Filmmaker 20

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Nº 20

Saiba por que os diálogos são parte vital para a criação de um bom roteiro

Filmagem de Casamento

Teste

exclusivo

Quatro profissionais renomados passam a sua receita de sucesso

Lições de um diretor de fotografia

nikond750 Ela tem sensor full frame, monitor móvel, controle elétrico de abertura e outros bons recursos de filmagem

Veja o que o italiano Luca Bigazzi, do premiado A Grande Beleza, ensinou em sua aula no Brasil

Conheça Joe Penna, o brasileiro que é uma celebridade

internacional na web

Áudio de cinema

Conheça as oito etapas para ter um som de qualidade

FilmeCon agrada a

jovens filmmakers com

palestras de primeira e boa organização


Cinema

UMA BREVE AULA DE

DIREÇÃO DE

FOTOGRAFIA O italiano Luca Bigazzi, premiado fotógrafo de A Grande Beleza, esteve no Brasil para falar da profissão e de seus filmes. Para os mais jovens, mostrou ser um entusiasta da era digital POR KARINA SÉRGIO GOMES

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estaque do Oscar 2014, o longa italiano A Grande Beleza, de Paolo Sorrentino, foi o vencedor na categoria Melhor Filme Estrangeiro. Um dos pontos altos da obra é a fotografia dirigida pelo milanês Luca Bigazzi, 56 anos, que esteve no Brasil em novembro de 2014 para uma MasterClass na FilmCup Brasil & Itália, encontro entre produtores de audiovisual para debater e trocar informações sobre o mercado dos países. Simpático e falante, Bigazzi comentou, para um auditório lotado, sobre sua carreira e a profissão de diretor de

O diretor de fotografia Luca Bigazzi esteve no Brasil para ministrar uma MasterClass em São Paulo (SP)

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fotografia, e, de certa forma, surpreendeu muita gente ao se declarar totalmente favorável às filmagens digitais – apesar de ter rodado A Grande Beleza em película. Como muitos jovens que estavam na plateia para vê-lo, Bigazzi contou que assim que terminou o colegial, em 1977, aos 18 anos, precisava trabalhar. Sem saber o que gostaria de fazer profissionalmente e com a necessidade de ganhar o próprio dinheiro, conseguiu um emprego como secretário de edição em uma agência de publicidade. Nas horas vagas, ia ao cineclube de Milão ver clássicos dos cinemas


Fotos: Divulgação

Bigazzi confere o enquadramento no set de A Grande Beleza, filme que ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2014

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Cinema

O ator Toni Servillo dá vida ao playboy Jep Gambardella em A Grande Beleza, de Paolo Sorrentino: Bigazzi filmou em película, mas é adepto do digital

italiano e mundial e fazia fotografias em P&B. Até que, em 1983, reencontrou um amigo de colégio, o diretor Silvio Soldini, que tinha acabado de voltar de Nova York, EUA, após uma temporada para estudar cinema. Com a ideia de colocar o que aprendera em prática,

Soldini convidou Bigazzi para fazer um filme, Paesaggio con Figure, filmado em P&B com película de 16 mm. “Você tem certeza de que quer que eu faça o filme com você”?, questionou Bigazzi, que na época não tinha experiência com fotografia. A resposta afir-

Os atores Bruno Ganz e Licia Maglietta em Pães e Tulipas (1999), do diretor Silvio Soldini

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mativa de Soldini foi o passaporte que o levou para o mundo de cinema e a uma firme parceria – com Soldini, Bigazzi filmou Pães e Tulipas (1999), com o qual ganharam o David di Donatello Awards (considerado o Oscar Italiano), e Brucio nel Vento (2001). Além do amigo de colégio, Bigazzi trabalhou com outros diretores italianos, como Mario Martone (Morte di un Matematico Napoletano,1992; L'Amore Molesto,1995), Giuseppe Piccioni (L'America, 1994; Così Ridevano, 1998; Le Chiavi di Casa, 2004; La Stella che non C'è, 2006 ), Daniele Ciprì e Franco Maresco (Lo Zio di Brooklyn, 1995; Totò che Visse Due Volte, 1998), e firmou uma longa parceria com Paolo Sorrentino com quem filmou Le Conseguenze dell'Amore (2005), L'Amico di Famiglia (2006), Il Divo(2008), Aqui é o Meu Lugar (2011) e o recente A Grande Beleza (2013). O italiano também dirigiu a fotografia de A Cópia Fiel(2010), do diretor iraniano Abbas Kiarostami.


Fotos: Divulgação

O ator americano Sean Penn dá vida ao rock-star decadente Cheyenne em Aqui é o Meu Lugar (2011), mais uma produção da dupla Sorrentino e Bigazzi

Autodidata, tudo que Bigazzi aprendeu sobre cinema foi dentro do set de filmagem ao longo dos 30 anos de carreira. Segundo ele, a escola de cinema italiano é arcaica. “Já filmávamos com filmes coloridos e na universidade estavam ensinando como iluminar para fazer filmes em preto e branco. As películas nos anos 1980 já eram mais sensíveis e por isso não era necessário iluminar tanto um set de gravação como se fazia com os filmes monocromáticos”, lembra. Bigazzi brigou muito para conseguir mudar o pensamento nas equipes com as quais trabalhou. O diretor, defensor do uso da câmera de mão, dispensa aparatos como steadycame gosta de trabalhar sempre com o diafragma da câmera bem aberto, pois costuma montar uma iluminação simples, suave e muito pontual nas produções em que dirige a fotografia. Para ele, esses detalhes trazem mais realismo.

