Tombamento vila vicentina

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TOMBAMENTO DA VILA VICENTINA DA ESTÂNCIA

LEITE, KELMA PINHEIRO E-mail: kelmapinheiro@yahoo.com.br

RESUMO A análise realizada nesta pesquisa resultará do estudo do processo de tombamento da Vila Vicentina da Estância localizada em Fortaleza, Ceará. A vila possui cerca de 40 casas populares e uma capela, além de ampla área de convivência comum aos moradores, e foi construída na década de 1940 inicialmente para idosos. Fortaleza apresentou, no último século, intensa expansão territorial em seu processo de urbanização. A cidade passou por um rápido crescimento demográfico decorrente, sobretudo, pelos fluxos migratórios campo-cidade induzidos pelas constantes secas no interior do estado e pela concentração de investimentos e infraestrutura na capital. Em Fortaleza, as primeiras ações de assistência aos que moravam precariamente na cidade foram implementadas pelas comunidades religiosas do município e, posteriormente, incentivos governamentais para a construção de vilas operárias. Parte dessas construções ainda existem no município de Fortaleza, tendo havido modificações progressivas de maior ou menor intensidade, mas que retratam um modo de morar de uma parcela da população carente. Na contramão da instalação de conjuntos habitacionais periféricos em bairros dormitórios ou gasto excessivo com aluguel, a Vila Vicentina da Estância encontra-se em uma região, hoje, central e com baixo custo de aluguel. Com a expansão urbana da capital, essa área tornou-se extremamente valorizada. Há meses, os moradores da Vila Vicentina da estância vêm sendo assediados para deixar o local, pressionados pelo mercado imobiliário. Acontece que a Vila Vicentina da Estância é uma Zona Especial de Interesse Social – ZEIS, conforme determinado pelo Plano Diretor Participativo de Fortaleza (lei 062/2009). Sendo ZEIS, a área está protegida para regularização fundiária da comunidade que lá habita através de investimento do poder público, e o caso está sendo acompanhado pela Comissão dos Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, Ministério Púbico, conselhos estaduais e municipais de proteção aos idosos, além de órgãos da Prefeitura, como Habitafor, Seuma e Iplanfor. Contudo, no segundo semestre de 2016, foi iniciada a demolição de parte das casas por determinação da justiça, tendo o processo de demolição parado apenas com a solicitação de tombamento do conjunto. Palavras-chave: Patrimônio; Zonas especiais de interesse social; arquitetura; Vila Vicentina da Estância

IX Mestres e Conselheiros Agentes Multiplicadores do Patrimônio Belo Horizonte/MG de 21 a 23/06/2017.


Introdução A análise realizada nesta pesquisa resultará de estudo arquitetônico e urbanístico da Vila Vicentina da Estância construída na década de 1940 na cidade de Fortaleza (Ce), inicialmente para idosos, a partir do levantamento morfológico de unidades habitacionais, pesquisa documental e bibliográfica, bem como de uma aproximação com a comunidade e com as famílias. Com 42 casas populares, conjugadas, com tipologias e áreas diferentes, uma capela e, na sua área central, um grande pátio arborizado transformado em um amplo quintal de intenso uso comunitário, para onde dão os fundos das residências, a vila forma um importante conjunto de relevância arquitetônica, urbana, morfológica e ambiental. A partir da compreensão das variáveis que relacionam a tipologia e morfologia das moradias e a identificação dos processos de autoconstrução e reformas, pode-se ter um entendimento conceitual e, talvez, evolutivo para propostas arquitetônicas personalizadas para o público desta realidade. Fortaleza apresentou, no último século, intensa expansão territorial em seu processo de urbanização. A cidade passou por um rápido crescimento demográfico decorrente, sobretudo, pelos fluxos migratórios campo-cidade induzidos pelas constantes secas no interior do estado e pela concentração de investimentos e infraestrutura na capital. Esse cenário

