de Mangualde. Em conversa com a Gazeta Rural, Miguel Ginestal diz que “é absolutamente incompreensível que se insista em Portugal, nos vinhos portugueses, em manter uma tendência de preços baixos”.

O produtor diz que 2022 “está a ser um ano muito difícil”, com aumento das matérias-primas, mas também atrasos nas entregas, factos que fizeram com que os novos vinhos, nomeadamente brancos, só tivessem chegado ao mercado em agosto, com um atraso de cerca de três meses. Quanto à vindima deste ano Miguel Ginestal está com boas expetativas. Gazeta Rural (GR): Como está o ano vitícola na Quinta dos

Monteiros? Miguel Ginestal (MG): Está a ser um ano muito difícil. Os anos de 2019 e 2020 foram difíceis, nomeadamente nos setores ligados à nossa atividade comercial, como a restauração e canal

HORECA, mas, ainda assim, conseguimos chegar aos clientes e foram dois anos muito positivos para nós. 2022 é um ano atípico, porque depois passarmos a fase mais dura, achámos nós, do Covid, os efeitos de 2020 e 2021 abateram-se todos este ano, designadamente na cadeia de produção de matérias-primas e materiais essenciais à indústria do vinho, nomeadamente garrafas, rótulos, cápsulas, a que se juntaram atrasos nas entregas de meses. No nosso caso afetou-nos bastante, na estratégia que tínhamos para este verão, com o lançamento de vinhos brancos, o que só conseguimos fazer no início de agosto. Isto significa que o verão… já foi. Este é um ano difícil e muito exigente e tivemos de adaptar a nossa estratégia em função das novas dificuldades com que toda a cadeia do vinho se viu confrontada. Para além do que já referi, houve um aumento generalizado dos preços dos fatores de produção, desde a garrafas, às rolhas e à logística. Tudo isto bate naquilo porque nos temos batido, que é no preço do nosso produto final. É absolutamente incompreensível,

para nós, que se insista em Portugal, nos vinhos blends. Mas é também uma grande região de vinhos brancos, em portugueses, em manter uma tendência de preços particular de Encruzado, que é uma casta nossa, autóctone. Pode baixos. ser produzida em todo o mundo, porque é uma planta, mas só aqui,

Há pouco tempo, o Claúdio Martins, uma pessoa no Dão, é que ela mostra todo o seu esplendor e qualidade. por quem tenho muito respeito, disse uma coisa que a região devia ouvir com muita atenção: “Os GR: O que lançaram de novo este ano, com o atraso que já reestrangeiros olham para os vinhos portugueses, na feriu? generalidade, como baratos e, portanto, pouco ape- MG: Engarrafámos quatro vinhos, dois brancos, o Avô António lativos”. Nos vinhos o preço é uma qualidade, não é 2020 e Avó Fernanda 2021, e dois tintos, Manual Chaves 2019 e um defeito. Os vinhos portugueses têm qualidade. Menino Afonso 2019. Lançámos também um novo espumante Este ano a Quinta dos Monteirinhos, na Decanter, ‘blanc de noir’, da nossa referência, produzido pelo método clásteve 97 pontos, em 100, no tinto ‘Manuel Chaves Tou- sico e feito a partir de uvas tintas. Devemos lançar nas próximas riga Nacional’. Se nos equipararmos a alguns países, semanas um espumante Rosé. Para além destes vinhos, temos e em muitos casos podemos dizê-lo com orgulho, se na gama de brancos, um Encruzado e um Blend, e dois tintos, um temos melhores vinhos que os outros, se temos cus- Touriga Nacional e um Blend. tos de produção iguais aos outros, porque não have- Foi isso que estivemos a fazer durante o mês de agosto, que mos de ter preços iguais aos outros? Esta mudança no deveríamos ter feito em abril, mas o ano de 2022 é o que é, com pensamento dos operadores do vinho tem de chegar os atrasos na entrega das garrafas, rótulos e cápsulas. Ainda asao nosso país e ao Dão, em particular. sim, estamos com boas expetativas. A vindima está um pouco atrasada em relação ao que fize-

GR: A questão é que isto é uma cadeia e pagam to- mos o ano passado. Na última semana de agosto de 2021 já dos pela mesma moeda? tínhamos vindimado as uvas para espumante. É um processo

MG: Claro. A partir do momento em que se coloca no muito importante na quinta, que nos ajuda a fazer a maturação mercado um vinho barato, por exemplo Encruzado, con- final dos tintos. tamina toda a cadeia desta casta. O Encruzado é um Para já as uvas estão saudáveis, mas como diz a sabedoria embaixador do Dão. Nos vendemos vinhos tintos porque popular, até ao lavar dos cestos é vindima e só depois desta temos um Encruzado de referência no mercado. é que estamos em condições de saber se vai, ou não, ser um

Há 40 anos o Dão era uma região de vinhos tintos. E grande ano de vinhos, mas estamos com essa expetativa. continua a ser, de vinhos de grande qualidade, como mo- Devemos começar a vindima nos primeiros dias de setemnovarietais Touriga Nacional e Alfrocheiro, mas também bro.

Peter Eckert, produtor da Quinta das Marias, à Gazeta Rural

O ‘Crudus’ “é o vinho branco dos meus sonhos”

Peter Eckert é um sonhador no que ao vinho diz respeito. Fleumático, no melhor do significado da palavra, tem-se demarcado da corrente tradicional dos vinhos do Dão. Na Quinta das Marias, em Oliveira do Conde, em

Carregal do Sal, produz cerca de 60 mil garrafas de vinho, onde tem as castas tradicionais do Dão, oferecendo ao mercado vinhos monovarietais e bends de Touriga Nacional, Alfrocheiro e Encruzado, na sua vertente mais tradicional, mas lançando-se em ‘aventuras’ como o ‘Crudus’, o vinho branco dos seus sonhos, mas também o ‘Sem’, indo ao encontro das novas tendências dos vinhos naturais.

