Terra incógnita

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TERRA INCÓGNITA Fotografia autoral em Juiz de Fora



Ao meu pai grande, Sรก Chica, que acreditou mais nesse projeto do que eu.



Indice

Introdução

7

CLáudia Meireles

8

Daniel Candian

18

Daniel Sotto-Maior

30

Diego Zanotti

38

Filipe Mathias

46

Letícia Vitral

54

NiCa Pinheiro

60

Rizza

68

Stephan Rangel

76

Tonil Braz

84



TERRA INCÓGNITA Falo de um lugar que não sugere evidenciar semelhanças, analogias ou qualquer predicado que insista em promover delimitações. Aqui, os olhares perseguem planos de fuga, são atirados sobre um oceano de vivências. Aventura com ares de um amor fati, que requer da fotografia ensinar a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas e, assim, fazer belas as coisas. Acerca desse sentimento, leio Nietzsche:

Seja este, doravante o meu amor! Não quero fazer guerra ao que é feio. Não quero acusar, nem mesmo acusar os acusadores. Que a minha única acusação seja desviar o olhar! E, tudo somado em suma: quero ser algum dia, apenas alguém que diz Sim.1 Por via dos instintos, dos jogos subjetivos ou da partilha política, nesta travessia, é recorrente a aposta no gesto autoral. Este, que não despreza as incertezas, já que toda intenção é também aventura. Tão logo, percebo que, para cada processo, pouco importa se o registro afina-se a uma estrutura compreensível e bem delimitada. Pelo avesso, percursos se abrem ao imprevisível, seduzem mais que as rotas, permitindo dissoluções na liberdade do sim. Poéticas fazem com que a correnteza, traduzida em processos criativos, deságue sobre a linha do horizonte. Justo quando o olhar atravessa e se perde na paisagem interminável é que começamos a acessar o pulso desses cruzamentos. Entre acasos bem-vindos, a cidade de Juiz de Fora tratou de conectar navegantes: artistas que trazem para esta terra o frescor de outras tantas. Ensejos se legitimam no contrassenso do pertencimento a um campo específico de pensamento ou a um lugar físico. Afinidades, aqui, estão em constante curso. Nesses espaços flutuantes, a autonomia das poéticas não recorre a um apego ao solo originário, ela se descobre nas virtudes da deriva e na vida compreendida como uma deriva, que é, em si, o próprio destino. Para tanto, compete aos olhares atentos não se deixar ficar; buscar, no instante congelado, o tempo em que o retorno vira começo. Ana Lobo

1 NIETZSCHE. Friedrich. A Gaia Ciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.



ClAO. CALO (S). Os pés são suporte para a vida, para o movimento,

são um corpo.1 Falo muito dos andarilhos por motivo que eles têm com a natureza tal intimidade que é, em último caso, uma intimidade de Deus. E porque se implanta neles, por esse motivo, uma sabedoria infantil. A ponto que o amanhecer faz glória sobre eles quase todos os dias, como faz os passarinhos. Ao ponto que eles sabem que para exercer a liberdade total eles precisam de ser maiores do que os adultos como os insetos são maiores do que os firmamentos ... E porque eles carregam a liberdade deles nos passos que não têm onde parar. Com as águas dos rios, com o Sol, com as pedras, eles dão a mim um exemplo de comunhão. Se a gente jogar uma pedra neles só quebra o silêncio deles. O chão respeita seus passos. Eles conhecem a sedução das árvores pelo amanhecer. Eles conhecem os caminhos que as garças percorrem de tarde. Eles sabem moda São Francisco de Assis o canto do sol. São essas intimidades com a natureza que me seduzem nos andarilhos. Eu bem quisera sê-los. Mas eu não tenho essa tanta força de amor.2 Calo(s) está entre os passos nus; são erros, acertos, lições e vacilos, em rotas de caminhantes que podem hesitar, mas, nunca, abolir do corpo as texturas de desejos. Segredos dispostos sobre a membrana aparente. Esta, que se incumbe de uma função dúbia, amenizar a dor e os prazeres da pele, também guarda em sua extensão a libido das experiências vividas. Na sola, impactos contêm o peso de uma unidade, vibração de vida. Como em Prayer (2001), de Rachel Harisson, que revela pelas mãos uma atmosfera tencionada, a lente de Clao busca nos andarilhos uma beleza que requer estesia, que arde em instâncias de luta e anseio de vida.3 Corpos revelam, sobre os cortes das fotografias, a unidade potente dos pés. Na medida em que a artista enfatiza a superfície calejada, propõe foco para a sola, em suas instâncias materiais e imateriais, num fluxo corrente de manifestações sensitivas. Como andarilhos do tempo, os sentidos subvertem as bordas da fotografia de Clao – eles sugerem aberturas para novas possibilidades. Nos trajetos da artista, a descoberta do outro pressupõe zonas de contato, recorre, pela lembrança do momento, ao encontro com outras matérias e aromas, numa vivência que insere os sentidos como parte da obra. A condição dos membros inferiores eleva a beleza calada dos pés ao cume de sua expressão. Dessas imagens soa a ordem Não Calo (s), gritamos.4 1 Citação de Clao. 2 In: MULLER. Adalberto (org). Encontro com Manuel de Barros. Rio de Janeiro: Azougue, 2010. 3 Citação de Clao. 4 Idem.