conduziu-a

à

condição

atual

de

cidade

mais

adensada

do

Brasil,

e

consequentemente aos efeitos desse processo manifestando-se em um território desigual, com grande número de assentamentos subnormais (MORORO et al, 2015). Em Fortaleza, as primeiras ações de assistência aos que moravam precariamente na cidade foram implementadas pelas comunidades religiosas do município e, posteriormente, incentivos governamentais para a construção de vilas operárias (ANDRADE, 1990). Parte dessas construções ainda existem no município de Fortaleza, tendo havido modificações progressivas de maior ou menor intensidade, mas que retratam um modo de morar de uma parcela da população carente. Esse progressivo processo de alterações, e inevitável testemunho das mudanças do modo de viver e morar dos usuários, confere à construção um sentido de organismo vivo, que cresce, regenera-se e perdura por longos anos, (Habraken, 2000 apud Mororó et al, 2015). Cercada, atualmente, por prédios, a Vila Vicentina é uma das construções mais antigas do Bairro Dionísio Torres. Na contramão da instalação de conjuntos habitacionais periféricos em bairros dormitórios ou gasto excessivo com aluguel, a Vila Vicentina da Estância encontra-se em uma região, hoje, central. Segundo o secretário do Conselho Metropolitano IX Mestres e Conselheiros Agentes Multiplicadores do Patrimônio Belo Horizonte/MG de 21 a 23/06/2017.


da Sociedade São Vicente de Paula, é cobrado de cada uma das 42 famílias um aluguel de R$ 40,001. O bairro onde se localiza a vila, Dionísio Torres, conta, atualmente, com 4.800 domicílios particulares permanentes, uma população da ordem de 15.600 habitantes, e renda média é estimada em torno de R$ 2.700,00 (DUARTE et al, 2017). Com a expansão urbana da capital, essa área tornou-se extremamente valorizada. Há meses, os moradores da Vila Vicentina da Estância vêm sendo assediados para deixar o local, pressionados pelo mercado imobiliário. Acontece que a vila está localizada em uma Zona Especial de Interesse Social – ZEIS tipo 1, conforme determinado pelo Plano Diretor Participativo de Fortaleza (lei 062/2009). Sendo a ZEIS 1 de ocupação, a área está protegida para regularização fundiária da comunidade que lá habita através de um plano integrado de regularização fundiária (PIRF), e o caso está sendo acompanhado pela Comissão dos Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, Ministério Púbico, conselhos estaduais e municipais de proteção aos idosos, além de órgãos da Prefeitura, como Habitafor, Seuma e Iplanfor. Contudo, a própria Prefeitura Municipal de Fortaleza nega, segundo notícia publicada pelo Jornal O Povo2, que a vila encontra-se em uma ZEIS, apesar de constar no próprio site do município (ver figura 1). Figura 1 – Delimitação da ZEIS tipo 1 da Vila Vicentina da Estância

Fonte: www.mapas.fortaleza.ce.gov.br, acesso em 07/05/2017.

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https://www.al.ce.gov.br/index.php/ultimas-noticias/item/59492-09-12-2016-lf, acesso em 20/05/2017

http://www.opovo.com.br/noticias/fortaleza/2016/10/vila-na-aldeota-e-alvo-de-disputa.html,

20/05/2017 IX Mestres e Conselheiros Agentes Multiplicadores do Patrimônio Belo Horizonte/MG de 21 a 23/06/2017.

