Tí'ahã wanhorõwa (A Terra é a nossa casa)

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Goiânia, sexta-feira, 17 de abril de 2015

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ESSÊNCIA

Ti’ahã wanhorõwa

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*(A terra é nossa casa)

Com exclusividade, repórter do ‘Essência’ passa três dias ao lado de índios Xavante, na Reserva São Marcos, onde viveu a triste realidade deles JÚNIOR BUENO

Fotos: Júnior Bueno

ENVIADO ESPECIAL À ALDEIA SÃO MARCOS (DE BARRA DO GARÇAS (MT))

á um Brasil que o Brasil desconhece. Um Brasil que já conhece telefonia celular, mas passa meses sem energia elétrica e sinal de telefonia. Um Brasil que não fala totalmente o português, mas adora futebol, torce pelo Flamengo e sabe quem é Cristiano Ronaldo. Um Brasil que vai à missa no domingo e participa, nos dias propícios de ritos secretos de purificação e de abençoamento. Um Brasil que vota, mas não tem acesso a programas de governo dos candidatos, que dirige, mas não tem carteira de motorista, que não vê TV, mas está por dentro de projetos de lei que falam sobre remarcação de terras indígenas. Este repórter viu de perto esse Brasil, o do povo A’uwe Xavante e, durante três dias, conversou com alguns dos habitantes da Reserva Indígena São Marcos, a 200 km de Barra do Garças, em Mato Grosso. Os Xavante tem um histórico muito recente de contato com o homem branco, chamado por eles de “waradzu”. No início do século 18, depois da descoberta do ouro na então província de Goiás, a chegada de mineradores, bandeirantes, colonos e missionários pressionou as populações indígenas locais, provocando conflitos entre elas e os novos habitantes. Na segunda metade daquele século, vários grupos, incluindo alguns identificados como “xavante”, estiveram assentados em aldeamentos patrocinados pelo governo, onde sofreram os efeitos devastadores de doenças epidêmicas. Em meados do século 19, os antepassados dos Xavante cruzaram o rio Araguaia. Esse deslocamento rumo a oeste separou definitivamente os Xavante dos Xerente, os que ficaram. E só há cerca de 60 anos é que esse contato foi retomado. Desde então, a relação desta etnia – e demais povos indígenas em geral – com os waradzu tem passado por altos e baixos. O vice-cacique Robson Tsuba Tsereura conta que seu povo tratou de evitar o quanto pode o contato com o homem branco. “Nossos antepassados andaram da região do mar, sempre fugindo dos lugares onde waradzu estava”. A população xavante soma, atualmente, mais 15 mil cidadãos distribuídos em 12 áreas de demarcação indígenas – todas localizadas no leste do estado de Mato Grosso, e em São Paulo. Na região de São Marcos, são mais de 40 aldeias espalhadas por um território de mais de 188 mil hectares de terra. Por influência da Igreja Católica (através da Congregação Salesiana), as aldeias têm nomes como São Marcos, Nossa Senhora Aparecida e Nova Jerusalém. Os salesianos construíram uma igreja e uma escola em São Marcos. As aulas e as missas são ministradas em português e akwén, a

Um dos anciões xavante, que acredita no poder dos sonhos

O vice-cacique da aldeia, Robson Tsuba Tsereura

Filhos mais velhos ficam responsáveis pelos mais novos

língua xavante. Na parede da Igreja chama a atenção a figura de um Cristo com feições indígenas e pinturas corporais próprias dos Xavante. Os salesianos representam uma ordem waradzu pontual na vida da aldeia. Os índios estão acostumados aos cantos louvando Dom Bosco nos dois idiomas e frequentam a missa com rigor. Sem, no entanto, abrir mão de rituais específicos próprios de suas crenças ancestrais. José Uratsi, professor na escola da aldeia, explica que, para eles, as figuras divinas das diferentes religiões correspondem a um mesmo deus. “O Deus da igreja é o mesmo deus daqui da mata,” diz ele, enquanto se prepara para um ritual que ocorreu durante a minha visita a São Marcos. A convite dos homens da aldeia, eu participei desta festa sagrada, mas por seu caráter secreto, não poderei descrever os pormenores da cerimônia. A comunidade de São Marcos, principal aldeia da demarcação pertencente ao município de Barra do Garças, se prepara para festejar, neste mês, o aniversário da aldeia, fundada em 1970. Nesses 45 anos, a presença dos salesianos e a convivência com os waradzu de Barra do Garças mudou pouco a configuração do povoado de casas de palha e chão de terra batida. Alguns carros, postes, dois orelhões e um posto de saúde complementam a paisagem. E antenas, muitas antenas parabólicas. Mas na maior parte do tempo há falta de energia elétrica. O posto de saúde, que também presta atendimento odontológico, não funciona quando não há energia. Esse é apenas um dos problemas que o posto enfrenta. A estrutura física que o local possui é uma casa emprestada pelos salesianos, apesar do atendimento ser de responsabilidade da Secretaria Especial da Saúde Indígena (Sesai), ligada ao governo federal. Outra reclamação constante é a falta de água. Em um flagrante caso de má gestão, a prefeitura de Barra, com verba do Ministério da Saúde, aprovou a construção de caixas-d’água nas aldeias em 2008, em um valor que ultrapassa R$ 100 mil e previsão de entrega em 180 dias. A obra levou anos para ficar pronta e a estrutura (uma armação de concreto com galões de plástico em cima) não funciona corretamente. Dos três compartimentos, apenas um é cheio de água, o que é insuficiente para abastecer a aldeia. Na maior parte do dia, os índios ficam sem água até mesmo para beber. Outra reclamação, desta vez pesando sobre a Funai, é a dos constantes atrasos na entrega de insumos agrícolas para a plantação de arroz que a comunidade cultiva. Não raro, as sementes e materiais para o plantio chegam com atraso, o que para a plantação, que deve obedecer rigorosamente o tempo certo de plantar e colher, é um prejuízo grande. CONTINUA NA PÁGINA 19

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