Daniel Candian. BIT À HIT.

Para a contemplação do ensaio «Bit à Hit, recomenda-se o acompanhamento de uma boa música.1 Descartada a intenção de segurar a realidade, a fotografia descobre, nas vias da música, uma fórmula de ativar imagens. Agucemos os ouvidos para ver timbres de cor em linhas oscilantes. Vibração dos tons em disparate, melodia a ocupar lugar. Se compartilhamos certos códigos como guias interpretativos na realidade cotidiana, os sonoros matizes de Candian parecem se ocupar da embriaguez desses códigos. Das cores ao som, tudo insinua oscilações. Sóbrios espaços coloridos sugerem alguns artífices: a vitrola, a mão, a silhueta de uma mulher. Pelos quadros, movimentam-se corpos que esqueceram o vazio na tortuosa busca por sentidos agudos. A objetiva, durante uma longa exposição, deixa entrar, nas imagens, realidades casuais. Na opção por cores sóbrias, a composição fotográfica é liberada dos vícios. O maestro das imagens pontua: através de cores e formas, tento romper com o concreto e abandonar as barreiras da verossimilhança da imagem.2 Nas cenas acumuladas pelo artista ao longo da sua trilha fotográfica, a arte se estende a um convite destinado às interpretações. Apelos imaginários embalam a atualidade das fotos e, assim como a música, as imagens se propagam entre ecos.

1 Citação de Daniel Candian. 2 Idem.













Daniel Sotto-Maior. OLHARES SOBRE A TURQUIA. O conhe-

cimento catalogal e a unificação do espaço imprimem sobre os lugares o risco da banalização. Rompemos barreiras, encurtamos distâncias, e, sobre a coleção de fotografias de viagem, a ânsia por registros acaba dissolvendo a experiência. Deixo ao Google a lembrança das exposições universais, para ressaltar, aqui, a gentileza de um olhar forasteiro. Pegue o seu ticket, escolha o melhor lugar e deguste os recortes de Daniel, como se você fizesse parte da paisagem fotografada.1 Inscreve-se, no roteiro de Sotto Maior, uma subversão poética das rotas. As fotografias derivam pelas vias da política, da estética e da cultura turca. Elas se debruçam sobre os mistérios de um lugar. Daniel inaugura, nos relatos entre ele e o outro, a caminhada enquanto criação. Entre suas referências, estão acasos docilmente negociados com sua câmera analógica, imagens que acendem texturas de uma vivência temperada de afetos. Nesse acordo sutil entre contrastes, sujeitos e objetos emanam contornos do espírito que os animam. As imagens desse ensaio expõem experiências de um artista que faz do corpo a morada no mundo. Texturas instigam, nos olhos, uma sensação tátil. Os espaços moventes delatados não se referem a uma suposta nostalgia da paisagem; a realidade da viagem está na imagem, é ela quem propõe aventura aos olhares, provocando aromas, sons e sensações térmicas. Firmes na retina, os mistérios do oriente nos fazem aflorar os sentidos. E, mesmo que a História se esqueça dos eventos cotidianos, estes exigem, pelas fotografias, ser lembrados enquanto inscrições. Permita-se. 1 Recomendação de Tainá Novellino, ativista cultural em Juiz de Fora, designer e professora na Faculdade de Artes e Design na Universidade Estácio de Sá de Juiz de Fora.









