A hora da estrela

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Goiânia, terça-feira, 7 de julho de 2015

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ESSÊNCIA Ameliana Pereira

MÚSICA

A hora da estrela Uma das melhores cantoras da MPB atual, Mariene de Castro experimenta maior alcance de público e reconhecimento da crítica

JÚNIOR BUENO DE BRASÍLIA

ariene de Castro já não é mais uma promessa da MPB. Já não é também a grande revelação do samba. Não é mais “aquela cantora nova, já ouviu?”. Tampouco é a nova Clara Nunes. Nada disso. A esta altura, ela se provou como uma cantora de peso dentro da música brasileira, escreveu seu nome na história do samba da Bahia e está caminhando à vontade entre os bambas cariocas. Já tem 15 anos de palco e uma discografia relevante. E, por fim, não precisa mais ser comparada a ninguém, pois possui personalidade e talento de sobra pra trilhar um caminho só seu. Com formação em dança, Mariene se descobriu cantora no grupo Timbalada. Seu primeiro álbum, Abre Caminho ganhou o Premio Tim de música na categoria Regional. Seu disco seguinte, Santo de Casa, foi um registro ao vivo em que cantava o cancioneiro popular da Bahia. O terceiro, Tabaroinha, chamou a atenção de nomes de peso como Beth Carvalho. Em 2012, Mariene foi convidada para cantar as canções imortalizadas por Clara Nunes, no show Ser de Luz, lançado em CD e DVD. Mas a consagração veio com Colheita, que tem participação de Zeca Pagodinho, Maria Bethânia, Beth Carvalho, a Bateria da Portela, entre outros. Desde então só dá ela: na trilha das novelas, nos shows em homenagem a deuses do samba, como Dona Ivone Lara, nos programas de TV. Nas telas do cinema, protagonizando o filme Quase Samba, do diretor Ricardo Targino. Mariene interpreta uma cantora grávida, no filme lançado este ano. Além disso, fã-clubes se espalham pelo País e nas redes sociais, os perfis de Mariene já acumulam dezenas de milhares de seguidores. Mas isso não é tudo sobre a cantora. É preciso ressaltar o valor artístico de Mariene de Castro.

Numa época de preconceito racial e religioso escancarado, ela desfila imponente sua figura inegavelmente negra e canta sobre a beleza do candomblé. “Quando eu canto, eu falo da minha vida, e claro que não posso deixar de falar da minha fé”, disse ela em entrevista para o Essência (veja abaixo). Sua voz potente ecoa com personalidade em canções que parecem ter sido feitas na medida para ela. E Mariene não parece ter a pretensão de ser uma cantora ‘universal’, ou ‘versátil’ ou ‘experimental’, um desses rótulos vazios que a crítica cria e cola nos artistas. Ela é uma cantora brasileira, que canta músicas brasileiras, novas ou antigas, que falam sobre assuntos brasileiros. Para comemorar seus 15 anos de carreira, a cantora preparou um repertório especial e se apresentou em Brasília na última quinta-feira (está devendo uma visita a Goiânia, Mariene!). E o que se viu durante as duas horas do show, acertadamente intitulado de Lindeza, foi uma cantora madura, coerente com sua história e que arrebatou uma pequena multidão, mesmo nas performances mais intimistas, como em Por Causa de Você, canção de Tom Jobim e Dolores Duran, acompanhada apenas pelo piano de Rafael Vernet. O show foi ornado ainda pela percussão de Marcus Lobo e Bóka Reis e pelo baixo acústico de Guto Wirtt, que criaram arranjos originais e bem urdidos para clássicos, como João Valentão de Dorival Caymmi, A Hora do Adeus de Luiz Gonzaga, Lamento Sertanejo de Gilberto Gil e Dominguinhos, e Dono dos Teus Olhos de Humberto Teixeira. Mas foi quando Mariene cantou as pepitas de seu repertório que o público se acendeu, se levantou das poltronas macias do Teatro Oi de Brasília, e dançou e cantou como se não houvesse amanhã. E é no samba de roda que Mariene se mostra ainda mais Mariene, cantando para um Brasil que precisa ser mais Brasil.