Contudo, como insatisfeito que é, anda à procura do ‘tal vinho’ Touriga Nacional, como referiu nesta conversa, muito interessante, com a Gazeta Rural.

Gazeta Rural (GR): Qual é o estado das vinhas na Quinta das Marias?

Peter Eckert (PE): As nossas vinhas têm-se aguentado bem, devido ao terreno onde foram plantadas, com solos graníticos, com cerca de metro e meio de areia, e pedras de granito, que são bons conservadores de água. Para já, não temos tido grandes problemas

e esperamos que assim de mantenha até à vindima. O estado sanitário das uvas é bom, o que nos deixa otimistas quanto à qualidade do vinho desta vindima.

GR: Espera ter alguma quebra de produção?

PE: Este ano, ao contrário de anos anteriores, praticamente não fizemos monda de cachos. Temos a nossa produção ‘calibrada’ para seis toneladas de uvas brancas e cinco de tintas, pelo que esperamos ter uma produção mais ou menos igual a anos anteriores. Nas campanhas passadas fizemos uma monda de cachos maior, para reduzirmos a produção, que este ano não fizemos. o ‘Crudus’, que tem tido um grande êxito e que conquistou, em pouco tempo, um lugar de prestígio nos vinhos brancos, mas também o ‘SEM’, que é um vinho sem sulfitos.

Para breve vamos ter um Alfrocheiro, mas também dois ou três vinhos surpreendentes, que vamos tentar lançar ainda este ano, se ultrapassarmos as burocracias de registo de marcas e aprovação dos rótulos.

GR: Abriu a loja de vendas de vinhos da quinta no início do verão. Está a correr bem?

PE: Está a correr muito bem e mudou completamente a forma como recebemos os clientes. Entram para um ambiente próprio, onde podem ver e provar os novos vinhos, bem como os preços dos mesmos. Um detalhe que fez a diferença foi a colocação de um placar à porta da quinta a dizer que temos a loja aberta. Isso tem-nos trazido bastantes clientes, gente que passa e pára.

GR: O futuro passa por esses ‘caminhos’ que anda a ‘trilhar’, com um Dão fora da caixa?

PE: Sou economista de formação e sempre trabalhei no ambiente ‘o que quer o cliente’, quais as suas necessidades e as tendências do mercado. Eu encontrei na Suíça, e noutros mercados, onde comercializamos os nossos vinhos, uma nova geração de pessoas interessadas em coisas diferentes.

Por exemplo, nesta tendência do ‘Vin Naturel’ há coisas horrorosas, mas também há vinhos muito interessantes e há pessoas que estão por detrás destas novas tendências, diferentes do habitual. É este consumidor que nós queremos satisfazer com os nossos produtos. Para nós é interessante, porque podemos fazer pesquisas de mercados, mas também ver o que se pode fazer na produção e vinificação de vinhos diferentes do passado, utilizando unicamente as castas tradicionais do Dão.

GR: O que vai lançar de novo este ano? PE: Com a vinda do Luís Lopes (enólogo) decidimos fazer duas linhas de vinhos, os clássicos, como o Encruzado, o Lote, o Cuvée TT, o Touriga Nacional e o Alfrocheiro, mas também os vinhos que chamamos de ‘out of the bottle’, da expressão inglesa ‘out of the box’, que não cabem compleQuinta das Marias_Inserat halbseitig 23.08.2017 14:36 Seite 2tamente ‘dentro da caixa’, que são diferentes. Já lançámos GR: Que vinho sonha fazer?

PE: O ‘Crudus’ é o vinho branco dos meus sonhos. O Luis fez, neste vinho, um excelente trabalho. Nos tintos… ainda estou à procura do meu Touriga Nacional ideal.

GR: E tem muito boa Touriga Nacional? PE: Sim, mas nunca estou satisfeito.

Quinta Mariasdas

VINHOS DE QUALIDADE – A NOS S A PAIXÃO

Diz Álvaro Castro, produtor da Quinta da Pellada, em Pinhanços

“Este ano temos tudo menos uma vindima típica do Dão”

A vindima já começou na Quinta da Pellada, em Pinhanços, no sopé da Serra da Estrela. “Este ano temos tudo menos uma vindima típica do Dão”, disse Álvaro Castro em entrevista à Gazeta Rural, acrescentando que “o que estamos a passar é o contrário de tudo o que eu achava que era uma grande colheita”. O produtor de Pinhanços tem procurado contrariar o ano atípico regando as vinhas. Mas “isto não vai no bom sentido”.

Gazeta Rural (GR): Tendo em conta o verão que tivemos, que preocupações teve, nomeadamente no que á água diz respeito?

Álvaro Castro (AC): Evidentemente que sim e essa é a parte fulcral. As minhas vinhas continuam a estar com as folhas verdes, mas tudo tem limites. Nas práticas culturais fiz mais movimentações, embora sobre isto haja opiniões diversas, porque a erva beneficia a retenção da água na fase inicial quando esta cai, embora eu tenha algumas dúvidas sobre isso.

Lembro-me das frases antigas em que se dizia que uma redra é uma rega. A redra era cortar ervas secas e quebrar as fissuras na terra, que são canais de aspiração que ajudam à evaporação.

GR: Com tudo isso, continua preocupado? Este é um verão atípico?

AC: Claro que sim, porque isto não vai no bom sentido. É um verão atípico e o problema é que tenho visto que, ao longo dos anos, as coisas vão nesse sentido, ou seja, embora com inflexões, mas a tendência é cada vez mais calor e menos chuva.

