Nagô (teste)

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uvir os tambores das Nagô Africana e suas chulas entoadas pelas ruas da Biela e assistir seus desfiles, é ser fortemente atravessada pela negritude e pela diáspora de uma maneira diferente, uma maneira única, sendo deslocada para outro plano, o dos encontros com novos territórios que estão em contanto com antigos territórios, como no campo da diferença, do múltiplo e não mais do uno. É como se uma cortina caísse aos meus pés e na minha frente uma cartografia me convidando a seguir suas linhas e então conhecer a sua multiplicidade cultural negra, de mulheres negras e territórios negros.


Apresentação Bem, iniciar um texto não é uma tarefa muito fácil pra mim, pois sempre fico perdida sem saber a palavra exata para começar, e a vontade que tenho é de sempre começar do meio pro inicio ou do final. Pois dissertar sobre temas que me descola e instiga sempre vieram acompanhados dos sentimentos de necessidades de falar sobre nossas lutas seculares e do tempo presente, das nossas memórias, modos de existência, sobrevivência, de viver e ser nesta sociedade estruturada na cripta do racismo, que de desenvolveu na usurpação de povo e etnias africanas, reduzindo-o a eles e seus descendentes a objetos da maquina do capitalismo. É a partir deste desejo de compreender os modos de ser, viver e sobreviver do povo preto nesta sociedade desigual racial e socialmente que esta pesquisa começou, ela não nasceu depois de leituras acadêmicas ou das aulas na faculdade, mas sim, da minha vivencia desde a minha infância, adolescência e mais tarde como mulher negra, periférica e camelô. Da minha vivencia familiar construída pelas palavras da minha Mãe, quando costuma dizer que somos temos três “P”, Preta, Pobre e Periférica, sempre como muito sorriso no rosto e ao som do Ilê que através de suas letras, batuque, dança e beleza e ela nos ensina o que é ser “PPP”. Condição que pra nós não é motivo de vergonha, muito pelo con-

trário de orgulho e de luta, para conseguir subverter e sobreviver a essa estrutura desigual imposta a nós. Desde que comecei o curso de história no campus XVIII, na UNEB em Eunápolis, tinha a certeza que falaria um fragmento da minha história, a história da população negra, fosse ela soterapolitana, baiana ou brasileira. Logo quando ingressei no curso só pensava em escrever sobre as Negras de ganho, isso porque cresci sendo educadas por elas, todas as minhas Tias e minha Mãe são baianas de acarajé, sendo a minha avó materna e suas irmãs as pioneiras da família, onde desenvolviam o trabalho no tabuleiro para poder garantir que seus filhos e filhas pudesses freqüentar a escola e assim suas irmãs também deram continuidade, elas tiveram pontos de acarajé em vários bairros de Salvador, um na Liberdade, próximo a entrada do Curuzú em frente à antiga delegacia, Marechal Rondon, Pernambués e no Nordeste de Amaralina todos bairros populares e majoritariamente negros locais onde elas possuíam residência. Pois bem, aos 25 anos ingressei finalmente em uma Universidade pública, local que era o meu sonho, sempre acreditei que estudaria em uma universidade publica, pois sabia que ali era o lugar que deveria está, passei no vestibular da Universidade do Estado da Bahia - UNEB, campus XVIII em Eunápolis para o curso de Licenciatura em História. Eu tinha plena


convicção do que estava fazendo ali, quais eram os meus objetivos, sabia dos riscos e desafios que estavam por vim, mas antes de tudo sabia da luta dos meus ancestrais para que Eu pudesse chegar ali, e isso foi o que me manteve estudante da UNEB- campus XVIII. A vivência dentro da UNEB e em Eunapolis me permitiu ir além da universidade e da cidade, me permitiu conhecer as Bahias que existem dentro da Bahia. Conhecer suas encruzilhadas fora do eixo do Recônvaco Baiano. Foi um susto morar em uma cidade em que não se encontrava uma baiana de acarajé em cada esquina, ou nas sextas feiras um lugar pra comer uma comida baiana: um caruru, vatapá, uma moqueca ou um xinxim de galinha, era uma Bahia com outros hábitos e outros paladares. Foi uma cidade em que não se via a negritude expressa que conhecia de fato foi experiência necessário que me descentralizou e me levou a conhecer outras vivencias negras baianas. Foi em meio a este momento de reconhecer a Bahia que conheci a cidade de Belmonte, agora pessoalmente não, mas a partir das memórias da minha vinha Dona Dora, natural de Canavieiras que durante a minha infância ouvia suas histórias sobre Belmonte e Canavieiras, ou pelas histórias de Meu pai que ia trabalhar nas festas destas cidades. Agora passava a conhecer Belmonte a partir do meu olhar, ouvir e do meu paladar as minhas vivências começavam a existir. lembro-me do primeiro momento em que cheguei a Belmonte, pois o único sentimento que veio no momento foi, ah! Aqui posso me sentir na Bahia que conheço, aqui tem um cheiro familiar, aqui me reconheço nas pessoas nas ruas, pois diferente de Eunápolis em Belmonte eu via a população negra como via em Salvador, em Belmonte vi a bandeira do Esporte Clube Bahia estiada nas casas. Sem contar que em Belmonte

