14 minute read

FORTALECIMENTO DAS RELAÇÕES TRABALHISTAS

REPRODUÇÃO

“EM POUCO TEMPO, TODA A CATEGORIA ADERE À PARALISAÇÃO, BEM À VÉSPERA DO NATAL. DURANTE 37 DIAS, 4 MIL OPERÁRIOS PARTICIPARAM DA GREVE”

Advertisement

REIVINDICAÇÃO DOS TRABALHADORES FOI NOTÍCIA NO JORNAL DE BRUSQUE, EM 1952

FORTALECIMENTO DAS RELAÇÕES TRABALHISTAS

GRANDE GREVE NA DÉCADA DE 50 INICIOU DEBATE SOBRE MELHORES CONDIÇÕES SOCIAIS DE OPERÁRIOS

A década de 1950 foi marcada pelo conflito de patrões e operários têxteis em Brusque. São 37 dias de uma greve que transforma o município e repercute nacionalmente. Os trabalhadores das três grandes indústrias têxteis, Renaux, Buettner e Schlösser, e alguns operários de empresas menores, cruzam os braços no dia 19 de dezembro de 1952, reivindicando o pagamento de reajuste salarial.

O descontentamento dos operários vinha desde o início do ano, quando, em assembleia no Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Fiação e Tecelagem, decidiu-se por um reajuste de 60% nos salários.

Os patrões, entretanto, consideram o percentual impossível de ser repassado aos operários. A questão trabalhista foi parar no Tribunal Superior do Trabalho, em Porto Alegre, o qual decidiu que o reajuste seria de 7,1%, e deveria ser pago a partir de junho de 1952 até 19 de dezembro, o que não ocorreu.

O historiador Aloisius Lauth conta que a greve começou como um mal-entendido e, rapidamente, tomou conta de Brusque. Às 18h , na parada do lanche, os trabalhadores se reuniam em frente à Fábrica Renaux para conversar. Naquele dia, o assunto foi a falta de pagamento do reajuste. Quando toca a sirene para o retorno ao trabalho, os operários continuam discutindo. Voltam para seus postos com alguma resistência, lentamente.

“Quem está à frente nos portões da fábrica leva essa notícia para a Schlösser e para a Buettner. No dia seguinte, às 5h, o pessoal que está na Schlösser e na Buettner paralisa o expediente porque tinha entendido que a Fábrica Renaux estava parando. E na Renaux, aqueles são surpreendidos com a informação de greve na Schlösser e na Buettner, e que o movimento paredista teria nascido ali dentro”.

Em pouco tempo, toda a categoria adere à paralisação, bem à véspera do natal. Durante 37 dias, 4 mil operários participaram da greve.

O movimento mexeu com toda a cidade que, na época, era movida pela indústria têxtil. A cada dia, a greve ganhava novos rumos. Aqueles que não queriam participar eram impedidos de entrar nas fábricas pelos piquetes que se formavam em frente aos portões. Caminhões com matéria-prima também eram impedidos de circular.

A greve adentrou o Natal e o Ano Novo com os operários de braços cruzados. Em janeiro, a classe patronal apresentou uma lista com as condições para os operários voltarem ao trabalho, mas não houve acordo.

A greve se prolongou mais do que o esperado. Como o operário ganhava salário por produção, os problemas financeiros começaram a aparecer dentro das casas. As famílias tinham muitos filhos, e começaram a sentir dificuldades. Sem produção, sem dinheiro, sem Natal e sem presentes. Agora até sem comida.

Alguns relataram as dificuldades daquele período na dissertação de mestrado do historiador Marlus Niebuhr, intitulada “Memória e Cotidiano do Operário Têxtil na cidade de Brusque: a greve de 1952”.

Em algum momento, os comerciantes se negaram a vender fiado para os operários, que não tinham pago a conta da ‘caderneta’ naquele mês - era comum anotar as compras no caderno do negociante. Também eles não conseguiam pagar seus fornecedores, estendendo a crise para outras cidades.

Grevistas organizaram, então, movimento para arrecadação de comida. Niebuhr relata na dissertação que os operários vão de carroças a Guabiruba, São Pedro, Cedrinho, onde os moradores doam galinhas, ovos, verduras e legumes para auxiliar as famílias carentes. As doações eram arrecadadas em nome da Festa de São Roque, mas todos sabiam qual era mesmo o objetivo real das doações: os grevistas, muitos deles moradores de Guabiruba.