É verdade que o ano passado choveu bastante por altura da vindi-

ma, mas a tendência geral é o que estamos a passar, é a desertificação e o aumento da temperatura. A dúvida é se isto é por efeito de mão humana ou são ciclos, embora eu aponte para a primeira.

Nós, a nível mundial, temos vindo a exagerar na exploração do planeta. Há bem pouco tempo eramos dois mil milhões e hoje somos mais de oito mil milhões, com hábitos de consumismo muito mais gravosos. Antigamente as pessoas nasciam e viviam no mesmo sítio, agora almoça-se em Londres e janta-se em Barcelona.

GR: Dentro desse prima, como olha para os próximos anos?

AC: Em pensava que isto já não me ia afetar muito, mas começo a ter dúvidas.

GR: Que vindima vai ter este ano?

AC: Essa é uma boa pergunta. Estamos a aprender nesse aspeto. Este ano temos tudo menos uma vindima típica do Dão. Lembro-me das pessoas mais velhas aqui da região dizerem que iam para a praia em setembro e vinham a 5 de outubro para fazer as vindimas. Eu já comecei as vindimas e sobre isso está tudo dito.

GR: O ciclo da videira tem-se vindo a adaptar a esta nova realidade?

AC: Ela, coitada, é uma árvore rústica e vai fazendo o que pode. Se me perguntar o que vai acontecer, talvez seja uma coisa diferente, de certeza. Só não sei se é pior ou melhor. Eu gostava mais que fosse como era dantes, embora com as dificuldades que havia. Durante o verão não chovia e depois, na altura da vindima, caía se Deus a dava. Este ano estou convencido que isso não vai acontecer. dios são mais emissões e, por consequência, mais deterioração do meio ambiente, mas não há uma consequência direta. Resistimos aos incêndios de 2017, mas combater uma ‘coisa’ de fundo, como são as mudanças climáticas, é muito mais difícil. Não é com a minha atuação. Sou um no meio de oito mil milhões, mas tenho é que fazer a minha parte, mas não vou ter a arrogância de querer influenciar a minha geração. Nos incêndios, o que é inadmissível, desde que me lembro, é que não se tenta fazer nada de diferente. Faz-se o combate, que até estará mais estruturado, que nestas condições é difícil, mas para resolver o problema de fundo é possível tentar fazer diferente, pelo menos isso. Não se pode ser reativo. Este problema tem décadas e está a tornar-se numa nova normalidade. Já tinha metido na minha cabeça que não me aborrecia e que já tinha esquecido desta história dos incêndios, mas isso voltou a acontecer este ano. Não me conformo com o facto de não se tentar acabar com as causas dos incêndios, que são as ignições. Esta conversa de que a ‘mata’ tem menos gente chateia-me. A ‘mata’ abandonada não arde se não lhe pegarem o fogo. GR: Que vinhos novos lançou, ou vai lançar? AC: Continuo a fazer o Carrocel, o Quinta da Pellada, que é a nossa base, e a gama Quinta de Saes. Vamos fazendo o que podemos. Não tenho dificuldade em continuar a produzir os vinhos que faço, com algumas modificações, para fazer o que sempre fiz, que é a procura da excelência. GR: E o ‘tal vinho’? AC: Pois. O ‘tal vinho’ não é mal nenhum procurá-lo, sobre tudo com consistência. Perguntava-me como vai ser este ano, andei na vinha e ela tem zonas com aspeto muito bom, mas não sei. O que estamos a passar é o contrário de tudo o que eu achava que era uma grande colheita, em que o pintor vem muito cedo e com uma maturação longa e sua-

“A ‘mata’ abandonada não arde se não lhe pega- ve, que este ano não existe. O que estou a fazer é regar rem o fogo. a vinha, na minha luta contra as condições climatéricas. Tenho zonas com gota-a-gota, mas eu prefiro uma rega

GR: Os incêndios que assolaram a Serra da Estrela podem mais natural, como das chuvas, mais intensa. É isso que afetar a região? tenho feito, porque felizmente tenho água.

AC: Acho que não é afetada diretamente por isso. Os incên-

Adiantou o presidente José Frias Clemente

Adega de Penalva do Castelo mantem o calendário de vindimas

As vindimas na sub-região de Penalva, no que aos associados da adega diz respeito, devem ter início em meados de setembro. O presidente da Adega de Penalva, à Gazeta Rural, diz que apesar do ano atípico, o calendário de vindima previsto deve manter-se. José Clemente destacou as chuvas, mas também algum granizo, que caíram na última semana de agosto, que ajudaram um pouco à maturação das uvas, mas que são insuficientes para as necessidades das vinhas. O dirigente destacou mais três medalhas de outro que os vinhos da adega receberam na Feira do Vinho do Dão de Penalva.

Gazeta Rural (GR): Caiu alguma chuva na última semana de setembro. Veio ajudar à maturação das uvas?

José Frias Clemente (JFC): Sim, na zona de Penalva caiu alguma chuva, mas também algum granizo, mas, ao que sabemos, não deu grande prejuízo. Estas chuvas vieram ajudar um pouco à maturação das uvas, que estiveram sob grande stress, por efeito do calor, nas últimas semanas. O mês de agosto foi muito quente, com temperaturas acima dos 30 graus e, nalguns casos, a uva tem estado a secar e o cacho a ficar mirrado. Estas chuvas vieram compor o cenário, mas foram suficientes.

GR: Há previsão de chuva na segunda semana de setembro?