acesso

em


Apesar do plano diretor participativo de Fortaleza ter sido aprovado em 2009, as ZEIS do tipo 1 não foram regulamentadas até hoje. Para Brasil et al (2017), o conflito principal que resulta na não regulamentação das ZEIS tem relação com o projeto estratégico turístico e de novos produtos imobiliários de Fortaleza. Ainda, na nova Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS), em processo de aprovação, novos instrumentos, como as Zonas Especiais de Dinamização Urbanística e Socioeconômica (ZEDUS), se sobrepõem às áreas delimitadas como ZEIS o que torna maior a ameaça aos moradores (BRASIL et al, 2017). Portanto, essas comunidades continuam ameaçadas de expulsão em decorrência da valorização das áreas onde estão inseridas, como é o caso da Vila Vicentina da Estância. Segundo Brasil et al (2017) foi dado um parecer equivocado por parte da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (SEUMA) no sentido de retirar a comunidade da Vila Vicentina da Estância do zoneamento especial. Este parecer viabilizou a ação de uma empresa de incorporação, que conseguiu retirar cerca de 25% dos moradores, com indenizações irrisórias (R$ 50.000,00 ou um apartamento na cidade Maracanaú, região metropolitana de Fortaleza), antes que o caso fosse tornado público pela mídia e redes sociais e o processo de desregulamentação e expulsão populacional fosse judicialmente suspenso. Ressalta-se que o preço do metro quadrado no bairro Dionísio Torres em maio de 2017 passou para R$ 5.136.003. Segundo uma das moradoras (Fátima Moura), algumas dessas casas foram desocupadas, porque moradores se sentiram constrangidos e pressionados, e aceitaram a proposta. Desde o início das discussões do plano diretor participativo de Fortaleza (PDPFor – Lei Complementar no 062 de 2009), os movimentos sociais, os representantes da academia e as ONGs buscaram garantir no plano e legislações complementares as conquistas estabelecidas pela Constituição Federal de 1988 e pelo Estatuto da Cidade (Lei Federal no 10.257 de 2001). Por outro lado, os setores imobiliários pressionam por garantir potenciais construtivos maiores e inviabilizar, de toda forma, instrumentos que obrigassem o pagamento dos acréscimos. Assim, oito anos após a aprovação do PDP-For, os instrumentos não são efetivos e não têm garantido direitos sociais, permitindo o aumento cada vez maior do potencial construtivo na cidade, inclusive em áreas protegidas por zoneamentos especiais ou ambientais. O que se tem visto é o favorecimento de parte dos

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https://www.agenteimovel.com.br/mercado-imobiliario/a-venda/dionisio-torres,fortaleza,ce/, acesso em 15 de

junho de 2017 IX Mestres e Conselheiros Agentes Multiplicadores do Patrimônio Belo Horizonte/MG de 21 a 23/06/2017.


agentes produtores do espaço em detrimento da parcela menos favorecida da população (BRASIL et al, 2017). A história do conjunto residencial Vila Vicentina da Estância, exemplar de tipologia de vila popular, sediada no bairro Dionísio Torres, acompanha boa parte da história do setor urbano em que se situa possuindo relevância arquitetônica, urbanística, histórica, afetiva - entre outras. Portanto, trataremos do processo de formação, evolução e consolidação do bairro Dionísio Torres e suas dinâmicas ao longo da história. Apesar da recente vocação do bairro de tipologias sócio-ocupacionais de padrão superior (figura 2), a vila vem se mantendo por longos anos. Podem-se apontar diversas questões que contribuíram para a permanência da vila, tais como, os esforços de autogestão e de autoconstrução das progressivas reformas. Figura 2 - Distribuição das tipologias sócio-ocupacionais na RMF

Fonte: Aragão (2010)

A estrutura urbana da cidade sofre algumas transformações a partir da década de 20. Apesar da intensa prosperidade econômica gerada pela industrialização da capital, havia um contínuo movimento de migração da população agrícola do interior do Estado do Ceará para a Capital em decorrência das secas e da falta de apoio governamental, agravando os problemas de habitação em Fortaleza (ARAGÃO, 2010). Os setores oeste e sul da cidade passam a ser ocupados pela população carente fazendo com que algumas famílias de alta renda passem a se deslocar do lado oeste para a área leste da cidade, até então pouco adensada (ARAGÃO, 2010). Em 1930, a capital ultrapassava 125 mil habitantes passando a IX Mestres e Conselheiros Agentes Multiplicadores do Patrimônio Belo Horizonte/MG de 21 a 23/06/2017.


demandar ações no campo habitacional de forma a organizar o crescimento dos assentamentos de retirantes que se formavam na cidade. A classe média passa a investir parte de seu capital em patrimônio imobiliário e, afim de manter uma reserva de capital, a elite proprietária fundiária passa a guardar extensas glebas (figura 3), em áreas que possuem infraestrutura, para valorização das mesmas e os conjuntos habitacionais são implantados nas regiões periféricas, evitando a desvalorização de seu capital imobilizado. Também se observa que as ações governamentais tais como a Fundação Casa Popular das décadas de 40 e 50 estavam direcionadas para a necessidade de impedir a fixação de retirantes da seca em áreas centrais da cidade (ARAGÃO, 2010). Figura 3 – Foto aérea do bairro Dionísio Torres, década de 1960 e nos dias atuais