De acordo com Niebuhr, essa era uma prática comum nos movimentos operários. Na greve dos trabalhadores têxteis de Blumenau, em 1950, por exemplo, também foi realizada uma campanha de arrecadação de alimentos.

DIFICULDADES COMEÇAM A SURGIR

METRALHADORAS PARA CONTER OS GREVISTAS

O mês de janeiro já se encaminha para o final, sem indicação do retorno ao trabalho. A comissão montada pelo Sintrafite no início da greve para negociar com a classe patronal decidiu ir a Florianópolis conversar com o delegado regional do trabalho, mas não houve solução para o impasse. Ele garante que nenhum grevista seria demitido.

Quando a comissão retorna a Brusque, encontra o contingente da polícia de choque de Itajaí chegando à cidade. Os soldados fortemente armados, inclusive com uma metralhadora, estacionam nos portões das fábricas. O movimento assume caráter ofensivo à classe operária, que se empoleira nos barrancos do outro lado da Fábrica Renaux. Os patrões alegam que a presença deles é necessária para garantir a integridade do patrimônio da empresa.

À noite, os grevistas se retiram pacificamente. No dia 26 de janeiro, 37 dias depois do início do movimento, é realizada uma assembleia geral dos trabalhadores no Sintrafite para decidir oficialmente o fim da greve. Pressionados pela fome em casa, sem salários, os operários cedem, baixam a cabeça e lentamente retornam às salas de produção, narra Aloisius Lauth em seu livro “Sindicalismo em marcha”, de 2017.

A polícia forma cordões de isolamento e os caminhões com matéria-prima voltam a entrar. A produção da fiação e da tecelagem reinicia nas horas seguintes. Mas os salários atrasados daquele mês não foram pagos, ficando as contas dos negociantes em aberto.

DEMISSÕES ACONTECEM

A promessa de que não haveria demissões, entretanto, não foi honrada. Os operários líderes do movimento perderam seus postos de trabalho, a maioria teve que mudar-se para outras cidades para encontrar emprego, pois faziam parte da ‘lista negra’ do Departamento de Pessoal das fábricas.

Na edição de 14 de março de 1953, o jornal ‘O Rebate’ publicou na capa telegrama enviado pelo senador Carlos Gomes de Oliveira ao industrial Guilherme Renaux. Nele, o senador lamenta o fato de que os “industriais brusquenses estão despedindo operários em represália da greve”.

O senador observa que “os chefes das greves são em geral líderes que não se devem afastar, mas atrair, para conjugar esforços na produção e para harmonizar interesses. O movimento operário através de seus sindicatos é, em todo o mundo, irrefreável para a melhoria das condições de vida dos trabalhadores”.

Nas edições seguintes, o jornal publica a longa resposta de Renaux ao senador. Ele afirma que “não houve, nem haverá represálias”.

“Quatro mil, aproximadamente, foram os operários que participaram da greve, embora a maioria não a desejasse.Vinte e um é o número exato dos que foram despedidos, não porque tenham feito o movimento, de si mesmo ilegal, mas pela indisciplina, pelo abuso de um direito, que se fosse líquido e certo, ainda assim se exercera abusivo e violentamente, contra outros direitos inadmissíveis do cidadão, assegurados pela letra constitucional”, disse o empresário.

SESI SURGE NO PÓS-GREVE

Antes da greve, muito se falava na instalação de uma cooperativa de consumo em Brusque - mais tarde denominada Sesi - como uma das soluções para o fim da paralisação.

À época, o custo de vida estava cada vez mais alto corroído pela inflação, o que desestimulava os operários, que praticamente trabalhavam para sobreviver, sem direito a ganhos reais, nem à saúde e nem à educação profissional

A expectativa era de que a instalação da cooperativa, financiada pelo sindicato patronal, diminuísse o custo de vida da classe trabalhadora.

Dez dias antes do fim da greve, o jornal ‘O Rebate’ noticiou que o Sesi “vai instalar nesta cidade diversos postos para venda de gêneros de primeira necessidade aos operários”.

Na reportagem, o jornal explica que a ideia inicial era fundar uma cooperativa de consumo dos próprios trabalhadores da indústria, mas o armazém que o Sesi quer instalar “oferece mais vantagens aos consumidores, por isso fará a venda dos produtos pelo mesmo preço que é adquirido na fonte de produtos”.