Diego Zanotti. CINE-GRAFIAS DA SUBJETIVIDADE: A FOTOGRAFIA MITIFICA O OUTRO. Sozinho, ao visi-

tar uma ilha muito pobre próxima à cidade de Santiago de Cuba, surge a ideia de registros singulares, dos momentos e das pessoas. Tive a sensação de que se poderia fotografar a história de cada um.1 Em todo grande império, o mito aparece como potência fundante. Uma vez instaurado, afaga a alma dos adeptos, mas também pode ser o mais nocivo dos ruídos. Para os pensamentos subversivos, são a sombra de um grito, quer seja ele de dor, quer seja de liberdade. Diante dos olhos, a veracidade das fotografias anima e intriga as sensações fundadas pela imagem. Nas fotografias de Zanotti, a clareza de um cenário se contrapõe à figura conhecida de duas pessoas entrecortes. Assim, as imagens falam pra quem vê e os olhos veem o que é dito.2 A câmera se ocupa das aproximações, e o registro, que poderia se consagrar numa fotografia postal, opta por instantes fecundos. Enquanto a captura revela uma mudança temporal, o movimento das mulheres e dos planos contra-argumentam a realidade e também o mito. E nessa Cuba sem estigmas, a cena anuncia um olhar guardado no âmago da subjetividade. Diego conta que, para tal ensaio, foram escolhidas algumas fotos em tamanho maior, como representação poética e perfeita do mito, em diálogo com outras fotos menores que fazem menção aos momentos registrados antes e depois do denominado mito.3 É oportuno rememorar trechos de Aganbem4, ao comentar que, graças à objetiva fotográfica, o gesto aparece carregado com o peso de uma vida inteira; para o teórico, aquela atitude irrelevante, até mesmo boba, resume em si o sentido de toda uma existência. A decupagem proposta aqui parece apurar essa relação entre o gesto impresso no tempo e a fotografia. Nas tentativas de enquadrar uma dada situação, acomodam-se interpretações que perderam seu sossego quando proferidos na captação da imagem. Assim, o mito marca um território que a palavra não consegue atingir. Nas imagens de Diego, nesse disparo do olhar perpétuo, a realidade vira poesia quando é lembrada.5

1 Citação de Diego Zanotti. 2 Idem. 3 Idem. 4 AGAMBEN, Giorgio. Profanações. Tradução: ASSMANN, Selvino José. São Paulo: Editora Biotempo, 2005. 5 Citação de Diego Zanotti.



Respeito pela sensação causada no tempo vazio da contemplação E coragem para ver o que a fotografia revela nos seus espaços: o realismo de cada um. A imagem fala pra quem vê e os olhos veem o que é dito.







Filipe Mathias. SNOW WHITE. Minha proposta para a releitura da protagonistado conto germânico ‘Snow White’ (‘Branca de Neve’), popularizado pelos Irmãos Grimm, era fazer uma mulher independente e livre de alguns quesitos emocionais e românticos que acabaram se tornando um clichê dos contos de fadas. Eu queria propor a sensualidade e volúpia da vida real.1 Nas rasteiras da história, a nobreza singela, que já era presa, vira vítima. A drágea que acordou ninfas do sono pueril exigiu de seus corpos, docilizados desde o inicio da linha civilizatória, uma compreensão acerca da igualdade de gênero. Fuga que assusta, mas se encontra já bem distantes das aspirações de propriedade que sustentaram o comodismo enquanto estilo de vida. Na transição do sonho às pulsões reais a história não despreza as fantasias. Mulheres são tomadas por um desejo de liberdade – passagem aos gestos instintivos, agressivos – e, por consequência, determinantes da coragem em se assumir em meio aos pares, não mais como parte menor numa relação que só admite dois. Enquanto a delicadeza é um clichê a passar despercebido, por outro lado, as cirandas marcadas por passos firmes de Filipe Matias conta mexer com homens e mulheres pelo gatilho da atração. No ensaio, a personagem converte marcha libertária em dança, e nesse levante lúdico, o fruto proibido é alimento que propicia a autonomia. Nas fotografias de Matias, a maçã, temida num primeiro momento, se transfigura como parte de um processo de maturação. De certo, seu gosto amargo não deixa ilesas as gargantas pouco acostumadas, já que é veneno e antídoto. Aquele que não se preocupa com proibições encontra no fruto o poder de escolha, de não ansiar A Verdade, mas de desejar ser o que se é. Na efervescência de ficções, ser como quiser, branca (o) e vil, caça e caçador (a). Pudesse eu ter uma menina branquinha como a neve, corada como sangue e com cabelos negros como ébano. Alguns meses depois, o desejo da rainha foi atendido... 2

1 Citação de Filipe Mathias 2 GRIMM, Jacob; GRIMM, Wilhelm. Contos de Grimm: Branca de Neve e outras histórias. V.1. Rio de Janeiro: Revan, 2006.