JFC: Isso pode ajudar bastante. Precisamos de água nas vinhas, que não seja demasiada, para ajudar a maturação das uvas. Se isso acontecer vem ajudar bastante à melhoria da qualidade das uvas

e, também, mais alguma quantidade. Neste momento, no que toca aos nossos associados, não prevemos alterar o nosso calendário de vindimas, que deverão começar em meados de setembro. GR: Recebeu mais três medalhas de ouro do Concurso Cidades do Vinho, a nível europeu? JFC: Efetivamente. Recebemos medalhadas de ouro com os vinhos Reserva 2017, o Tinta Roriz e um Reserva Branco, entre muitas outras que recebemos ao longo deste ano. Para além disso, três vinhos da Adega de Penalva foram provados e avaliados pela revista “Wine Enthusiast”. O Adega de Penalva branco colheita 2021 recebeu 87 pontos e a referência de “melhor compra”. Tudo isto é motivo de orgulho para mim, para a Adega e para os nossos associados, sem esquecer o papel importante na nossa equipa de enologia. Os nossos sócios são os grandes vencedores, pois é deles o esforço de trabalharem bem a vinha, para nos entregarem uvas de grande qualidade que nos permitem depois fazer vinhos que ganham prémios.

GR: Há produtores a queixarem-se que as vendas caíram bastante este ano. Como está a adega?

JFC: Dira que temos vendido mais ou menos bem. É claro que é um ano atípico, diferente de outros anos. A Adega aguentou bem os dois anos de pandemia, mas com a guerra da Ucrânia tivemos alguma quebra nas vendas.

É verdade que temos mais algum vinho em stock, em relação a anos anteriores, que precisávamos de vender. Estávamos a contar que houvesse a possibilidade de uma destilação de crise, conforme foi anunciado pela Ministra da Agricultura, pois há muitos pequenos produtores que terão dificuldade em armazenar o vinho da vindima deste ano, que não é o nosso caso.

Diz o proprietário Luis Abrantes, à Gazeta Rural

A Quinta da Alameda “é uma infraestrutura ecológica” que “tem vinha e floresta”

A Quinta da Alameda, situada em Santar, no concelho de Nelas, é um caso sui-generis na região do Dão. Mais do que uma quinta, “é uma infraestrutura ecológica” que “também tem vinha” e “uma floresta autóctone fantástica”, como referiu o seu proprietário em entrevista à Gazeta Rural. Para Luis Abrantes, a Quinta da Alameda é o seu contributo para melhorar o planeta. “É uma infraestrutura ecológica com um ecossistema plenamente a funcionar, de que nós cuidamos todos os dias”, acrescentando que “a Quinta da Alameda dá-nos o prazer de poder manter tudo aquilo que lá existe”.

Gazeta Rural (GR): No site da quinta diz que quer “devolver à

Alameda o fulgor de outrora”. Já o conseguiu?

Luis Abrantes (LA): Esse é o objetivo, mas também ultrapassá-lo, com paciência, pois o vinho precisa de tempo. A Quinta da

Alameda teve grande relevância na região do Dão, pois produzia vinhos excelentes, naquele que foi o ‘movimento’ de quintas nas décadas de 80 e 90 do seculo XX quando atingiu grande relevância. De facto, queremos levar a Alameda ao fulgor que teve noutros tempos.

GR: Com uma ‘filosofia’ ambientalista, se a expressão me é permitida, tem práticas culturais como “o uso sustentável do solo e a salvaguarda da preservação da natureza e dos ecossistemas”?

LA: Essa é a parte de que mais gosto de falar sobre a Quinta da Ala-

meda e não tanto do fulgor e relevância que a quinta já teve. Adquirimos a quinta em 2012 e eu costumo dizer, naquilo que é uma realidade, que a Quinta da Alameda também tem vinha e, acima de tudo, é uma infraestrutura ecológica com um ecossistema plenamente a funcionar, de que nós cuidamos todos os dias. A quinta tem 12 hectares de vinha, tem uma floresta autóctone fantástica, com medronheiros, carvalhos, sobreiros e outras espécies.

Deixe dizer-lhe algo que repito sempre: gosto muito da vinha, mas gosto mais da floresta. A Alameda tem uma riqueza fantástica, que esteve na base da sua aquisição. Tem várias nascentes, com água em abundância, o que nos permite manter aquele ecossistema vigoroso. Todo o tratamento da quinta e da vinha assenta numa infraestrutura ecológica, o que para nós é extremamente importante. Eu sou ambientalista, mas não sou fundamentalista. Efetivamente a Quinta da Alameda dá-nos o prazer de poder manter tudo aquilo que lá existe e de acrescentar, sempre respeitando o que está.

GR: Nesse aspeto, a Quinta da Alameda é uma extensão da Movecho? É um modo de estar?

LA: Exatamente. Aquilo que fazemos na empresa aplicamos na quinta, até porque as pessoas são as mesmas. Na Movecho temos responsabilidade ambiental e lá fazemos a mesma coisa. Na Movecho fazemos o ‘fato à medida’ do cliente com o nosso saber e com as nossas pessoas. Na Quinta da Alameda fazemos vinhos genuínos que em tudo vão expressar a identidade da quinta e do nosso Dão, com a expressão e a coerência daquilo que somos.

GR: O que lhe dizem os vinhos que produz na Quinta da Alameda?

LA: Adquirimos a quinta em 2012, mas só em finais de 2019 assumimos verdadeiramente as rédeas da Quinta da Alameda e do caminho a seguir. Os vinhos que estamos e queremos produzir são, em tudo, genuinamente do Dão. Fazer o melhor que o Dão consegue, e pode fazer, é o nosso projeto, o nosso propósito e o nosso foco.

Na quinta temos uma grande mistura de castas, como era tradicional na região, com algumas vinhas velhas. Temos as castas tradicionais do Dão nos tintos e nos brancos e estamos em fase de recuperar algumas castas mais antigas do Dão em vinhas que estamos a converter e noutras que temos a intenção de plantar. Temos tudo o que precisamos para fazer bons vinhos.