De acordo com a reportagem, o abatimento no custo dos gêneros de primeira necessidade era estimado em 30% “que virá, forçosamente, influir no custo do orçamento doméstico dos operários”.

Na edição de 31 de janeiro de 1953, dias após o fim da greve, o jornal ‘O Rebate’ publicou uma entrevista com o industrial Roland Renaux, que informava que o Serviço Social da Indústria (Sesi) pretende construir na cidade um Centro Social, o primeiro do gênero em Santa Catarina.

“Consta essa grande obra social de um grande edifício, que será localizado em terreno amplo, para nele serem reunidos todos os serviços do Sesi - armazém de fornecimento de gêneros alimentícios, ensinamento de corte e costura, farmácia, gabinete dentário, escolas e tudo o que se relacionar com o programa de assistência aos operários”.

Segundo a reportagem, o valor da obra era estimado em cinco milhões de cruzeiros e o terreno seria doado pelos industriais de Brusque.

Dois meses depois, na edição do dia 21 de março de 1953, o Rebate publicou mais uma nota de capa, informando a inauguração do Armazém do Sesi em Brusque, que contou com a presença do presidente da entidade em Santa Catarina, Celso Ramos, futuro governador do estado. Foi o primeiro armazém de fornecimento de gêneros aos operários do estado, instalado na Pomerânia, ao lado da Fábrica Renaux.

Criado como a melhor solução para a crise trabalhista que marca Brusque nos anos 1950, o Sesi continua a fazer parte da história do município, contribuindo com o desenvolvimento social da cidade. IMAGEM DO ARMAZÉM DO SESI PUBLICADA NO JORNAL DE BRUSQUE EM SETEMBRO DE 1953

ESCASSEZ NO CAMPO, ÊXODO E RETORNO

AO LONGO DOS ANOS, BRUSQUE PASSA DE EXPORTADORA DE TALENTOS PARA ACOLHEDORA DE TRABALHADORES

O interior de Brusque, que até os anos 1960 era formado pelas áreas que hoje correspondem a Guabiruba, Botuverá, Vidal Ramos e Presidente Nereu - antigo distrito de Nilo Peçanha -, foi colonizado com base na agricultura familiar. As famílias que viviam nesta região se dedicavam às plantações e criações de porcos, galinhas e vacas para a sobrevivência. O excedente era vendido na vizinhança

“A SOCIEDADE SE TORNOU, NA VIRADA DO SÉCULO, MAIS ABERTA PARA O MUNDO, MENOS FOLCLÓRICA E TRADICIONALISTA”

Aloisius Lauth, historiador para se ter um lucro e melhorar as condições da casa.

Com o passar dos anos, a agricultura já não bastava para o sustento das famílias, que cresciam. Os lotes dos pequenos agricultores, da segunda e terceira geração dos colonizadores que trabalhavam na terra, não comportavam os filhos que se casavam e formavam novas famílias. As plantações de milho, aipim, batata, entre outros, não eram mais suficientes para uma vida confortável. Como nessas localidades não havia emprego, filhos e netos começaram a sair do interior em busca de uma vida melhor.

A região central de Brusque era o destino dessas famílias, pois as indústrias Renaux, Schlösser e Buettner estavam em pleno crescimento e eram vistas como uma ótima oportunidade de melhorar as condições de vida.

O emprego com carteira assinada nas fábricas têxteis, na condição de operários, atraia os mais jovens. O historiador Aloisius Lauth lembra que naquela época não havia necessidade de conhecimento técnico. “Bastava o treinamento no próprio local de trabalho, que consistia em operar uma máquina de abridor de algodão, uma fiandeira, um tear ou um tanque de tinturaria”.

Desta forma, a estrutura do município de Brusque começou a mudar. De acordo com Lauth, em 1940, a população da zona rural da cidade correspondia a 74,5%, enquanto que a urbana era de apenas 25,5% da total. A partir de 1940 a 1960, a estrutura demográfica de Brusque se inverteu. A população urbana atingiu 84,5% devido ao êxodo rural no próprio município gerado pelo esgotamento da atividade agrícola.

Como impacto do êxodo rural em Brusque, Lauth destaca a urbanização crescente e desenfreada da área central da cidade, especialmente em torno das três grandes indústrias.