Lê Vitral. GIALLORAMA. Se o registro é via para revigorar a lembrança, essa

sobrevida só é possível quando realça o artifício com as cores da memória. Ao redor do enquadramento, Giallorama ficcionaliza frames, acende agitações entre imagem e imaginário. A fotografia acusa, mas o relato está sempre entre as aspas. Letícia pontua: A fotografia é um meio capaz de congelar imageticamente um único momento, não necessitando de uma justificativa do que aconteceu e do que acontecerá no ambiente fotografado. Isto contribui para a criação de um lugar misterioso e mitificado, capaz de guardar respostas para as mais diferenciadas perguntas. Nessas cenas aguardamos o súbito, e essa expectativa conspira a favor da dúvida. Letícia diz “Manipular a forma por iluminação ou por perspectivas forçadas, com a pretensão de chegar à natureza da memória das coisas”. Com um amarelo passado, alguns pontos da cidade insinuam uma decadência elegante. Da matriz às nuances, a cor afina-se com uma espécie de sugestão noir que abriga o desconforto, dada a impossibilidade de retirar das imagens o fio da meada. Vitral provoca, através das ações situadas, uma agonia silenciosa; ela acirra a tal ponto os termos que definem a atmosfera, que toda especulação temática é, também, conhecimento tácito. E esse movimento torna o real estranho, onírico, mas não menos autêntico por isso. O passado, por sua vez, não surge como algo doce ou idílico, mas apela para as sombras, a paranoia e o surrealismo.1 Enquanto o lugar alarga um contingente de rumores, as especulações parecem estar no limite do que se poderia considerar compreensível. Nessa fronteira de capturas, expectativas de esclarecimento sobre as cenas podem ser investimentos falidos, pois, na eminência das sugestões, a trama não caminha rumo à solução de um caso. A cena, sim, é quem arrasta as especulações, e, nela, cada nova pista é também uma nova dúvida.

1 Citação de Letícia Vitral


Giallorama.

adjetivo. giallo m (plural gialli) 1.Cor amarela 2.Estilo cinematogrĂĄfico italiano, baseado em contos de crime e mistĂŠrio.








Nica Pinheiro. RUGOSIDADES. Ruína, lâmina de

dois gumes, ora desmanchamento do espaço, ora furor do tempo. Talhada, a cultura acomoda suas marcas e usos. Composições que desenham contornos de funcionalidades algumas vezes obsoletas, mas, nem por isso, ilesas às novas apropriações. O olhar de Nina sublima os ventos do tempo e, com esse sopro, chega às poéticas de acúmulos. A composição de elementos materiais enquadrados pela artista se aproxima dos registros de Smithson. No ensaio Um Passeio Pelos Monumentos de Passaic (1967), o artista retrata as ruínas arquitetônicas do subúrbio de Nova Jersey e as define como monumentos. Tanto nas imagens de Nina quanto nas imagens de Smithson, erguem-se escombros às avessas. Os objetos e edificações que compõem as paisagens retratadas não se desmoronam em ruínas: eles se erguem em ruínas, e é essa específica modificação da matéria que eleva a qualidade monumental dos objetos inseridos nas fotografias. Os tecidos que cobrem os espaços clareiam a ideia de que os aspectos básicos do mundo são muito mais densos, e, nesses aclives e declives da vida, o estado da matéria não cessa de questionar a sua origem – se é que ela existe. Na simbiose entre processos espaciais e processos fotográficos, Nina ressalta: O conceito de ‘rugosidades’, definido pelo geógrafo Milton Santos como as marcas do tempo no espaço, complementa a concepção de que a produção do espaço é, ao mesmo tempo, construção e destruição de formas e funções sociais dos lugares. A fotografia é testemunha e agente dessas transformações. Assim, o curso dessa topografia fotográfica foge à permanência do tempo: ela costura instantes em bordados entrópicos, já que entrega ao lugar os processos irreversíveis de seu antirretorno. Sobre a ruína fotografada, a planta cresce de maneira improvável num sanitário ou as poltronas em desuso acendem ambientes de bifurcações. Nina aponta que o espaço e a fotografia tornam-se testemunhos da memória do construído, das coisas fixadas na paisagem (re)criada em suas passagens pelo mundo. Na incidência do tempo dessas fotografias, o novo vem com sinceridade anciã.









