Memoria da dança

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Goiânia, sábado, 30 de agosto de 2014

ESSÊNCIA

Uma saborosa tradição Reunir a família em torno de espigas de milho e iniciar o ritual da pamonhada é lembrado em Pirenópolis. >> P 20

A memória da dança Festival folclórico em Pirenópolis promove o resgate histórico de danças tradicionais Fotos: Lia Bello

JÚNIOR BUENO DE PIRENÓPOLIS

ão existe um consenso de quando exatamente a dança surgiu, mas é quase unânime entre estudiosos das ciências humanas que foi durante um processo evolutivo anterior ao Homo sapiens. A dança apareceu antes mesmo de o homem ser homem. Nos rituais pré-históricos, era uma das principais formas de expressão e de aproximação dos deuses. Durante toda a história da humanidade, a dança esteve presente, considerada divina ou maldita, mas sempre parte da vida cotidiana de todas as sociedades. O que há de certo é que a dança faz parte da vida de todos, fornecendo alegria e prazer, entre tantos benefícios. Os benefícios que a dança pode trazer ao ser humano são muitos: terapêuticos, culturais, sociais, educacionais e científicos. Além disso, como em toda atividade física, o cérebro libera serotonina, substância que traz a sensação de alívio, que melhora o humor e o sono. A atividade age involuntariamente de forma terapêutica na pessoa que a pratica e faz com que haja foco no movimento, desempenho, ritmo e percepção do corpo, influenciando diretamente no aumento da autoestima, já que a atenção de problemas externos e preocupações são desligadas. Mas um dos maiores benefícios da dança é resguardar a memória ancestral de ritos e festas populares. O Festival Internacional de Folclore e Artes Tradicionais (Fifat), realizado esta semana em Pirenópolis pode mostrar que há uma infinidade de manifestações artísticas sendo resgatadas. Grupos de lugares tão díspares quanto interessantes como a Eslovênia e a Ilha de Páscoa, no Chile, vieram ao Cerrado goiano mostrar como a dança está presente na formação de suas identidades culturais e ao mesmo tempo ver o que é feito, ou, pelo menos, o que se fazia por aqui em forma de dança ritual, durante o processo de ocupação do Estado de Goiás. Sim, porque há um bom número de danças tradicionais e típicas goianas que se encontra em processo de resgate para que não se percam esses registros, importantes para a identidade cultural goiana. Importante diferenciar o que é dança típica de dança tradicional. As típicas são as que caracterizam uma cultura, são danças folclóricas, como o frevo, a quadrilha e o bumba-meu-boi. As tradicionais são danças que não são mais praticadas hoje em dia, que remetem a festividades e ritos antigos, como as danças de corte, da época colonial do Brasil. O Balé Folclórico Brasil Central, da Universidade Estadual de Goiás (UEG) realiza, tanto no âmbito artístico quanto acadêmico, pesquisas para trazer de volta danças tradicionais que não estavam mais vivas na memória popular. Não apenas em apresentações dessas danças, mas também em oficinas ministradas à população, para que esse conhecimento se difunda. Durante a realização do festival, Gilmar Vieira, professor de dança e coreógrafo do grupo, ministrou workshops de danças ancestrais de Goiás, como a dança de origem alemã que foi trazida por imigrantes no início do século passado para a região de Formosa; ou as danças portuguesas que foram introduzidas no sul do estado pelos colonizadores. Gilmar também ensinou a cana verde, uma dança de passos marcados como a quadrilha francesa do século 18. “A cana verde tem esse nome por causa da colheita de cana-de-açúcar. Era feita para comemorar quando a colheita terminava.” Segundo ele, muitas dessas danças estavam ligadas às colônias de agricultura e tinham a ver com o cultivo familiar, eram festas de celebração. Esse resgate festivo é visto pela academia como um marco importante. A doutora em Arte e professora de Dança da Universidade Federal de Goiás, Maria Júlia Pascalli acredita que o festival sensibiliza a população “Mobiliza as pessoas que vem se apresentar e as que estão assistindo. Eu acredito que não só a gente assiste, como a gente vive o que é assistido. E essa mobilização cultural, o intercâmbio, essas pessoas que vieram com tanta música, tanta dança, faz com que todos nós que estamos aqui vivamos todas essas diferenças culturais.” Para ela, relembrar e trazer para as novas gerações é importante pois “traz a lembrança do grupo social, que é o que a gente está perdendo em função da vida via internet, dessas coisas impessoais.” A dança tradicional também pode vir ao encontro da arte clássica, como afirma o bailarino Wallisten Almeida, um dos interessados no aprendizado que foi trazido pelo festival e que possui uma formação de dança clássica. Para ele, toda dança pode enriquecer sua performance e seus conhecimentos. “Tanto pelo lado profissional, mas também pelo saber mesmo, eu nunca tinha ouvido falar de danças que eram da minha região, de onde eu nasci.” Esse conhecimento é importante não apenas para entusiastas da dança ou do folclore, mas até para quem não tinha pensado no assunto. Durante o festival, que se encerra amanhã, foi possível conferir a reação encantada do público diante de apresentações de grupos apresentando a cultura da Amazônia, de países da América do Sul e da Ilha de Páscoa, no Chile, entre outras localidades. A dança sempre foi e sempre será um catalizador de emoções humanas, sejam físicas ou emocionais e, a julgar pelo que se viu no Festival Internacional de Folclore e Artes Tradicionais, resgatar tempos imemoriais através da dança é uma forma de a humanidade conhecer o seu passado.

Balé da Amazônia apresentando sua exótica expressão cultural

Dançarino executa passos de uma dança típica da Ilha de Páscoa, que fica no meio do Oceano Pacífico


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