GR: Aquilo que se faz na região motiva-o para fazer diferente na Alameda?

LA: Vamos lá ver, aquilo que cada um faz é com cada um e não me cabe comentar. Falo apenas sobre o que queremos fazer na Quinta da Alameda, que são vinhos genuinamente do Dão, que antigamente se faziam, com a sua elegância e frescura, que a região e o seu terroir melhor são capazes de fazer. É esse o nosso caminho.

GR: Esse é o caminho, que passa pela recuperação das castas antigas do Dão, que leva à diferenciação no mercado?

LA: A diferenciação para vingar tem de acrescentar e tem de fazer sentido. Se procuramos moda perdemos identidade, então nesse sentido o antigo que queremos pode ser perfeito. É esse o caminho em que acreditamos.

GR: Quais os últimos lançamentos que fizeram?

LA: Lançámos o Alameda tinto, o Alameda Parcelas tinto e o Alameda Parcelas branco, com as castas tradicionais. Na quinta temos uma pequena parcela de Pinot Noir, de que gosto bastante, e fizemos o Quinta da Alameda Rosé 100% que acabamos de lançar.

GR: Com as preocupações ambientais que demonstra ter, espelhadas naquilo que está a fazer na Quinta da Alameda, como olha para o momento que atravessamos e para o futuro?

LA: O que estamos a atravessar é um momento de desassossego e de uma incerteza muito grande a todos níveis. Estão aí as alterações climáticas, vamos ter de aprender a lidar com essa realidade e arranjar formas de mitigar todos os impactos associados.

Costumo dizer que as adversidades também podem ser oportunidades. Temos de acreditar.

“1986 foi um ano parecido com o que estamos a passar”

Há muitos anos que faz vinho. João Barbosa, da Adega da Corga, em Pindo, no concelho de

Penalva do Castelo, tem na memória as muitas vindimas já feitas e as dificuldades que o tempo foi colocando. Numa altura em que atravessamos um dos períodos mais difíceis, com a seca extrema a afetar todo o país, João Barbosa puxou a ‘fita do tempo’ e lembra-se que “1986 foi um ano parecido com o que estamos a passar”, com tempo seco, trovoadas e granizo.

Já o neto Rafael Formoso, responsável pela enologia da adega, diz que nesta altura há outro problema que preocupa, que é a heterogeneidade das uvas. “No mesmo cacho temos bagos desenvolvidos e outros ainda verdes”, diz. Sobre o resultado da vindima deste ano, o avô João Barbosa diz que “as uvas estão boas”, mas “só na vindima saberemos que vinhos vamos ter”.

Gazeta Rural (GR): Já tem muitas vindimas feitas. Que ano de vinho será este?

João Barbosa (JB): Sinceramente não sei. Face ao ano atípico que vivemos, não tenho uma opinião clara sobre o que sairá da vindima deste ano. As uvas nas videiras não estão homogenias. lho foram os mais secos dos últimos 100 anos. Felizmente a floração foi boa, pois em junho tivemos alguma precipitação. Em julho, apesar de seco, houve um bom desenvolvimento da videira, mas com a reserva de humidade no solo a diminuírem tudo se tornou mais difícil, em especial nas vinhas novas, com stress hídrico, - a que se juntou o stress térmico, como noites muito quentes, - e falta de maturação das uvas. Todas estas questões trazem-nos algumas

GR: 2022 está a ser um ano diferente e, mais re- preocupações. centemente, 2017 também foi um ano seco. Lembra-se de outros anos difíceis? GR: Na Adega da Corga têm vinhas bastante antigas e também

JB: Lembro-me de 1986, que foi muito parecido vinhas mais novas. As primeiras suportaram melhor este tempo com o que estamos a passar. Tempo quente, trovoa- quente? das e granizo. Diz-se que com a geadas ‘rebenta um RF: A nossa grande vantagem é termos vinhas velhas de Touriespoldro e traz um cacho’, mas com o granizo, como ga Nacional, plantadas há cerca de 50 anos. Nessa altura poucos aconteceu em 86, as uvas secam. Nessa altura 30% produtores apostavam nesta casta, por produzir pouco. Hoje esdas vinhas foram afetadas pela saraiva. Este ano as sas vinhas são o nosso ex-libris, estão viradas para o rio Dão, o uvas estão boas, mas só na vindima saberemos que que lhes permite ter bastante humidade, em especial nesta fase, vinhos vamos ter. Se vier alguma chuva, talvez a coisa e conseguirem levar a maturação das uvas até ao fim. Nestas se componha. vinhas os cachos estão mais homogéneos. São os vinhos produzidos nestas vinhas de Touriga Nacional, que são a imagem

GR: Como é possível ter bom vinho, tendo em conta da Adega da Corga, com Reservas e Grandes Reservas. a situação que vivemos?

Rafael Formoso (RF): Estamos com um problema da GR: E a aposta nos brancos? heterogeneidade das uvas, pois no mesmo cacho temos RF: Vamos lançar brevemente, talvez em outubro, o melhor bagos desenvolvidos, maduros, e outros ainda verdes. A branco alguma vez feito na Adega da Corga, numa aposta dijuntar a isto há a questão da casca e como se vai aguen- ferente. É um blend de Encruzado e Malvasia Fina, fresco e tar. com uma boa acidez, que nos remete para um patamar dife-

Este ano março, em termos comparativos com anos rente. Os brancos estão na moda e têm tido uma crescente anteriores, foi o mês em que menos choveu, e maio e ju- procura.

