Relatório de Estágio II

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL DA BAHIA INSTITUTO DE HUMANIDADES, ARTES E CIÊNCIAS COLEGIADO DE LICENCIATURA INTERDISCIPLINAR EM ARTES E SUAS TECNOLOGIAS

KAUAN SANTOS ALMEIDA

RELATÓRIO DE ESTÁGIO I SUPERVISIONADO

PORTO SEGURO - BAHIA 2018


MANIFESTO NOTURNO I Abandonar as certezas do imediato a aparência vestida de uma inspeção do amanhã. Despir lentamente o corpo como quem faz um streptease para o silêncio. Aprender a ouvir gritos, vozes e corações esburacados pela mesmidade do reconhecimento. Este manifesto é um espaço-tempo de intensidades que sonega à identidade e naufraga nas composições desterritorializadas : livres de uma aprendizagem liberal da liberdade. Este manifesto vive à noite como quem sabe dos caminhos prostituídos que cafetinam currículos aos signos dos valores.

Eu, mestiço, 2017. Jonathas de Andrade / Acervo IMS


II Este manifesto não é uma receita, não prescreve, não é forma é força. Abre-se, não sem esforço, para qualquer coisa que seja trêmula, ambivalente e incerta. Um traço de algo que deixa de ser quando se enuncia. É devir-minoritário, movimento, linhas de fuga e campos de força. Presta à educação como uma bomba ou uma pomba branca da guerra. Este manifesto é hospitalidade radical recebe a todas sem inquirir sua identidade e nunca diz adeus, apenas deixa partir.

Eu, mestiço, 2017. Jonathas de Andrade / Acervo IMS


III É Exu e Pomba Gira, bem e mal. Habita no entre-lugar, nas conjunções, no interdito. É aquilo que não delineia a imagem, pois, não se sabendo pode vir a ser pensamento-sem-imagem e corpo-sem-órgãos. Filosofia, Educação, Cinema, Fotografia, Música, Poesia. É, também, violência, pois força-nos a pensar o impensado. Exigir o impossível. Imaginar o pós-fim, tal qual um corpo devir-negro que se faz e desfaz ao acaso. Este manifesto é um vestígio, uma pista, uma pegada, um coelho que leva Alice ao País das Maravilhas ou Lima Barreto deitado bêbado na sarjeta.

Bater o bába na lama. 2016. Kauan Almeida. Fotografia


Fora os que algarismam os amanhas! (Pauliceia Desvairada, Mario de Andrade)

Bater o bรกba na lama. 2016. Kauan Almeida. Fotografia


ESTAGIO (S.M.) Estágio do latim medieval stagium, fase, período preparatório, etapa do ciclo vital de plantas ou animais. No sentido jurídico, período no qual o funcionário público é submetido a exames com o fim de auferir sua aptidão para o ofício ao qual se candidatou. O francês stage (cujo primeiro registro é de 1630) veio a designar estada que um cônego deve fazer durante certo tempo num local de sua igreja antes de poder desfrutar das honras e da renda de sua prebenda. Mudou depois para estage, consolidando-se como étage, estada, demora, permanência, residência, morada. No começo do século XIX, o francês já tinha stagiaire, que no fim do mesmo século passará ao português como estagiário, designando estudante ou profissional que durante certo período presta serviços com o fim de adaptar-se a novas funções ou a aprender novas habilidades. Também as partes descartadas dos foguetes que levam para fora da atmosfera a nave espacial são chamadas estágios.

fonte: Origem da palavra estágio <https://hridiomas.com.br/origem-da-palavra-estagio/> Acesso em: 11/12/2018


ATO I SENTAR-SE (EM CIRCULO) O círculo se dispõe em uma unidade infinita em si. É uma unidade sem início e sem fim, independentemente da posição escolhida, habitamos sempre o meio. Assim, espacialmente, nos deslocamos em perspectiva e temporalmente estamos nômades. Admitindo que a escolha de onde sentar é da ordem do acontecimento, pois é uma experimentação, a (des)ordem do círculo é uma proposta ao devir, à criação.



ATO II A BONITEZA DE UM SONHO É da ordem do neoliberalismo a fabricação da liberdade, assim como o seu consumo. O liberalismo é um vórtice de governamentalidade que não lida com coisas, mas com desejos. Produção, consumo, organização. Uma grande máquina que faz-ver-e-falar sobre a liberdade como ofício. Eternos produtores de instrumentos que juram a liberdade é o que somos. Eternos consumidores de instrumentos que juram a liberdade é o que somos. Mas há um ponto entre tais juras que possibilita a fuga, a arte de educar reside em um movimento de agenciamento que causa rupturas na mecânica da máquina neoliberal.