voltei a sentir o cheiro do dendê fritando acarajé as 17h, pude comer comida baiana, pois encontrei em variados lugares a venda de moqueca, catado, caranguejo, guaiamum, camarão, vatapá, caruru. Conhecer Belmonte foi diferente novamente, pois a UNEB- campus XVIII está localizada em uma região dominada por Mineiros, Capixabas e Estrangeiros todos majoritariamente brancos, atraídos pelo progresso econômico da celulose e do turismo para a região, a maioria localizados nas cidades de: Porto Seguro, Cabrália onde predomina o turismos e Eunápolis pela industria da celulose. Com isso, quando cheguei em Belmonte o cenário foi diferente, pois lá pude perceber a população negra, na estética, na comida, na religião, nas festividades e no dia a dia. Esta minha estadia em Belmonte, foi justamente no período do carnaval, e foi justamente quando conheci a brincadeira das Negras Africanas ou “As nagôs” como são popularmente conhecidas na cidade, foi através do seu samba, sua batida dos tambores, no carnaval, me levou para um tempo e lugar que eu ainda não conhecia e que me atravessaria e me levaria para esta pesquisa. Pois foram elas um o ponto chave do surgimento da produção deste trabalho, pois somente nesta cidade vi as brincadeiras de afoxés, blocos afros e candomblé de rua, práticas negras que cresci vivenciando com os meus familiares e foram delas que aprendi sobre minha ancestralidade, sobre o que é ser mulher negra e sobre como sobreviver neste corpo enegrecido.

aquelas mulheres também negras, foi perceber que os nossos fluxos continuam correndo, construindo e desconstruindo modos de ser e viver na diáspora negra baiana, mostrando-me os caminhos que o movimento negro no mundo provoca. Pois ao mesmo tempo em que trouxe as lembranças dos afoxés e blocos afros de Salvador, realidade enegrecida que cresci dentro da cidade de Salvador por vinte e cinco anos. Como filha de pais camelô, sobrinha de baianas de acarajé de também camelôs. Cresci ouvindo Edson Gomes, Ilê Ayê, Muzenza, Olodum dentre outros grupos negros de música, influência cultural que colaborou com a minha formação pessoal e coletiva, pois ficava encantada ouvindo as histórias sobre a África, os africanos e afrodescendentes que as músicas cantavam, sentia que a minha negritude era “bonita de se ver”, entendia a partir das músicas que nos negros e negras também foram protagonistas da história, aprendi que lutamos e não nos curvamos ao racismos e as opressões que sofremos ao longo dos séculos, foi então a partir deste processo de aprendizagem que busquei realizar esta pesquisa, agora atravessada pelas Nagôs Africanas de Belmonte.

É perceptível a forte expressão em suas narrativas referindo-se aos elementos africanos e afro-brasileiros, as saudações aos orixás em suas músicas, danças, roupas e nas batidas dos tambores que trazem as cadências presente nos candomblés, assim pode-se perceber estes elementos simbólicos presente em suas práticas. O afoxé das Nagôs Africanas é composto majorita O encontro com a brincadeira das Nagôs riamente por mulheres, a maioria delas são adeptas as Africanas provocou vários outros encontros confi- casas de candomblé e Umbanda da cidade as que não gurando-se em uma verdadeira encruzilhada, pois ali, são adeptas regulares são simpatizantes e costumam percebi o encontro com a minha história de vida e ir nos festejos das casas. A idade das componentes do ancestralidade sendo cantada e performatizada por bloco varia entre 05 à 80 anos.