Diz Fernando Tavares Pereira, da FTP Vinhos

A produção deste ano “será bastante menor que em vindimas anteriores”

Com vinhas em duas regiões demarcadas, - no Dão, em Tábua e Penalva do Castelo, e no Douro, em Vila Nova de Foz Côa, - Fernando Tavares Pereira, detentor da FTP Vinhos, diz que a produção desta vindima será inferior a anos anteriores. O produtor, à Gazeta Rural, diz que nas zonas onde há água as vinhas estão mais ou menos boas, mas onde não há, ou nas vinhas novas, as dificuldades são maiores.

Com cerca de 90 hectares de vinha na Região do Dão (20 em Tábua e 70 em Penalva do Castelo) e 60 no Douro Superior, Fernando Tavares Pereira diz que Penalva e Tábua são regiões distintas. Em Penalva tem mais uvas tintas, com as vinhas em bom estado, enquanto em Tábua tem mais vinhos brancos, nomeadamente em vinhas novas, plantadas depois dos incêndios de 2017, e que têm

sofrido bastante com a seca. No Douro a perda é maior nos brancos. No computo geral, a FTP Vinhos terá uma quebra de produção “entre os 20 e os 30%”, avançou o produtor. Gazeta Rural (GR): Num ano de seca extrema, como antevê a próxima vindima?

Fernando Tavares Pereira (FTP): Sabíamos, com os mecanismos que temos hoje, que esta seca era previsível, admitindo-se até que ela se pode prolongar por mais tempo. No que às vinhas diz respeito, onde houve água para regar estão mais ou menos boas, onde não houve as vinhas, e as outras culturas, estão a ter problemas graves, nomeadamente na maturação das uvas, que ficam mirradas e amargas.

Tivemos outra contrariedade. Independentemente de haver ou não água, houve escaldões naqueles dias de temperaturas elevadas, acima dos 40’, especialmente onde os cachos estavam mais expostos ao sol, porque todos gostamos de esparrar as videiras para dar mais grau ao vinho, mas este ano, com o escaldão, muitas uvas secaram. Esta situação vai agravar a qualidade e a quantida-

de do vinho. Sabemos que a produção deste ano será bastante menor que em vindimas anteriores.

GR: Tem uma estimativa da quebra de produção nas suas vinhas?

FTP: Devemos ter uma quebra de 20 a 30%. Há regiões mais afetadas que outras. Por exemplo, passei há poucos dias no Ribatejo e as vindimas estavam quase concluídas. No Alentejo estão adiantadas, assim como a vindimas dos brancos no Douro e na Beira Interior. As vindimas anteciparam, nestas regiões, cerca de três semanas, porque não há condições para manter as uvas mais tempo nas videiras. As graduações andam pelos 11 a 12 graus e isso já é bom para o período e as condições que atravessamos. com uma boa maturação e qualidade. Na zona de Tábua temos mais vinhos brancos, onde os efeitos da seca se fizeram sentir na maturação, nomeadamente nas videiras mais novas. As vinhas mais velhas estão a suportar melhor este tempo quente e seco, com bons teores de álcool e açúcar. Nas vinhas mais novas a situação é diferente, apesar da boa produção. São vinhas que plantamos de novo, em zonas que arderam nos incêndios de 2017, que têm rega, mas têm sofrido bastante com este tempo. Penalva e Tábua são regiões distintas. Penalva é muito boa para tintos, enquanto Tábua é melhor para brancos, onde temos também tintos, de vinhas que não arderam nos incêndios. GR: E no Douro? FTP: No Douro temos duas situações, os vinhos quentes, na zona do Pocinho e nas margens do Douro, até um cota de 400 meros de altitude, e os vinhos frios, em cotas a mais de 600 metros. Temos uma vinha no Vale do Viso, com mais de

GR: Tem vinhas no Dão, em Tábua e Penalva do 20 hectares, que está boa em termos de quantidade e quaCastelo, e no Douro, em Foz Côa. A situação é similar lidade. É uma zona mais fresca e onde as maturações estão nas duas regiões? mais atrasadas. Nos brancos temos uma quebra significativa

FTP: Temos de ver duas situações. Em Penalva do de produção, provocada pelo escaldão. Nos tintos as perdas Castelo temos mais vinhos tintos, onde há algumas são menores. quebras, apesar de termos água, mas as uvas estão

Diz Suzana Melo Abreu

A vindima na Amora Brava “vai decorrer em excelentes condições”

Com vinhas no Dão e nos Vinhos Verdes, a vindima na Amora Brava vai, segundo a CEO Suzana Melo Abreu, correr “em excelentes condições”, pois a vinha do Dão tem rega. Já em Arcos de Valdevez a vinha é tratada “em modo biológico e sem rega”, com alguma perda na casta Loureiro. A Amora Brava vai lançar este ano um novo Colheita e um Reserva da gama Índio Rei.

Gazeta Rural (GR): Que vindima espera fazer e que dificuldades este ano coloca aos produtores?

Susana Melo Abreu (SMA): A vindima na Amora Brava, felizmente, vai decorrer em excelentes condições. A nossa quinta tem rega gota a gota e charca própria, o que permitiu termos uvas muito boas. Estamos apenas à espera do amadurecimento para iniciar uma excelente vindima.

Opinião

Carlos Silva: “Teremos quebras de produção, mas com alguns excelentes vinhos”

GR: Quais as castas que mais dificuldades sentiram neste verão atípico?

SMA: Na minha quinta de família sofreram mais o Jean e o Alfrocheiro, mas mesmo assim as uvas estão boas.

GR: Têm vinhas no Dão e nos Vinhos Verdes. Como estão as uvas nas duas regiões e que comparações são possíveis?

SMA: As uvas da Quinta de São José, na nossa propriedade em Arcos de Valdevez, nos Vinhos Verdes, são tratadas em modo biológico e sem rega. Tivemos alguma perda de Loureiro, mas o Vinhão resistiu completamente, por estar num solo mais húmido, perto das minas da quinta.