PEGADAS.jpeg



ATO III A SALA DE AULA Como um mapa, a sala de aula é um espaço aberto e modificável sempre. Seu espaço não se restringe a quatro paredes e uma lousa, como comumente é descrita, mas se amplia para além dos muros. Corredores, pátios, quadras, portões, banheiros, sala de direção, secretaria, comunidade, etc., são todos espaços possíveis de rotas da sala de aula. Uma sala de aula, assim como um mapa está, antes de mais nada, aber-

Fotografia Parede de Lambes, 2018.

ta a construções variadas de sentido.


ATO IV EXPERIENCIAS “O sujeito da experiência é como um território de passagem, como uma superfície de sensibilidade em que algo passa e que “isso que me passa”, ao passar por mim ou em mim, deixa um vestígio, uma marca, um rastro, uma ferida. Daí que o sujeito da experiência não seja, em princípio, um sujeito ativo, um agente de sua própria experiência, mas um sujeito paciente, passional. Ou, dito de outra maneira, a experiência não se faz, mas se padece” (Jorge Larrosa, 2011)


ATO V OFICINANDO As estudantes do Colégio Municipal do Cambolo, durante a oficina “Afetos Diaspóricos” nos atravessaram a partir daquilo que de mais belo e intenso existe, a singularidade. Os afetos, de fato, são experiências diaspóricas, pois, transitam por diferenças, se constituem em pura intensidade, pensamentos nômades que recusam o dado, o pronto. Querem construir conosco outras rotas, imaginar novas possibilidades. A oficina, no fim, foi de uma simplicidade que se tornou profunda, lisa e bélica.


Queria

que

Deus ouvisse a minha voz Num Mundo Mágico de Oz (Racionais MC’s, Mágico de OZ, 1997)


Foto 1. Oficina: As Diรกsporas do Afeto, 2018.


Foto 2. Oficina: As Diรกsporas do Afeto, 2018.

Foto 3. Oficina: As Diรกsporas do Afeto, 2018.


RELATÓRIO DE ESTÁGI

PORTO SEGU 20


IO II SUPERVISIONADO

URO - BAHIA 019


O que ĂŠ perder o las que nunca o

ĂŠ a rostidade pa

das a fabricar pos brevivĂŞncias

onde

cola corta gente


Mundo para aquetiveram? O que

ara sujeitas forรงa-

ssibilidades de so-

e

a

mรกquina-es-

a todo momento?


ATO VI DO LOCAL O estรกgio supervisionado II teve como um dos itinerรกrios o Instituto Federal da Bahia (IFBA), Campus Porto Seguro. Localizo enquanto itinerรกrio pela impossibilidade de centrar uma anรกlise tendo como espaรงo somente as fronteiras do Campus. O corpo foge.


ATO VII DA INVESTIGACAO As aulas observadas aconteceram nas quintas-feiras, o eixo-temático compreendia as linguagens artísticas contemporâneas.


Trans-fixed, 1974


CHRIS BURDEN


ATO VIII CONVERSACOES Durante a aula, enquanto a professora fala sobre artistas contemporâneas, duas estudantes falam sobre a “atitude escrota do rapaz da loja”. Em seguida, silêncio. A professora continua a aula enquanto outras aulas habitam o mesmo espaço. Quantas aulas cabem em uma sala?



ROSANA PAULINO ASSENTAMENTO, 2013


Entre os anos de 1865 e 1866, o cien-

Paulino realizou costuras desencontra-

ma de corpo colonial e consequente-

tista zoólogo criacionista suíço Louis

das nas fotografias, segundo ela, os

mente, fora do discurso que produz o

Agassiz encomendou de Augusto Stahl

desencontros das costuras represen-

ser humano como ontológico. A este

fotografias de africanos escravizados

tam a impossibilidade de o corpo negro

espaço de desumanidade, ele nomeia

no Brasil. O objetivo de Agassiz era ca-

refazer-se por completo, pois no mo-

como zona do não-ser, isto é, “uma re-

talogar os biótipos dos povos africanos

vimento de reconstrução, sobram-se

gião extraordinariamente estéril e ári-

para comprovar sua tese de superiori-

marcas inadaptáveis, marcas transferí-

da” (p. 28) que prorroga a humanidade

dade da etnia branca. Stahl vivia no Rio

veis de uma ferida ancestral que carto-

ao ser sobredeterminada pela fantasia

de Janeiro e, assim como encomenda-

grafa a carne.

colonial .

do, produziu uma série fotográfica que

Em Crítica da Razão Negra, o filósofo

dissecava os corpos africanos em três

camaronês Achille Mbembe (2014) re-

posições: frente, perfil e costas. Pouco

constitui o processo histórico do termo

mais de um século após os retratos, a

negro, o que remete a origem ibérica,

artista visual Rosana Paulino produziu

tendo seu uso apenas no início do sé-

a exposição Assentamento, no Museu

culo XVI, mas com maior recorrência

de Arte Contemporânea Americana,

no século XVIII, período da expansão

que se utilizava das fotos retiradas por

do tráfico transatlântico de escravos.