Para Mariene, falta muito ainda a ser feito no combate ao preconceito contra as religiões de matriz africana

ENTREVISTA MARIENE DE CASTRO Como é o show Lindeza que você apresentou em Brasília? É um projeto especial. Eu resolvi fazer algumas comemorações nos 15 anos da minha carreira. Eu conheci o Marco Lobo, num show que eu participei, chamado Vim da Bahia. A gente nunca tinha tocado junto. Nesse projeto, eu faço um show que não é da turma da Bahia, mas com uma turma nova. E tem esse repertório emotivo, de coisas que eu nunca tinha gravado, mas que dizem muito sobre mim e também alguns sambas em um novo formato. Então é um show com meu lado b. Eu moro no Rio há três anos, Marco lobo já está na cidade há mais de 30 anos, e temos o mesmo sentimento do nordestino que sai, que vai para o Rio, mas ainda tem dentro de si muita história, muita lembrança. Você sempre cantou as belezas do candomblé, que ainda é vítima de preconceito. Você acha que falta muito para essa intolerância religiosa acabar? Eu espero que não. Acho que tem muito que cantar, muito que vestir branco, muito que combater essa coisa. Acho que não é nem desinformação – e não é só intolerância religiosa, mas homofobia, violência contra a mulher – já que nunca houve tanta informação. Essa evolução não serviu para a cabeça desses

indivíduos que cometem atos de intolerância, de violência. Essa menina apedrejada no Rio de Janeiro, muitos terreiros invadidos, a violência que as ialorixás, que são as mulheres que defendem os terreiros, sofrem. Nós, formadores de opinião, artistas, temos que falar, que cantar. Quando eu canto, eu falo da minha vida, e claro que não posso deixar de falar da minha fé. Agora, eu não tolero que não se respeite a fé, que é algo íntimo, pessoal e intransferível. O básico é o respeito e ponto final. Como você ostenta um orgulho de sua negritude, já recebeu respostas do público se identificando com suas roupas, com seu cabelo? Tenho alguns admiradores, sobretudo crianças e jovens. Recebo muitas fotos de mães com meninas usando flores no cabelo, usando vestido branco, saia rodada, as pulseiras. É uma responsabilidade que a gente tem de ver o quanto a gente imprime o que a gente faz. Cada palavra, cada passo, cada dito. Isso me conforta muito, é bom saber que eu estou contribuindo para a sociedade, que ainda tem muita coisa negativa, que não nos representa. O jovem no Brasil é muito carente de riquezas, de conhecer a nossa história. É difícil para um jovem negro se impor, assumir seu cabelo, suas origens. Se nós somos impregnados

desse pensamento, o jovem vai achar que o que é dele é desprezível, que sua cultura não tem valor. O próprio iorubá é um exemplo disso, é pouco conhecido, fica no gueto, apenas para quem tem interesse religioso. É importante ter referências de quem somos nós, de onde viemos. É importante para esses jovens, para que eles se reconheçam. O filme Quase Samba, lançado há pouco, traz você como atriz. O que você tem em comum com a Teresa, sua personagem no filme? Teresa tinha muito de mim, a começar pela minha gestação de minha filha Maria, de meu filho Bento, que aparece no filme. E por ser uma cantora, mulher batalhadora sofrida. A Teresa representa a realidade de muitas mulheres, de um amor machucado, que sofre violência. Apesar de algumas diferenças, é uma mulher que vive presente no meu universo. Além de Maria Bethânia, com quem você sempre teve uma forte ligação, e Beth Carvalho, que te ‘adotou’ e te apresentou ao samba do Rio, quem foram as mulheres que foram decisivas na sua escolha musical? Dona Ivone Lara, antes de tudo. Dalva de

Oliveira, que foi a primeira cantora que eu ouvi. Bethânia, com certeza. E Clara, que eu só conheci depois de ter uma carreira consolidada, de tanto ouvir falar que havia semelhanças entre nós duas. Fui convidada para o projeto Ser de Luz, que a homenageava, e tive a dimensão desse ser, dessa grande guerreira. Que muito antes de mim, já empunhava a bandeira das nossas nações. Se hoje eu posso fazer o que eu faço e cantar o que eu canto, é porque ela fez antes, falou sobre o povo negro antes e em horário nobre. Devo isso a ela. Assim como você, as Ganhadeiras de Itapuã estão em evidência, agora que foram agraciadas com o Premio da Música Brasileira de 2015. Aos poucos, o Brasil vai descobrindo o Brasil. Quem você acha que precisa ser descoberto, ouvido e valorizado? Flávia Wenceslau, sem dúvida. É uma compositora e cantora paraibana. Eu já havia gravado Filha do Mar, dela, e em Lindeza eu canto uma música lindíssima chamada Eu Quero Ir com Você. E Maria Bethânia acabou de descobrir a Flávia também. Nesse show de comemoração dos 50 anos de carreira dela, ela encerra com Silêncio, que também é linda. Por favor, peça aos leitores aí do jornal que ouçam Flávia Wenceslau.


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