A brincadeira das Nagôs é uma das mais antigas da cidade de Belmonte, Dona Dezinha, nos relata que Ela passou a organizar a brincadeira depois do falecimento do marido, que ficou responsável logo depois do falecimento de sua Mãe, e assim ela fez também. Dona Deza já tem mais de 30 anos organizando a brincadeira. As mulheres das Nagôs são marcadas pelas relações de gênero e pela categorização de raça e classe, por se tratar de mulheres trabalhadoras rurais e urbanas, negras, marisqueiras, donas de casa, estudantes de escolas públicas, moradoras dos bairros populares, são meninas e mulheres negras marcadas profundamente pelas linhas raciais e sociais desta sociedade onde predomina modelo euro-americano referenciado no patriarcado e na manutenção pela e na exploração racial. A presença masculina no bloco só ocorre com a presença dos cambones que são os tocadores dos tambores ou atabaques como são conhecidos entre as praticas musicais e religiosas na Bahia, porém esta função de tocador no afoxé das Nagôs não esta reservada exclusivamente para os homens, entre está Soleni, uma jovem de 25 anos, moradora da Biela, nasceu e cresceu dentro de Belmonte, aprendeu a tocar atabaque com seu Avó Donga bem novinha já aos 5 anos de idade, um dos organizadores de outras brincadeiras negras em Belmonte como Os Africanos e Os Negros mirim. Soleni é também sobrinha de Dona Dezinha, quando vi Soleni fazendo parte dos tocadores fiquei bastante surpresa e durante uma das conversas que tive com Dona Dezinha perguntei a Ela sobre a presença de Soleni e a resposta dela foi direta e objetiva,

“Mas só ela de mulher que pode tocar?

Dona Dezinha: Só ela, porque só ela que sabe?! As outras não sabem”



Com isso como afirma Dona Dezinh, Soleni esta en- nado como uma forma de valorizar os conhecimentre os cambones pelo seu saber de tocadora. tos e experiências no meio da cultura popular, assim como sua contribuição na difusão e manutenção de Seguimos nas batidas de Soleny e retornamos manifestações tradicionais populares. a Dona Deza ou Dezinha como costuma ser chamada pelas amigas, Ela é uma senhora bem reservada de A companheira de Dezinha no processo de poucas palavras com quem não é do seu ciclo de ami- convidar as mulheres e os combones, de ir na Prefeizade ou com quem ela não se sinta à vontade. Dona tura de organizar o grupo é Dita, sua amiga a mais de Deza atualmente frequenta regularmente o candom- vinte anos, Dita além de amiga também é da mesma blé de Ujuarí seu pai de santo, ela disse em sua pri- casa de candomblé que Dona Dezinha, o que estreita meira entrevista que já andou por muito candomblé e ainda mais a amizade delas, Benedita, é uma senhoque atualmente está nesse agora. A mesma dedicação ra de mais de sessenta anos, moradora de Belmonte, que ela tem pelo Bloco ela tem pelo candomblé. Dona já trabalhou na mariscagem e atualmente trabalha em Deza que faz a organização, desde pensar as cores das um sítio de veraneio em Guiaú distrito de Santa Cruz roupas, as contas utilizadas pelas baianas, os detalhes Cabrália. É uma simpatia de pessoa, sempre bem sordas roupas das Porta estandartes, Ela sai junto com ridente recebe muito bem a todos que chegam para Dita sua amiga de mais de 25 anos de amizade, de casa conversar sobre as Nagô, porém é um pouco tímida. em casa convidando as mulheres para participar principalmente as que já estão no grupo a muito tempo, Seguindo os movimentos das Nagôs, enconalém das baianas Elas vão juntas convidar os canbo- tramos também outras mulheres pertencentes ao grunes para tocar é neste momento que alguns homens po que estão no grupo a partir dos laços de amizapassam a integrar o grupo. de, religiosidades, respeito e carinho pela brincadeira. Dentre elas temos Dona Quelé ou somente Quelé Dona Dezinha é a responsável pelo apito, como é chamada pelas Nagôs, reside no Bairro da objeto que dentro da organização do afoxé é o que Biela já a muito tempo, Ela acompanha a brincadeiras orienta os integrantes e a percussão nos toques e nas desde o tempo que o marido de Deza organizava, e de músicas que serão tocadas. Portadora e propagadora lá pra cá não deixou mais de dançar nas nagôs, ela é dos saberes da cultura popular negra, Dana Dezinha uma senhorinha seus 85 anos, nascida em um distrito além de organizar a brincadeira das Nagôs Africanas de Belmonte, mas criada na cidade. também organiza o um dos grupos de Boi Duro, mais bonito, digo isso, pois já teve varias premiações dentro Quelé é uma das baianas das pontas que fica e fora da cidade, a festa do Boi Duro acontece durante próximo aos tocadores, ela junto com Railda são as os festejos de São Sebastião no mês de janeiro. Nes- que iniciam as coreografias que serão realizadas, Quese sentido podemos reconhecer dona Dezinha como lé, neste carnaval de 2019, durante uma conversa miuma Mestra da Cultura popular, que segundo, Lago, o nutos antes da saída do bloco sair na sala da casa de termo mestre ou a mestra da cultura popular é desig- dona Dezinha, relatou que seguirá nas Nagô até quan-