GR: Há novos vinhos para lançar, nas diferentes gamas da Amora Brava?

SMA: Este ano a marca Índio Rei terá um novo branco Colheita e um Reserva. A adega está a crescer.

Gazeta Rural (GR): Face ao momento de seca que atravessamos, o que esperam da vindima deste ano?

Carlos Silva (CS): Neste ano de seca foram muitos os produtores que de tudo fizeram para regar as suas vinhas, com moderação, e sempre na esperança de que as temperaturas viessem a baixar. Até à vindima dos brancos, a iniciar na primeira quinzena de setembro, as condições vão manter-se e, nos tintos, esperamos não ter mais surpresas negativas. Quem regou tem boas uvas e quem não teve essa possibilidade terá quebras de produção e cachos desprovidos de um bom desenvolvimento. Teremos assim um ano vinícola com quebras de produção, mas de alguns excelentes vinhos. Vinhas mais velhas e/ou viradas a norte, ressentiram-se menos.

GR: Considerando que 2022 é um ano inusitado e, tendo em conta as alterações climáticas, como olham para o futuro? Melhores, ou diferentes, práticas culturais na vinha ou mais “enólogo”?

CS: No Dão a vinha tem futuro. Foi um ano difícil, as temperaturas vão continuar a ser mais altas, mas pode haver mais pluviosidade e mais reservas de água. Não é por acaso que novas empresas estão a instalar-se no nosso território. “Mais enólogo” é mais fácil e é essencial. Contudo a condução da vinha anda muito deficiente. faltam pessoas capazes, com vontade de trabalhar bem, e em número. Podas, desladroamentos, desfolhas, tratamentos, etc., têm de ser muito bem programadas e com cautela.

ESPECIAL VINHO DO DÃO Opinião

Que vindima em 2022 e os efeitos do clima?

Colocámos duas questões a enólogos da região sobre o momento que vivemos, com uma seca sem precedentes e os efeitos que a mesma pode ter na vindima de 2022. As opiniões ficam aí.

PERGUNTAS:

1 – Face ao momento de seca que atravessamos, o que esperam da vindima deste ano?

2- Considerando 2022é um ano inusitado e, tendo em conta as alterações climáticas, como olham para o futuro? Melhores, ou diferentes, práticas culturais na vinha ou mais “enólogo”?

António Narciso: “O futuro será, infelizmente, de mais anos como este”

1 - Vai ser mais uma difícil vindima, em ano seco, em que o mais importante será não estar à espera das graduações perfeitas, mas ter o mínimo de equilíbrio com alguma frescura e aproveitar o pouco rendimento em líquido que há antes de maior desidratação.

2 - O futuro será, infelizmente, de mais anos como este. A aposta tem de ser na vinha com práticas culturais que ajudem a minimizar ou a nos adaptar a anos secos. Pelos terrenos, pelos sistemas de rega, pela implementação de castas mais resistentes (novas castas aptas a vinho DOP), práticas de viticultura adaptadas à nova realidade. Sempre terá de ser mais vinha e uva. A matéria-prima define tudo. Depois a Enologia, também com alguma adaptação de tecnologia e sabedoria, fará o melhor para interpretar e transformar os mostos que chegam na adega.

Patrícia Santos: “Uma vindima difícil, com decisões no momento”

1 - A seca não chegou este ano, as temperaturas têm vindo a subir nos últimos 10 anos, e a chuva tem sido cada vez menor. Claro que o Dão ganhou, de certa forma, com esta mudança climática. 2022 é realmente o ano em que a seca e as temperaturas elevadas são realmente avassaladoras. Esperamos uma vindima difícil, com decisões no momento, e onde o conhecimento e a técnica farão a diferença no que será o produto final.

2 - 2022 é o início de toda a transformação que iremos viver daqui em diante. Não é este o ano atípico, mas o que teremos e constância. Em primeiro lugar teremos que repensar a rega, mas não esquecendo que a água é escassa e poderemos não ter para regar. Depois as práticas culturais, castas, porta-enxertos e sistemas de condução terão que ser introduzidos na equação, para que seja possível continuar a viticultura de forma sustentável tanto economicamente como em qualidade de matéria-prima.

A intervenção do enólogo será claramente ainda mais importante, porque não serão anos fáceis. É importante e urgente remarmos o mesmo barco e não nos deixarmos levar pela maré!

Opinião

António Pina: “As novas plantações de vinhas devem ser repensadas”

1 - O ano até começou bem, pois tivemos uma boa floração na vinha, as doenças foram quase inexistentes, mas depois vieram as altas temperaturas e perdeu-se alguma produção por escaldão e desidratação. As vinhas mais antigas foram as que responderam melhor à falta de água e as humidades noturnas que se fazem sentir, estão a ajudar a minimizar este efeito. À medida que nos aproximamos da vindima verificamos que os cachos estão a amadurecer muito bem e as acidezes estão boas, prevê-se que seja uma boa campanha.

2 - Já alguns anos que notamos estas alterações, o ano passado foi bastante chuvoso, e este ano está ser de seca extrema. A nossa região tem solos únicos e um microclima específico, que de uma maneira geral se vai autoequilibrando a ele próprio. Mas por outro lado, o futuro deve passar por melhorar as nossas práticas culturais e as novas plantações de vinhas devem ser repensadas e dar prioridade a porta-enxertos e clones mais resistentes a estas alterações climáticas extremas.