Simone Falso

FOTOGRAFIA NÃO É SÓ LUZ

O diretor Andrea Segre (à dir.) e Bigazzi no set do longa La Prima Neve, que ainda será lançado

“Dizem que fotografia é luz, mas discordo. O enquadramento é muito mais importante”, afirma. Segundo o diretor, o principal de uma produção audiovisual deve ser o ator. O elenco e o câmera não devem ficar se preocupando com a luz. E com intuito de dei-

xá-los livres, Bigazzi ilumina a cena de maneira que os equipamentos sejam pouco notados e fiquem bem distribuídos. “A luz deve ser leve e invisível. E, para atingir esse resultado e ter uma iluminação que englobe toda a cena, é fundamental dialogar bastante com o FILM MAKER

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Cinema

Acima, Toni Servillo, protagonista de El Divo, que conta a história do político Giulio Andreotti; ao lado, Bigazzi durante as filmagens

ficou ótimo. Aquela luz baixa deu exatamente o tom que buscávamos. Devemos assumir os erros, pois ajudam a estimular a criatividade”, ensina.

Fotos: Divulgação

UMA PARCERIA

cenógrafo para que ele também pense nisso”, ensina. O diretor italiano afirma que não há muito tempo para fazer uma luz atraente em um set porque ele precisa ser rápido – na Itália se filma vinte cenas em nove horas. “Quando quero caprichar demais na luz sempre ocorre algo errado”, brinca. No filme Il Divo (2008), Bigazzi se esmerou para iluminar toda a rua com 48

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lâmpadas a vapor de sódio antes de gravar uma cena em que a personagem principal chegava de carro durante uma chuva e ficava presa dentro do veículo. Tudo parecia perfeito até ele perceber que tinha esquecido de iluminar o carro onde o protagonista estaria e não dava mais tempo de criar uma luz especial. A solução encontrada foi colar uma fita de luz de led no teto dentro do automóvel. “Achei que não ia dar certo, mas

Luca Bigazzi explica que direção de fotografia está a serviço do diretor e deve contribuir para contar a história. Um dos truques básicos que o diretor de fotografia italiano contou para os jovens cineastas na plateia é não fazer o diretor do filme perder tempo para gravar as cenas duas vezes de ângulos diferentes. “Hoje é inconcebível fazer um filme sem duas câmeras. Filmar em dois ângulos distintos é o mínimo”, afirma. E, com a finalidade de ganhar ainda mais agilidade, Bigazzi trabalha sempre com a mesma equipe – o foquista está com ele há 15 anos. “Gosto de trabalhar com as mesmas pessoas porque você reduz a necessidade de ter de ficar explicando o que quer e também pela


Fotos: Divulgação

Cinema

Acima, os atores William Shimell e Juliette Binoche em cena do filme Cópia Fiel, de Abbas Kiarostami, cuja fotografia é assinada por Bigazzi, ao lado

O NOVO SEMPRE VEM

parceria que você mantém com aquela pessoa. Cria-se um sentimento de solidariedade um com outro”, explica. Bigazzi prefere trabalhar com diretores que deem liberdade para ele criar os enquadramentos que acha melhor. No entanto, não se incomoda em prestar serviço aos mais centralizadores. “Hoje, o diretor de fotografia é excessivamente exposto. A concepção do filme é do diretor. O diretor de fotografia deveria receber menos méritos”, afirma ele. Quando filmou Cópia Fiel, de Abbas Kiarostami, Bigazzi serviu exatamente para ser o olho do diretor. “Ele é um diretor muito rigoroso. Filmávamos uma cena por dia porque cada take era gravado várias vezes por diferentes ângulos”, lembra. 50

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Bigazzi é um entusiasta das novas tecnologias e repreende os jovens que estão entrando para o mercado e sonham em filmar em 8 mm. “Hoje, temos câmeras digitais maravilhosas que filmam em HDR, efeito que demorei uma vida para conseguir fazer com filme porque era preciso saber fazer muito bem uma dupla exposição. Não tem por que ter apego ao passado”, diz. Na Itália, segundo o diretor, há uma resistência muito grande em aceitar novidades, seja de avanços tecnológicos ou mesmo no mercado. Um jovem cineasta tem muita dificuldade em conseguir espaço, pois há uma preferência geral pelos profissionais já estabelecidos. Para retratar essa vida apegada ao passado do personagem Jap Gambardella (interpretado por Tono Servillo), em A Grande Beleza, Bigazzi filmou todo o longa em película a pedido do diretor Paolo Sorrentino. “Exorcizei todos os meus pecados. Essa foi a úl-

tima vez que filmei em película.”, afirma. Contou ainda que perdeu dois dias de filmagem por conta da revelação malfeita de dois rolos. Embora tenha usado o método arcaico para captar as imagens, a edição foi totalmente digital. Muitos elementos, como uma girafa que aparece em determinada cena, foram colocados via software depois, caso também de cenários que foram construídos durante a edição. “Para que perder tempo com esses detalhes que podemos resolver de forma simples e com alta qualidade na pós-produção? A tecnologia hoje nos dá mais liberdade de expressão”, explica. Bigazzi não gosta apenas de novidades tecnológicas: também se interessa em conviver com gente jovem. Em seu tempo livre, dedica-se ao Macao, um coletivo de jovens produtores de audiovisual. Lá trocam informações, produzem filmes, dão aulas de cinema para meninos de bairros carentes de Milão, organizam mostras de cinema e debates. “Já estou ficando velho. Mas tem muita gente jovem produzindo coisas interessantes por aí”, diz, com modéstia.


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