Rizza. RECADO. Ela abriu para as minúcias, mãos entrelaçadas

em um segredo, e a voz passava aveludada, por dentro. Tentativas de dizer o não dito, doce trabalho. Noções dissimuladas, glossário sem sentido, todo furor interrompido em um ponto equidistante. Toda ela, embebida de silêncio, e dentro dela, uma batida forte. Nada ali dizia sobre o que ela cultivava, mas ela sabia. Uma voz emudeceu a multidão e a narrativa não disse nada além da dificuldade em se contar algo. A espessura da água acariciava o corpo enquanto calava o som. “Como me explicar nesse limite?” – ela sussurrava em pensamento, e se sentia inteira embebida em uma atmosfera forjada. Fios de uma comunicação que não dizia absolutamente nada sobre o que ela era, mas ela sabia. Desejou mais um pouco, arquitetou uma escapatória, hesitou, insistiu mais uma vez naquela conversa muda. Ao retirar-se, feriu sua pele com os cortes do ar, mas não se arrependeu do impulso. Nos primeiros respiros, deu-se conta de que imaginava um labirinto, e de que cultivara suas encurraladas. Ela refletiu o cotidiano e os ângulos de incidência da sua voz. O céu tomou seu vestido do escuro sem escapatória até aquele azul. E ela voltou-se para si, lembrou-se da agenda e do curso rápido do tempo. “Horas de maturidade” – emitiu, estridente, para aquele outro qualquer.









Stephan Rangel. SEM TÍTULO. O assassinato da imagem permite a

ressurreição do referente, que toma novas formas e fomenta novas simbolizações. Aquilo que foi já não é mais, retornando como poderia ser.1 O virtual, que obstrui a atualidade sensível das relações, faz das texturas físicas uma carência de época. Nos espetáculos midiáticos, a imagem atropela seu próprio processo de produção. E, nesse caminho, a fotografia, que elaborou formas de apreender o real e reinventá-lo em processos químicos e físicos, encontra hoje, na manipulação facilitada própria da matriz digital, vias relutantes à alquimia que lhe deu origem. Num retorno à manufatura, Rangel reinventa o curso do tempo, ocupa o instante registrado com acasos. O fotógrafo prioriza o momento de sobreposição e dissolução da matéria, como obra endereçada à fruição. Inspirado no experimentalismo de Fabio Giorgi, Stephan debruça olhares para a impressão fotográfica antes de procurar sobre ela a qualidade de um registro fiel. Em seu procedimento artístico, ocorre a suspensão do real fragmentado, o que culmina em uma composição oscilante entre a experiência do olhar e seu duplo ficcional. Como no Touché que elabora Foster2, é a rasura quem fala da imagem, pois por essa inscrição é possível romper o anteparo proveniente da repetição que protege o real, e fazer vibrar em nós a superfície fissurada. No jogo entre tradição e contemporaneidade, a plasticidade das imagens aqui expostas evidencia um campo de probabilidades visuais. Aceno de despedida endereçado à reprodução. Pela carne da imagem que insinua o papel fotográfico, a impressão não abrevia formas captadas. Na contramão, acabam por evidenciar rumores, ressonâncias próprias das camadas postas a teste. 1 Citação de Stephan Rangel. 2 FOSTER, Hall. O Real e seu Duplo. In: Artes e Ensaios. Ano 6. Vol: 1 n.8. Julho de 2005. p. 166167.









Tonil Braz. MADE IN CHINA. O trabalho ‘Made In China’ foi realizado através de uma pesquisa em lojas de 1,99 da cidade de Juiz de Fora, com o objetivo de encontrar objetos que representavam o globo terrestre.1 A presença da escultura marca a imagem na relação entre escalas. Através de operações construtivas, estimuladas pelo globo matriz, surgem indagações para além da forma. Tonil trás à tona o peso do mundo. Essa expressão, que nos chega pelas gerações anteriores à nossa época, carrega os alertas sobre os discursos a que estamos sujeitos. Em conversas diretas com os objetos cotidianos, o mundo aqui parece sugerir camadas comunicativas, desde a produção da matéria até os traslados de sentido que se sobrepõem aos objetos. Made in China agrega o nome do país natal das peças exploradas, além de expor a qualidade duvidável dos produtos selados por esse slogan. Entre essas e outras hierarquias meridianas, informações se perdem entre as cifras úteis aos mapeamentos globais, tornando o peso político e as medidas econômicas inserções questionadoras dessa produção serial. Irônicas são essas imagens limpas de Tonil, que, num contorno leve, parecem tomar o peso do mundo, como quem toma uma parte pelo todo.

