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Cantinho do João João Correia
AZUL FUNDO DO MAR
O mesmo é diferente do azul que estamos habituados a ver à superfície, por incrível que pareça, e tudo devido à refracção da luz que, àquela profundidade, torna todas as cores diferentes à percepção humana. Por outras palavras, o vermelho, o verde, o azul, entre outras cores, a trinta e tal metros de profundidade assumem um tom diferente.
Nem mais bonito nem mais feio do que à superfície, mas apenas diferente.
Mas enfim, tudo isto em jeito de introito ao filme “Le Grand Bleu” no qual dois mergulhadores de apneia competem na senda de uma vitória esmagadora que imponha ao outro a certeza de quem era, afinal, o melhor de entre os dois. O filme tem um início esmagador, com os dois mergulhadores, crianças no mediterrâneo, já a competir um com o outro na tentativa de apanhar as moedas propositadamente atiradas para a água por turistas. Um dos mergulhadores, Jacques Mayol, assiste à morte do seu pai, escafandrista profissional, enquanto este trabalha no mar, pois, aquele equipamento, à época, tinha tudo o que era necessário para derivar num grandessíssimo desastre. O rapaz, desde esse momento, pouco ou nada falou de tão grande que foi o trauma, mantendo, todavia, um magnetismo especial para com os animais marinhos, como se estes lhe reconhecessem o direito a pertencer ao mar, face ao drama que vivenciou.
O filme desenrola-se neste registo, com a competição a desenvolver-se até um momento em que um dos dois morre vítima da profundidade, o que sucede inevitavelmente como se tal estivesse escrito nas estrelas.
Neste caso, não nas estrelas do céu, mas sim nas estrelas do mar e, neste caso não com Jacques Mayol mas com o seu amigo e rival, Enzo Maiorca
CANTINHO DO JOÃO
João Correia
o qual, felizmente ou infelizmente, não vivenciou o drama que aquele foi forçado a vivenciar não ganhando assim o direito a existir nas profundidades proibitivas reservadas ao conjunto limitado de pessoas que, de uma forma ou outra, pagam um preço em sangue para o fazer.
Jacques Mayol, no final do filme, consciente que o mar o deixou sem rival para competir e sem o amigo para se divertir, mergulha de novo e durante a noite até à profundidade equivalente a muitas atmosferas, onde permanece em apneia desaparecendo apenas quando vê um golfinho, não para regressar à superfície, mas sim para o seguir não se sabe para onde, mas certamente para aquele local em que apenas os que ganham o direito a existir no mar se dirigem. O filme de Luc Besson relembra-nos a justiça implacável do mar, os traumas de infância de quem perde um pai em circunstâncias drásticas, a competição entre dois amigos que se adoram mas que, mesmo assim, não permitem a sua superação pelo outro, a resistência humana, os seus limites e por fim, a certeza de que o mar, no final, vence sempre como se de uma inevitabilidade maior se tratasse.
O azul fundo do mar é como uma vertigem azul que nos embriaga e vicia cada vez que a ele nos dirigimos como se lhe quiséssemos pertencer e no qual, este se vê forçado a nos mostrar que para ele, somos apenas, a na melhor das hipóteses, visitas com hora de regresso marcada.
Descontentes por o nosso anfitrião nos expulsar, mas, todavia, gratos quando este nos deixa regressar.