Carlos Lucas e o preço do vinho do Dão

Há “dois ou três grandes operadores na região que continuam a puxar o preço para baixo”

Carlos Lucas, enólogo e produtor de vinho, que este ano completa 30 anos de atividade no setor, não poupa nas palavras e diz que “por culpa de dois ou três operadores, a região do Dão não consegue aumentar os preços”. O CEO da Magnum Vinhos, de Carregal do Sal, em entrevista à Gazeta Rural, diz que “o preço do vinho do Dão poderia subir um euro, coisa perfeitamente possível, e todos poderíamos ganhar mais dinheiro”. Quanto à vindima deste ano, Carlos Lucas diz que “é apenas mais uma”, pois hoje o setor está bem apetrechado em recursos e conhecimento.

Gazeta Rural (GR): Em 2022 faz 30 anos ligado ao mundo do vinho e à enologia. O balanço é positivo, tendo em conta o trajeto feito?

Carlos Lucas (CL): Sim, penso que é positivo, pois continuo a trabalhar com o mesmo espírito de há 30 anos. Contudo, são os consumidores que melhor o podem dizer. Sou um homem feliz, faço o que gosto e com qualidade e sinto que mantenho uma atitude muito atual no setor.

GR: Quais os momentos positivos que mais o marcaram e os que menos gostou?

CL: Os momentos mais positivos continuam a ser trabalhar com vontade todos os dias. Sou muito proativo e os momentos positivos fui-os tendo ao longo da vida com a vitórias conseguidas, a nível nacional e internacional, mas também com o reconhecimento que fui obtendo. Também tive alguns momentos menos bons, mas gosto mais de lembrar as coisas positivas. Há um ditado que diz “quem não esquece não é feliz” e, partindo disto, prefiro esquecer os momentos negativos e lembrar-me sempre das coisas boas, e foram muitas, algumas em termos mais individuais, outras mais coletivas. Obviamente que tive bastantes reconhecimentos ao longo da minha carreira, que me deram bastantes alegrias. GR: Vivemos um tempo novo e particularmente difícil, com grandes mudanças. Com a experiência acumulada, como olha para os efeitos das alterações climáticas na região? CL: Já há muitos anos que estamos alertados para as mudanças do clima. Não tem a ver só com o setor vitivinícola, mas em todos os setores ligados ao mundo rural. Em particular, queixo-me claramente dos políticos, nacionais e internacionais, das nossas chefias governamentais, das direções regionais, em suma, queixo-me de quem tem de tomar decisões, nos diferentes níveis, que sempre pensou mais em termos económicos e nunca na espécie humana, que se não tiver água não vai sobreviver.

A espécie humana é, entre todos os seres, quem mais água gasta, na parte agrícola, industrial e no seu dia-a-dia. Ainda não ouvi ninguém responsável a dizer que não se podem lavar carros ou regar jardins, coisas desnecessárias nesta altura para os humanos.

Toda a gente diz que é a agricultura quem mais água consome, esquecendo-se que muitos dos alimentos que tem à mesa é de lá

que vêm. Se pensarmos que há bem pouco tempo se dizia que os vegetarianos eram os mais evoluídos mentalmente, em termos alimentares, então estamos mal, porque para a produção de alimentos que comem é preciso muita água. Em resumo, em termos agrícolas acho que nunca se estimulou o aproveitamento da água, que deveria ser possível. Nunca se estimulou na formação, nas cadeiras de civismo da escola, que esse bem essencial de ser devidamente tratado e usado. Portanto, diria que, de uma madeira geral, na agricultura e nos outros setores vamos ter grandes problemas com a escassez de água. não faz sentido estarmos a queixar-nos, porque acho que estamos preparados e as pessoas têm de fazer o seu trabalho, cada um no seu papel.

GR: Recentemente estalou uma polémica em torno de um artigo do Claúdio Martins, que diz que “há clientes estrangeiros que não compram vinhos portugueses porque são superbaratos”. Concorda com esta afirmação. CL: Não li o artigo e, como tal não me posso pronunciar. Posso, contudo, falar de uma maneira mais dirigida à região. Por culpa de dois ou três operadores, a região não consegue aumentar os preços. São estes operadores que teimam em puxar o preço do vinho do Dão para um patamar que é visível nas prateleiras dos supermercados, com as marcas próprias, e que baralham

GR: Nesse contexto, esta vindima é particular- claramente o preço a quem compra vinhos do Dão. Eu já alermente difícil? tei a CVR Dão, que não tem poderes para intervir, mas podia

CL: Não. É apenas mais uma vindima. Este ano sensibilizar e exercer algum controlo apertado a esse tipo de queixamo-nos da seca, o ano passado tivemos água operação. a mais, chovendo em plena vindima. Neste momento, A Região do Dão podia subir o preço dos vinhos, porque a a agroindústria ligada ao setor está muito bem prepa- quantidade e o número de operadores existentes têm procurada, com técnicos bem qualificados, desde a parte rado levá-los para preços interessantes, mas há uma teimosia agrícola à parte industrial, desde os enólogos aos viti- de dois ou três grandes operadores que continuam a puxar o cólogos. Talvez seja dos setores em Portugal com me- preço para baixo e a baralhar o consumidor. Isto é algo que lhor formação e conhecimento daquilo que estão a fa- ninguém compreende, até porque se sabe que esses opezer. Portanto, acho que ninguém se pode queixar. Agora, radores compram uvas mais caras. Tem de haver aqui um podemos ter mais ou menos quantidade e, obviamente, fenómeno, que as pessoas podem saber qual é, pois com poderíamos ter uma vindima ótima, mas eu já não me as auditorias consegue-se controlar. O que eu posso dizer lembro de nenhuma. Talvez 2011, mas é uma de vez em é que o preço do vinho do Dão poderia subir um euro, coisa quando e não se valoriza como tal, tampouco o vinho que perfeitamente possível, e todos poderíamos ganhar mais dela resultou, que se vende ao preço das outras. Portanto, dinheiro, a começar pelos viticultores.

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