do tiver vida e saúde pra brincar. Railda Bonfim dos Santos, sua relação com as Nagôs foi construída e entrelaçada ainda quando ela era menina durante sua adolescência, quando acompanhava sua Mãe Dona Angelina, que já é falecida do lado de fora da roda. Dona Railda, lembra quando sua Mãe levava ela e as irmãs para acompanhá-la na brincadeira, e assim ela foi pegando gosto também, prática que ela também desenvolveu com suas filhas e netas. Dona Railda assim como sua mãe, também leva suas filhas e netas para a acompanharem ela nos desfiles das Nagô, a sua Netinha Emanuelle tem apenas dois anos de idade e já vai aos desfiles e apresentações vestidas nos trajes de baiana Nagô como pode ser visto na imagem a seguir, Emanuelle esta vestida de Nagô para sair no desfile do carnaval. Essa fotografia foi enviada por sua avó Railda. Dona Detinha, uma senhora de mais de oitenta anos, ela é prima de Dona Dezinha, esta na brincadeira das Nagôs desde quando a Mãe de Dezinha fazia nas ruas da Biela, época em que as ruas ainda não eram pavimentadas. Detinha vem brincando nas Nagô desde quando morava em Canavieiras, município vizinho a Belmonte, a fronteira que o separa de Belmonte é o rio Jequitinhonha.



“A senhora conheceu as Nagô quando, Dona Detinha? Detinha: Ah! Mia fia...( risos) derde que eu brinco Nagô morei em canavieiras brinquei nagô até não querer mais, vim pra qui, sai de lá entrei nas nagô de Zezé, das nagô de Zezé aqui... até quando elas me quiserem né!”



Detinha, é vizinha de Onorinda na Biela, a sua ida e participação na brincadeira é um pouco limitada devido as suas vistas, devido a uma catarata ocasionada pela idade, com isso, Ela só sai acompanhada que normalmente é por Onorinda que por estar ali próximo e também devido os laços de amizades existentes entre elas. Onorinda é a baiana do meio fica em destaque pois sua roupa é toda branca e é ela quem carrega o tabuleiro, a baiana do meio, segundo Dona Onorinda, representa as negras de ganho, do tempo do cativeiro e do pós-abolição. A baiana, explica Dona Honorinda: Onorinda: “representa a força da mulher em ter tido a inteligência de ir pra rua vender seus quitutes e sustentar a sua família já que não foi dado nada ao negro quando foi liberto ”. Dona Honorinda é uma mulher de personalidade forte e envolvida na brincadeira desde também desde sua adolescência quando ainda morava em Canavieiras. Ela é nascida em Belmonte, atualmente reside na Biela, mas passou boa parte de sua infância e adolescência em Canavieiras, município vizinho separado pelo Rio Jequitinhonha. Ela é Mãe de quatro filho, durante sua juventude viveu em belo Horizonte com seu esposo que já é falecido, durante esse tempo que lá morou, cursou na Universidade Federal de Minas Gerais, o curso de Estudo Sociais. Só retornou para Belmonte devido a um grave problema de saúde de seu Pai, motivo que a fez retornar e fixar-se de vez em Belmonte. No meio da roda junto com Onorinda está Maria Caroline Reis Rocha, uma das Porta estandarte da Nagô. Carol como e chamada é filha de Oxum, orgulho que é emanado quando fala sobre a sua religião e sua pertença as Nagô, pois foi neste grupo de mulheres negras que Carol encontrou força e lugar para profanar a sua religião sem medo e com orgulho. Carol fala da Nagô com muito orgulho e paixão no olhar, uma menina de voz doce como as águas de Oxum e olhos cor de mel como o dourado da sua mãe. Carol iniciou no grupo ainda muito nova aos 5 anos de idade, pois por ser moradora da mesma rua de Dona Deza ela cresceu assistindo os ensaios e desfiles que acontecia também na porta da sua casa.








































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