Fonte: arquivo Nirez/ GoogleEarth

Neste contexto, a Estância Castelo, denominação dada ao sítio onde se implanta a vila Estância Vicentina, localizado no setor leste de Fortaleza, foi adquirido em meados de 1920 por Dionísio de Oliveira Torres, farmacêutico e empreendedor imobiliário posteriormente homenageado com nomeação do bairro partir da vigência da Lei Municipal Nº 3.500, de 9 de dezembro de 1967 (DUARTE et al, 2017). No ano de 1939, Dionísio Torres dá início, formalmente, ao processo de urbanização na Estância dividindo em lotes de 58 hectares de sua propriedade, empreendimento conhecido como Loteamento Terras da Estância Castelo (DUARTE et al, 2017). Dionísio Torres passa a empreender uma série de ações de infraestrutura (vias, caixa dágua e energia elétrica) e, no que tange ao segmento habitacional, Dionísio Torres notabilizou-se pelo seu investimento em vilas populares, com destaque para a Vila Estância, a Vila Zoraide e a Vila Vicentina da Estância. Inicialmente, alugados aos trabalhadores que labutavam nas propriedades de Dionísio Torres. E, posteriormente, parte delas foram adquiridas pelos inquilinos, que, de posse da titularidade de seus respectivos imóveis, passam a neles promover modificações físicas, gerando profusão morfológica e tectônica (DUARTE et al, 2017). Sobre a construção da Vila Estância Vicentina, a página Dionísio Torres descreve: IX Mestres e Conselheiros Agentes Multiplicadores do Patrimônio Belo Horizonte/MG de 21 a 23/06/2017.


“Todas as Administrações Municipais, passadas e presente, devem-lhe o cuidado que teve com a proliferação de favelas que tanto atentam contra a Saúde e que pesados ônus causam ao Município. Homem íntegro e sensível aos problemas sociais, considerava desumano deixar construir casebres nas ruas porque era medida paliativa e precária para solucionar o problema habitacional. Por isso, revelando seu desprendimento, fez em favor da “Associação dos Vicentinos” a doação da quadra de 8.500m² localizada na rua Tibúrcio Cavalcante, esquina com a Avenida Antônio Sales, onde foi construída a “Vila Vicentina da Estância”, com 46 casas, para abrigar idosos desamparados, além de uma capela, ambulatório médico, gabinete dentário, enfermaria, sala do administrador, tesouraria, secretaria e salão de recreação. Em reconhecimento por esse ato e o contínuo apoio financeiro prestado àquela comunidade, a “Sociedade São Vicente de Paulo” lhe conferiu o diploma de “Grande Benemérito da Vila”.”4

Como abordado, a Vila Vicentina da Estância é testemunho de um longo processo de transformação histórica, perpassando as mais diversas fases da urbanização do bairro, carregando, ainda, em sua materialidade, vestígios dessa lenta transmutação. Em contraposição às casas da Vila Vicentina, o acervo da Travessa Benjamin Torres e da Vila Zoraide – apesar de, também, integrar o legado vivo” do fundador do bairro – tiveram grande parte da integridade de seu conjunto e de suas unidades descaracterizadas (DUARTE et al, 2017). A Vila Vicentina da Estância ou Vila Vicentina da Estância, foi construída em terreno de propriedade de Dionísio Torres, sendo por ele doado ao Dr. Raimundo de Alencar Araripe, representante da Sociedade Beneficente São Vicente de Paulo, registrado em 13 de dezembro de 1938. A literatura aponta que as habitações doadas seriam destinadas a acomodar viúvas idosas e seus filhos, assistidos pela Sociedade São Vicente de Paulo. Com o tempo, o ingresso de novos residentes, com os mais diferentes perfis, ocorrerá sob circunstâncias as mais diversas. Como se verá adiante, isso passará a ocorrer de modo mais intenso a partir da década de 1970 (DUARTE et al, 2017). Independentemente de sua configuração primordial, a vila passa a ser conhecida por agregar um conjunto de cerca de 40 casas, inicialmente idênticas e espelhadas. Todavia, motivado, em especial, por vetores atuantes endógenos, o programa da Vila Vicentina passou por diversas mudanças ao longo das décadas. Em ocasiões diferentes, este chega a incorporar um ambulatório médico; uma enfermaria; um espaço para educação; um gabinete dentário; um espaço de recreação; e uma administração composta de sala para o administrador, tesouraria e secretaria, entre outros ambientes e a construção nos antigos vazios, dando lugar a uma nova tipologia habitacional. O acesso externo principal ao seu pátio interno era (e ainda é) realizado por um portão, voltado para a Rua Tibúrcio

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http://www.dionisiotorres.com.br/ohomem.html, acesso em 20/05/2017 IX Mestres e Conselheiros Agentes Multiplicadores do Patrimônio Belo Horizonte/MG de 21 a 23/06/2017.


Cavalcante. Este pátio interno comunitário, com o tempo, ganha destinação de uso exclusivo aos residentes da vila, que aproveitam o vazio como área de transição para extensão de varais ou para a prática de eventos e de lazer (DUARTE et al, 2017).

Processo de tombamento A Vila Vicentina da Estância, objeto desta pesquisa, ocupa a totalidade de um quarteirão, definido ao norte pela Rua Dom Expedito Lopes, a oeste pela Rua Nunes Valente, a leste pela Rua Tibúrcio Cavalcante, e ao sul pela Avenida Antônio Sales, apresentando um desnível de cerca de seis metros no sentido sul-norte. O local conta com boa infraestrutura urbana em quase sua totalidade, um dos motivos de sua valorização imobiliária, uma vez que seus lotes dispõem de rede de abastecimento de água, esgotamento sanitário, energia elétrica, coleta de lixo, etc. Está inserida na zona de ocupação consolidada, ZOC, conforme PDP-For/2009. Durante os levantamentos, constatou-se que as residências possuem área muito variadas, que vão de 32,00 metros quadrados a 110 metros quadrados e programa de necessidades reduzido: único pavimento térreo, constituído de 02 quartos, 01 banheiro, cozinha, sala de estar, e área de serviço. No dia 28 de outubro de 2016, doze casas da vila foram demolidas com mandado de reintegração de posse (ver figura 4), a despeito de ser uma ZEIS do tipo 1, conforme já dito acima. Contudo, ainda na mesma data foi suspenso o mandado de reintegração de posse tendo em vista que foi considerado precipitado e imprudente a demolição das casas. A reintegração de posse havia sido solicitada pelo Conselho Central de Fortaleza da Sociedade de São Vicente de Paulo, porém, segundo a advogada do Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar, provavelmente há uma negociação arbitrária entre o Conselho e uma construtora-incorporadora de Fortaleza. Figura 4 – demolição de casas na Vila Vicentina da Estância

Fonte: a autora. IX Mestres e Conselheiros Agentes Multiplicadores do Patrimônio Belo Horizonte/MG de 21 a 23/06/2017.


Segundo o escritório de direitos humanos, a venda do terreno não é possível, pois o Conselho Central de Fortaleza da Sociedade de São Vicente de Paulo ainda está reinvindicando na Justiça o título de propriedade. Ressalta-se que a demolição ocorreu sem acompanhamento de técnico responsável. Em setembro de 2015, a Secretaria Regional II concedeu ao proprietário (Sociedade São Vicente de Paulo) documento autorizando a demolição das casas, porém essa autorização foi revogada pois o responsável pelo terreno não cumpriu com termo de compromisso firmado junto à Prefeitura Municipal de Fortaleza 5. Para evitar a retirada de mais moradores e demolição das demais casas, foi solicitado ainda no ano de 2016 o tombamento provisório (que tem os mesmos efeitos do tombamento definitivo) junto à Secretaria da Cultura de Fortaleza (SECULTFOR). Com o tombamento provisório, o grupo denominado resistência Vila Vicentina – formada pelos moradores que lutam pela permanência - ganhou fôlego e passou a promover uma série de oficinas no local (oficina de dança de salão, bordado, jogos e outros) para garantir visibilidade à questão. Em 22 de maio de 2017, foi apresentado à Secultfor a instrução de tombamento definitivo. Entretanto, não há previsão para a resposta da prefeitura e Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Histórico-Cultural (Comphic), mas o fato do órgão receber o pedido de tombamento mostra que os órgãos competentes estão cientes da importância da preservação da Vila que existe desde da década de 40. A elaboração da instrução do tombamento da Vila Vicentina, como patrimônio municipal, está fundamentada nos artigos 9º e 10 do Capítulo III da Lei Municipal Nº 9.347, de 11/03/2008, cuja pertinência será analisada pelo município através da Coordenação do Patrimônio Histórico e Cultural da Secultfor. Uma vez entendida a proteção requerida conforme e aprovada pelo Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Cultural - COMPHIC, não só garantirá a permanência do antigo conjunto residencial como o distinguirá como eminente monumento do Município de Fortaleza (DUARTE et al, 2017). A instrução destaca três pontos centrais a fim de justificar o tombamento da Vila Vicentina da Estância: documentação histórica do processo de expansão da cidade para o setor leste, e da tipologia arquitetônica das vilas produzidas na primeira metade do século XX e preservação ambiental e da afetividade construída pelos moradores e seus vizinhos. Do

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http://www.opovo.com.br/noticias/fortaleza/2016/11/pedido-de-tombamento-da-vila-vicentina-e-admitido-pela-

secultfor.html, acesso em 26/05/2017. IX Mestres e Conselheiros Agentes Multiplicadores do Patrimônio Belo Horizonte/MG de 21 a 23/06/2017.


ponto de vista ambiental, a vila é importante para o equilíbrio da temperatura com a manutenção da vegetação em contraponto ao intenso processo de verticalização do bairro. A vila foi desenvolvida de forma horizontal, permanecendo essa tipologia até os dias atuais, caracterizando-se pela singeleza da arquitetura e dos métodos construtivos populares, apresentando algumas descaracterizações do seu desenho original, como por exemplo: alteração do nível das cobertas, mudança de esquadrias, modificação de espaços internos, ampliação de beirais, ampliação para área central, etc. Em sua área central, um grande pátio arborizado é utilizado como amplo quintal de uso comunitário, para onde dão os fundos das residências, com suas áreas de serviço. As casas desenvolvem uma relação direta com as vias não havendo muros de delimitação do recuo frontal, com a valorização dos passeios como espaço não só de circulação como também de permanência, também beneficiados pela recente implantação de arborização de médio porte. Conforme visitas e entrevistas realizadas, seus moradores ainda pertencem, em sua grande maioria, idosos e de baixa renda. Muitos trabalham na prestação de serviços profissionais, muitas vezes ofertados em espaços de suas próprias moradias, tais como: mão-de-obra para a construção civil, marcenaria e carpintaria, corte e costura, doceria e confeitaria, limpeza etc. Para a instrução de tombamento elaborada por Duarte et al (2017), sua presença equilibra e enriquece a convivência entre as classes sociais existentes na localidade. Os mais antigos ali residem há, pelo menos, cinco décadas, relatando, com suas singelas palavras, a trajetória da ocupação territorial do bairro, anteriormente caracterizado como ampla porção de terra densamente arborizada, cortada por picadas que se perdiam mato adentro. O bairro Dionísio Torres, assim como áreas valorizadas da cidade de Fortaleza, assiste à rápida transformação de sua paisagem, com evidentes prejuízos para a sua qualidade ambiental, histórica, afetiva, e de mobilidade. Desaparece assim o seu perfil horizontal e residencial unifamiliar, substituído pelas torres dos condomínios residenciais multifamiliares, e na contínua impermeabilização do solo e na supressão da cobertura vegetal, o que ocasiona alterações negativas no conforto ambiental do setor urbano (DUARTE et al, 2017). Foram recomendadas as ações na instrução de tombamento elaborada pela Universidade Federal do Ceará (DUARTE et al, 2017), das quais destacamos: •

As casas destelhadas e demolidas deverão ser reconstruídas segundo suas linhas originais respeitando estritamente as suas dimensões, sistemas construtivos e estruturais, materiais, cores e acabamentos; IX Mestres e Conselheiros Agentes Multiplicadores do Patrimônio Belo Horizonte/MG de 21 a 23/06/2017.


Recuperação das áreas externas (calçadas, passeios e pisos externos) do conjunto de forma a que se garanta a segurança e o conforto aos seus moradores e aos pedestres e adaptação do entorno à norma de acessibilidade NBR 9050/2015;

Reforma da coberta da capela;

Para as casas que tiveram o seu desenho original descaracterizado ao longo do tempo, será feito um mapa de danos de todas as suas unidades de maneira a corrigir eventuais situações críticas, baseando-se em fontes iconográficas e históricas para que sejam revelados testemunhos fidedignos, produzindo informações para a adequada tomada de decisões projetuais;

Projeto para melhoria da área interna comunitária (pátio) e destaque para marcos comunitários históricos relevantes, tais como, o antigo poço que abastecia o conjunto e o chafariz que atendia à comunidade do entorno. A possibilidade de interligação entre a área comum interna e as áreas externas, assim como a implantação de equipamento social de uso comum, deverá ser analisado e aprovado pela comunidade moradora.

A instrução de tombamento finaliza estabelecendo que toda e qualquer intervenção proposta deverá ser discutida e avaliada, antes da sua execução, em conjunto com os moradores e aprovada pela equipe técnica da CPHC/Secultfor, de forma a garantir que sejam evitadas decisões unilaterais. Ainda, os moradores devem observar o que estabelece a Lei Municipal Nº 9.347, de 11/03/2008, sobre autorizações para intervenções físicas (reformas, acréscimos, supressões, alterações etc.) em bens tombados no âmbito municipal.

Considerações Finais Atualmente, a Vila Estância Vicentina encontra-se ameaçada por interesses imobiliários. O objetivo desse trabalho é divulgar o processo de tombamento e contribuir com as pesquisas referentes ao conjunto. Para tanto, reuniu relatos e fatos ocorridos para embasar a pesquisa realizada. A metodologia adotada consistiu na consulta à estudos acadêmicos, documentos oficiais, publicações, periódicos, portais virtuais, entre outros; e em levantamentos, fotográficos do conjunto residencial; e na realização de entrevistas com moradores da vila. Espera-se que o processo de tombamento seja aprovado pela Coordenação do Patrimônio Histórico e Artístico da Secretaria Municipal de Cultura de Fortaleza – CPHC/Secultfor. Espera-se também que a ZEIS sejam regulamentadas, conforme PDP-For/2009. IX Mestres e Conselheiros Agentes Multiplicadores do Patrimônio Belo Horizonte/MG de 21 a 23/06/2017.


Referências Bibliográficas ANDRADE, Margarida J. F. de S. Onde moram os operários... Vilas operárias em Fortaleza 1920-1945. Dissertação de mestrado em Arquitetura e Urbanismo UFBA, Salvador, 1990. ARAGÃO, Thêmis Amorim. Influência das políticas habitacionais na construção do espaço urbano metropolitano de Fortaleza : história e perspectivas / Thêmis Amorim Aragão. – 2010. 132 f. : il. color. ; 30 cm. BRASIL. Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Brasília, 2001. DUARTE, Romeu et al. Contribuição à elaboração da instrução de tombamento municipal da Vila Vicentina da Estância. 2017. FORTALEZA. Lei Complementar Nº 062, de 2 de fevereiro de 2009. Plano Diretor Paritcipativo. Diário Oficial do Município, Fortaleza, CE, ano LVI, n. 14.020, 13 de MARÇO de 2009. p. 1- 520. MORORÓ, Mayra Soares de Mesquita; PEQUENO, Luis Renato Bezerra; CARDOSO, Daniel Ribeiro. Habitação progressiva autoconstruída: caracterização morfológica com uso da gramática da forma. Arquitetura revista, v. 11, n. 2, 2015.

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