Stahl para reatualizar o paradoxo do

Segundo ele, o termo em si é insufi-

poder: as fotos que objetivavam comprovar a inferioridade do negro, passaram a potencializar, em um mundo pós-colonial, a fala e a imagem como possibilidade de denúncia e ruptura da linearidade da narrativa europeia a partir do próprio africano escravizado (PAULINO, 2013).

Rosana Paulino. Assentamento (2013)

As imagens, como retratadas por Stahl, servem a um projeto colonial com suas crenças centradas na ideia de superioridade, pois assentam o negro à degradação e deterioração, representando o corpo negro ao que Fanon (2008) cha-

ciente para uma lógica de exploração, contudo, reveste os povos africanos de uma “ganga de disparates de alucinações que o Ocidente (e outras partes do mundo) urdiu (MBEMBE, 2014, p. 76). A este disparate de alucinações, Mbembe (2014) descreve como um invólucro


exterior ao corpo negro que cria um

jo e impede uma possível imaginação

colonização para além das visibilidades,

conjunto de membros rígidos e calci-

“fora da destruição criativa do capita-

o que remete a outra de suas obras da-

ficados, algo como uma casca que se

lismo” (NATALIO, 2017, p. 3). Por isso,

tada de 1995, onde uma mulher negra

produz como uma segunda ontologia

o modo como borda sobre o corpo da

vestida de branco aparece de costas a

, uma ferida de consumo de vida, um

mulher negra é desconfortável. As li-

um espelho, logo abaixo duas gravu-

veneno que exerce efeito sobre quem

nhas se cruzam, se torcem, puxam

ras, a da esquerda uma silhueta com

o fabrica, destila e consome. Portan-

parte dos seios, destorcem e produzem

trajes de casamento, a da direita algo

to, negro deixa de ser um mero “ter-

assimetrias e desencontros.

que me parece ser uma executiva. So-

mo” classificatório para tornar-se uma

A dupla produção da invisibilidade,

bre a imagem a questão que dá nome

fantasmagoria de existência quase au-

isto é, a negrura da pele e a femini-

à obra: “é tão fácil ser feliz?”.

tônoma que produz a negritude e, por

lidade do corpo. Enunciados coloniais

Aqui, Rosana traz à tona o padrão ca-

consequência, sujeitos racializados e

de identificação à força, táticas de des-

pitalista que implica às máscaras bran-

corpos exploráveis através da tripla

potencializações. Genocídios calcados

cas, apontadas por Fanon (2008),

estratégia: ossificar, envenenar e cal-

na anulação da diferença. Todos estes

máscaras estas que são significadas

cificar.

elementos estão presentes em Assen-

como o único meio possível de felici-

tamento, todos reinventam os corpos

dade, uma quebra da individualidade e

Reclamar a humanidade a partir de

que insistem em sobreviver a partir

cerceamento do desejo. O corpo afri-

uma construção artepolítica é uma das

das suas próprias invisibilidades. Rosa-

cano é, portanto, anulado dos sentidos

ferramentas de legitimar outras visões

na Paulino se utiliza de uma ação pre-

da linguagem, o corpo bruto e colonial.

de mundo, estas negligenciadas pelo

dominantemente feminina, o bordado,

centro, mas, muitas vezes, transbor-

para reconstruir o corpo colonial e lem-

dantes às margens. Paulino revisa as

brar a todos que as feridas coloniais

arestas ontológicas que separam por

ainda doem.

ficcionalidades dimensões do ser e do

O coração e o útero sobre o corpo da

não-ser, onde, a ultima é atravessada

mulher negra trazem à memória o afe-

por uma antipolítica que reduz o dese-

to e a sexualidade, ambos ensaiando a

REFERÊNCIAS BHABHA, H. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2005. FANON, F. Os condenados da terra.


1ª Ed. 1961. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2005. FANON, F. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008. MBEMBE, A. Crítica da razão negra. Lisboa: Antígona, 2014. MBEMBE, A. Necropolitics. Public Culture, 15, 2013, p. 11 – 40. NATÁLIO, R. Acabar o mundo, torcer o mundo. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2017, pp.1 - 38 PAULINO, R. Assentamento. [Instalação em técnica mista (impressão digital, desenho, linóleo, costura, bordado, madeira e vídeo)] São Paulo: Museu de Arte Contemporânea Americana, 2013 PAULINO, R. É tão fácil ser feliz? [bordado sobre o tecido] São Paulo, 1995.


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