1 Citação de Tonil Braz.









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Fotógrafos Artistas Claudia Meireles (Clao) nasceu na cidade de Carmo de Minas e atualmente

vive em Juiz de Fora. Atua em projetos de dança, teatro e terapia em experimentos que envolvem o corpo e as formas de explorar seus movimentos. As fotografias da artista na Associação dos Catadores de Papéis e Resíduos (APARES), foram expostas no “JF em Foco”, Festival de Fotografia da cidade de Juiz de Fora, que aconteceu em 2009. No Espaço Diversão e Arte, a artista dilata o processo criativo pela proposta de um banquete. Ela conta que, “em cima da mesinha, as fotos foram cobertas com suculentos pedaços de queijos: comíamos com os pés, com os cheiros e as sensações”.

Daniel Candian nasceu em 1983. Em 2005, durante a graduação em Jorna-

lismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), se interessou por fotografia analógica em preto e branco, passando, em seguida, a experimentar, também, a fotografia digital e manipulações a partir de softwares. Avançou suas pesquisas em realizações voltadas para fotografia e montagem em audiovisual. Estudou no Instituto de Artes e Design da UFJF e atuou na pesquisa crítica e produção cinematográfica.

Daniel Sotto Maior nasceu em Juiz de Fora no ano de 1981. Iniciou estudos em fotografia no Senac/Rio de Janeiro em 2002. Interessa-se, principalmente, por fotografia documental, paisagem e natureza, que constituem as bases de seu trabalho autoral. Embora já tenha explorado a manipulação digital e a macrofotografia, prefere o processo analógico e os seus resultados. Atualmente, trabalha como repórter fotográfico na Universidade Federal de Viçosa (UFV). Diego Zanotti nasceu em 1986. Atualmente, desenvolve ações no campo das artes visuais e pesquisas em torno da subjetividade como ponto de vista. Sua maior influência é a Psicologia da Gestalt. O ensaio aqui apresentado é parte de um projeto que teve início em uma viagem do artista à Cuba. Cine-grafias teve como resultado a montagem de uma exposição e a criação de um blog, que desenvolve questões sobre a mitificação do outro pela fotografia.


Filipe Matias é um jovem estudante de arquitetura e urbanismo nascido em 1988 em

Brasília, mas se considera juiz-forano, pois mora nessa cidade desde os dois anos de idade. As maiorias das suas experiências artísticas aconteceram do chão de Juiz de Fora, e grande parte das inspirações também. Sua paixão pela fotografia foi se apurando nos últimos cinco anos. Aprendeu cenografia, costura, maquiagem, enfim, tudo que permitiu executar suas ideias exatamente como pensou. Gosta de participar de todo o processo de criação, execução e pós-produção. Filho de militar com jornalista, sempre procurou observar as coisas por ângulos opostos. E isso sem duvida vem sendo impresso na identidade do seu trabalho. Tenta sempre subverter os personagens e aproximá-los ao máximo das características psicológicas e físicas do modelo escolhido para interpretá-lo.

Lê Vitral nasceu em 1990. Naturalizada em Juiz de Fora, sempre teve rela-

ção íntima com a fotografia. Seu pai possuía um laboratório de revelação caseiro e, em 2009, cursando o bacharelado interdisciplinar em artes e design na Universidade Federal de Juiz de Fora, deu início a sua produção pessoal.

Nica Pinheiro nasceu em Juiz de Fora em 1982. Em 2002 se mudou para Viçosa e estudou geografia, quando fez seus primeiros contatos com o cinema e a fotografia. Em março de 2011 realizou sua primeira exposição - “Beleza Dura”, que se estrutura a partir de uma investigação crítica do universo feminino. Atualmente desenvolve pesquisa sobre processo criativo de artistas juizforanos.