NOS ANOS 1960, O EXPRESSO BRUSQUENSE AUMENTOU O NÚMERO DE LINHAS EM DIREÇÃO A BLUMENAU E OUTRAS CIDADES DA REGIÃO

O êxodo do interior para a região central de Brusque gerou um excesso de mão de obra na cidade que as indústrias têxteis não conseguiram absorver. Lauth explica que, com isso, muitas pessoas de Brusque, nos anos 1950 e 1970, se transferiram para outros centros econômicos do país em busca de emprego e renda.

“Acompanha o movimento da migração interna, do Sul para o Centro-Oeste brasileiro. Fenômeno semelhante ao anterior, porém a atratividade será agora as regiões mais distantes, como o Norte do Paraná e o Sul do Mato Grosso”.

Conforme Lauth, a migração originária de Brusque se deu a partir da procura por terras, salário e renda nas lavouras do Norte. O atrativo era terra barata no entorno de Londrina e Maringá.

A migração tem como destino também a região, com a saída de pessoas para se empregar em Jaraguá do Sul, Joinville e Blumenau. Neste período, em Jaraguá, há o crescimento da WEG. Em Joinville, a atração da mão de obra se dá para a empresa Tupi e a nova fábrica da Consul. Em

SAÍDA DE BRUSQUE

Blumenau, o atrativo é a Cia Hering e a Souza Cruz.

“Para Blumenau, em 1968, a ‘Rodoviária Expresso Brusquense’ abre linhas com ônibus direto de ida e volta para as fábricas da Hering e Sul Fabril, com saídas às 5h, 5h30, 6h e 6h30, quase sempre com assentos todos ocupados”.

Outro fenômeno observado pelo historiador é o que ocorreu em 1970, quando a classe média e a elite enviavam os filhos para estudar na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Curitiba e Florianópolis.

Os jovens que se formavam fora não retornavam mais à cidade porque não havia mercado para tanta gente.

Para Lauth, a migração de parte da população de Brusque para outros centros favoreceu a abertura da cidade para novas culturas, contribuindo para a busca por melhores padrões de vida. “A sociedade se tornou, na virada do século, mais aberta para o mundo, menos folclórica e tradicionalista. Assumimos o modelo de vida do neoliberalismo econômico mais depressa”, diz.

Essa abertura citada pelo historiador possibilitou a readequação do cenário migratório, e o início de um fluxo inverso: Brusque passou a ser, aos poucos, em vez de uma cidade exportadora de talentos e mão de obra, um lugar para onde aqueles com vontade de trabalhar e crescer se dirigiam.

Em sua tese de doutorado intitulada ‘Regimes de cidade: investigações acerca de experiências urbanas no Vale do Itajaí Mirim’, o historiador Álisson Sousa Castro aponta que entre os anos 1970 e 1980, a taxa de crescimento populacional do município era de 17%, bem abaixo do observado na década anterior, em torno de 33%.

De acordo com ele, Brusque volta a crescer significativamente a partir da administração do prefeito César Moritz, entre 1973 e 1977, quando novas indústrias se instalaram no município, o que contribuiu não só para a diversificação do parque fabril, mas também para a geração de empregos.

Além disso, ele avalia que o asfaltamento da rodovia Antônio Heil, em 1974, facilitou a vinda de turistas e clientes a Brusque o que possibilitou a intensificação na década seguinte das pequenas indústrias têxteis e culminou com o auge da rua Azambuja no início da década de 1990, assim como dos shoppings de moda neste mesmo período.

“Tanto a diversificação fabril quanto a infraestrutura mais adequada foram preponderantes para a criação de empregos e, consequentemente, a atração de mão de obra”, destaca.

É neste período que a cidade começa a receber famílias do Paraná e do Rio Grande do Sul. Anos mais tarde, chegam os migrantes do Norte e Nordeste e, mais recentemente, a cidade recebe haitianos e venezuelanos. Atualmente, Brusque é uma cidade plural, com oportunidades para todos.

“Os poucos movimentos arredios perderam força ao longo do tempo, como foi a manifestação contrária a vinda de baianos para Brusque alguns anos atrás. Recebemos pessoas de várias regiões do país e até de fora que vem em busca de uma vida melhor, convivendo em harmonia”, avalia Lauth.

This article is from: