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Nº 19

locação

para filmar

Veja que tipo de autorização é preciso ter para gravar em espaços públicos e privados

Teste

Sony alpha 7s exclusivo

10 dicas para não errar na captação de áudio

nova referência para filmagens

Uma mirrorless com excelentes recursos para vídeo e que chega a incríveis ISO 409.600 Entenda o que é codec e a importância dele

na gravação

Cineasta diletante produz elogiado curta de ficção científica

com R$ 2 mil

Cartão de memória e SSD

Os bastidores da produção de um longa brasileiro, do roteiro

às filmagens

O que há de mais avançado e qual usar para arquivar suas imagens


Locação

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Divulgação/Agência Febre

CAMINHOS E JEITINHOS PARA FILMAR

NO CENÁRIO IDEAL De pequenas a grandes produções, conseguir a locação perfeita para filmar não é uma tarefa fácil. Veja o que é preciso fazer para gravar em espaços públicos e privados POR KARINA SÉRGIO GOMES

A

ntes de iniciar as gravações de Hamlet, um longa inspirado no clássico do dramaturgo inglês William Shakespeare, o filmmaker Cristiano Burlan, de 39 anos, que trabalha há 12 com cinema, planejou fazer uma das cenas em um jardim, mas não conseguiu a locação. Adaptou a passagem para ser feita na Praça da Sé, no centro de São Paulo. Antes de o diretor gritar ação, porém, começou a chover forte. Mais uma vez, ele teve de pensar em uma saída. E precisava ser rápido porque todos estavam a postos. A solução foi correr para a Praça do Patriarca, também no centro da cidade, onde há uma cobertura. “Um guarda veio impedir a gravação, pois não tínhamos autorização para filmar lá. Pedi com educação e ele acabou até nos ajudando e não deixou ninguém atrapalhar a filmagem”, conta Cristiano, que usa o famoso “jeitinho” para driblar a falta de uma autorização oficial.

A atriz Bruna Linzmeyer no filme Rio, Eu Te Amo (2014), que explora várias locações conhecidas da capital fluminense em curtas dirigidos por diferentes diretores famosos

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Locação

O cineasta Cristiano Burlan filmou algumas cenas do seu Hamlet nos vagões de trem em São Paulo sem pedir a autorização da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM)

O Minhocão, na cidade de São Paulo, foi uma das locações de Ensaio Sobre a Cegueira (2008), de Fernando Meirelles

Segundo Eliseu Lopes Filho, professor de cinema da Faculdade Armando Alvares Penteado (FAAP) e orientador de muitas produções feitas pelos alunos, geralmente os órgãos concedem a autorização e também dão o suporte necessário para a gravação. “Esse documento deve ser extremamente detalhado. Você tem de assinalar a rua e em quais esquinas deverão ser realizados os bloqueios; além dos dias e horários precisos de filmagem. Cinema é planejamento. Se essas autorizações demoram de 15 a 30 dias, isso deve 14

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estar previsto no cronograma”, explica. Caso a produção envolva cenas de tiro ou explosões, a Polícia Militar também deve ser avisada com antecedência. Mas quem não quer perder tempo com trâmites burocráticos, como Cristiano, apela para a criatividade e a sorte na hora de conseguir locações para filmes, principalmente nos de baixo orçamento. Quando o espaço é privado, uma das saídas mais comuns é pedir ajuda aos amigos e ver se alguém tem uma cozinha com cara de retrô ou uma sala com bela vista para emprestar.

“Sempre conto com a ajuda de amigos para pegar emprestado um estúdio ou mesmo um apartamento. Depois, credito essas pessoas como apoiadores”, conta Cristiano. O importante, ressalta o filmmaker, é devolver o local emprestado exatamente como o encontrou – uma dica para conseguir colocar tudo novamente no lugar é documentar com fotos antes de a produção chegar para modificar o espaço para a gravação. Entretanto, nem sempre é possível achar o cenário idealizado, o que nunca deve


Fotos: Divulgação

ser um empecilho ou um limitador, segundo Cristiano. “Acredito que o fato de ter de adaptar algo favorece a criatividade”, diz.

ESPAÇO PÚBLICO Se o uso de lugares privados depende da autorização e da cooperação de amigos ou conhecidos, os espaços públicos requerem uma certa paciência para vencer burocracias e obter a autorização para uso. Dessa forma, há uma certa segurança de não ser importunado por ninguém no mo-

mento em que se está filmando. Caso a gravação necessite do fechamento de uma rua na cidade de São Paulo, por exemplo, é preciso pedir permissão à Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e à subprefeitura da região. No site da CET existe a opção para que seja enviado um formulário (também disponível para download no site) detalhado da cena que será realizada no local, com data e horário da gravação (veja em http://migre.me/mqjob). Esse documento deve ser encaminhado ao setor de eventos que, de acordo com o

local e a complexidade de bloqueio, pode levar de sete dias a um mês para conceder a autorização. Conforme o tipo de apoio que se precise no local, é ainda cobrada uma taxa de uso. Os valores cobrados pela CET podem variar de R$ 148,95 para a utilização de uma via local, coletora ou arterial, sem acompanhamento operacional em campo, a R$ 1.747,45, para um bloqueio em via arterial, com acompanhamento operacional de 12 a 24 horas e monitoramento adicional fora do horário da filmagem. FILM MAKER

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Fotos: Divulgação

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Os antagonistas: esq., Hank Schrader (Dean Noris), de Breaking Bad; à dir., dra. Lisa Cuddy (Lisa Edelstein) e Eric Foreman (Omar Epps), de House

As cenas externas do filme Antônia (2009), de Tata Amaral, foram feitas na Vila Brasilândia, bairro de classe baixa na zona norte da cidade de São Paulo

Cristiano afirma que por realizar produções pequenas nunca precisou interditar uma rua ou perturbar alguém. “Meus filmes geralmente são simples, produzidos com poucos profissionais”, informa. Ele diz que, quando gravou em praças e outros locais

públicos, tentou várias vezes obter as autorizações, mas nunca conseguiu. Acabou desistindo de pedir de uns tempos para cá. Contudo, quem quiser fazer tudo conforme o figurino precisa se planejar para pedir a autorização aos órgãos responsáveis para não correr

qualquer risco de tomar uma multa por uso indevido do espaço público. No caso da cidade de São Paulo, a CET informa que, quando uma filmagem for realizada na rua sem sua autorização, dada a interferência no sistema viário e se for necessária a prestação de serviços operacionais extraordinários, os custos referentes a esses serviços serão cobrados do responsável, posteriormente à sua realização, acrescidos de 50%. Com o objetivo de ajudar produtores nacionais e estrangeiros, tanto São Paulo como Rio de Janeiro mantêm escritórios ligados às prefeituras municipais para facilitar alguns trâmites burocráticos. O Escritório de Cinema (Ecine), na capital paulista, e a Rio Film Commission, na capital fluminense, são essas interfaces (veja box). Caco Ciocler em cena do filme 2 Coelhos filmada no Túnel da Avenida Paulista

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As praias do Rio de Janeiro são uma das locações mais exploradas em produções nacionais, a começar pelas novelas feitas pela Rede Globo

A BUROCRACIA Para filmar em parques ou construções históricas, como o Theatro Municipal de São Paulo, é necessário a autorização da administração do local e geralmente é cobrada uma taxa pela utilização do espaço – que será proporcional ao tempo de uso e tamanho da produção. Na cidade do Rio de Janeiro, para gravar em lugares como o Morro do Corcovado, onde está o Cristo Redentor, o produtor Jessel Buss, 65 anos, conta que às vezes é necessário esperar mais de 30 dias para ter uma resposta, que nem sempre é positiva. “Estava na produção do programa inglêsThis Morning e eles queriam filmar no Corcovado. Entramos com o pedido dentro do prazo legal, que são cinco dias úteis. Para tentar agilizar, fomos pessoalmente à administração do parque tentar a autorização, porque já conhecíamos as dificuldades. A pro-

dução ligava de três a cinco vezes por dia e marcava presença no balcão de atendimento diariamente”, conta. No fim, depois de muito insistir e persistir, Jessel e sua equipe conseguiram a autorização de filmagem no maior ícone da cidade carioca. “Conseguimos no último dia. E, reconhecendo o nosso enorme esforço, não cobraram a taxa administrativa”, lembra. Para evitar desgastes como esse e ganhar agilidade nos processos, Jessel recomenda a contratação de um profissional específico: o produtor de locação, que é especializado em achar os cenários ideais e resolver toda a burocracia para conseguir a autorização. Mas, dependendo do setor administrativo do local, nem mesmo um produtor experiente resolve. Bel Aquino, 56 anos, diz que recentemente tem tido dificuldades para filmar no Parque do Ibirapuera, na zona sul de São Paulo. “A autorização para filmar no Ibira-

puera tem demorado quase um mês e geralmente não temos esse tempo para esperar. O que tenho feito é apresentar opções de praças e outras áreas verdes aos clientes”, conta. Segundo Jessel, essa variedade de opções de locações dada pelos produtores é o que faz muitos diretores contratarem esse profissional especializado. “Não é um serviço barato, mas ele vai achar, em pouco tempo, exatamente o cenário que o diretor tem em mente, dando três ou quatro opções de locações, além de resolver a parte burocrática”, diz. Bel, por exemplo, informa que cobra em média R$ 6 mil por trabalho. Por isso, quem toca um projeto com baixo orçamento deve encontrar alguém na equipe de produção que possa fazer esse papel.

COMO É FEITA A PRODUÇÃO O produtor de locação não é uma figura nova. Bel Aquino atua nesse segFILM MAKER

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Fotos: Divulgação

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Os longas Linha de Passe (2008), acima, e O Invasor (2001), abaixo, rodados em São Paulo, precisaram de locações privadas para várias cenas

mento desde o início da década de 1980, mesma época em que montou a empresa especializada no assunto, a Primeira Produção, que mantém com duas sócias. “Sempre tive facilidade em visualizar o que as pessoas queriam. Quando comecei a trabalhar com produção de cinema, a de locação 18

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foi a com que mais me identifiquei. Gostava muito da ideia de bater na casa das pessoas e oferecer dinheiro para elas. Porque geralmente as pessoas só batem na sua porta para pedir dinheiro”, conta a produtora, que hoje tem cerca de 500 espaços catalogados para apresentar aos clientes.

O trabalho desse profissional começa com um briefing detalhado do diretor de fotografia ou do filme. A partir disso, o produtor procurará os locais imaginados. Caso algo fuja de seu catálogo, Bel contrata umfreelancer para ajudá-la na busca do cenário ideal. Encontrada a locação e aprovada pelo diretor, o produtor de locação cuidará do contato com o proprietário, em caso de privado, das autorizações, da entrada e da saída da equipe de produção do local. “O produtor de locação deve ser o primeiro a chegar e o último a sair”, ensina Bel. A responsabilidade pela forma de uso, conservação e limpeza da locação é o tempo todo do produtor da área. Dependendo do lugar, é preciso fazer até um seguro, caso exista o risco de quebrar algum objeto ou danificar piso ou parede. É o produtor de locação quem determina qual banheiro a produção vai usar, as condições técnicas de cada ambiente e os limites do que


SÃO PAULO E RIO TÊM ESCRITÓRIOS MUNICIPAIS DE CINEMA curtas, novelas e outros meios. Já em 2013 esse número pulou para 167. Entre os filmes mais recentes e conhecidos rodados na capital paulista estão Ensaio Sobre a Cegueira (2008), de Fernando Meirelles, com takes rodados na Ponte Estaiada e no Minhocão; e Linha de Passe (2008), de Walter Salles e Daniela Thomas, com cenas na periferia paulistana, como a Vila Brasilândia – mesmo lugar onde foram feitas também filmagens deAntônia(2006), de Tata Amaral. Outros dois filmes que exploram bastante os cenários paulistanos são Não por Acaso (2007), de Philippe Barcinski, e 2 Coelhos(2012), de Afonso Poyart. O diretor paulistano Ugo Giogetti, por exemplo, tem na capital paulista o seu cenário preferido. Nela ele já fez os longas Jogo Duro (1985), Sábado (1995), Boleiros, Era uma Vez o Futebol (1998), O Príncipe (2002), Boleiros 2, Vencedores e Vencidos (2004) e Cara ou Coroa (2012). O Rio sempre ganhou disparado de São Paulo como cenário, a começar pelas dezenas de novelas da Rede Globo e dos

vários filmes de diretores estrangeiros que vieram filmar da Cidade Maravilhosa ao longo de décadas. Mas nos últimos anos, pelo menos no número de longas, a capital paulista encostou na fluminense: em 2013 foram realizados nove em São Paulo contra cinco no Rio. No site do Ecine (http://migre.me/ mrh1r), é possível encontrar todos os contatos úteis para uma produção audiovisual, como da CET, da Secretaria de Cultura, da Ancine, das subprefeituras; as opções de locações da cidade, como áreas verdes e pontos turísticos; e a relação de todos os documentos necessários para solicitar a autorização de filmagem em um espaço público da cidade de São Paulo. Já no site da Rio Film Commission (http://www.rio filmcommission.com), há um catálogo de prestadores de serviço de todo o Estado, que inclui de estúdio a serviço de tradução; opções de locações; um guia sobre como funciona as filmagens na cidade e como proceder; e a relação de algumas obras feitas na cidade.

Divulgação/Agência Febre

riados no mesmo ano, em 2009, o Escritório de Cinema (Ecine) e a Rio Film Commission têm como objetivo ajudar a produção de obras e produtos audiovisuais nas capitais paulista e fluminense. O Ecine nasceu ligado à Prefeitura de São Paulo enquanto a Rio Film Commission era da alçada estadual, mas passou à municipal em abril de 2014. A finalidade é a mesma: atrair e estimular a produção de filmes, novelas, documentários e comerciais na cidade e incentivar outras atividades relacionadas ao universo audiovisual, como mostras, festivais e colóquios. “Uma das mais importantes atribuições que nos foi conferida pela lei é a de intermediar, mediar e, sobretudo, facilitar as relações entre o poder público e os produtores brasileiros e estrangeiros”, explica Arnaldo Fernandes Júnior, administrador da Ecine. Segundo ele, desde sua criação, o número de produções em São Paulo quase dobrou. Em 2009, as ruas e outros pontos da cidade serviram de cenário para 84 produções, entre gravações internacionais, nacionais,

C

John Turturro e Vanessa Paradis em Rio, Eu Te Amo, um dos cinco longas feitos em 2013 no Rio de Janeiro

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Fotos: Divulgação

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A autorização para filmar Encantados, na Restinga da Marambaia (RJ), envolveu longas negociações com diferentes departamentos do Estado

é possível fazer no local. Quando a gravação terminar, ele deve entregar o local exatamente como o encontrou. Em caso de imóveis alugados de moradores, geralmente é também de responsabilidade desse profissional cuidar das pessoas enquanto não puderem voltar para a casa. Bel Aquino conta que, em caso de filmagem noturna (o que é raro, segundo ela), os moradores são hospedados em hotel. Em geral, são feitos contratos por uso de 10 horas durante o dia. O professor Eliseu Lopes, da FAAP, também lembra que certa vez foi preciso mandar uma família inteira passar o dia em um parque de diversão enquanto as filmagens eram realizadas. O que muitos produtores fazem, no entanto, para evitar esse desgaste com os moradores, é procurar por casas à venda ou justamente para aluguel. E, se for necessário interditar a rua por conta dos carros da produção, ge20

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radores e outros equipamentos para a gravação, como montagem de gruas, o contato com as autoridades de trânsito da cidade é outra tarefa do produtor de locação. Em caso de filmagens em áreas de preservação, esse profissional é também o responsável pela limpeza do lugar, além de toda a negociação com órgãos de proteção ambiental, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) ou o Instituto Chico Mendes (ICMBiol). O produtor Jessel Buss conta que a autorização para filmar o longa Encantados (2014), de Tizuka Yamasaki, na Restinga da Marambaia, Rio de Janeiro, foi uma das mais difíceis de conseguir. “Foi preciso uma ampla negociação com todas as entidades envolvidas, com apelos ao Ministro da Defesa, ao Comando do Centro Tecnológico do Exército e ao Ministro do Meio Ambiente que nos exigiram uma

defesa e um comprometimento realmente muito sério do projeto. Após um número gigantesco de reuniões, com inúmeros departamentos dessas entidades, nos foi concedida a autorização”, lembra.

INCENTIVOS LOCAIS Apesar de cidades grandes como Rio de Janeiro e São Paulo terem uma variedade enorme de cenários possíveis, às vezes a demora para obter uma autorização para gravar uma cena pode atrapalhar o andamento da filmagem. Em cidades menores, porém, como Laguna, em Santa Catarina, o filmmaker Cristiano Burlan diz não ter sentido qualquer dificuldade para gravar o documentário O Boto e o Homem (2012). Quando se apresentou na Secretaria de Cultura do município, dizendo que gostaria de filmar algumas cenas para um longa, a prefeitura deu todo o suporte


Os sucessos Bruna Surfistinha (2011), acima, e Salve Geral (2009), abaixo, tiveram algumas cenas gravadas na cidade de Paulínia, interior de São Paulo

para que ele realizasse o trabalho. Algumas cidades têm ainda incentivos para que se rodem filmes em suas ruas, pois isso estimula a economia local. Uma delas é Paulínia (SP), a 126 quilômetros da capital paulista, e que promove até um famoso e respeitado festival de cinema. A Secretaria de Cultura de Paulínia dá o suporte necessário para que produções sejam gravadas lá. A contrapartida é que se contrate profissionais da cidade. Sucessos do cinema nacional, como Salve Geral(2009), Chico Xavier (2010), Bruna Surfistinha (2011) e O Menino da Porteira, tiveram cenas filmadas na cidade. O fato é que, independentemente do tamanho da produção, para conseguir as autorizações e os espaços ideais para um filme, é necessário ter planejamento e persistência. Caso contrário, nem o melhor produtor de locações poderá ajudá-lo. FILM MAKER

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