Rizza atravessa o cotidiano, expõe, pelas descobertas da cor e pelas incidências de luz,

possibilidades de poesia a essa matéria de acasos. Nascida em 1987 na cidade de Juiz de Fora, encontrou na fotografia a linguagem artística que procurava, pela plasticidade e a poética das imagens inerentes a seu universo particular. “Recado” foi realizado em 2010, buscando uma abordagem da intimidade feminina e dos diálogos com a fotografia urbana.

Stephan Rangel nasceu em 1986 e iniciou seus estudos fotográficos em mea-

dos de 2008. Em Juiz de Fora, conheceu o trabalho do fotógrafo carioca Fábio Giorgi e passou a pesquisar processos alternativos em película. Dentre tais manipulações, o presente trabalho se identifica com a alteração da realidade mediante a destruição do negativo fotográfico, que se modifica com as interferências casuais.

TONIL BRAZ é natural de Juiz de Fora, nascido em 1979 e começou a desen-

volver sua pesquisa em 2008. Trabalha com artesanato, peças decorativas e esculturas feitas de ferro, além de a na área de design gráfico. Atualmente, se dedica a pesquisas com objetos cotidianos e a subversão de suas funções.


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Colaboração

Ana Lobo pesquisadora da área de Artes Plásticas, atuante em processos curatoriais

e crítica de arte. Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora (Licenciatura-2009/ Bacharelado-2011). É pós- graduanda em História da Arte e Arquitetura no Brasil na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (com previsão de término em 2014) e Mestra em Arte e Cultura Contemporânea pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2014). É Membro do grupo de pesquisa em Arte e História na Contemporaneidade: Implicações Políticas (pela UERJ) onde investiga interstícios entre arte e esfera pública. Atuou no setor educativo da Casa França Brasil (20112012), na assistência de produção da ANPAP- Associação Nacional de Pesquisadores de Arte (2012) e no MAR - Museu de Arte do Rio(2014) em pesquisas de conteúdo.

JÚlia Milward nascida na baía de Guanabara, criada nas margens do Paraíbuna, atra-

vessou o oceano atlântico até a Seine, desaguou no Rhône e hoje pratica Stand Up Paddle no lago Paranoá. Graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora [Br] e em Artes Plásticas pela Université Paris 8 [Fr]. Mestre em Fotografia Contemporânea pela École Nationale Supérieure de la Photographie [Fr] e em Poéticas Contemporâneas pela Universidade de Brasília [Br]. Expôs coletivamente 28 vezes em 4 países diferentes [Brasil, França, China, Canadá]. Individualmente apenas uma vez. Participou de sete publicações e uma residência. Ganhou hum único prêmio [Arca-Suiss].


Projeto gráfico: Júlia Milward Composição gráfica da capa: Leonardo Candian Coordenação Editorial: Nica Pinheiro Revisão: Ana Lobo Produção gráfica: Júlia Milward As fotografias das páginas 04, 06, 07, 08, 18, 30, 38, 46, 54, 62, 70, 78, 86 foram retiradas do blog Maria do Resguardo (www.mariadoresguardo.blogspot. com.br) e utilizadas com o acordo do gestor do site Marcelo José Lemos. Fotografia página 04: década de 90, autoria de Miguel R. Gomide. Fotografia péginas 06-07: sem data, arquivo doado à Maria do Resguardo. Fotografia página 08: década de 60, arquivo doado à Maria do Resguardo. Fotografia página 18: 1914, retirado da publicação Almanach de Juiz de Fora. Fotografia página 30: sem data, arquivo de Xixa M. Carelli. Fotografia página 38: setembro 1955, arquivo do blog Maria do Resguardo. Fotografia página 46: abril de 1953, arquivo de H. Ferreira. Fotografia página 54: sem data, arquivo de H. Young. Fotografia página 62: 07 de setembro de 1971, autoria de Roberto Dornellas. Fotografia página 70: 1900, arquivo de Bianca Barreto. Fotografia página 78: sem data, arquivo de José Leite. Fotografia página 86: 19 de agosto de 1983, arquivo de H. Young.


PINHEIRO, NICA. Org. Terra Incógnita. Juiz de Fora: Editora, 2014. ISBN 1. Pinheiro, Nica 2. Fotografia Contemporânea I. Título ---------------------------------------------------------Indices para catálogo sistemático: 1. 2.

Fontes: Yanone Kaffeesatz/Bebas Neue Papel: Impressão: Gráfica, Tiragem:




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